SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 número3La Educación especial en Chile, en la perspectiva del Dr. Jaime Caiceo EscuderoEl ensino de música en el Maranhão: un análisis en los libros escolares de Perdigão (1869) y Rayol (1902) índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.18 no.3 Uberlândia set./dic 2019  Epub 17-Ene-2020

https://doi.org/10.14393/che-v18n3-2019-7 

ARTIGOS

O processo de criação da Escola Nacional de Circo no Brasil: aproximações entre estado, cultura e educação

Gláucia Andreza Kronbauer1 
http://orcid.org/0000-0003-2338-7685; lattes: 3052430705928103

Maria Isabel Moura Nascimento2 
http://orcid.org/0000-0001-6243-9973; lattes: 9271546918567505

1Universidade Estadual do Centro Oeste (Brasil) glaucia.kronbauer@gmail.com

2Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil) Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq misabelnasc@gmail.com


Resumo

O circo tem forma diversas de organização e se configura, atualmente, como uma manifestação artística plural e que soube se adaptar às exigências da contemporaneidade. Muitas companhias têm na família elemento central, na itinerância um modo de vida, e na criança a garantia de sobrevivência. Em certo contexto, no entanto, parece que as relações intergeracionais deixaram de ser as principais responsáveis pela sobrevivência do circo e começaram a surgir instituições escolares específicas para a formação de artistas, como é o caso da Escola Nacional de Circo (ENC). As políticas para a educação e a cultura da década de 1970 no Brasil passaram a investir na formação de pessoal técnico e no direcionamento das ações culturais, minimizando a repressão dos anos de chumbo. Este texto teve o objetivo de analisar as relações entre o Circo, a educação, a cultura e o Estado brasileiro das décadas de 1970/80 que condicionaram a criação da ENC, instituição estatal e primeira do tipo na América Latina.

Palavras-chave: Circo; Continuidade; Cultura; Estado

Abstract

Circus has different form of organization and it’s currently configured as a plural artistic manifestation that knew how to adapt to contemporary times demands. Many companies have a central element in the family, roaming a way of life, and in the child a guarantee of survival. However, in a certain context, it appears that intergenerational relations are no longer primarily responsible for circus survival and specific school institutions for the training of artists began to emerge, such as the National Circus School (ENC). The cultural policies of the 1970s in Brazil began to invest in stimulating and directing cultural actions, minimizing the repression of the lead years. This text had the objective of analyzing the relations between Circus, culture and the Brazilian State of the 1970s and 80s that conditioned the creation of the National School of Circus, a state institution and the first of its kind in Latin America.

Keywords: Circus; Survival; Culture; State

Resumen

El circo tiene una forma diferente de organización y actualmente está configurado como una manifestación artística plural que supo adaptarse a las demandas de los tiempos contemporáneos. Muchas empresas tienen un elemento central en la familia, que deambulan por una forma de vida, y el niño la garantía de supervivencia. En cierto contexto, sin embargo, parece que las relaciones intergeneracionales ya no son las principales responsables de la supervivencia del circo y empezaron a surgir instituciones educativas específicas para la formación de artistas, tales como la Escuela Nacional de Circo (ENC). Em la década de 1970 las políticas culturales en Brasil están invirtiendo en el estímulo y la dirección de las actividades culturales, minimizando la represión de los años de plomo. Este estudio tuvo como objetivo analizar la relación entre el circo, la cultura y el estado brasileño de las décadas de 1970 a 1980 que condicionaron la creación de la Escuela Nacional de Circo, institución estatal y la primera de su tipo en América Latina.

Palabras Clave: Circo; Continuidad; Cultura; Estado

1. A Escola Nacional de Circo e a produção do conhecimento

O presente trabalho buscou analisar o contexto de criação da Escola Nacional de Circo (ENC) no Brasil, em 1982, a partir das relações com o Estado brasileiro e as políticas de educação e cultura do período da ditadura civil-militar. A ENC começou a ser discutida no Ministério de Educação e Cultura no ano de 1977 e foi inaugurada em 1982, sendo a única instituição de formação de artistas circenses em funcionamento mantida integralmente pela Fundação Nacional das Artes (FUNARTE).

As primeiras produções acadêmicas sobre o circo no Brasil datam da década de 1970/80. Este também é o período de implantação das nossas primeiras escolas de circo. A Academia Piolin de Artes Circenses, instituição estatal, foi fundada em São Paulo em 1978, mas em 1983 já havia fechado suas portas (SILVA E.; ABREU, 2009). Nos anos seguintes surgiram a ENC, criada pelo Governo Federal (1982, Rio de Janeiro), o Circo Escola Picadeiro (São Paulo, 1984) e a Escola Picolino de Circo (Salvador, 1985) (Ibidem). Esse movimento se ampliou consideravelmente e, atualmente, o Brasil possui centenas de escolas de circo, diversificando os espaços ocupados por essa manifestação artística, e as pessoas que assistem, mas também executam práticas circenses.

Em levantamento realizado no ano de 2012 encontramos 77 trabalhos de pós-graduação, entre dissertações de mestrado, teses de doutorado e de livre-docência que tematizavam o circo (KRONBAUER; NASCIMENTO, 2013). Ao atualizarmos essa informações com dados obtidos no presente ano, a partir do banco de dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), encontramos outros 49 trabalhos de pós-graduação sobre o circo produzidos entre os anos de 2012 e 2019. Entre estes 126 trabalhos, podemos destacar objetos de estudo específicos como história do circo (36), a arte do palhaço (25) e o circo-teatro (24). Quando direcionamos nosso olhar para as escolas de circo e a formação do artista circense, encontramos 16 trabalhos, dos quais quatro possuem certa aproximação com a ENC.

A dissertação de Rodrigo Matheus (2016) apresenta elementos da criação da Academia Piolin de Artes Circenses e do Circo Escola Picadeiro, no Estado de São Paulo. Ambas as instituições foram fundadas no mesmo período da ENC, buscando atender objetivos semelhantes. A tese de Rodrigo Duprat (2014) aborda os processos de formação dos artistas circenses na atualidade, passando por uma breve leitura histórica da criação das primeiras escolas de circo no Brasil.

Entretanto, apenas nossa tese de doutorado defendida em 2016 (KRONBAUER, 2016), e uma dissertação de mestrado se ocuparam especificamente da ENC, objeto desta pesquisa. Parte dos resultados da tese serão discutidos neste artigo. A dissertação, de autoria de Rosa Maria Ramos, constava de uma breve descrição sobre a fundação da escola, e procurava atentar com mais afinco à organização curricular, sua estrutura física, o perfil dos alunos, o corpo docente, entre outros, no período de realização da pesquisa (RAMOS, 2003).

Na intenção de contribuir para a produção de conhecimentos sobre o circo e sua história, mas também sobre as sociedades humanas como protagonistas e fruto dessa história, partimos da concepção de que a organização social em diferentes tempos e espaços se pauta na relações que estabelecemos nos modos de produção da vida material (MARX E ENGELS, 2007). O ser humano se torna humano a partir da transformação da natureza para produzir a sua existência - o trabalho - e esse processo é dialético: a natureza oferece condições para a produção da vida material e o ser humano a transforma com seu trabalho; a natureza se torna produto do trabalho, ao mesmo tempo em que o próprio ser humano é transformado, constituindo-se, assim, uma realidade social (NETTO, 2011). Há uma “dupla determinação de uma insuperável base natural e de uma ininterrupta transformação social dessa base” (LUKÁCS, 2012, p. 285). Por isso, as relações que serão pautadas no texto não são de causa-efeito, mas processos em constante movimento, que envolvem múltiplos condicionantes.

No Brasil, o Circo Moderno, ou Circo Tradicional, se tornou um importante difusor cultural e entretenimento de grande parte da população nas cidades e no campo, entre elite e periferia. O circo tinha na família um de seus valores institucionais essenciais (COSTA, 1999). A criança simbolizava a certeza de continuidade e, por isso, a preocupação com a sua educação e formação artística era central para todos os membros de uma companhia - ensinavam a ser artista, mas também ensinavam os conhecimentos necessários para viver no circo (SILVA E, 1996). A formação do artista acontecia no cotidiano das pequenas troupes e das grandes companhias, concomitante à formação para a vida. Nesse contexto, o espetáculo era resultado da construção da vida das mulheres, dos homens e das crianças que faziam o circo, em constante processo de aprendizagem. Contudo, ao que parece, em certo momento as relações intergeracionais não supriram mais a necessidade de formação de artistas e não garantiram a sobrevivência do circo.

O discurso sobre “a crise do circo” era recorrente nas falas dos circenses. Entre os fatores elencados por Rodrigo Matheus (2016), podemos citar: a desvalorização do circense e a falta de reconhecimento como categoria profissional, que desestimulou muitos circenses a permanecerem no circo; a ampliação dos meios de comunicação em massa, principalmente a televisão, que proporcionou entretenimento barato sem a necessidade de sair de casa; a substituição do transporte ferroviário por investimentos na malha rodoviária e na indústria automobilística no Brasil, a partir da metade do século XX, que tornou a itinerância mais cara para a companhia, e mais autônoma para o artista (possibilidade de adquirir um automóvel), enfraquecendo os vínculos; e a busca pela educação formal, que tirou muitas crianças do circo, interrompendo os processos de continuidade. Nesse cenário, uma escola de circo pareceu ser parte da resposta aos anseios dos circenses.

Além disso, percebemos em muitas biografias, relatos e páginas dos jornais da época certa aproximação entre a instituição circense e o Estado brasileiro. Políticos frequentavam os espetáculos, pessoas de origem circenses ocupavam cargos e espaços de discussão no governo, artistas influentes das mais diversas atividades buscavam no circo elementos para sua arte e propunham políticas de integração. Enfim, estabeleceu-se um cenário favorável para o apoio, por parte do Governo Federal, à criação de uma escola de circo no Brasil. Talvez não fossem, exatamente, ações que atingissem a dimensão necessária para consolidar o circo como uma manifestação artística na perspectiva do teatro ou da dança, mas, pela primeira vez, havia alguma atenção por parte do governo.

Entretanto, essa aproximação não era, de forma alguma, desinteressada. Pelo contrário, este texto trará elementos para que compreendamos como as artes, e em especial o circo, se configuraram como instrumento para a formação do novo homem brasileiro que se desejava para o fim do século XX. Cabe mencionar que o Brasil experimentava um período ímpar de sua história: a ditadura civil-militar tinha a sua frente Ernesto Geisel, presidente cuja missão era preparar o país para a abertura política e uma nova fase de desenvolvimento (SILVA V, 2001).

Neste sentido, observamos que as relações entre a vida no circo, o papel educativo da cultura e o Estado brasileiro no final da década de 1970 foram fundamentais para a criação da ENC - não explicam a totalidade, mas certamente fazem parte dela. Como aponta Kuenzer (1991), a relação entre o sistema produtivo e a escola não é determinista, mas também não é inexistente; ela é dialética. Assim também são as relações de aproximação e afastamento entre a educação, a cultura, o Estado, o sistema produtivo, o circo e a ENC.

[...] essa dialética é incompreensível para quem não é capaz de colocar-se acima daquela visão primitiva da realidade, segundo a qual só se reconhece como materialidade, aliás como objetivamente existente, a coisidade, atribuindo todas as demais formas de objetividade (relações, conexões, etc.), assim como todos os espelhamentos da realidade que se apresentam imediatamente como produtos do pensamento (abstrações, etc.) a uma suposta atividade autônoma da consciência. (Lukács, 2012, p. 314).

Por isso, este texto tem o objetivo de analisar as relações entre o circo, a cultura como instrumento educativo e o Estado brasileiro das décadas de 1970/80 que condicionaram a criação da ENC, instituição estatal e primeira do tipo na América Latina.

1.1 Trajetórias Metodológicas

O Circo é uma arte, ou um conjunto de manifestações artísticas, que se constitui nas relações sociais de produção da existência, no cotidiano, no convívio intergeracional, no corpo, na linguagem dita, e nem sempre escrita. Por isso, para a seleção das fontes dessa pesquisa, foi importante abrir as possibilidades para encarar as mais diversas formas de comunicação como uma fonte em potencial, como é o caso de entrevistas, depoimentos, reportagens, obras literárias e biográficas, entre outros. Como afirma Tonet: “[...] será a realidade objetiva (o objeto), no seu modo próprio de ser, que indicará quais devem ser os procedimentos metodológicos.” (TONET, 2013, p. 112).

Para tanto, entrevistamos importantes personagens para a história da ENC, entre os quais destacamos seus fundadores: Luiz Olimecha (circense) e Orlando Miranda (presidente do Instituto Nacional de Artes Cências - INACEN). As entrevistas e a divulgação das identidades dos entrevistados foram realizadas com sua anuência. Trata-se de entrevistas semi-estruturadas (MINAYO, DESLANDES E GOMES, 2010) nas quais, inicialmente, solicitávamos que os participantes falassem livremente sobre sua vida no circo e sobre sua relação com a escola. A partir das histórias relatadas, direcionávamos questões específicas sobre a organização do trabalho quando eram artistas, e sobre o processo de criação da ENC. Vale considerar que a história de cada personagem pode ser nebulosa quando contada por um historiador nada confiável cujos olhares sobre uma mesma realidade podem ser distintos, por isso, demanda um olhar criterioso do pesquisador e o diálogo com outras fontes. Assim sendo, sob esses cuidados, sua contribuição é essencial para o entendimento do processo total, pois possibilita conhecer o universal e as diferentes formas que ele assume nas singularidades de cada indivíduo (HOBSBAWM, 2012).

No CEDOC da FUNARTE e no acervo da ENC foram encontradas reportagens de jornais, atas de reuniões, projetos para a construção da escola, regulamentos, currículos dos professores, lista de matrículas, entre outros, além de várias fotografias. Tivemos acesso também às fotografias do acervo pessoal de Orlando Miranda, e à um vídeo com a primeira exibição pública realizada pelos alunos da primeira turma do curso de Iniciação às Artes Circenses da ENC, do acervo pessoal de Edson Pereira da Silva, aluno desta primeira turma e, atualmente, professor da ENC. Para as fontes primárias, estabelecemos o período entre 1975 e 1984, o que corresponde ao ano de aprovação da Política Nacional de Cultura (PNC, BRASIL, 1975), e o ano em que a primeira turma de alunos da ENC concluiu o curso de iniciação nas artes circenses, respectivamente. No entanto, para compreender o processo à partir desse período, será necessário ampliar as discussões para a história do circo no Brasil, e como ele se consolidou com importante veículo de disseminação da arte e da cultura popular brasileira.

2. Os circos dos muitos Brasis...

O Circo Moderno inaugurado pelo cavaleiro Philip Astley, na Europa do século XVIII, trouxe a centralidade da relação entre circo e teatro, integrando as pantomimas e a arte equestre com a linguagem circense dos acrobatas, saltimbancos, funâmbulos, prestidigitadores e outros artistas (TORRES, 1998; BOLOGNESI, 2009). No Brasil, a linguagem circense já perambulava por espetáculos de dança e teatro no século XVII, mas foi com a instalação das primeiras companhias no século XIX, fortemente influenciadas pelo movimento Europeu, que o circo se tornou Circo.

Os espetáculos circenses, ao contrário do que acontecia no teatro, investiam na diversão, em surpreender a platéia com elementos até então inconcebíveis. Não apenas seus elementos gestuais eram perturbadores, como também sua organização familiar que a todos acolhia em laços de solidariedade que superavam aqueles de sangue; o encantamento do incerto que desestruturou famílias; o dispêndio de energia que não gerava de trabalho útil; nada disso era condizente com a estabilidade da nova ordem que se pretendia instaurar no país: “Ali, este poderia abandonar ou afrouxar os comportamentos exigidos de senhoras e senhores civilizadamente educados” (DUARTE, 1993, p. 241).

Apesar das fortes críticas a um dito “empobrecimento” das artes cênicas, o circo se transformou em um potencial agente de democratização da arte, pois sua pluralidade e, principalmente, sua itinerância possibilitaram aos diferentes grupos sociais o acesso a música, ao teatro, a literatura, a dança, às artes cênicas em geral, nos mais distantes locais do território nacional.

Não se pode estudar a história do teatro, da música, da indústria do disco, do cinema e das festas populares no Brasil sem considerar que o circo foi um dos importantes veículos de promoção, divulgação e difusão dos mais variados empreendimentos culturais. [...] Divulgavam e mesclavam os vários ritmos musicais e os textos teatrais, estabelecendo um trânsito cultural contínuo das capitais para o interior e vice-versa. (SILVA E ABREU, 2009, p. 48).

No século XX os idealizadores do movimento modernista que culminou com a Semana da Arte Moderna, em 1922, eram profundos admiradores do circo, onde se encontravam constantemente (COSTA, 1999). O movimento modernista buscaria na identidade do povo brasileiro, expressa na cultura popular, os fundamentos para a construção de uma sociedade moderna apropriada ao Brasil. Reforçar a identidade nacional a partir da cultura popular era uma forma de apresentar o homem brasileiro como um indivíduo forte e capaz de, por um lado, transformar a realidade e, por outro lado, reproduzi-la ao movimentar um novo sistema produtivo industrial que se pretendia instaurar e contribuir na defesa da nação. Remetemo-nos, primeiramente, ao conceito de cultura proposto por Trotski:

Comecemos lembrando que cultura significou originalmente campo arado e cultivado, em oposição à floresta ou ao solo virgem. A cultura se opunha à natureza, ou seja, o que o homem havia conseguido com seus esforços contrastava com o que havia recebido da natureza. Esta antítese fundamental conserva seu valor atualmente. Cultura é tudo o que foi criado, construído, aprendido, conquistado pelo homem no curso de sua história, diferentemente do que recebeu da natureza, incluindo a própria história natural do homem como espécie animal (TROTSKI, 2013, p. 2).

Para o autor, a cultura contempla a produção material humana expressa pelos instrumentos, máquinas, edificações, etc, a partir das relações estabelecidas entre a humanidade e as condições materiais concretas disponíveis, isto é, “todo tipo de conhecimento e habilidades para lutar com a natureza e subjugá-la” (Ibidem, p. 2).

A cultura compõe também as superestruturas, o conjunto de métodos, habilidades, costumes e valores que se desenvolvem no processo de produção da vida material que, atendendo às necessidades do sistema produtivo, condicionam comportamentos adequados a cada época e a cada sociedade. No entanto, o processo de internalização da cultura não é algo que se dá por vias da natureza (MÉZAROS, 2008). É importante assumir que o ser humano aprende a ser humano a partir dos processos educativos. Podemos pensar na seguinte relação: as formas de sociabilidade em diferentes tempos e espaços são condicionadas pelos modos de produção da vida material que compõem o arcabouço cultural; por meio da educação (formal ou informal; intencional ou espontânea; institucionalizada ou não), esse arcabouço cultural é internalizado e as formas de sociabilidade se reproduzem.

O estágio de desenvolvimento das forças produtivas gerou, ao longo da história, grupos que ocupam espaços diferentes na hierarquia social, - os que trabalham, e os que vivem do trabalho do outro / os proprietários e os não-proprietários dos meios de produção / os exploradores e os explorados / a burguesia e o proletariado “[...] porque com a divisão do trabalho está dada a possibilidade, e até a realidade, de que as atividades espiritual e material - de que a fruição e o trabalho, a produção e o consumo - caibam a indivíduos diferentes [...]” (MARX E ENGELS, 2007, p. 36). Por isso, há produções culturais distintas elaboradas por e para cada um desses grupos e a possibilidade do apreender os antagonismos entre uma cultura dita popular, e outra cultura elitista, somente se dá em uma sociedade de classes (SODRÉ, 1962).

Fundamentado por Sodré (1962, p. 14), para quem “em todas as situações, povo é o conjunto das classes, camadas e grupos sociais empenhados na solução objetiva das tarefas do desenvolvimento progressista e revolucionário na área em que vive”, Ortiz analisa a cultura popular a partir de seu aspecto de “tradição”, ou saber tradicional, ou ainda de conservação de uma memória coletiva que une e identifica os diferentes representantes do povo. O autor discute ainda a aproximação que muitas vezes se faz entre a cultura popular e o folclore, como uma produção das classes subalternas que busca na autenticidade de suas manifestações a manutenção da realidade, sem perspectivas de transformação (ORTIZ, 2003). Ou seja, a busca de uma identidade nacional na cultura popular, quando confundida com o folclore1, poderia também ser entendida como uma estratégia política de ocultar os antagonismos de classe.

Mas os modernistas trouxeram a brasilidade como elemento central das artes e perceberam no circo a possibilidade de uma nova estética que propunha a valorização das tradições populares. Alcântara Machado, por exemplo, “soube extrair das experiências do espetáculo - teatro, cinema, circo - dados novos para abrir novos rumos da criação em prosa” (LARA, 1987, p. 11). Da mesma forma, afirmou Mário de Andrade: “Os únicos espetáculos teatrais no Brasil que a gente ainda pode frequentar são o circo e a revista. Só nestes ainda há criação”2.

O famoso palhaço Piolin3 foi um interlocutor entre o circo e os modernistas, considerado um exemplo de “brasileirice”, com sua simplicidade e ingenuidade. Tamanha foi sua representatividade na cultura popular e no circo, que o Dia do Circo é comemorado no dia 27 de março, em sua homenagem. Para Alcântara Machado “Piolin e Alcebíades4 são palhaços, o que quiserem, mas são os únicos elementos nacionais com quem conta o nosso teatro de prosa. Devem servir de exemplo, como autores, para os colegas que os desprezam a ignoram”5. Alice Viveiros de Castro, afirma que a obra “O Rei da Vela”, escrita por Oswald de Andrade em 1933 e publicada em 1937, é uma homenagem do escritor à Piolin (CASTRO, 2005). A inclusão de dois Abelardos (Abelardo I e Abelardo II) como personagens principais da história, certamente atesta para a presença de Piolin no imaginário do escritor.

Anos mais tarde, no Brasil da década de 1970 a concepção de cultura popular, expressa na arte popular, entre outras formas de manifestação, assumirá outra perspectiva. Os românticos revolucionários do período da ditadura militar, de quem fala Marcelo Ridenti (2014), também buscariam na cultura do homem simples de origem campesina, uma pretensa identidade para o povo. Intelectuais como Ferreira Gullar, Carlos Estevam, entre outros, verão na cultura popular a expressão das contradições e a possibilidade de tomada de consciência das massas populares, únicos agentes capazes de transformar o Brasil em um país de igualdade e justiça social, em oposição à concentração de renda e a miséria em que vivia a maioria da população.

Da mesma forma, o Estado brasileiro verá no circo a expressão da brasilidade e, ao mesmo tempo, um instrumento de disseminação ideológica, seja por sua itinerância e capacidade de se comunicar com as massas populares de todo o território nacional, seja pelo seu conteúdo, capaz de espetacularizar os valores da sociedade burguesa.

Como expressão dessas contradições, o circo parece ter assimilado durante o século XX importantes elementos que integraram as ideias nacionalistas da década de 1930, e voltaram a estar em voga nos anos de 1970: a integração nacional - o circo atingia todo o território nacional; e a unidade na diversidade - o circo sintetizava os diversos em um mesmo espetáculo. Esses aspectos foram de grande relevância para que o Estado voltasse os olhos para o circo.

2. A ENC e o Estado brasileiro da década de 1970

A ENC foi inaugurada no ano de 1982. No entanto, já constava nos planos do Ministério da Educação e Cultura - MEC desde 1977. Com Ney Braga, suas ações incluíram práticas renovadas para a área, com PNC-1975, a regulamentação das profissões de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões, a reestruturação do MEC e a criação do INACEN. Seu sucessor, Rubem Ludwig, deu continuidade aos projetos criando o Serviço Brasileiro de Circo - SBC, em 1981, e inaugurando a ENC, em 1982.

Além disso, as políticas educacionais para o povo na ditadura estavam pautadas, em grande medida, na formação de pessoal técnico para atender as necessidades do processo de industrialização, ou seja, a educação deveria “capacitar para a realização de determinada atividade prática” (SAVIANI, 2008, p. 295). Cabe destacar que, neste caso, o pessoal técnico não se restringe aos trabalhadores das fábricas, mas a todo o aparato necessário para reproduzir o conjunto de métodos, habilidades, costumes e valores característicos do sistema capitalista. Ao mesmo tempo, cabia às universidades preparar o quadro de dirigentes do país (SAVIANI, 2008). A aproximação entre os princípios para as ações culturais e a política educacional não eram somente ideológicas, pois ambas ocupavam o mesmo Ministério.

Nesse contexto, Orlando Miranda inaugurou a política nacional de apoio ao circo, em sua gestão no Serviço Nacional de Teatro - SNT (Figura 1), que contou com ações como: o diagnóstico da situação dos circos brasileiros e financiamento de melhorias; a criação do Serviço Brasileiro de Circo - SBC; e a criação do Circo Nacional e da ENC no Rio de Janeiro.

Fonte: Acervo CEDOC/FUNARTE. Montagem da autora.

FIGURA 1 Política de amparo aos circos no Diário do Grande ABC (1978). 

A partir das relações entre educação, cultura e classe social, abordadas anteriormente, identificamos alguns interesses do Estado brasileiro em apoiar e financiar o circo, como instrumento de disseminação ideológica para a instrução das novas gerações, que precisavam aprender a viver em uma sociedade capitalista, burguesa, prestes a se abrir novamente para a democracia. Ao mesmo tempo e, contraditoriamente, esse circo no qual se investia era também uma manifestação artística de grande potencial de recuperação da universalidade humana perdida nos processos de trabalho e nas liberdades cerceadas durante a ditadura. Nas palavras de Trotski, “Sim, a cultura foi o principal instrumento da opressão de classe; mas também é, e somente ela o pode ser, o instrumento da emancipação socialista” (TROTSKI, 2013, p. 6).

2.1 Circo recebe forte apoio governamental 6

A aproximação do circo com o Estado brasileiro não era novidade. Desde o Brasil colônia os Imperadores eram profundos apreciadores desses espetáculos - relatou-nos Orlando Miranda que o patriarca da família Olimecha foi professor de Japonês do Imperador D. Pedro II. Todavia, não há referências sobre investimentos ou apoio à instituição circense em outro momento histórico como houve a partir dos anos de 1970.

As declarações de Ney Braga no dia da primeira exibição pública dos alunos da ENC, no ano de 1983, refletem os princípios que fundamentaram o incentivo às ações e políticas culturais daquele período, na voz de um representante do Estado e, ao mesmo tempo, admirador e incentivador das artes.

[...] Não é um país da esperança, é um país da certeza. Por isso, no setor cultural, no setor econômico, nada nos abate. Porque tem gente como você, como você que me ouve. E por isso nós estamos realizando no Brasil a maravilha de um espetáculo que hoje vimos, e tantas outras, que por certo são dignas do passado, e estão alicerçando um futuro de confiança, de crédito e de uma grande nação.7

Ney Braga, quando Ministro da Educação e Cultura (1974-1978) foi uma personalidade central na elaboração e aprovação da política nacional de apoio aos circos, até então inexistente no Brasil. Lucy Geisel, a filha do presidente, foi outra personalidade cujo nome é recorrente nas fontes, e parece ter sido peça importante de apoio aos artistas. Ruy Bartholo, reconhecido artista e empresário circense, narrou que certo dia, em uma temporada por Brasília, no ano de 1975, seu espetáculo contou com a ilustre presença de filha do Presidente, acompanhada de Ney Braga. Durante o intervalo, Lucy perguntou a Ruy o que o governo estava fazendo pelos circos e ele respondeu prontamente: “Nada, absolutamente nada” (BARTHOLO, 1999, p. 128). Ela o incentivou a procurar as esferas competentes.

As imagens a seguir revelam a proximidade entre agentes do governo e a ENC (Figura 2). Na imagem à direita, vamos Ney Braga e Luiz Franco Olimecha, primeiro diretor da ENC; na imagem superior a esquerda o coronel Sérgio Pasquali, na época Secretário Executivo do MEC, ao lado de Luiz Olimecha, George Laysson, domador, segurando um felino filhote, e mais ao lado Orlando Miranda, na época Presidente do INACEN; por fim, Lucy Geisel sendo homenageada na ENC.

Legenda: Da esq. para dir.: Cel. Pasquali, Luiz Olimecha, George Laysson (domador e professor da ENC) e Orlando Miranda (1982) (sup. esq.); Amália Lucy Geisel, recebendo homenagem na ENC (1982-84) (inf. esq.); Ney Braga e Luiz Olimecha (1982) (dir).

Fonte: Acervo pessoal de Orlando Miranda. Montagem da autora.

FIGURA 2 Presença de Ney Braga, Coronel Pasquali, e Amália Lucy Geisel na ENC (1982-84). 

Como descrevemos anteriormente, em uma sociedade dividida em classes estabelece-se a contradição entre os interesses daqueles que executam o trabalho e daqueles que dele usufruem, mas também “entre os interesses dos indivíduos ou das famílias singulares e o interesse coletivo de todos os indivíduos que se relacionam mutuamente” (MARX E ENGELS, 2007, p. 37).

Pertence ao Estado a função de intervir e maquinar essa contradição, por meio da formação de uma consciência social coletiva que naturalize as relações de produção e apresente os espaços ocupados por cada indivíduo como uma realidade estática e imutável. O que está em questão, neste caso, é simular interesses individuais da classe dominante como interesses coletivos para o bem de toda a sociedade. Cabe a educação, seja ela institucionalizada em escolas e universidades, ou seja a educação do cotidiano, “não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes [...]” (MÉZÁROS, 2008, p. 35).

Por isso, há de se supor que as políticas para a educação e a cultura, sob a égide do Estado civil-militar brasileiro na década de 1970 estariam, da mesma forma, interessadas em defender os interesses da classe dominante de sua época. Foi com esse objetivo que o regime civil-militar no Brasil assumiu o poder, tendo como métodos o planejamento, a racionalização das ações políticas e o estabelecimento da ordem social para, posteriormente, avalizar uma nova democracia sobre as bases de segurança e desenvolvimento.

Cabe lembrar que ao final da década de 1950 atingimos certo estágio de desenvolvimento das forças produtivas: próximos da autossuficiência, éramos capazes de transformar nossa riqueza natural em produtos industrializados e atender às necessidades da população. Com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1938, e a exploração do petróleo nos tornamos capazes de produzir maquinaria e energia próprias (COHN, 1981). Ao mesmo tempo, chegamos a certa estagnação econômica, uma vez que faltava mercado consumidor para absorver toda a produção, e com a falta de investimentos nos setores primários importávamos produtos de primeira necessidade. Grande parte dos lucros gerados pela indústria advinha de investimentos estrangeiros e, consequentemente, o capital não ficava por aqui.

As expectativas frustradas por um processo de desenvolvimento industrial às avessas, que deixou para as massas populares apenas o ônus, fortaleceu os movimentos de esquerda que exigiam maiores investimentos nos serviços sociais e reformas de base (SAVIANI, 2008). Da mesma forma, a classe empresarial se fortaleceu e, buscando apoio e aliança com as forças armadas, passou a perseguir as mobilizações populares para, em 1964, consolidar o Golpe de Estado e instaurar a ditadura.

Enquanto a internalização conseguir fazer o seu bom trabalho, assegurando os parâmetros reprodutivos gerais do sistema do capital, a brutalidade e a violência podem ser relegadas a um segundo plano [...] Apenas em períodos de crise aguda volta a prevalecer o arsenal de brutalidade e violência, com o objetivo de impor valores [...] (MÉZAROS, 2008, p. 44).

No âmbito da educação, os acordos entre o Brasil e os Estados Unidos para o financiamento da educação (conhecidos como Acordos MEC-USAID), a reforma Universitária (Lei 5.540/68) e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 5.692/71) facilitaram e entrada de capital privado nas instituições de ensino. Estas políticas educacionais se pautaram, fundamentalmente, nos princípios estabelecidos no Fórum “A Educação que nos Convém” (novembro de 1964), organizado pelo Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IPES), órgão criado em 1961 em articulação com empresários nacionais e internacionais e a Escola Superior da Guerra (ESG). De acordo com Saviani (2008) as discussões deste Fórum apresentaram os princípios pedagógicos do novo regime, entre os quais podemos citar: a educação para formar recursos humanos para o desenvolvimento (mão-de-obra técnica, com processos aligeirados de escolarização; universidades com cursos de curta duração para mão-de-obra qualificado; curso superior de caráter propedêutico para os futuros dirigentes da nação); racionalização dos investimentos, com ampla inserção do capital privado (maior produtividade com menor custo); atendimento às necessidades do mercado; além de programas de alfabetização das massas.

Algumas alterações importantes conduzidas, especificamente, pela Lei 5.692/71 foram: a inserção da Educação Artística nos currículos escolares, como uma atividade pragmática sem conteúdos próprios ou conhecimentos técnicos para fundamentá-la, desenvolvida a partir da espontaneidade e da criatividade individuais (SUBTIL, 2016); e a criação das disciplinas “Educação Moral e Cívica”, “Organização Social e Política do Brasil” e “Estudos dos Problemas Brasileiros”, além de um Programa de Saúde e Religião, optativo por aluno: “Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus [...]” (BRASIL, 1971).

Mas era importante garantir formas de disseminação ideológica para além das instituições de educação formal. Por isso, havia interesse do governo em regular com maior atenção as ações culturais que, até o momento, apresentavam certa hegemonia de esquerda. A utilização de meios de comunicação como ferramenta pedagógica também esteve entre as orientações do Fórum, o que possibilita-nos compreender outros elementos de importante articulação entre as políticas para a educação e para a cultura. A Doutrina de Segurança Nacional da ESG pregava investimento nas instituições sociais - educacionais, culturais e trabalhistas - percebendo-as como responsáveis pela transmissão e formação de valores e comportamentos (SILVA V, 2001).

por um lado, qualificar os agentes para o processo de modernização do setor produtivo e, por outro, promover a adoção de valores, atitudes e comportamentos considerados mais adequados aos novos padrões sociais que se pretendia alcançar, visando o tipo de desenvolvimento global almejado para o país (SILVA V., 2001, p. 119).

A cultura passou a ser considerada “complemento ao desenvolvimento tecnológico, o que significa que uma nação, para se tornar potência, deveria levar em consideração os valores ‘espirituais’ que a definiriam como civilização” (ORTIZ, 2003, p. 101). A censura, promovida no auge da ditadura militar, deixou marcas profundas na história da arte brasileira. Mas havia algo de novo nas terras tupiniquins...

Houve ampla dedicação do governo às políticas culturais. Em 1973 o então presidente do Brasil, General Emílio Médici, aprovou um novo Programa de Ação Cultural - PAC, com o objetivo de preservar e difundir o patrimônio histórico e artístico brasileiro. Constava no PAC a elaboração da Política Nacional de Cultura - PNC, que traçaria objetivos, metas e estratégias para o desenvolvimento cultural brasileiro. A PNC-1975 tomou forma com seu sucessor, General Ernesto Geisel (1974-1979) (SILVA V, 2001).

Uma das ações estratégicas de Geisel foi nomear Ney Braga como Ministro da Educação e Cultura (1974-1978). Com uma carreira política consolidada, Ney Braga foi governador do Estado do Paraná entre 1961-1965, e ajudou a eleger Castelo Branco, articulador e primeiro Presidente pós Golpe militar de 1964, do qual foi Ministro da Agricultura. Por isso, Ney Braga contava com o apoio dos militares. Da mesma forma, dotava de prestígio entre artistas e intelectuais de esquerda, devido a seu apoio e promoção de diversas ações no plano da cultura. Esse certamente foi um facilitador de seu mandato. Ao que parece, o AI-58, ao invés de minimizar a influência da esquerda no plano cultural, apenas intensificou a revolta contra o regime e aguçou a criatividade dos artistas da época (RIDENTI, 2014).

Por isso, aproveitando sua intimidade com o Estado, Ney Braga nomeou intelectuais e artistas de esquerda para postos no MEC, o que reduziu as tensões e aproximou o governo e os artistas. Durante sua gestão o AI-5 foi extinto, e o Concurso Nacional de Dramaturgia - Troféu Mambembe, foi retomado. Este havia sido suspenso em 1968, após Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha) conquistar o prêmio de melhor dramaturgia com Papa Highirte, sob justificativa de que o SNT premiava peças proibidas pela Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), foi retomado (SOUZA, 2011). Ironicamente, o concurso premiou, em sua primeira reedição em 1974, novamente Vianninha, desta vez com a peça Rasga Coração.

Cabe destacar que anos depois, em 1982, na condição de Governador do Estado do Paraná, Ney Braga viria a apoiar e financiar a produção do espetáculo “O Grande Circo Místico”, produzido para o Balé Teatro Guaíra, com trilha sonora de Chico Buarque e Edu Lobo. O espetáculo estreou em março de 1983 e apresentava a sonhada integração das artes cênicas - dança, circo, teatro - mencionada por Orlando Miranda em sua entrevista.

[...] achávamos que as artes cênicas deveriam ser dependentes umas das outras, ou seja, elas deviam estar integradas sempre. E eu sentia que o teatro estava precisando de uma grande oxigenação, alguma coisa a mais tinha que começar a acontecer dentro do teatro, que não fosse só apenas o ator representando o texto. (Orlando Miranda)

Durante a gestão de Ney Braga foi criada a FUNARTE (Lei n. 6.312, de 16 de dezembro de 1975), como principal órgão responsável pelo fomento às manifestações culturais, e aprovada a PNC-1975 (BRASIL, 1975), que dava as diretrizes, objetivos e traçava metas para as ações culturais. Anos depois, no Decreto 81.454, de 17 de maio de 1978, que dispôs sobre a organização do MEC, a FUNARTE aparece entre os órgãos centrais de planejamento, coordenação e controle financeiro da Secretaria de Assuntos Culturais (SEAC), vinculada ao Conselho Federal de Cultura (CFC), órgão colegiado do MEC. De acordo com seu estatuto, aprovado pela Portaria 627, de 25 de novembro de 1981:

Art. 2° - A FUNARTE tem por finalidade promover, incentivar e amparar, em todo o território nacional, e pratica o desenvolvimento e a difusão das atividades artísticas e culturais e, especificamente.

I - formular, coordenar e executar programa de incentivo das manifestações artísticas e culturais

II - apoiar a preservação dos valores culturais caracterizados nas manifestações artísticas e tradicionais representativas da personalidade do povo brasileiro; e

III - apoiar as instituições culturais oficiais ou privadas que visem o desenvolvimento artístico nacional.

Parágrafo Único - Na formulação e execução de seus programas, a FUNARTE observar as diretrizes, os objetivos e os planos do Ministério da Educação e Cultura.

Este mesmo estatuto previa a constituição do INACEN, que viria a ser dirigido por Orlando Miranda. Diferentemente dos demais institutos responsáveis pelas Artes Plásticas, Folclore e Música, o INACEN gozava de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Essa autonomia deu as condições necessárias para a criação do SBC, como órgão deliberativo. Este teve Luiz Olimecha como primeiro diretor.

A extinção da AI-5 e a aprovação da PNC-1975 contribuíram para que a repressão sobre as produções culturais fosse gradativamente diminuindo. Ao invés da censura, a nova perspectiva do governo apostava no “consenso espontâneo”, ou seja, em diretrizes de Estado que investissem no incentivo àquelas produções disseminadoras de valores e comportamentos adequados ao projeto de desenvolvimento nacional em execução. A ampliação na estrutura do MEC refletiu a intenção de abranger as mais diversas formas de manifestação cultural, ampliando significativamente seus instrumentos de disseminação ideológica. Chamamos a atenção para a forte presença militar e de ideais nacionalistas, ainda em 1984, quando, em alguns documentos da ENC constam sentenças de ordem:

Exército, presença nacional.9

Brasil: independência. Liberdade, ordem e progresso10

19 de novembro: dia da bandeira. A lembrança da pátria nos une11

Isso mostra, de certa forma, que assim como se diversificaram as manifestações culturais contempladas pelas políticas de cultura, ampliou também a influência dos ideais hegemônicos expressos na PNC-1975. Como aponta Marx, a classe que domina a produção material da vida é a mesma classe que regula o pensamento hegemônico desta época, a ideologia como uma concepção de mundo que atende os interesses dessa classe (MARX E ENGELS, 2007). O Estado se caracteriza como uma das instituições responsáveis por disseminar essa ideologia e, quando regula as manifestações artísticas, em última instância, a arte pode também assumir o papel de instrumento ideológico.

Por isso, as políticas de cultura propuseram que as manifestações artísticas fossem de fácil aceitação popular, que privilegiassem o potencial de comunicação em detrimento da forma, e nesse contexto, apologias políticas e reflexões aprofundadas sobre a realidade se tornavam desinteressantes (ORTIZ, 2003). O objetivo era criar formas de expressão que fossem aceitas sem críticas ou questionamentos, mas que, ao mesmo tempo, ensinassem os valores e a concepção de mundo propagados pela ideologia liberal: competitividade, sucesso conquistado pelo esforço individual, trabalho como valor máximo às classes subalternas, existência pautada no consumo em massa.

Tornou-se essencial a criação de uma identidade nacional adequada ao novo Brasil, que reforçasse a importância do sistema político dirigido pelos militares contra a ameaça comunista - “segurança e desenvolvimento”, uma nova bandeira para a “ordem e progresso” - e, para tanto, o fomento às manifestações culturais para disseminar essa identidade: caberia ao Estado “dar as diretrizes e prover facilidades” para que que os bens culturais evidenciassem os interesses dominantes em seu conteúdo, e alcançassem todo o território nacional (ORTIZ, 2003, p. 88). Era importante não apenas conservar valores tradicionais da cultura brasileira, mas também criar novos valores que contemplassem as transformações do mundo capitalista no qual o Brasil tardiamente adentrava.

A PNC-1975 apontava para os componentes básicos: artesanato e folclore, artes plásticas, literatura, dança, música, cinema, teatro, patrimônio histórico (símbolos nacionais) e científico, difusão da cultura; o circo não era mencionado especificamente. Ainda assim, em 1977 foi aprovado o Projeto Circo Nacional. Em janeiro de 1979, Orlando Miranda autorizou o início das obras.

O texto da PNC-1975 estava permeado pelos ideais de sociedade “homogênea” e “coesa”, construída por um povo “solidário”, “harmônico”, “dedicado ao trabalho”, que “respeita as autoridades” e que “acolhe” as mais diversas culturas na elaboração de uma cultura brasileira única (BRASIL, 1975). Essa ideia de harmonia está implícita no conceito tradicional do homem brasileiro, e se tornou imperativa para os conteúdos a serem contemplados nas produções culturais.

De acordo com Ortiz (2003), a imagem construída sobre a “raça” brasileira entre o final do século XIX e primeira metade do século XX traz o mestiço como seu representante maior. A síntese harmônica do branco europeu, do negro africano e do indígena americano teria dado origem a esse novo homem. Por isso, uma de suas principais características era a capacidade de incorporar aspectos de diferentes etnias e demonstrar o potencial do brasileiro em receber cordialmente o que é “de fora” e transformar com criatividade, a partir das especificidades “de dentro”. Neste sentido, ignorava as diferenças e desigualdades que percorriam o território nacional com o discurso de uma raça brasileira única. “O elemento da mestiçagem contém justamente os traços que naturalmente definem a identidade brasileira: unidade na diversidade. Esta fórmula ideológica condensa duas dimensões: a variedade das culturas e a unidade do nacional” (ORTIZ, 2003, p. 93, grifo nosso).

Em relação à disseminação, importante elemento para garantir a unidade/integração nacional, houve investimentos massivos do Estado na rede de telecomunicações, possibilitando a implantação da televisão, por exemplo (Ibidem).

Esses dois aspectos - conteúdo e disseminação - se tornaram importantes para a consolidação de uma nova fase do capitalismo e da ideologia liberal no país, e possuíam na instituição circense ilustrações evidentes. O primeiro deixava claro que estávamos prontos para receber as influências do capitalismo internacional e adequá-lo a La brasileira, assim como fez o circo no Brasil: com precursores vindos de diversas partes do mundo, soube se adaptar e ser contemporâneo em distintos tempos e espaços da história12. Por exemplo, trazia em seus espetáculos muitas alegorias que expressavam a criatividade, a bondade, a força do povo brasileiro. Destacamos ainda a importância da mestiçagem: o circo brasileiro era, por tradição, mestiço - portugueses, espanhóis, italianos, franceses, russos, peruanos, afrodescendentes trazidos como escravos, brasileiros, entre tantos outros - e seus espetáculos eram exemplos da unidade possível e desejável entre raças, cores, técnicas, etnias.

O segundo transformava brasileiros de Norte à Sul em uma só força, cada indivíduo, rico ou pobre, patrão ou empregado, artista, intelectual, governante, cumprindo sua função para o desenvolvimento da nação. A itinerância13 como valor essencial da identidade circense, pode ser analisada como importante elemento da unidade, uma vez que o circo carregava seus espetáculos e os signos neles contidos para todos os cantos do território nacional. Nas palavras de Orlando Miranda:

O circo foi uma grande integração nacional. Hoje você tem uma integração nacional pela televisão, antes você teve pelo rádio, e antes do rádio não existia essa história, quer dizer, o circo ia à lugares - e ainda hoje - vai a lugares que, se duvidar, nem a televisão e nem a rádio ainda não chega, o circo está presente.

A manipulação indireta da cultura era capaz de incutir valores e induzir comportamentos sem a repressão, por meio da disseminação do ideal da integração/identidade nacional, para o desenvolvimento de um homem genérico, o “verdadeiro” homem brasileiro (SILVA V, 2001). Implícita na ideia de unidade na diversidade, propagada pelas diretrizes da PNC-1975, está a suposta inexistência dos antagonismos de classe e das desigualdades regionais.

Outro aspecto que merece destaque na PNC-1975 é a propriedade espontânea da cultura ou, nas palavras de Ortiz, “reconhecer a existência de uma “verdadeira” cultura brasileira, espontânea, sincrética e plural” que, segundo ele, forjaria a característica de uma nação democrática (ORTIZ, 2003, p. 96). Valores como ordem, disciplina, cooperação, conciliação, responsabilidade, harmonia, equilíbrio, solidariedade, respeito à autoridade, dedicação ao trabalho, eram vistos como características naturais do “homem brasileiro” (SILVA V, 2001).

Observamos, neste caso a substituição da repressão do que era prejudicial pelo estímulo ao que era providencial. Uma vez que os valores essenciais que direcionam os comportamentos individuais eram naturais e espontâneos, e o homem brasileiro era “naturalmente bom” restava às políticas para a cultura do governo Ernesto Geisel apenas estimular o florescimento da essência brasileira. Neste caso, a função do Estado era “[...] simplesmente salvaguardar uma identidade que se encontra definida pela história” (ORTIZ, 2003, p. 100; grifo da autora).

Entre as diretrizes da PNC-1975 que apontavam para o estímulo à criação e às expressões do “espírito do homem brasileiro”, encontrava-se o “Apoio à formação de profissionais” ligados às produções culturais, e uma das metas se referia especificamente a criação de cursos de extensão e de curta duração (BRASIL, 1975). Se o governo estava preocupado em incentivar a criação e generalizar o acesso aos bens culturais, consequentemente, era sua preocupação também a formação de recursos humanos capazes de desempenhar adequadamente tal tarefa. Lembramos que o incentivo às escolas técnicas era também um dos aspectos de grande relevância na LDB 5.692, de 1971 (BRASIL, 1971). Desta forma, podemos supor que a construção de escolas de formação para artistas, fomentadas pelo governo, seria uma ação bastante eficaz no atendimento à esses objetivos. A ENC foi criada com o intuito de garantir a formação de artistas circenses, mas também, entre seus propósitos, estava oferecer cursos de formação para bailarinos, artistas e técnicos do teatro. Neste caso, congregaria a formação em artes cênicas a partir das diretrizes da PNC-1975.

Neste cenário, a contemporaneidade e a itinerância do circo seriam importantes instrumentos para atender e disseminar a ideologia burguesa do período, e a garantia de sobrevivência dessa instituição se tornou também foco das políticas para a cultura. A partir desse contexto, o pedido de legalização da ENC apontava para a seguinte finalidade:

Promover, em qualidade e quantidade, a escolarização e formação técnica compatível com os conhecimentos básicos e necessários ao indivíduo interessado em se formar e trabalhar na área de artes circenses, em vista da adequação do sistema educacional às novas formas de vida e de trabalho decorrentes das mudanças que se operam no país e no mundo.14

Em contrapartida, não podemos ignorar o fato de que alguns elementos presentes na do PNC-1975 estavam também entre as discussões da esquerda revolucionária e contra hegemônica, que pautou suas críticas não apenas na ditadura militar, mas ao sistema político-econômico brasileiro e no desenvolvimento industrial desordenado pelo qual o país vinha passando desde Juscelino Kubistchek.

Ao analisar os problemas dos diferentes processos de industrialização pelos quais o Brasil passou no século XX, Gabriel Cohn explica que o mote dos “50 anos em 5” de Kubitschek levou ao descaso por parte do Estado sobre os setores primários da produção15 e aos investimentos massivos na industrialização dos grandes centros urbanos. Entre outras consequências, temos a precarização da vida no campo, o êxodo rural e a ampliação dos aglomerados urbanos em busca de empregos e subempregos na indústria (COHN, 1981).

A partir dessa realidade, a esquerda revolucionária também tomou como partido para a transformação social o “povo brasileiro”, com bases rurais e mestiças. No entanto, ao invés de idolatrar a modernidade, o movimento de artistas e intelectuais que Ridenti descreverá como “romantismo revolucionário” buscou criticar a modernidade a partir de aspectos específicos. Na perspectiva do autor: “A crítica a partir de uma visão romântica de mundo incidiria sobre a modernidade como totalidade complexa, que envolveria as relações de produção (centradas no valor de troca e no dinheiro, sob o capitalismo), os meios de produção e o Estado” (RIDENTI, 2014, p. 11). A busca por uma identidade brasileira no campo, naquelas esferas populacionais até então marginalizadas em função de uma modernidade “cristalizada nas cidades”, e nas formas de organização social do passado permitiriam “uma alternativa de modernização da sociedade que não implicasse a desumanização, o consumismo, o império do fetichismo da mercadoria e do dinheiro” (Ibidem, p. 10). Afinal, os grupos de esquerda entendiam a industrialização como o primeiro passo para a soberania nacional, por meio da concretização das reformas de base - tributária, financeira, bancária, agrária e educacional (SAVIANI, 2008).

Assim, se retomarmos a forte presença de artistas e intelectuais de esquerda nas produções culturais desde o governo de Ernesto Geisel, podemos perceber conflitos, mas também aproximações entre os ideais do Estado e os ideais que se diziam contra hegemônicos e revolucionários. Neste cenário, o circo despontou como importante difusor de uma certa cultura de interesse do Estado para a abertura política, mas também como produção cultural que transportava em sua história aspetos necessários às mulheres e aos homens de uma pretensa revolução.

2.2 Uma chance para os pobres circos do Brasil 16

Após um período de ampla expansão urbana as cidades não possuíam mais terrenos disponíveis em locais de fácil acesso e de visibilidade, e que cobrassem aluguéis viáveis para a instalação dos circos. Este dado figura entre as principais dificuldades enfrentadas pelos circenses da época: “A principal delas é a escassez de terrenos nas grandes cidade brasileiras, o que está levando essa arte milenar para locais cada vez mais distantes e inacessíveis, com grandes prejuízos para as companhias17; “local próprio para montagem do circo, comprovação de aposentadoria, matrícula de filhos de circenses nas escolas públicas [...] entre outros” (BARTHOLO, 1999, p. 129). Enquanto o Circo-Escola Nacional iniciava seus trabalhos, o mais tradicional espaço circense do Rio de Janeiro - a Praça Onze - seria desocupado para a construção de um centro de comércio18.

A segunda grande dificuldade estava em encontrar artistas brasileiros qualificados. A reportagem do Diário do Grande ABC, de 20 de maio de 1978, descreveu as novas estratégias de apoio ao circo, e destacou a falta de pessoal qualificado. Na ocasião, Orlando Miranda relatou que o SNT estava realizando um levantamento dos circos existentes, das maiores dificuldades enfrentadas e das condições de trabalho para fundamentar a "política global de apoio e desenvolvimento dos circos que queremos deflagrar no Brasil".

Por intermédio da relação que se estabelecia com o governo, e com o “entusiasmo de Orlando Miranda19, na condição de Chefe do SNT e depois Presidente do INACEN, o Projeto Circo trouxe alternativas para minimizar esses problemas. A Folha de São Paulo de 22 de abril de 1978 apresentou o projeto “Circo Nacional”, cuja intenção era construir circos permanentes em todos os Estados brasileiros, e junto à eles, escolas de circo para a formação de novos profissionais. Os circos permanentes resolveriam a questão da falta de espaço para instalação das companhias, e as escolas de circo seriam a solução para a falta de artistas. Não por acaso, esse projeto contou com ampla aceitação no Ministério da Educação e Cultural.

Conforme analisamos, o regime militar se encaminhava para o fim e a iminente abertura política trouxe novas possibilidades para os artistas. Uma das estratégias que contemplou todo o cenário artístico do período, foi a regulamentação da profissão do artista e técnico em espetáculos com a Lei 6.533, de março de 1978. A lei previa vínculo empregatício regularizado, uma vez que artista se tornou profissão aos olhos da lei, matrícula nas escolas para filhos de artistas itinerantes, aposentadoria, entre outros aspectos, mas não garantiria, por si só, a sobrevivência do circo. A reestruturação do MEC, com a criação do INACEN e, subjugado a ele, o SBC como órgão governamental de representação da instituição, também contribuíram para que o circo conquistasse um pequeno espaço entre as ações de apoio a cultura.

O “Projeto Circo” do MEC (1977) contemplava, entre outras ações: “A destinação de áreas planejadas e com a infra-estrutura necessária para a armação de circos em cada capital do país;” [...] “A criação de um complexo circense localizado na Praça da Bandeira, n. 4, no Rio de Janeiro;” [...] “A criação da primeira Escola Circense da América Latina, situada no complexo circense”. Data de 23 de fevereiro de 1979 o documento com as especificações para a construção do complemento de uma Praça de Circo. Estavam discriminados os itens que seguem: “posto de controle de light, lanchonete, grades, bilheterias, administração, almoxarifado, vestiário, luminoso, forração, nivelamento, paredes, cimentado e pedra”, ou seja, os demais espaços e serviços necessários excluindo-se a estrutura do circo (lona, mastros, picadeiro, aparelhos).

Esses espaços seriam disponibilizados às companhias brasileiras por preços de aluguel acessíveis, com critérios de ocupação estabelecidos coletivamente. A primeira reunião com os empresários para discutir os critérios de ocupação do espaço foi marcada para o dia 02 de julho de 1979, no Teatro Glauce Rocha, no Rio de Janeiro. A convocação, realizada por documento oficial do SNT e por boletins em jornais, informava que o circo permanente SNT/MEC encontrava-se em fase de montagem. No entanto, o processo foi moroso e desafiador.

A partir de um acordo firmado em reunião na FUNARTE no dia 06 de maio do mesmo ano20, o terreno onde estava localizada a garagem do MEC, na Praça da Bandeira, cidade do Rio de Janeiro, foi transferido para domínio do SNT, para que fosse providenciado o projeto e a infra-estrutura necessária para a construção de um circo permanente e de um espaço para montagem de circos itinerantes. O primeiro desafio foi desocupar e limpar o terreno.

Em seguida, entre os anos de 1977-78, estavam sendo realizadas obras no metrô da cidade do Rio de Janeiro. A ENC foi construída ao lado da linha do metrô, por isso, enquanto houvesse aquelas obras em andamento, não seria possível iniciar as obras do circo. Outro desafio foi conseguir parte de um terreno da prefeitura, para garantir a segurança e maior fluxo na saída do público ao fim dos espetáculos, ou em situações de emergência. No início de 1979 o SNT recebeu uma negativa da prefeitura, o que deixou Orlando Miranda bastante irritado e ameaçou a concretização do projeto no Rio de Janeiro.

Após superarem os obstáculos relativos aos terrenos do MEC e da Prefeitura do Rio de Janeiro, há uma solicitação de Orlando Miranda, datada de 05 de fevereiro, ao Diretor do Departamento de Parques e Jardins para a retirada de uma árvore ainda em 1979, na qual o Diretor do SNT afirmou que estavam em fase de conclusão as obras do Circo permanente na Praça da Bandeira. No mesmo ano, a carreta que carregava parte do material para a lona e o picadeiro tombou, o material foi perdido e foi necessário aguardar nova remessa21.

Com a chegada do novo material, em maio de 1980 o circo estava armado. Alguns meses depois, no dia 05 de outubro, um temporal atingiu a cidade do Rio de Janeiro, destruindo parte da lona e das estruturas de madeira e ferro. O Circo London, que estava na cidade, também foi parcialmente destruído, e o SNT auxiliou-o em sua recuperação, o que atrasou novamente as obras22.

Entretanto, as dificuldades enfrentadas não abrandaram o trabalho daqueles que enxergavam nesse projeto uma esperança para a sobrevivência do circo. Segundo relatos de Ruy Bartholo, entre outros artistas, essas dificuldades pareciam parte do cotidiano circense, uma vez que tempestades, incêndios, acidentes eram velhos conhecidos das famílias que se dispunham a construir a vida sob a lona (BARTHOLO, 1999).

Em função dos imprevistos houve várias promessas e prorrogações de prazos. A primeira delas citava o mês de julho de 1978 como provável período para a inauguração do Circo-Escola Nacional. A segunda apontava março de 1979 como mês de inauguração, que coincidiu com a negativa da Prefeitura do Rio de Janeiro em ceder o terreno. Já no início de abril do mesmo ano, após negociações, uma nova esperança e promessas de inauguração até julho. Quase dois anos depois, no final do ano de 1980, Luiz Olimecha aguardava a conclusão das obras até o Carnaval no ano seguinte. Por fim, mais de um ano depois das últimas previsões, finalmente, as obras do complexo circense foram concluídas.

As imagens a seguir demonstram o ardiloso trabalho para erguer a lona. Primeiramente a lona foi aberta sobre as arquibancadas, depois foi presa a cúpula no centro do picadeiro, para, em seguida, ser erguida por entre os quatro grandes mastros de sustentação (Figura 3).

Fonte: Acervo ENC. Montagem da autora.

FIGURA 3 Trabalho de montagem da lona 

Sob a lona, um picadeiro de 50 metros de diâmetro, espaço para 4 mil espectadores, “confeccionado em ferro modulado, cobertura de plástico anti-térmico e anti-inflamável, cadeiras de polipropileno e aparelhagem de som e iluminação completos23, conforme descrito no projeto anos antes. No dia 05 de maio de 1982, a Portaria n. 11 do INACEN resolve: “criar a Escola Nacional de Circo do Serviço Brasileiro de Circo do Instituto Nacional de Artes Cênicas, com funcionamento integrado ao complexo circense Circo Escola Nacional”.

Em 13 de maio de 1982, o Ministro da Educação e Cultura Ruben Ludwig acompanharia a cerimônia de inauguração do complexo circense, descerrando a placa comemorativa ao lado do circense Franz Tihany, e jogando serragem no picadeiro com o auxílio da artista e professora Neuza Matos. Estava oficialmente inaugurado o “Circo-Escola Nacional” na Praça da Bandeira n. 4, sob direção de Luiz Olimecha. A Festa de Inauguração contou com a presença de diversas autoridades, que assistiram a um espetáculo oferecido pelo Circo Tihany, em homenagem aos artistas circenses e sua contribuição para a cultura brasileira.

Na ocasião, afirmou Rubem Ludwig, Ministro da Educação e Cultura, na cerimônia de inauguração da ENC, anos depois: “O circo e a escola representam cultura integrada com educação, com o Brasil. É cultura brasileira. Felicidades a escola circense.”24 Era a voz de um representante do Estado brasileiro, trazendo ao picadeiro as expectativas que se fundaram junto aos mastros, sob a lona de uma nova história para o circo e também para a produção artística brasileira. No ano seguinte, em 04 de julho de 1983, a turma do curso de Iniciação à Arte Circense realizou sua primeira exibição pública, em alusão ao aniversário da escola. No desfile de entrada e na despedida os alunos carregavam as bandeiras de todos os Estados da nação brasileira, mostrando a tão sonhada integração nacional no picadeiro do circo.

Considerações finais

Esta pesquisa buscou no movimento da história, nas características das instituições circenses e nas políticas para a educação e a cultura do Estado brasileiro da década de 1970 encontrar elementos para explicar fatores que confluíram para a criação da ENC, no Rio de Janeiro, em 1982. Uma vez analisadas as diversas fontes que compuseram o acervo desta pesquisa, em permanente diálogo com o referencial teórico que fundamentou as discussões por hora apresentadas, foi possível identificar os interesses do Estado brasileiro em fomentar políticas culturais que, aliadas às instituições formais de educação, fossem capazes de difundir sua ideologia, como condicionantes para o processo de criação da ENC.

Por um lado, a criação da ENC se encontra alinhada com os princípios de formação de pessoal técnico necessário para impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país. Conforme mencionamos, não se tratava unicamente de fornecer força motriz ao sistema, mas também de incutir valores e comportamentos que legitimassem a sua reprodução. Apesar de ter seu curso de “Técnico em Artes Circenses” oficialmente reconhecido pelo MEC e publicado no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos apenas no ano de 2014 (BRASIL, 2014), a ENC forma profissionais com altos níveis de qualificação desde a sua criação.

Por outro lado, ao estimular as produções circenses, o Estado conta com um meio de comunicação que extrapolava os limites das ondas de rádio e televisão da época, e transporta em seus espetáculos elementos ideológicos para todo o território nacional. O Estado brasileiro passava por um momento bastante peculiar: após anos de uma ditadura militar severa e violenta, era tempo de preparar a população para a abertura política sob as bases de segurança e desenvolvimento. Para tanto, as políticas de cultura passaram a se preocupar menos com a repressão, e mais com o direcionamento das manifestações artísticas. Neste caso, o circo cumpria o papel de veicular espetáculos que evidenciassem certa brasilidade e, ao mesmo tempo, era uma manifestação artística que chegava a locais isolados, alcançando territórios nos quais tampouco as emissoras de rádio chegavam.

Além desses elementos, há de se considerar o protagonismo de agentes como os Ministros da Educação e Cultura Ney Braga (1974-1978) e Rubem Carlos Ludwig (1980-1982); o Diretor do Serviço Nacional de Teatro, Orlando Miranda de Carvalho; o Secretário Geral do MEC, Coronel Sérgio Mário Pasquali; o circense, idealizador e primeiro direto da ENC, Luiz Olimecha, a professora e assessora da FUNARTE, Omar Pinto Elliot, entre outros circenses e pessoas públicas que agregaram esforços para que a ENC fosse criada.

Acreditamos que explicar a criação da ENC e a reordenação dos processos de formação dos artistas considerando a sua relação com o Estado brasileiro da época, é um importante passo para compreender formas como a essa instituição por vezes contradiz, por outras se aproxima do modo de produção da vida e da realidade social. No entanto, o que expusemos foram alguns aspectos que, na tentativa de apreensão do movimento da história, tivemos a perspicácia de perceber, o que não exclui outras possibilidades de interpretação e o surgimento de novos elementos.

Seja o circo que vem do circo, seja o circo que vem da escola, ele continua sendo uma forma de expressão da potência, da universalidade humana, tecida dialeticamente por contextos, tempos e espaços singulares, o que o torna uma manifestação artística encantadora, instigante e única.

REFERÊNCIAS

BARTHOLO, R. Respeitável Público - os bastidores do fascinante mundo do circo. São Paulo: Elevação; Rio de Janeiro: Letras e Expressões, 1999. [ Links ]

BOLOGNESI, M. F. Philip Astley e o Circo Moderno: romantismo, guerras e nacionalismo. O Percevejo, v. 1, n. 1, p. 1-13, 2009. [ Links ]

BRASIL. Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF: MEC, 1971. [ Links ]

BRASIL. Política Nacional de Cultura. Brasília, DF: MEC, 1975. [ Links ]

BRASIL. Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. Brasília, DF: MEC/SETEC, 2014. [ Links ]

BRASIL. Decreto n.º 81.454, de 17 de março de 1978. Organização Administrativa do Ministério da Educação e Cultura. Brasília, DF: MEC, 1978. [ Links ]

CASTRO, A. V. O elogio da bobagem: palhaços no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Editora Família Bastos, 2005. [ Links ]

COHN, G. Problemas da Industrialização no século XX. In.: MOTA, C. G. (Org.). Brasil em Perspectiva. 12ª Ed. São Paulo, Rio de Janeiro: DIFEL, 1981, p. 283-316. [ Links ]

COSTA, M. M. F. O velho-novo circo: um estudo de sobrevivência organizacional pela preservação de valores institucionais. 1999. Dissertação (Mestrado em Administração Pública). Escola Brasileira de Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1999. [ Links ]

DUARTE, R. H. Noites circenses: espetáculos de circo e teatro em Minas Gerais no século XIX. 1993. Tese (Doutorado em História). Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 1993. [ Links ]

DUPRAT, R. M. Realidades e particularidades da formação do profissional circense no Brasil: rumo a uma formação técnica e superior. (Tese de Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Campinas, SP, 2014. [ Links ]

FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983. [ Links ]

HOBSBAWM, E. A Era das Revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2012. [ Links ]

KRONBAUER, G.A.; NASCIMENTO, M. I. M. O circo e suas miragens: a Escola Nacional do Circo e a história dos espetáculos na produção acadêmica brasileira. Revista HISTEDBR On-Line, v. 13, n. 52, p. 238-249, 2013. https://doi.org/10.20396/rho.v13i52.8640240Links ]

KRONBAUER, G.A. O processo de criação da Escola Nacional de Circo no Brasil e a continuidade dos modos de vida dentro e fora da lona. (Tese de Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Ponta Grossa, UEPG. Ponta Grossa, PR, 2016. [ Links ]

KUENZER, A. Z. Educação e trabalho no Brasil: o estado da questão. Brasília: INEP; Santiago: REDUC, 1991. [ Links ]

LARA, C. De Pirandello a Piolim: Alcântara Machado e o teatro no modernismo. Rio de Janeiro: INACEN, 1987. [ Links ]

LOPES, D. C. A contemporaneidade da produção do Circo Chiarini no Brasil de 1869 a 1872. 2015. Dissertação (Mestrado em Artes). Instituto de Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes. Departamento de Artes Cênicas. Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo, 2015. [ Links ]

LUKÁCS, G. Para uma Ontologia do Ser Social I. São Paulo: Boitempo, 2012. [ Links ]

MARX, K., ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. [ Links ]

MATHEUS, R. I. C. As produções circenses dos ex-alunos das escolas de circo de São Paulo, na década de 1980 e a constituição do Circo Mínimo. (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Artes. Faculdade de Artes. Universidade Estadual Paulista, UNESP. São Paulo, 2016. [ Links ]

MEC/INACEN. Portaria n. 11, de 05 de maio de 1982. Cria a Escola Nacional do Circo. Brasília, DF: MEC/INACEN, 1982. [ Links ]

MÉZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008. [ Links ]

MINAYO, M. C. S. (org.); DESLANDES, S. F.; GOMES, R. Pesquisa Social - teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010. [ Links ]

MOREIRA, A. Mercados Populares ou Camelódromos: nascimento e variações de um objeto arquitetônico. II Colóquio (Inter)Nacional sobre o comércio e cidade: uma relação de origem. Anais... Universidade de São Paulo, SP, 17 a 19 de março de 2008. [ Links ]

NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011. [ Links ]

ORTIZ, R. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2003. [ Links ]

PINTO, A. V. Ideologia e desenvolvimento nacional. MEC - Instituto Superior de Estados Brasileiros. Rio de Janeiro, 1959. [ Links ]

RAMOS, R. M. S. C. M. Respeitável Público: a Escola Nacional do Circo da Praça da Bandeira vem aí.... 2003. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdades de Educação, Centro de Educação e Humanidades, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. [ Links ]

RIDENTI, M. Em busca do povo brasileiro. 2ª Ed. São Paulo: Editora UNESP, 2014. [ Links ]

SAVIANI, D. O legado educacional do regime militar. Caderno Cedes, v. 28, n. 76, p. 291-312, 2008. https://doi.org/10.1590/s0101-32622008000300002Links ]

SILVA, E. O Circo: sua arte e seus saberes. 1996. Dissertação (Mestrado em História). Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1996. [ Links ]

SILVA, E.; ABREU, L.A. Respeitável Público... O circo em cena. Rio de Janeiro: Funarte, 2009. [ Links ]

SILVA, V. M. A construção da política cultural no regime militar: concepções, diretrizes e programas (1974-1978). 2001. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. [ Links ]

SODRÉ, N. W. Quem é o Povo Brasileiro? Cadernos do Povo Brasileiro, v. 2. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1962. [ Links ]

SOUZA, M. G. A gestão de Orlando Miranda no SNT e os paradoxos da “hegemonia cultura de esquerda”. In.: XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH, São Paulo, junho de 2011. Anais... São Paulo, junho de 2011, p. 1-23. [ Links ]

SUBTIL, M. J. D. Marxismo, arte e educação: as potencialidades de humanização pela educação artística. In: SCHLESENER, A. H.; MASSON, G.; SUBTIL, M. J. (orgs). Marxismo(s) e educação. Ponta Grossa, PR: Editora UEPG, 2016. [ Links ]

TONET, I. Método Científico - uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukacs, 2013. [ Links ]

TORRES, A. O Circo no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE; São Paulo: Atração, 1998. [ Links ]

TRÓTSKI, L. Cultura e Socialismo. (1926-27). Disponível em: http://www.marxismo.org.br. Tradução de Fabiano Adalberto, publicado em 21 de setembro de 2013. [ Links ]

1A arte folclórica, segundo Fischer, aparece como um fenômeno natural, espontâneo e sem consciência, que suprime a sociedade de classes em busca de uma essência descolada da realidade material (FISCHER, 1983).

2Mário de Andrade, citado na obra de Alice Viveiros de Castro (Castro, 2005, p. 189)

3Abelardo Pinto, o palhaço Piolin, nasceu em 27 de março de 1897. Seu pai fugiu com um circo, encontrou sua mãe pelo caminho, e os dois se tornaram circenses e iniciaram uma nova dinastia. Começou sua carreira como contorcionista. Em 1917, no Circo Queirolo, se apresentou pela primeira vez como palhaço, substituindo o também famoso Chicharrão (Ibid.).

4Alcebíades Pereira nasceu no Circo Universal, de propriedade do seu pai, Albano Pereira. Habilidoso acrobata, começou a atuar em duplas de clown e augusto (Tonys). Em sua parceria com Piolin, há quem diga que se presenciou no Brasil a melhor dupla de clown e augusto de todos os tempos (Ibid.).

5Alcântara Machado citado na obra de Alice Viveiros de Castro (Ibid., p. 189)

6Reportagem do Jornal Luta Democrática, de 18 de maio de 1978.

7Entrevista em um vídeo gravado na primeira exibição pública dos alunos da ENC, em 04 de julho de 1983. Fonte: Acervo Pessoal de Edson Pereira da Silva.

8O Ato Institucional n. 5 foi um decreto emitido pelo Presidente Militar Artur da Costa e Silva, e representou a legitimação das maiores atrocidades do período. O AI-5 fechou o Congresso, permitiu ao Presidente da República decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, entre outros aspectos que intensificaram as perseguições aos opositores do regime levando à prisões, torturas, desaparecimentos e assassinatos de muitas pessoas (SILA, V., 2001).

9Nota de Rodapé do Comunicado da formatura da primeira turma de Iniciação às Artes Circenses, do dia 15 de agosto de 1984 (SBC/INACEN). Fonte: Acervo CEDOC/FUNARTE.

10Nota de Rodapé Convite para o espetáculo de Dia das Crianças, de 09 de outubro de 1984 (SBC/INACEN). Fonte: Acervo CEDOC/FUNARTE.

11Nota de Rodapé no Convite para espetáculo natalino, de 28 de novembro de 1984 (SBC/INACEN). Fonte: Acervo CEDOC/FUNARTE.

12Daniel de Carvalho Lopes, em sua dissertação de mestrado, aborda a capacidade do circo em produzir espetáculos e linguagens contemporâneas a seu tempo (Lopes, 2015).

13Martha da Costa, em sua dissertação de mestrado, analisa valores da identidade circense que garantem sua sobrevivência ao longo da história, entre os quais destaca a itinerância (Costa, 1999).

14SNT, s. d. Pedido de Legalização da Escola Circense, p. 1.

15Segundo Cohn, o Brasil contava com um setor industrial sedento por modernização e com grande capacidade de atrair capital estrangeiro e, em contrapartida, um setor agropecuário nas mãos de grandes latifundiários conservadores e extremamente resistentes à qualquer tipo de mudança. Essa situação tornou relativamente fácil a escolha de Kubitschek em investir na industrialização (Cohn, 1981).

16Título da Reportagem do Jornal Folha de São Paulo, de 22 de abril de 1978.

17Declaração de Luiz Olimecha para o Jornal Correio do Povo, Porto Alegre, de 25 de março de 1979.

18Provavelmente o fato se deu em 1984, com a criação dos centros populares de comércio no Rio de Janeiro (CPCs - Decreto Nº. 4615 de 12 de julho de 1984), na gestão do prefeito Marcello Alencar (Moreira, 2008).

19Declaração de Luiz Olimecha. Comunicado da formatura da primeira turma de Iniciação às Artes Circenses, do dia 15 de agosto de 1984 (SBC/INACEN). Fonte: Acervo CEDOC/FUNARTE.

20Assinam o acordo Monica Paula Rector (Delegada Regional do MEC), Manoel Diegues Junior) Diretor-Geral do Departamento de Assuntos Culturais), Orlando Miranda de Carvalho (Diretor do SNT) e Roberto Parreira (Diretor-Executivo da FUNARTE).

21Reportagem “Escola de Circo vive mais uma promessa de funcionar”, do Jornal O Liberal, Belém, PA, de 12 de dezembro de 1980.

22Reportagem “Olimecha: Circo Nacional fica pronto até o carnaval”, do Jornal O Globo, de 21 de dezembro de 1980.

23“SNT convoca empresários circenses”. Documento SNT/SAC/MEC de 25 de junho de 1979. Fonte: Acerco CEDOC/FUNARTE.

24Pronunciamento de Rubem Ludwig na inauguração da ENC, em 1982, escrito no Comunicado da formatura da primeira turma de Iniciação às Artes Circenses, de 15 de agosto de 1984 (SBC/INACEN). Fonte: Acervo CEDOC/FUNARTE.

Recebido: 01 de Outubro de 2018; Aceito: 01 de Fevereiro de 2019

Creative Commons License This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License