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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.18 no.3 Uberlândia set./dic 2019  Epub 17-Ene-2020

https://doi.org/10.14393/che-v18n3-2019-18 

Resenhas

História da disciplina escolar Língua Portuguesa em Mato Grosso do Sul (1977-2008)

History of the Portuguese language school discipline in Mato Grosso do Sul (1977-2008)

Historia de la disciplina de la escuela de lengua portuguesa en Mato Grosso do Sul (1977-2008)

Daniele Spadotto Sperandio1 
http://orcid.org/0000-0002-7969-7407; lattes: 5498128111698841

1Instituto Federal de São Paulo (Brasil) danielespadotto@gmail.com

BERTOLETTI, Estela Natalina Mantovani. História da disciplina escolar Língua Portuguesa em Mato Grosso do Sul (1977-2008). Jundiaí/SP: Paco, 2017. 153pp.


A obra “História da Disciplina Escolar Língua Portuguesa em Mato Grosso do Sul (1977-2008) é resultado de uma pesquisa de pós-doutoramento em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, defendida em 2011, e está fundamentada em rigorosa pesquisa histórica documental, com uma criteriosa análise sobre as políticas curriculares da Língua Portuguesa referente ao período de 1977 a 2008, permeando as transformações ocorridas no ensino dessa disciplina no Estado de Mato Grosso do Sul.

A autora observou a ausência de estudos que abordam a compreensão do passado mais recente, em especial a partir de 1970, de modo que, para delimitação temporal, registra o período de criação do estado de Mato Grosso do Sul, em 1977 até 2008, quando constava a proposta curricular vigente no momento da coleta de dados, e para delimitação do corpus, a análise refere-se as quatro últimas séries/ano do 1º grau/ensino fundamental.

A autora baseou-se na configuração textual1 para a análise das propostas curriculares como documento escrito e que abrange uma série de aspectos compreendidos como elementos constitutivos desse documento, independentes se externos ou internos, a saber: quem escreveu, onde, quando, por que, o quê, para quê, para quem e como. Dessa maneira, as propostas curriculares passaram por uma análise sobre a materialidade de seus suportes, compreendendo os aspectos formais das propostas, a autoria, a recepção, as concepções teóricas e as bibliografias consultadas e sugeridas.

Por se tratar de pesquisa histórica em Educação, a obra segue a tendência teórico-metodológico denominada História Nova, originada na França em 1929, que ampliou os critérios de análise dos documentos e fontes de pesquisa. A autora optou por realizar uma “[...] abordagem de fundo histórico do tema investigado, que se baseia em uma concepção de História que leva em conta toda experiência humana como história real construída por homens reais” (BERTOLETTI, 2017, p. 24).

A obra, de perspectiva histórica, evidencia a importância de desconstruir verdades pré-estabelecidas sobre o passado para estabelecer conexões com o presente, de maneira a compreender que interpretações críticas são fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento histórico que, além de questionar, amplia a concepção de novos paradigmas.

Como fundamentação da pesquisa é apresentado no primeiro capítulo os conceitos e a história do currículo e das disciplinas escolares, além de abordar a cultura escolar e disciplinas escolares como campo de investigação. A autora argumenta com muita propriedade, que o ensino da Língua Portuguesa é cercado por problemáticas, sendo que as proposições curriculares são decisões políticas que discutem as finalidades socioculturais da educação escolar, o que pode ser observado pelas recentes discussões tanto no cenário regional quanto nacional que abordam mudanças nas políticas, métodos de ensino e práticas educativas.

Na concepção da autora, o currículo é o resultado de uma construção social abrangendo bases teóricas, práticas e técnicas, cuja constituição possui influências políticas e administrativas. Além do interessante diálogo entre a História da Educação e Currículo, em especial sobre as disciplinas escolares e a relação com a cultura escolar, pode-se observar que a autora aborda a visão de diferentes campos e autores, compreendendo que cada disciplina possui uma história singular, com elementos constitutivos próprios.

O segundo capítulo versa sobre a constituição da história da disciplina escolar Língua Portuguesa no Brasil. Em um primeiro momento, a autora situa a disciplinarização da língua, que se tornou oficial durante o período jesuítico e, com a Reforma Pombalina, em 1759, tornou obrigatório o ensino no Brasil que era limitado ao ensino da gramática, retórica e poética. A estruturação como disciplina ocorreu em fins do século XIX, e até a década de 1940, ateve-se a essa mesma estrutura. Com a Reforma de Capanema, em 1942, o ensino secundário foi dividido em dois ciclos, curso ginasial e colegial, com reais mudanças no ensino da Língua Portuguesa durante a década de 1960, predominando o ensino da gramática. Nos anos 1970 a disciplina passou a ser nomeada de Comunicação e Expressão para a 1ª e 4ª série do 1º grau, Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa da 5ª a 8ª série do 1º grau e, apenas no 2º grau, de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.

No segundo momento, a autora aborda as reformas curriculares de 1971 e 1996. A primeira reforma teve uma série de desdobramentos que não rompeu em definitivo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1961. Em 1986, a Comissão Nacional, instituída pelo Ministério da Educação, recomenda a denominação de Língua Portuguesa e Português para o idioma e a disciplina, entre outras orientações metodológicas. Com a nova LDB, de 1996, houve mudanças no ensino como um todo, e com a Resolução CEB, de 1998, a Língua Portuguesa passou a compor a base comum nacional.

No terceiro capítulo são examinadas quatro propostas para o ensino da Língua Portuguesa que foram elaboradas e implementadas no estado de Mato Grosso do Sul, e situa as propostas curriculares nas condições em que foram produzidas e em que circularam no estado:

  • a) Sugestões de Comportamentos esperados e conteúdos mínimos para o ensino de 1º grau: 1ª a 8ª série - reforma datada de 1981 e que sinaliza o uso instrumental da língua.

  • b) Diretrizes gerais para o ensino de pré-escolar e de primeiro grau - reforma publicada em 1989, e cuja estruturação está alinhada, de maneira direta e indireta, com as ideias de Paulo Freire.

  • c) Diretrizes curriculares: Português, Língua Portuguesa e Literatura Brasileira - reforma de 1992 que propõe o ensino baseado no texto, com ênfase ao texto literário objetivando a produção de significados.

  • d) Referencial Curricular da Educação Básica da Rede Estadual de Ensino / MS - Ensino Fundamental - publicada em 2008. Há indícios de que sua publicação está associada a necessidade de se adequar às exigências legais da implementação do ensino fundamental de nove anos. O escopo da proposta atrela-se ao “aprender a aprender”, a partir do eixo “uso-reflexão-uso”.

Ao abordar a criação do estado de Mato Grosso do Sul, em 1977, e sua instalação, em 1979, a autora coloca em evidência aspectos referentes a história do estado que são poucos discutidos e postos em segundo plano. Ao mesmo tempo, observa-se influência política no direcionamento de ações em consonância a descontinuidade de programas, como do sistema de educação nos anos iniciais da divisão do estado de Mato Grosso.

Em sua pesquisa, a autora constatou que o livro didático estabelecia o ensino da Língua Portuguesa, havendo predomínio de obras advindas de outros estados, principalmente de São Paulo, o que embasou o ensino da Língua Portuguesa, ora em uma concepção tradicional, ora em uma concepção estruturalista. Historicamente, mudanças nas políticas públicas, como as propostas educacionais, sucediam as transições de governo no estado, sinalizando uma ação político-partidária.

Na conclusão, a autora sinaliza que houve melhoria na apresentação das propostas, com pressupostos teóricos, justificativas, conteúdos, metodologia e avaliação, mas houve diminuição na menção de professores no processo de elaboração, que são os indivíduos atingidos diretamente por elas. E, embora as propostas curriculares ao serem elaboradas, o foram como um instrumento de “proposição”, a política educacional que as formalizam seguem modelos autocráticos.

A obra permite refletir sobre os métodos adotados para o ensino da língua, como o reconhecimento do texto como unidade de ensino e não mais baseado sobre questões de gramática normativa, nas suas variedades linguísticas, na produção e análise de textos discursivos, na questão do letramento, na diversidade do texto literário. Além disso, ao conhecer a história e os aspectos do ensino da Língua Portuguesa ao longo dos anos, é possível compreender as mudanças, as concepções da língua, o processo de aprendizado da escrita e da leitura, a percepção do que era falar e escrever bem e corretamente a Língua Portuguesa, e como todo esse percurso até as últimas reformas possibilitou repensar e melhorar esse ensino.

A leitura do livro é relevante para os pesquisadores que abordam estudos sobre o currículo e a cultura escolar d a história da disciplina escolar Língua Portuguesa. Como a autora destaca, apesar de haver certa intensificação nas pesquisas nas duas últimas décadas, pode identificar que os estudos são esparsos e pontuais, tanto em pesquisas relativas à história da disciplina, quanto com relação a outros aspectos. Essa constatação demonstra que há um vasto campo a ser percorrido, cujos questionamentos precisam ser pesquisados. Isto posto, a obra evidencia que as reformas educacionais são responsáveis por mudanças significativas no processo de ensino e nas práticas educativas, justamente em um momento no qual há propostas de alteração da estrutura curricular, com redução da carga horária de uma disciplina base para o aprendizado de uma língua de interesse nacional.

Nesse sentido, a obra além de trazer elementos para pesquisa da Língua Portuguesa, ainda pouco estudada no Brasil, expande para outras áreas do conhecimento, trazendo relevante contribuição para a História da Educação.

Referência

BERTOLETTI, Estela Natalina Mantovani. História da disciplina escolar Língua Portuguesa em Mato Grosso do Sul (1977-2008). Jundiaí/SP: Paco, 2017. 153p. [ Links ]

1Para conhecer o conceito de “configuração textual”, ver MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Notas sobre linguagem, texto e pesquisa histórica em educação. Revista História da Educação, Pelotas, v. 3, n. 6, p. 69-77, out. 1999. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/asphe/article/download/30258/pdf. Acesso em: 02 set. 2019.

Recebido: 01 de Julho de 2019; Aceito: 01 de Agosto de 2019

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