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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.18 no.3 Uberlândia set./dic 2019  Epub 17-Ene-2020

https://doi.org/10.14393/che-v18n3-2019-16 

ARTIGOS

A gênese da educação paraguaia: a contribuição jesuítica

1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Brasil) silvinoareco@yahoo.com.br


Resumo

O Paraguai faz fronteira com o Brasil, porém muitos brasileiros desconhecem a cultura e a história do país vizinho. O objetivo geral desse artigo é reconstituir a gênese da educação no Paraguai e revelar a contribuição da Companhia de Jesus nesse processo. O artigo objetiva inserir a educação dentro do contexto de desenvolvimento social-histórico dessa região, tendo em vista que o território onde está localizado o Estado de Mato Grosso do Sul, no período delimitado, pertencia à Província do Paraguai, sob o controle da coroa espanhola. A opção teórico-metodológica objetivou conferir historicidade à análise, buscando-se fugir das abordagens dominantes. A pesquisa foi fundamentada na coleta de dados em fontes documentais e bibliográficas. Concluímos que os processos pedagógicos e educativos desenvolvidos no Paraguai Colonial foi muito mais amplo que apenas alfabetizar e ensinar o espanhol. Foi na verdade a instituição de padrões culturais, estéticos e religiosos dos europeus aos povos originários.

Palavras-Chave: Educação; Paraguai; Companhia de Jesus

Abstract

Paraguay has borders with Brazil, but many Brazilians are unaware of the culture and history of the neighboring country. The general objective of this article is to reconstitute the genesis of education in Paraguay and to reveal the contribution of the Society of Jesus in that process. The article aims to insert education within the context of social-historical development of that region, considering that the territory where the State of Mato Grosso do Sul is located, within the delimited period, belonged to the Province of Paraguay, under the control of the Spanish crown. The theoretical-methodological option aimed to confer historicity to the analysis, seeking to flee from the dominant approaches. The research was based on the collection of data in documentary and bibliographic sources. We conclude that the pedagogical and educational processes developed in Colonial Paraguay were much broader than just literacy and teaching Spanish. It was actually the institution of cultural, aesthetic and religious patterns of the Europeans to the original peoples.

Keywords: Education; Paraguay; Company of Jesus

Resumen

Paraguay tiene fronteras con Brasil, pero muchos brasileños desconocen la cultura y la historia del país vecino. El objetivo general de este artículo es reconstituir la génesis de la educación en Paraguay y revelar la contribución de la Compañía de Jesús en ese proceso. El artículo tiene como objetivo insertar la educación dentro del contexto de desarrollo social-histórico de esa región, teniendo en vista que el territorio donde está localizado el Estado de Mato Grosso do Sul, en el período delimitado, pertenecía a la Provincia del Paraguay, bajo el control de la corona española . La opción teórico-metodológica objetivó conferir historicidad al análisis, buscando huir de los enfoques dominantes. La investigación fue fundamentada en la recolección de datos en fuentes documentales y bibliográficas. Concluimos que los procesos pedagógicos y educativos desarrollados en Paraguay Colonial fue mucho más amplio que apenas alfabetizar y enseñar el español. Fue en realidad la institución de patrones culturales, estéticos y religiosos de los europeos a los pueblos originarios.

Palabras clave: Educación; Paraguay; La Compañía de Jesús

Introdução

A República do Paraguai é um país que está situado no centro da América do Sul, limitado a norte e oeste pela Bolívia, a nordeste e leste pelo Brasil e a sul e oeste pela Argentina. O Paraguai possui uma área de 406 752 quilômetros quadrados, um pouco maior que o estado brasileiro de Mato Grosso do Sul. A população paraguaia foi estimada em cerca de 6,9 milhões de habitantes no ano 2014, a maioria dos quais estão concentrados na região sudeste do país1. A capital e maior cidade do Paraguai é Assunção. A cultura e a língua nativa do país o guarani permaneceram altamente influentes na sociedade. O guarani é reconhecido como língua oficial, junto com o espanhol, e ambos os idiomas são falados pela população.

Apesar do Paraguai fazer fronteira com o Brasil, nós os brasileiros desconhecemos a cultura e a história do país vizinho. Neste sentido, o objetivo geral desse artigo é reconstituir a gênese da educação no Paraguai, mais especificamente revelar a contribuição da ordem religiosa católica Companhia de Jesus nesse processo. Esse trabalho é parte de um estudo, mais amplo acerca da Companhia de Jesus, que resultou na minha dissertação de mestrado em educação: As reduções jesuíticas do Paraguai: a vida cultural, econômica e educacional. Apresentada na Universidade Federal de Matogrosso do Sul (UFMS), em 2008. Como membro da linha de pesquisa Estado e Políticas Públicas do Programa de Pós-Graduação em Educação.

A pesquisa objetiva inserir a educação dentro do contexto de desenvolvimento social-histórico da região em que está localizada a UFMS, tendo em vista que a região onde está situado o Estado de Mato Grosso do Sul, no período delimitado, pertencia à Província do Paraguai, e concernia pelo ratado de Tordesilhas (1494) a coroa espanhola. Assim, buscamos problematizar as relações e inter-relações específicas da gênese da educação paraguaia inserida em um contexto geral. Um dos motivos que nos levaram a realizar essa pesquisa foi que na história da educação, as pesquisas se mostraram particularmente intransigentes em suas análises das relações da Igreja Católica com: a criação da ciência moderna, a pesquisa em educação da época e a transição do feudalismo para o capitalismo.

No entanto, os trabalhos mais recentes ajudam a rever a importância dessa instituição eclesial para a ciência e a reflexão científica moderna no nascimento do capitalismo. Quanto à Companhia de Jesus há igualmente uma enorme variedade de interpretações de suas obras, tanto junto aos índios nas missões, como na área da educação, seja nos países europeus ou nos países que foram colonizados que merecem ser esclarecidas a fim de avaliar seu peso sobre a história do desenvolvimento do capitalismo.

Outro motivo que nos levou a desenvolver esse trabalho foi o total desinteresse de parte da sociedade brasileira em conhecer a cultura e a história dos nossos vizinhos. Neste sentido, esse artigo tem por objetivo resgatar a história da educação do Paraguai e a contribuição dos jesuítas nesse processo histórico. A pesquisa foi fundamentada na coleta de dados em fontes documentais e bibliográficas. Os cronistas da Companhia de Jesus, apesar de sua visão unilateral, apresentam contribuição significativa, pois foram os atores dos principais episódios ocorridos nas reduções jesuíticas, sendo que muitos destes cronistas foram fundadores de várias reduções. Dentre os cronistas da Companhia de Jesus foram fontes necessárias para a realização deste trabalho: Antonio Seep, Guilhermo Furlong e Antonio Astrain.

No século XVIII inúmeros cronistas se preocuparam em relatar a produção social das reduções jesuíticas do Paraguai. Estes relatos em muitos casos foram efetivados através da visita destes cronistas in loco, e em outros casos através de informações obtidas por viajantes. Dos cronistas do século XVIII podemos destacar as contribuições de Antonio Ludovico Muratori, que apresenta um relato equilibrado sobre as reduções jesuíticas. Por meio de uma visão culturalista, esse cronista descreve a produção social das reduções jesuíticas em vários aspectos, principalmente a questão educacional. Outro comentador que traz uma contribuição significativa para a realização deste trabalho é o Padre Chaerlevoix que faz um relato crítico sobre a ação inaciana na Província do Paraguai. Pesa contra a obra de Chaerlevoix o fato de não ter sido testemunha direta dos fatos que descreve, a base de seu trabalho se fundamenta em relatos de seus contemporâneos. A obra de Chaerlevoix perde um pouco de interesse na medida em que relata fatos nem sempre com base documental. As informações extraídas da obra de Chaerlevoix foram utilizadas neste trabalho a partir do cruzamento destas com outras fontes e aqueles fundamentados em prova documental. Entre as fontes historiográficas destacam-se as obras de Regina Maria A. F. Gadelha (1980), Máxime Haubert (1990) e Clóvis Lugon (1977). Estas três obras historiográficas apresentam uma radiografia completa das reduções jesuíticas. Fundamentadas em fontes documentais, os três autores trazem uma enorme contribuição para a compreensão histórica do Paraguai colonial.

A perspectiva teórica no interior do presente trabalho foi a de adentrar na senda metodológica explicitada por Karl Marx, partindo do método e interpretação do capitalismo: o materialismo histórico e dialético. A opção teórico-metodológica objetiva conferir historicidade à análise buscando-se fugir da abordagem dominante. Ao dar historicidade ao objeto impõe-se a esta apreciação desvendar as contradições e os antagonismos resultantes da conquista europeia, consequentemente descrever as particularidades dessas relações na espacialidade da redução. O objeto dessa apreciação terá como foco as categorias constitutivas da teoria marxista e em decorrência da abordagem eleita, as categorias totalidade, historicidade, mercadoria, trabalho, capital, Estado, ideologia, força de trabalho, revestem-se de uma importância central na análise, e, embora não sejam exclusivas, quando enfatizadas proporcionam a expressão dos aspectos teórico metodológicos necessários para a compreensão do objeto O Trabalho está estruturado da seguinte forma: na introdução apresentamos a relevância do tema. No primeiro capitulo demarcamos historicamente a chegada dos primeiros jesuítas no Paraguai em 1588 descrevendo a extensão geográfica e a base econômica do Paraguai do período colonial. No segundo capitulo, apresentamos um breve estudo sobre a história da educação paraguaia no período colonial. No terceiro capitulo, analisamos a contribuição dos jesuítas para a instituição dos códigos sociais do mundo ocidental junto aos povos originários. Concluímos que os jesuítas foram instrumentos importantes na criação e consolidação das relações coloniais no novo mundo. Essa contribuição se deu no mercantilismo comercial, na exploração da agricultura, na criação de gado, participação efetiva na compra e venda de escravos e na promulgação da cultura cristã aos povos originários da América Latina. Logo, revelamos que a gênese da educação paraguaia estava entrelaçada a esse processo.

1. O Paraguai no período colonial

Aréco (2008) esclarece que a Governação e Província do Paraguai abrangia, no período colonial, um território extenso que pertence atualmente ao Brasil, Uruguai, Argentina e Bolívia. Naquele contexto histórico, o Paraguai possuía jurisdição sobre os atuais Estados brasileiros do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Sul de Mato Grosso (atualmente Mato Grosso do Sul) e parte do Pantanal Mato-grossense, subindo a bacia do Amazonas. Aréco (2008) esclarece que a base econômica que se instalou no Paraguai, a partir da invasão europeia, tinha em seu centro a exploração dos recursos naturais. Porém, a circulação destas mercadorias no mercado mundial era pouco expressiva, pois essa região estava muito afastada dos grandes mercados consumidores europeus e asiáticos. A incipiente produção regional atendia precariamente o mercado local.

No âmbito regional, o mercado mais significativo era o Vice-Reino do Peru, pois nesta região havia um mercado florescente, com a descoberta e extração de ouro e prata. A cidade de Potosí, que atualmente se situa no território boliviano, era um grande mercado para a circulação de mercadorias, com uma intensa extração de prata2. Como esclarece Schürmann (1999, p.174):

A extração de metais preciosos para exportação na América Espanhola estimulou o desenvolvimento de uma economia urbana, onde o programa de fundação de cidades foi sua estratégia básica. A viabilização dessa economia gerou núcleos urbanos especializados em atividades comerciais, de exportação e inter-regionais, e industriais, com manufaturas de diversos ramos, da construção de navios nos portos de Guayaquil às obrajes, fábricas de tecidos que empregavam principalmente mulheres índias.

O Paraguai naquele período histórico não tinha minas de ouro, nem de prata. A principal “riqueza” que os colonos espanhóis encontraram no Paraguai foi a força de trabalho indígena. Logo, os invasores espanhóis, denominados de encomenderos,3 foram os primeiros que se apropriaram da força de trabalho dos indígenas.

Benitez (1981) informa que os primeiros jesuítas que chegaram ao Paraguai em 1588 vieram do Brasil, a pedido do Bispo Alonso da Guerra. Eram os seguintes jesuítas: Padre Leonardo Armini, Juan Saloni, Tomás Fields, Manuel Ortega e Esteban Grao, que se juntaram aos Padres Francisco de Angulo e Marcial de Lorenzana, vindos do Peru. Astrain (1996) esclarece que estes missionários iniciaram a sua pregação entre os indígenas e brancos em Assunção, no Guairá, Villarica, Ciudad Real, chegando até Xerez na Província do Itatim. Desde a chegada não faltou financiamento aos padres por parte dos espanhóis. O padre Ortega recebeu as primeiras doações de terras em 1594, efetivadas pelo tenente General do Guairá Rui Diaz Gusman, terras estas na província de Villarica. Os jesuítas tomaram posse dessas terras em 20 de julho de 1595 na presença do Alcaide Ordinário e o Escrivão da Vila. A Companhia de Jesus não foi a primeira ordem religiosa a atuar no Paraguai, antecederam a eles, os clérigos seculares e membros de outras ordens religiosas. Benitez (1981, p. 17-18) esclarece:

Debe recordase que desde la fundación mísma de la Asunción, los religiosos trabajaron hombro a hombro con los conquistadores em la tarea de incorporación de la problación nativa a la vida civilizada. Fundación de “reducciones” y pueblos, catequización, organización de la familia de acuerdo a los principíos de la religión católica, constituyen apenas un esquema de la grande y sacrificado labor de mercedários, jerónimos, dominicos e franciscanos, y jesuítas luego, en los arduos dias iniciales de la conquista y colonización.

Benitez (1981) assevera que em 1604 foi criada a Província Jesuítica do Paraguai e desde então cresceu a influência dos missionários desta ordem no Paraguai. Prosperava a ação catequética e missionária, mas a extensão da Província causava graves entraves, dificultando o seu governo e a manutenção do trabalho, pois mesmo com o apoio do governo local, as longas distâncias e a dificuldade de locomoção criavam grande empecilho.

2. Breve História da Educação Paraguaia

Benitez (1981) apresenta um estudo importante sobre a história da educação paraguaia no período colonial. Destacando que quando da invasão espanhola, evidentemente, a educação não era o objetivo central dos conquistadores.

Portanto, nos primeiros anos da conquista não havia um programa de ação educativa a ser desenvolvido no Paraguai e Rio da Prata. De acordo com Benitez (1981), após algumas décadas as instruções básicas passaram a despertar interesse por parte das autoridades coloniais (governadores e cabildos) já estabelecidas.

A educação não poderia ser o objetivo e a preocupação dos primeiros conquistadores nos primórdios do século XVI, já que esses vieram para a província do Paraguai em busca de ouro e prata. Ao se deparar com a realidade paraguaia e, consequentemente, com a ausência do ouro e da prata, os espanhóis se estabeleceram na região buscando explorar a terra e a força de trabalho indígena através da “mita” e da “encomienda”. Ao se estabelecer os invasores passaram a constituir famílias. A partir do aumento demográfico de crianças espanholas e mestiças, as autoridades locais passaram a se interessar sobre a questão educacional. Primeiramente de forma tímida através do Cabildo de Assunção e de alguns governadores, mas, as principais interessadas foram as Ordens Religiosas.

De acordo com Benitez (1981), Domingo Martinez Irala criou, na primeira época da colonização, as primeiras escolas e “doctrinas” que ficaram sob a responsabilidade dos religiosos. Posteriormente, o governador Hernandarias de Saavedra teve a iniciativa, com a incorporação da Companhia, de criar as instituições de ensino, isto já no primeiro quarto do século XVII.

Benitez (1981) esclarece que a luta pela implantação da primeira Universidade surgiu com Jaime Sanjust já na segunda metade do século XVIII. Porém, foi Augustin de Pinedo que fez reiteradas gestões para conseguir a habilitação de uma universidade, mas, a sua pretensão ficou abaixo do esperado. A Cédula Real de 1776 autorizou apenas a abertura de um Colégio-Seminário, que foi o de São Carlos, frustrando a perspectiva da elite local que ansiava por uma Universidade.

Benitez (1981) descreve que o Real Colégio de São Carlos foi inaugurado em 1783, no governo de Pedro Melo de Portugal, adotando várias disposições para normatizar o seu funcionamento. Outro projeto relacionado à educação foi apresentado por Lazáro de Rivera em 1796, que previa a introdução de uma Cartilha Real, como texto de aprendizagem nas escolas elementares. Benitez (1981, p. 10) esclarece:

Debe señalarse que algunos monarcas: Carlos V, Felipe II, Felipe IV, Carlos III; produjeron instrucciones para a educación de los indígenas, en las que se recomendaba especialmente la utilización del idioma castellano como instrumento educativo particularmente para la enseñanza de la doctrina Cristiana. En la práctica, aquellas instrucciones no tuvieron vigencia, pues los indígenas opusieron tenaz negativa al aprendizaje del idioma español. En consecuencia, la norma fue el aprendizaje del idioma guaraní por los misioneros, como medio de comunicación e integración cultural, pues hasta catecismo y libros imprimieron en el idioma autóctono.

Os reis da Espanha e os governadores coloniais, durante esse processo histórico de mais de dois séculos, manifestaram uma preocupação diminuta em relação à questão educacional. Com a ausência de propósito definida no campo da educação, provocados pelas inúmeras dificuldades estruturais, como por exemplo, a carência de professores, acompanhado pela dispersão da população e a precariedade das comunicações inibiam as iniciativas.

Enfim, não havia interesse político da metrópole em desenvolver um projeto neste sentido. Pois, a maioria da população era indígena, para o colonizador o seu interesse, de acordo com Meliá (1997, p. 34) era outro:

Es un hecho que hasta ahora la civilización occidental, en vez de otorgar a los indios una situación de miembros dignos y conscientes de la sociedad dominante, ha despojado a los indios de su identidad cultural para convertirlos en sujetos dependientes de los colonos, y en muchos casos sus esclavos.

Em geral, devido a grande miséria em que viviam a maioria da população, se tornou quase que impossível a utilização generalizada do recurso da cátedra livre e somente uma minoria ínfima dos jovens paraguaios (filhos de elite local) saiam para fazer seus estudos fora da província.

A despeito da despreocupação geral dos governantes, o Cabildo de Assunção demonstrou um pouco de interesse sobre este tema, no decurso do período colonial. Fatos estes apresentados por Benitez (1981, p. 11):

El cabildo asunceno fue tomando iniciativas y disposiciones en beneficio de la educación en la Província; asi por ej. ortogo solares, proveyó locales, procuró y costéo maestros, tomó a su cargo la fiscalización de la administración educacional, autorizando el desempeño de los maestros y fijando emolumentos y responsabilidades. El Cabildo alentó el desarrollo de la educación en toda la provincia, no solamente la creación de escuelas de primeras letras sino también otorgando facilidades para la instalación de instituiciones del nivel superior e las simples escuelas elementares.

De acordo com Benitez, que possui como fonte o Arquivo Nacional do Paraguai, para a habilitação do Colégio Jesuíta no século XVII, o Cabildo de Assunção providenciou o prédio e concedeu outras facilidades para a instalação do referido colégio. Porém, logo os jesuítas tiveram que fechar o colégio. Em 1630 os jesuítas entraram em conflito com os colonos, por causa das questões da encomienda, e foram expulsos da cidade de Assunção. Astrain (1996, p. 63) descreve o episódio:

Algo más de tres meses, según escribe el P. Torres duró esta persecución y trabajo en el colegio de la Asunción. Al cabo, ya con la paciencia de los Padres ya porque los ánimos se fuesen poco a poco apaciguando, cesó la tempestad y vino la bonanza por medio de un caballero muy ilustre, que era voz común, quien tenía más indios encomendados en todo el Paraguay.

Em consequência do fechamento do Colégio jesuíta de Assunção, neste período de três meses, o Cabildo habilitou a própria Câmara Municipal da cidade para o funcionamento de uma escola. Benitez (1981, p. 12) descreve um aspecto importante da gênese da escola paraguaia: “[...] educación durante la colonia era solamente para los varones, las niñas que tenía expresa prohibición de ser admitidas en escuelas de varones, por lo general crecieron analfabetas con sólo la instrucción religiosa y labores hogoreñas”.

Podemos afirmar que, naquele contexto histórico, a materialização do ensino no Paraguai apresentava profundas dificuldades estruturais entrelaçadas pelos aspectos culturais, demarcadas por questões impeditivas étnicas e de gênero, marcas características do seu tempo histórico. Em síntese, podemos destacar que o Paraguai do século XVII, evidentemente não foi no aspecto educacional a Atenas de Péricles. Porém, estas etapas históricas foram sendo superadas lentamente, pela ação localizada de setores da sociedade do Paraguai Colonial. Principalmente as Ordens Religiosas, contudo as dificuldades eram inumeráveis, a destacar a falta de recursos e de um projeto educacional.

Seria simples demais reduzir, todo o sentido desta breve análise da história da educação paraguaia, a uma questão de relações entre estrutura e superestrutura. O desafio deste exame parte do referencial teórico de Marx (apud Manacorda, 1996, p. 97) que é buscar estabelecer uma relação no mínimo tripla. A saber: a) detectar uma “base real”, dada pelo conjunto das relações de produção, que, na realidade do Paraguai, já pressupõe “um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais” e constituem “a estrutura econômica da sociedade”. b) e consequentemente, a implementação de toda uma “superestrutura jurídica e política” que se erigiu sobre o Paraguai colonial e sobre esta base correspondeu, a terceira relação. c) “determinadas formas de consciência social”, que tem como lócus a Província do Paraguai.

A cidade de Assunção é o arquétipo elucidativo desta tripla relação, o núcleo da conquista espanhola expressão da contradição hispano/Guarani. A base real do conjunto das relações de produção era a exploração da força de trabalho indígena. A relação de produção surgiu na contradição do explorador (encomendero) e do explorado (índio). O desenvolvimento das forças produtivas se fundamentava na produção de mercadorias primárias, com pouco valor agregado, que atendia a uma incipiente economia regional na gênese da acumulação primitiva do capital.

Naquele contexto social histórico as formas determinadas de consciência anunciam a contradição entre conquistador e conquistado. Sob a hegemonia do conquistador este estabelece núcleos populacionais indígenas (pueblos). Os indígenas já não eram mais os mesmos dos primeiros anos da conquista, já eram de outra geração fruto do genocídio, da mestiçagem e aculturados pelos dominantes. Os núcleos populacionais organizados paulatinamente sob a égide de uma superestrutura jurídica que se manifesta nas leis das Índias e nas Ordenanzas de Alfaro. E na ação política que emerge na organização provincial na figura dos governadores e dos cabildos. O campo religioso e educacional se entrelaça formando um amalgama essa síntese será responsável em inserir os dominados nos códigos sociais da sociedade dominante, enquanto organização social. Estabelecendo um novo arquétipo para as coisas simples do cotidiano como na arquitetura das casas, nas vestimentas, na economia, na religião, etc. Medeiros (2010, p.59) traz um exemplo elucidativo desse processo:

As cidades posteriores a 1570 seguiam as orientações detalhadas contidas na Lei das Índias, que orientava cada detalhe da cidade. A esse minucioso código urbanístico se deve atribuir a unidade de muitos dos traçados das cidades hispânicas na América, em especial com relação a duas particularidades: a plaza mayor e a malha ortogonal. Entre outras coisas, as Leis determinavam como escolher o local para a povoação; tratava dos habitantes e estrutura administrativa; da distribuição da terra, do comércio e da defesa; da construção de templos, praças e prédios públicos, da forma e tamanho das ruas e casas.

Portanto, estas relações são históricas e o antagonismo se anuncia sob a hegemonia da classe dominante, que paradoxalmente instituía a “encomienda” e através das ordenanças estabelecia a “obrigação” de instruir o indígena. Como revela Benitez (1981, p. 14):

[...] la del gobernador Domingo Martínez Irala, fecha 14 de mayo de 1556, para “... el bien provechoso, conservación, doctrina y enseñamiento de los dichos indios...” los encomenderos quedaban obligados a trátalos”... como a prójimos, instruyéndolos y doctrinándolos... y que las tales personas (los encomenderos) procuren tener en sus casas dos o tres niños de diez años abajo de los de su encomienda, para que aprendan la doctrina cristiana y vean y entiendan las cosas de Dios y de su santa iglesia[...].

A contradição demarca o processo de ocidentalização da cultura ameríndia e é a partir desta perspectiva que, além da colonização, adquire grande significado a empresa religiosa e política que será atribuída aos jesuítas, que atuaria em função de uma “correção da cultura”, que na visão eurocêntrica estava pervertida, mas não ausente. A partir dessa visão de mundo que na realidade era a expressão da cúria romana, como esclarece Reese (1999, p. 158):

Voltando ao século XVI, o sistema consistório, em que os cardeais enquanto grupo aconselhava o papa, estava desaparecendo. Os comitês ou congregações de cardeais eram formados para estudar determinadas questões e relatá-las ao papa. Em consequência da reforma, a primeira congregação permanente, o Tribunal da Inquisição Romana e Universal foi estabelecido em 1542 para lidar com questões da fé e heresia.

Na província do Paraguai o entrelaçamento da religião com a educação, portanto ganha uma configuração particular, porém está inserida na universalidade do cristianismo Romano. Naquele contexto social histórico estes dois aspectos são indivisíveis, de tal modo que as palavras jesuítas e educação se tornaram sinônimas. Nas diversas ordenanças fica explicita a preocupação dos governadores com aspectos da imposição dos códigos culturais ocidentais para a população nativa. O governador Hernandarias de Saavedra que governou o Paraguai de 1598/1603. Apesar de todas as disposições anteriores no sentido de apoiar através de “leis” de exploração da força de trabalho indígena, manifesta esta preocupação em sua Ordenança de 1603. Benitez (1981, P. 15) descreve:

A respecto, el gran gobernante criollo escribe en la introducción de sus Ordenanzas de 1603: “Por cuanto en esta ciudad de La Assunción, cabeza de gobernación, y en la demás de esta Provincia, hay y ha habido gran desorden y descuido en los encomenderos en lo que toca a la doctrina y buena enseñanza y conservación de los naturales a ellos encomendados... a cuya causa, la mayor parte de Los indios... se han muerto, consumido y acabado... y que de hoy en adelante haya orden en todo, y con más facilidad y menos trabajo sean enseñados en las casas de nuestra santa fe católica, con acuerdo y consejo de personas cristianas y doctas, hago, ordeno las ordenanzas [...].

Em 31 artigos redigidos em espanhol e em Guarani, Hernandarias de Saavedra definiu com precisão o entrelaçamento da educação e a religião cristã. Cuja síntese expressa a visão de mundo europeia e demarca as contradições inerentes à dominação exercida sobre os indígenas.

O governador apresenta nas ordenanças a política do Estado espanhol de “proteção” e a tentativa de uma “elevação” cultural dos nativos, dos mestiços, dos criollos (como o próprio Saavedra) criando escolas de primeiras letras, instrução artesanal e de ofícios em vários povoados. De acordo com as ordenanças de 1603, os homens menores de 15 anos e as mulheres menores de 13 anos e os velhos que já tivessem completado 60 anos estavam desobrigados do trabalho pessoal (encomienda). Outro procedimento foi a obrigatoriedade imposta aos encomenderos de construírem igrejas nos lugares de agrupamentos dos índios (los pueblos) para que pudessem receber a doutrina cristã proferida pelos padres todos os dias. Sendo que o sábado seria o dia dedicado ao descanso e o domingo a prática do culto. A partir dessas considerações fica evidente o entrelaçamento do processo educativo com a religião. Como síntese de uma visão de mundo dominante, neste período histórico, que nasce no ocidente e ganha essa configuração particular na Província do Paraguai.

As ordenanças demonstram a visão eurocêntrica de mundo fundamentado na escolástica. Nesse sentido, as “primeiras letras” e “doutrina cristã” são sinônimas. Quando o visitador Francisco de Alfaro em 1611, foi enviado pela Audiência de Charcas para a Província do Paraguai, objetivando verificar as atrocidades cometidas no processo de escravização indígena, ante as numerosas denúncias de abuso dos encomenderos. Se contrapondo as ações dos encomenderos, Alfaro em suas Ordenanças “aboliu” os trabalhos pessoais dos indígenas e apoiou algumas iniciativas educacionais de Hernandarias de Saavedra. Pois, foi Hernandarias quem solicitou a abertura de um seminário e de um colégio que ficaria a cargo da Companhia de Jesus. Devido ao entrelaçamento de “educação” e “doutrina católica” as Ordens Religiosas foram as responsáveis pela primeira “educação” do Paraguai. Foram os religiosos os mentores e realizadores do processo educativo/religioso.

3. A instituição dos códigos sociais do mundo ocidental

Desde a fundação de Assunção, os religiosos trabalharam conjuntamente com os conquistadores leigos, no sentido de instituir os códigos sociais do mundo ocidental ligado, neste contexto histórico, a gênese das instituições capitalistas. Devemos, portanto, entender a própria catequese e os outros processos de aculturação de vestir o indígena, ensiná-los a confeccionar instrumentos musicais ocidentais, ou ainda, o ensino do canto gregoriano como uma marca indelével deste decurso.

A fundação de “reduções” e “pueblos”, a catequização, a educação, a organização da família (de acordo com os princípios do catolicismo), constituíram o campo de ação das Ordens Religiosas como: os mercedários, jerônimos, dominicanos, franciscanos e jesuítas. As ações das ordens religiosas estavam amalgamadas com o projeto da conquista colonial; que era a expressão singular da acumulação primitiva do capital. O aporte educativo ganhou uma configuração particular na Província do Paraguai, entrelaçada pelo caráter universalizante, que tem o seu procedimento na práxis das Ordens Religiosas.

Cabia às Ordens Religiosas o papel “modelador” e “civilizador” das relações sociais estabelecidas com os indígenas, neste novo lócus. Nessa relação antagônica, as ordens religiosas seriam as mediadoras das novas relações entre os diversos grupos e ao mesmo tempo incorporar os valores da sociedade dos conquistadores. Por exemplo, na organização familiar instituiu o casamento monogâmico, em relação à moradia estabeleceu um novo modelo arquitetônico, em relação às vestimentas estabeleceu o uso de roupas ocidentais roupa, em relação ao trabalho os indígenas passaram a produzir mercadorias com valor de troca, os conquistadores impuseram uma nova religião e instituiu a estética da sociedade ocidental nos trópicos. O mesmo processo se deu em relação aos crioulos e mestiços foi mediante a estas instituições: igreja, escolas, cátedras livres e seminários que se formaram os primeiros sacerdotes, governadores (Hernandarias) “filhos da terra”. Sob a égide das ideias dominantes. É neste contexto histórico que a Companhia de Jesus, implementou a sua ação no Paraguai colonial e nas reduções esse processo ganha uma configuração particular.

Hernandarias solicitou a abertura de um Colégio e de um seminário que ficaria a cargo dos jesuítas. Devido a este entrelaçamento entre “educação e catolicismo” o papel desempenhado pelas ordens religiosas ocupou um espaço central na incipiente colonização do imaginário, como destaca Benitez (1981, p. 23):

En 1604 fue creada la provincia Jesuítica del Paraguay y desde entonces creció la afluencia de los misioneros de la Orden en la Provincial de Paraguay. Referida la trayectoria del Colegio Jesuítico de la Asunción en otro lugar, cabe una reseña de otros aspectos de labor cultural de la Compañía. Antes que nada, debe mencionarse su labor fundacional: los 30 pueblos situados entre la banda izquierda del Tabicuary, ambos márgenes de Paraná y ambas márgenes del Uruguay.

Neste sentido, de acordo com Benitez (1981) os “pueblos” e as reduções surgem também como um projeto educativo/religioso e os “pueblos” que estavam sob a jurisdição paraguaia eram os seguintes: San Ignácio, Santa Rosa, Santa Maria, Santiago, San Cosme, Itapúa, Jesus e Trinidad. Também foram reduções jesuíticas: San Joaquim, San Stanislao, Belém, esta última era uma redução de índios mbyá. O processo de aviltamento das reduções e dos pueblos produzia também um processo de segregação com a criação de “pueblos” de índios e cidades de brancos.

Porém, no seio dessas relações estavam contidos os germes da contradição, pois com a instituição das reduções transcendeu essas relações para outros planos: culturais, econômicos, religiosos. Neste processo ocorreram realizações inovadoras e a incorporação de materiais desconhecidos e que até então não haviam sido utilizados pelos indígenas. Por exemplo, a pedra para as esculturas e para a construção civil, ladrilho, telha, adobe, couro de gado, madeira trabalhada, portas e janelas. Nas igrejas começaram a serem produzidos magníficos trabalhos de esculturas em madeira, frontais, colunas, capitólios, retratos, imagens de santos, mobiliários e muitas pinturas, primorosamente realizadas. Essas obras foram realizadas pela força de trabalho indígena, convenientemente adestrada. Nesse aspecto o Guarani mostrou-se desde o princípio muito sensível e acessível a todas as espécies de artes, eram notavelmente dotados para a escultura, pintura e música como revela Lugon (1977), Seep (1980), Haubert (1990) e Aréco (2008).

Lugon (1977) desvela o processo educacional afirmando que o primeiro mestre de música nas reduções foi um jesuíta francês o Padre Luís Beguer, que ensinou aos guaranis a música instrumental e vocal. O padre Beguer que era também pintor e escultor nasceu em Abbeville, em 1590, foi admitido na Companhia em 1614 e chegou ao Paraguai em 1616, onde passou a vida toda como professor de música, pintura e escultura. Depois de Luís Beguer foi o padre Jean Baes, de origem belga, que fora antes um mestre renomado na corte do Arquiduque Alberto, e depois junto à infanta Isabel e também como mestre-de-capela na Corte de Carlos V. Jean Baes ensinou aos guaranis as notações musicais mais desenvolvidas da época. O padre Baes foi o mestre dos guaranis em música instrumental e vocal, passou também boa parte de sua vida como professor e morreu em 1623 na redução de Loreto.

O padre Sepp que chegou ao Paraguai em 1691 é também apresentado como um professor virtuoso em todos os gêneros musical e compositor, como esclarece Furlong (1968, p.31): “Antônio Sepp, tan habilidoso en la musica, en la pintura, en la escultura y en la arquitectura que era el assombro de sus contemporâneos”.

O padre Sepp fundou reduções, construiu igrejas, de acordo Hoffmann (1980, p. 34) “uma destas igrejas construídas não ficava devendo em beleza a quaisquer outras da Bavária, com exceção da igreja de Munique”. Para prevenir-se contra assaltos e ataques de bandeirantes, e de outros grupos indígenas, rodeou toda a aldeia com muro e fosso. No lugar dos casebres de barro e palha construiu casas de pedra. O padre Sepp foi, de acordo Hoffmann (1980), um profícuo introdutor da cultura ocidental nas reduções jesuíticas do Paraguai inserindo os indígenas em vários ofícios, na economia e fez florescer a agricultura nas reduções que estavam sobre a sua direção. O padre Sepp morreu em 1733, aos 78 anos de idade, tendo trabalhado 45 anos nas reduções missioneiras. Hoffmann esclarece que para a história econômica brasileira e latina americana, tem ainda o padre Sepp especial importância por ser o primeiro percussor da siderurgia brasileira e latina americana. Hoffmann (1980, p. 38) esclarece:

Lendo a descrição do forno construído pelo padre Sepp, e os métodos por ele usados na fusão do minério, se têm o relato completo dum Rennfeuer (fogo fluído ou fogo de refinação) como haviam inventado os Galos e havia usado ao tempo de César (e, de certo, já há muitos séculos antes) e, como, então, o passaram a usar os germanos. [...]. De importância maior e especial é o fato de haver o Padre Sepp, há esse tempo, fabricado aço, mediante determinado processo, e de já fazer naquele tempo, distinção entre ferro e aço, muito antes que essa classificação fosse usual pelo mundo, como salienta o Padre Teschauer. (Grifos nosso)

O espaço reducional, ocupado por padres e indígenas, permitiu a instituição dos valores da cultura ocidental em síntese com a cultura Guarani, possibilitando o acesso dos “guaranis reduzidos” a técnica europeia através de escolas de ofícios, do canto, da música, como esclarece Lugon (1977, p. 144):

Desde o tempo do Padre Baes, em cada redução foi criada uma escola de canto coral, música e dança. Diz Charlevoix: “Aí se aprendem a tocar todos os tipos de instrumentos cujo uso é permitido nas igrejas [...]. Tiveram muito pouco trabalho para aprenderem a tocá-los como verdadeiros mestres. Aprenderam a cantar pelas notas as melodias mais difíceis, e somos quase tentados a crer que cantam por instintos como as aves.” 4 (Grifos do autor)

Lugon (1977) esclarece que o “instinto” era desenvolvido diariamente em aulas que duravam várias horas. O padre Pipário (apud Pastels, 1912, p. 543) escreveu ao padre Provincial de Milão: “[...] que muitos indígenas já sabiam muito bem compor músicas, que podiam rivalizar com os mais famosos músicos da Europa5”.

Na maioria das reduções os mestres-de-capela era um Guarani e não um jesuíta. Lacouture (1991, p. 455) descreve que “um grande músico desta época, Domenico Zipoli, também jesuíta e rival de Vivaldi, contribuiu no processo de instituição de valores da cultura ocidental através da educação musical, compondo partituras para os guaranis com várias cantatas”. Lacouture (1991) destaca que os índios ficavam fascinados com os ofícios cantados onde suas vozes faziam maravilhas, e vários missionários deveram seus prestigio ao seu talento de flautistas ou violinistas, como os padres Vaisseau e Berger. O padre Sepp (1980) esclarece que neste processo foi instituída uma Escola “nacional” de Música para a qual selecionavam os alunos mais destacados de cada redução. Seep (1980, p. 247):

Estes índios paraguaios são, por natureza, como que talhados para a música, de maneira que aprendem a tocar com surpreendente facilidade e destreza toda sorte de instrumentos, e isto em tempo brevíssimo. No que concerne ao mestre, quase o dispensam de todo.

Muratori (1983, p. 96) revela que “[...] nos primeiros tempos as menores das reduções possuíam quatro organistas habilitados e músicos que se destacam, por sua excelência, como tocadores de alaúde, flauta, espinhetas, trombeta, fagote”. De acordo com Muratori (1983) muitos europeus que ouviram a música dos índios (tocada pelos índios) garantiram não serem inferiores os das catedrais da Espanha. O repertório incluía, além do canto coral e da polifonia do Padre Baes, música de bailado e marcha, motete a várias vozes. Os violinistas também se destacavam, em especial, tocavam as mais difíceis composições europeias com muito virtuosismo.

Muratori (1983) enfatiza que quando dois padres franceses vieram visitar as reduções em 1628, cujos nomes eram: Hérnoad de Tuol e Noel Bethold, os indígenas apresentaram em honra aos visitantes, bailados com uma música a duas vozes, “ao bom gosto francês”. Este processo de fricção interétnica e a identificação do Guarani para com a música e a aptidão para com os instrumentos musicais, aparecem na visão dos cronistas da Companhia de Jesus e para os autores que defendem a posição dos jesuítas, como “modeladora” e “civilizatória” e que as manifestações culturais abriram as veredas para o papel “civilizador” da cultura europeia.

Nesta acepção Sylvio Back6 (apud Lacouture, 1991, p.460) contesta esta posição, resumindo desta forma esse processo:

A redução dos ameríndios do século XVII - ou de hoje - a uma cultura estrangeira que substituiu um pensamento racional ao pensamento mítico, e a ordem do Estado à relação libertária, só pode ser considerada um progresso a partir de uma avaliação puramente arbitrária das civilizações.

Meliá (1991) corrobora com a visão de Sylvio Bacck afirmando que os guaranis pré-colombianos não possuíam templos e nem imagens de ídolos, portanto, não podiam oferecer manifestações de artes plásticas, nos primeiros tempos aos conquistadores e missionários especialmente sensíveis à arte barroca que possuía em suas igrejas uma expressão privilegiada. Assim mesmo, os indígenas impressionaram sempre pela sua eloquência em falar, eram os “senhores da palavra”. Meliá (1991, p. 84) corrobora: “Toda la lengua guarani, reconecian admirados los missioneros jesuítas, era una arte”.

Meliá (1991) revela, portanto, que essa palavra Guarani durante o processo colonial foi “reduzida” de muitos modos, em especial pela tentativa de substituição pela arte ocidentalizada do canto gregoriano, ou da introdução de instrumentos musicais como o violão, violino, clarinete, órgãos, etc., mas, como afirmamos anteriormente ao instituir as reduções no sentido de segregar a população indígena, essa se instituiu a partir do princípio da contradição. A palavra guarani nunca foi completamente silenciada e foi o instrumento mais utilizado pela resistência Guarani contra o invasor, no sentido de perpetuar traços de sua cultura tradicional.

Meliá (1991, p. 83) esclarece: “Belleza, fantasía y libertad, los guaranís los han expresado, sin embargo, en otro arte, que no se ve y no se toca. Lo mejor del arte Guaraní no se hace, se dice; no se ve, se escucha. La primera y fundamental arte del guaraní es la palabra”.

O aspecto da fricção interétnica se manifesta em múltiplas facetas, em um mosaico de determinações expressas na estética ocidental que emerge nas reduções no signo das estátuas de madeiras e de pedras, nos afrescos e nos quadros que substituíram e imitam muitas vezes o grego antigo, mimeses do renascimento. Lugon (1977, p. 148) afirma que Avé-Lallemont observou “[...] numa grande sala do Colégio de S. Lourenço, em ruínas trinta e três estátuas de diferentes tamanhos reunidas pelos índios e cuidadosamente conservadas”.

A escultura foi no processo de colonização uma das expressões estéticas mais utilizadas, como bem observa Moussy (1852), o autor afirma que numa sala do Colégio, de que ainda se conserva o teto fora colocado um São Miguel derrubando um diabo, grupo colossal em madeira. Também foi observado por Moussy (1952) o esmero artístico que os guaranis dedicavam à lavra escultórica das arcadas e das galerias de mármore ao longo de certas ruas. Moussy descreve o aspecto exterior das igrejas que eram construídas em pedras vermelhas, branca e amarela, no estilo renascentista, e na maioria das vezes com três ou cinco naves e um campanário em pedra rendilhada.

Lugon (1977) esclarece que as igrejas construídas pelos guaranis eram espaçosas e imponentes, essas construções provocaram uma rivalidade entre as reduções em relação aos aspectos estéticos e também em relação a sua suntuosidade, essa competitividade era estimulada pelos jesuítas. Lugon (1977) revela que neste ponto assistiu-se à reconstrução de igrejas por inteiro, a fim de colocar ao mesmo “nível” de outras, privando-se os habitantes do necessário para conseguirem. Em síntese com esses relatos podemos evidenciar ao papel desempenhado pelos jesuítas em instituir a os valores da cultura europeia junto aos guaranis.

Acentue-se, que no conjunto desta análise, o processo educacional se afigura em um sentido mais amplo e que se deu em todos os setores da vida cotidiana da redução. Nesta acepção, a instituição escolar tem a definição conceitual de Alves (2001) que se recusa a ver a instituição escolar como algo perene, cuja função especificamente pedagógica se identificaria com a sua única razão de ser.

Portanto, a estética ocidental revela o processo de fricção interétnica do imaginário, pois mesmo as pinturas das igrejas encerravam o caráter pedagógico. As igrejas eram decoradas de pinturas, cujas representações destacavam os “mistérios” da religião católica e as ações heroicas dos personagens bíblicos do Antigo e do Novo Testamento.

Lugon (1977) enfatiza que essas pinturas estavam separadas por festões e compartimentos de grinaldas feitas com folhas sempre frescas e salpicadas de flores e que essas igrejas não ficariam atrás das mais belas da Espanha e do Peru, tanto pela beleza da estrutura como pela riqueza e bom gosto da prataria e dos ornamentos de todas as espécies7.

Sobre o processo de fricção interétnica a estética ocidental se impôs como expressão do “belo”, do “rico”, do “suntuoso”. Florentin de Bourges (1755) corrobora com os dados de Charlevoix (1747), descrevendo que as pinturas eram realizadas pelos próprios índios e as sacristias eram bem sortidas de prataria e ornamentos de culto com expressões e valores da cultura europeia.

Lugon (1977) confirma que o conceito de beleza era medido pelo grau de riqueza, a partir da do valor atribuído pela cultura ocidental, que pudesse ser exposto. Logo, algum ornamento para ser considerado bonito tinha que ser algo valioso no sentido monetário. Nesta acepção, o conceito de “belo” estava ligado ao “rico” e o conceito de “feio” ao pobre economicamente. Lugon (1977) exemplifica esse artifício se referindo ao altar da Igreja de São Miguel, que era tão magnificamente esculpido, que o orçavam em valores da época, em trinta mil réis de prata, sem o dourado da talha.

A pedagogia da absorção, portanto, se dava em todas as dimensões instituindo lenta e gradualmente a visão de mundo da sociedade europeia. Este processo ocorria na singularidade paraguaia e ganhava nas reduções jesuíticas uma conformação particular. O procedimento de fricção interétnica se deu em todos os campos: econômico, político, social, estético, etc., porém, no espaço reducional esses valores emergem desde a sua gênese sob a égide da contradição, pois a suntuosidade das igrejas, consequentemente, a sua expressão material e estética entrava em contrassenso com a habitação indígena. Haubert (1990, p. 246) descreve:

Os materiais de construção variam de acordo com a época e o lugar. Para o teto, a telha começa a substituir a palha por volta de 1700. As paredes são de barro amassado com palha, de adobe, de pedra talhada até cerca de oitenta centímetros do chão, depois em tijolo de argila seca ao sol ou até inteiramente de pedra talhada. No momento da expulsão dos missionários, ainda se encontram todos os tipos de construção.

Como já vimos, o processo pedagógico e educativo nas reduções é muito mais amplo, vai além da educação escolar. Foi na verdade a instituição de padrões culturais, pois os guaranis pré-colombianos viviam em grandes “ocas” com várias famílias. Os europeus impõem uma mudança profunda, ao instituir a “casa” para apenas a família monogâmica. E além de impor “novo” modo de viver ainda os qualifica de “pobres”, “sujos”, como um valor estético da cultura ocidental que se contrapõe com “mansões”, “castelos” no sentido de hierarquia estética, como demonstração de dominação. Haubert (1990, p. 246) expõe essa contradição:

Em compensação não há qualquer diversidade no alojamento, que se reduz por toda parte em um único cômodo quadrado de cerca de cinco a seis metros de lado, não importando o tamanho da família. Um couro de boi faz às vezes de porta. Não há janelas ou chaminé; faz-se fogo num canto. O chão não é revestido. O mobiliário é bem reduzido semelhante aos dos ancestrais; algumas redes ou peles de jaguar e couros de boi estendidos no chão, o travesseiro, uma pedra ou um pedaço de madeira [...]. No mesmo cômodo vivem e dormem os animais domésticos, os cachorros e as galinhas [...].

Haubert (1990) revela que o padre geral recomendava, em 1696, que os sacerdotes visitassem regularmente as habitações dos indígenas, e que estes não deveriam permitir de maneira alguma que várias famílias vivessem sob o mesmo teto, como era comum antes da conquista dos europeus. Da mesma forma, se deu também em relações aos vestuários, cujo traje dos homens consistia numa calça, num colete e no ornado de franjas nas bordas, que em guarani chama-se aobaci. Os indígenas acreditavam se conseguissem ganhar ou adquirir uma camisa, que com esse traje estariam “decentemente” vestidos. As roupas eram de algodão, com exceção do poncho de lã para os dias frios. Os cabelos dos Guaranis cristãos eram cortados como os dos noviços. As mulheres só soltavam os cabelos quando ia à igreja o que era considerado um sinal de reverência. Em tempos normais elas prendiam os cabelos com rendinhas de algodão. (HAUBERT, 1990), (ARÉCO 2008).

Em casa e nos trabalhos do campo, as mulheres guaranis usavam vestidos de talar sem mangas. Para o culto vestiam usualmente por cima do vestido uma túnica também de talar, que era denominado de tupai. Na expressão estética cristã a mulher Guarani vestida dessa forma era um “retrato vivo” de Nossa Senhora de Loreto. As mulheres cristãs Guarani, naquele período, não utilizavam mais a pintura corporal nem no rosto, nem nos lábios. (HAUBERT, 1990), (ARÉCO 2008).

Haubert (1990, p. 248) revela que “o uso de colares e brincos pela mulher Guarani era permitido, estes eram feitos de vidros de todas as cores e os brincos eram geralmente de cobre e podiam atingir até três dedos de diâmetro”. Assim, como fora instituído pelos jesuítas a questão habitacional, as vestimentas das mulheres apregoam o sentido “estético” e ao mesmo tempo “moral” do cristianismo. Haubert (1990, p. 250) esclarece:

Pode parecer paradoxal os jesuítas, por um lado incitarem os índios a aumentarem ao máximo sua produção e, por outro restringiram o consumo de maneira tão draconiana. Bem que gostariam que os neófitos demonstrassem mais interesse em garantir sua subsistência e a decência de seu alojamento e de suas roupas, mas não poderia permitir que esse interesse se transformasse em desejo “de enfeitar o corpo desprezível ou parecer mais do que são”. (Grifos do autor)

Este exemplo é elucidativo, pois divulga uma posição de classe, evidentemente da dominante, fundamentada na “moral” cristã. A instituição dos códigos da sociedade europeia incentiva o aumento da produção, pois acumular era preciso, restringe o consumo dos indígenas para servir a este propósito. A estética emerge como uma distinção social e imposta como um valor moral. Síntese do entrelaçamento da “educação” e do “dogma religioso” que insurge com uma característica distintiva de uma classe embrionária que ansiava por acumular riquezas sob a égide de um “moralismo” desmoralizado pela pilhagem, pelo roubo, pela escravidão, marcas fundantes de um renascimento que emerge na morte e no genocídio. Época das luzes, iluminadas pelas fogueiras da inquisição, livre pensamento reduzido, sob a égide da luta de classe em sua gênese capitalista. Neste sentido Haubert (1990, p. 250) corrobora:

Entre eles, no entanto, há pessoas de uma categoria mais alta, e os jesuítas permitem que usem roupas mais ricas; até lhes dão à custa do Tupambaé, se elas não tiverem condições de adquiri-las. Além disso, quando os jesuítas dizem aos Guaranis “enriqueçam”, acrescentam, segundo os preceitos do Evangelho, “mas permaneçam pobres de espírito”. (Grifos do autor)

Paradoxalmente, a Companhia de Jesus é a expressão materializada do enriquecer, pois era sem dúvida a ordem religiosa mais rica de toda a América Colonial, a retórica do “permanecer pobre de espírito” e a expressão ideológica de sua ação. Portanto, na materialidade reducional o indígena poderia adquirir riqueza, contando que sejam “pobres de espírito” para que aceitem passivamente o domínio. Sarup (1980, p. 152) afirma que: “A alienação e a desigualdade têm suas raízes não na natureza humana, não na tecnologia, não no sistema educacional, mas na estrutura da economia capitalista”. Nesta definição as reduções jesuíticas são á expressão da gênese do capitalismo (em sua fase de acumulação primitiva) que estimulou a produção econômica e ao mesmo tempo legitimou a desigualdade econômica proporcionando um mecanismo meritocrático para destinar os indivíduos a posições econômicas desiguais.

Considerações finais

As ponderações que delineamos ao longo do artigo nos leva a apontar alguns elementos que merecem ser destacados nessa exposição final. Não indicamos exprimir uma análise sumária, já que essas reflexões foram por demais corroboradas no decorrer do trabalho. As conclusões confirmadas no decorrer do texto não serão apresentadas de forma linear, hierárquica e positiva, não resumindo assim as considerações obtidas, em grau de importância em relação à totalidade do conteúdo exposto.

O primeiro aspecto tecido na trama da apresentação geral do trabalho é a compreensão do contexto social e histórico em que foram instituídas as primeiras escolas no Paraguai Colonial. Esse processo teve como agente executora a Companhia de Jesus.

A companhia de Jesus foi fundada em 1539, na gênese da expansão do modo de produção capitalista. Naquele período, as duas grandes potências marítimas eram Portugal e Espanha que disputavam a hegemonia do processo econômico. A aliança das ordens religiosa com as monarquias europeias foram instrumentos importantes na consolidação do domínio europeu nas colônias do novo mundo. Essa ligação foi imperativa para reforçar os valores eurocêntricos. Os primeiros jesuítas que chegaram ao Paraguai em 1588 vieram do Brasil, Desde a sua chegada ao território Paraguaio, os religiosos trabalharam conjuntamente com os conquistadores leigos, no sentido de instituir os códigos sociais do mundo ocidental ligado, naquele contexto histórico, a gênese das instituições capitalistas. Devemos, portanto, entender a própria catequese e os outros processos de aculturação de vestir o indígena, ensiná-los a confeccionar instrumentos musicais ocidentais, ou ainda, o ensino do canto gregoriano como uma marca indelével deste decurso. No Paraguai a coroa espanhola concedeu aos jesuítas o direito de fundar povoados e explorar a força de trabalho indígena que pudessem catequizar. As missões jesuíticas na América, também chamadas de reduções foram os aldeamentos indígenas organizados e administrados pelos padres jesuítas no Novo Mundo, como parte de sua obra de cunho “civilizador” e “evangelizador”.

No decorrer da pesquisa, concluímos que as reduções jesuíticas do Paraguai não produziram somente “índios reduzidos”. Produziu, também, uma nova espacialidade social criando todo um sistema de produção material e imaterial, que acabou por gerar novas necessidades. Objetivando cristianizar a qualquer preço o “índio reduzido”, os jesuítas buscaram substituir as crenças ancestrais do Guarani.

Nos primeiros anos, os sermões e os ensinamentos eram feitos com o auxilio de intérpretes, acrescidos do imperativo de dominar os códigos linguísticos dos índios para tornar a catequese mais eficiente. Esta necessidade, por parte dos jesuítas, provocou a produção de gramáticas na língua guarani. Ao produzir a gramática surgiu a necessidade de ensinar os indígenas a ler esta gramática. Dai a gênese do processo escolar. Nesta acepção criou-se no espaço social da redução a emergência de publicar e imprimir esta gramática.

Consequentemente, ao dominar a língua nativa, os padres chegaram até às crianças, fazendo com que elas levassem para as famílias as novas crenças e as novas condutas. Este processo foi extremamente dinâmico e contraditório, pois, ao aprender a língua guarani, o jesuíta europeu desenvolveu a gramática da língua, e ao impedir o ensinamento da língua espanhola nas escolas das reduções preservou-se a língua originária. Ao construir templos, possibilitou o desenvolvimento da arquitetura guarani-missioneira, que contraditoriamente se contrapôs à simplicidade e a rudeza das habitações dos indígenas. Ao produzir as belas imagens dos “santos católicos”, estas entravam em contradição com as imagens de animais nativos da região. Logo, as imagens de “santos” mesclaram-se com as imagens “míticas” da cultura original guarani, em um processo dinâmico de produção de uma nova cultura, sintetizado pelos elementos da cultura ocidental e da cultura Guarani.

Ao produzir novas necessidades, os jesuítas precisavam instituir os conceitos abstratos para a compreensão do cristianismo. Nesta acepção já não bastava a educação assistemática e a catequese, surge então a necessidade da educação escolar para instituir os códigos sociais da sociedade dominante.

Ensinar a matemática no sentido de quantificar a produção e identificar o valor das moedas é um exemplo elucidativo deste processo. As crianças catequizadas pelos jesuítas, posteriormente iniciados nas primeiras letras, se transformaram nas novas lideranças indígenas substituindo os antigos lideres hereditários. As antigas lideranças instituídas, pelas formas da “hereditariedade” e da “xamânica”, foi substituída pelos “caciques cristãos”. Neste processo os jesuítas constituíram uma nova “elite” de caciques que já não estava mais ligado hegemonicamente à cultura original, esse processo acabou desestruturando antigas instituições guaranis pela capacidade que esses “novos líderes” tiveram de se incorporar aos novos códigos sociais que estavam se instituindo. Neste sentido, os jesuítas foram instrumentos importantes na criação e consolidação das relações coloniais no novo mundo. Trabalhar as diferentes formas das relações que foram instituídas nos empreendimentos jesuíticos pode elucidar a herança dessa ordem religiosa católica na disseminação da cultura ocidental, imprescindível para a reprodução das relações sociais do modo de produção na época moderna. Esse encadeamento foi instituído no mercantilismo comercial, na exploração da agricultura, na criação de gado, participação efetiva na compra e venda de escravos e na promulgação da cultura cristã aos povos originários da América Latina. Por fim, a gênese da educação paraguaia estava amalgamada a esse processo.

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1Fonte: Banco Mundial, Cia, The world factbook, FMI, COFACE, REDIEX e BCP. Acesso em agosto de 2015.

2A atividade mineira da extração de ouro e prata no atual território do Peru e da Bolívia gerou uma intensa demanda por alimentos e animais de tração. Essa demanda estimulou a ocupação de territórios impróprios para a agricultura tropical e sem jazidas de metais preciosos, tais como a Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai, que desenvolveram próspera agricultura e pecuária voltada para o incipiente mercado colonial.

3A Encomienda era uma concessão feita pelo Rei da Espanha aos colonizadores, que tinham o “direito” de exigir das aldeias indígenas prestação de serviços sem remuneração, especialmente na agricultura e no extrativismo da erva mate.

4Ver mais sobre este assunto em: Charlevoix (1747). Tomo I, p. 241-242.

5Este processo foi apresentado pelo cineasta inglês Roland Joffé no filme A Missão - contestável no plano histórico por concentrar num breve período fatos que desenrolaram ao longo de mais de um século, e por abraçar rigidamente a visão jesuítica - Porém o filme de Joffé explicita a instituição de valores da cultura ocidental como a música e os instrumentos musicais como a flauta e o violino. Por outro lado o cineasta brasileiro Silvio Back no filme a República Guarani, um documentário vigoroso, Back denuncia o que ele chama de “a ocupação ideológica do indígena”. Explicitando também a instituição dos valores da cultura ocidental nas reduções Guarani.

6Sylvio Back concedeu esta entrevista exclusivamente para Jean Lacouture no dia 14 de Outubro de 1990, no Rio de Janeiro.

7Ver mais em: Charlevoix (1747), Tomo I, p. 242-253.

Recebido: 01 de Setembro de 2018; Aceito: 01 de Janeiro de 2019

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