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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.19 no.2 Uberlândia May/Aug 2020  Epub June 05, 2020

https://doi.org/10.14393/che-v19n2-2020-11 

ARTIGOS

Escolas de memórias: representações da escola entre novos letrados (Minas Gerais, décadas de 1900 a 1930)

Cecília Rodrigues Fadul1 
http://orcid.org/0000-0003-1126-6309; lattes: 1830588144096290

Ana Maria de Oliveira Galvão2 
http://orcid.org/0000-0001-9063-8267; lattes: 6102383021147824

1Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) ceciliafadul@yahoo.com.br

2Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) anamariadeogalvao@gmail.com


Resumo

O artigo teve como objetivo analisar as representações de escola que autores(as) de autobiografias - nascidos(as) em Minas Gerais a partir do final do século XIX e considerados novos letrados - construíram ao longo de suas trajetórias de vida e produziram em suas obras. Foram analisadas sete autobiografias, compreendidas como documentos significativos para se alcançar as experiências pessoais de um grupo que construiu representações singulares sobre a escola. Chegou-se à conclusão de que a escola, para os novos letrados, foi supervalorizada, sobretudo como mecanismo de inclusão em uma sociedade que, ao longo dos anos - entre o tempo das memórias e o tempo da escrita - viu crescer a valorização da escolarização e da alfabetização. Os(as) autores(as) buscaram, por meio da escola, se incluírem no grupo daqueles que, pela via do conhecimento, ocupava lugares de distinção. A escrita de um livro pareceu configurar o desfecho ideal dessa ascensão simbólica.

Palavras chaves: Educação em Minas Gerais na República; Representações da escola; Autobiografia

Abstract

The article aimed to analyze the school representations that authors of autobiographies - born in Minas Gerais from the end of the 19th century and considered new literate - built throughout their life trajectories and produced in their works. We analyzed seven autobiographies, understood as meaningful documents to reach the personal experiences of a group that built singular representations about the school. It was concluded that the school, for the new scholars, was overestimated, especially as a mechanism of inclusion in a society that, over the years - between the time of memories and the time of writing - has seen the increase in the value of schooling and literacy. The authors sought, through the school, to be included in the group of those who, by the knowledge path, occupied distinctive places. The writing of a book seemed to shape the ideal outcome of this symbolic ascent.

Keywords: Education in Minas Gerais in the Republic; School Representations; Autobiography

Resumen

El artículo tuvo como objetivo analizar las representaciones sobre la escuela que autores de autobiografías, nacidos en Minas Gerais a partir del final del siglo XIX y considerados nuevos letrados, construyeron a lo largo de sus trayectorias de vida y produjeron en sus obras. Se analizaron siete autobiografías, consideradas como documentos significativos para compreender y captar las experiencias personales de un grupo que construyó representaciones singulares sobre la escuela. Se llegó a la conclusión de que la escuela, para los nuevos letrados, fue sobrevalorada, sobre todo como mecanismo de inclusión en una sociedad que, a lo largo de los años (entre el tiempo de las memorias y el tiempo de la escritura) vio crecer la valorización de la escolarización y de la alfabetización. Los/as autores/as buscaron, por medio de la escuela, incluirse en el grupo de aquellos que, por la vía del conocimiento, ocupaban lugares de distinción. La escritura de un libro autobiográfico pareció configurar el desenlace ideal de esta ascensión simbólica.

Palabras claves: Educación en Minas Gerais en la República; Representaciones de la escuela; Autobiografía

Introdução

O amanhecer do século XX é marcado por uma nova forma de organizar politicamente a nação brasileira: o republicanismo. “Substituir um governo e construir uma nação, esta era a tarefa que os republicanos tinham que enfrentar” (CARVALHO, 1998, p. 92). Quando algo novo entra em cena, é preciso estabelecer nitidamente as diferenças que possibilitam, ao novo, ser novo/inovador e, ao velho, ser ultrapassado e digno de ser deixado para trás. Foi isso o que os homens e mulheres que defendiam a República expuseram enfaticamente, atribuindo ao Império a responsabilidade pelo atraso e pelo não crescimento do Brasil e apresentando a República como o regime da igualdade e da liberdade1.

Os republicanos apostaram na ideia de modernizar o país e para isso diziam contar com a escola. Segundo Louro (1997), “o discurso sobre a importância da educação na modernização do país era recorrente. As críticas ao abandono educacional em que se encontrava a maioria das províncias estavam presentes nos debates do Parlamento, dos jornais e até mesmo dos saraus” (p.443).

A intelectualidade republicana que se dedicou às questões da educação foi defensora de uma urgente renovação educacional, atribuindo ao Império a existência de uma educação escolar mal organizada e ineficiente, tal como destacam Schuller e Magaldi (2008, p. 35): “[...] as escolas imperiais foram lidas, nos anos finais do século XIX, sob o signo do atraso, da precariedade, da sujeira, da escassez e do “mofo”. Mofadas e superadas estariam ideias e práticas pedagógicas − a memorização dos saberes, a tabuada cantada, a palmatória [...]

Há, no entanto, um entendimento - cada vez mais enfatizado pelas revisões historiográficas recentes - de que transformações no âmbito da educação, tais quais as preconizadas pelos republicanos, já haviam se estabelecido antes do “15 de novembro de 1889”, assim como permanências são encontradas décadas após a instauração da República no Brasil. Estudos como os de Schuller e Magaldi (2008), Viega (2012), Faria Filho (2000) e Musial (2011) apontam para o fato de que a escola do Brasil republicano não foi homogênea. Nessa direção, não seria abusivo falar de escolas multiplamente diversas, convivendo nos mesmos espaços e tempos. Elas se constituíram variadas em materialidade e organização, como também no lugar simbólico que ocuparam para diferentes grupos sociais.

Seu lugar simbólico foi a motivação deste estudo que identificou e analisou as formas como a escola mineira do início do século XX foi apreendida e contada e, em alguma medida, vivida, por homens e mulheres considerados novos letrados. A principal intenção deste trabalho foi, portanto, investigar as representações de escola que autores(as) mineiros(as) de autobiografias - nascidos(as) na década final do século XIX ou nas primeiras décadas do século XX e considerados novos letrados - construíram ao longo de suas trajetórias de vida e que estão narradas em seus escritos. A definição de novos letrados baseia-se no conceito de “novos leitores”, cunhado por Jean Hébrard (1990) para designar os sujeitos que na França do século XIX, a partir da expansão da escolarização, passaram a constituir uma nova geração de leitores. Os novos letrados referem-se, nesse sentido, à primeira geração de indivíduos ou grupos sociais que realizam, com maior intensidade, participação nas culturas do escrito (GALVÃO, 2010).

Trata-se, portanto, de contar “a história vista de baixo”, como esclarece Burke (1997, p.3): “[...] vários novos historiadores estão preocupados com “a história vista de baixo”; em outras palavras, com as opiniões das pessoas comuns e com sua experiência da mudança social. Ou, nos dizeres de Stone (2011, p.30), “[...] eles [novos historiadores] contam a história de um indivíduo, um julgamento, ou um episódio dramático não por si sós, mas para lançar luzes sobre as operações internas de uma cultura passada ou de uma sociedade”. Acredita-se que este trabalho pode, ao narrar a história desses indivíduos, “lançar luzes” sobre a sociedade em que viveram, de modo particular sobre a forma como parte desta sociedade leu e viveu a escola.

Pressupostos teóricos e fontes

Para a presente investigação foi realizada uma pesquisa documental que compreendeu as autobiografias como documentos significativos para se alcançar as experiências pessoais de um grupo que construiu representações singulares sobre a escola. Esses autores revelam uma história, na medida em que, como afirmou Galvão (1998), o documento passa a ser visto não mais como demonstrativo de uma “verdade histórica”, mas apenas como expressão de uma das várias versões possíveis para um mesmo fato. Em sua discussão a respeito da História e da memória, Le Goff (1990, p.50) destaca como “o recurso à história oral, às autobiografias, à história subjetiva” é capaz de ampliar a base do trabalho científico, modificando a imagem do passado, na medida em que dá a “palavra aos esquecidos da história”. O autor salienta o uso desses recursos como um dos “grandes progressos da produção histórica contemporânea” (LE GOFF, 1990, p.50). Foi feita ainda a opção teórico-metodológica da microanálise. O anseio foi variar a escala de observação, para investigar de que formas o grupo analisado construiu esta realidade social, a escola. Nessa variação esteve em jogo: quem se observou - os novos letrados -, como se observou - a partir dos sentidos que o grupo atribuiu à escola - e por meio de que se observou - das autobiografias. Buscou-se desta maneira “explicar a lógica da significação dessas experiências em sua singularidade” (REVEL, 1998, p.12):

[...] Não para ceder novamente à vertigem do individual, quando não do excepcional, mas com a convicção de que essas vidas minúsculas também participam, à sua maneira, da “grande” história da qual elas dão uma versão diferente, distinta, complexa (REVEL, 1998, p.12-13).

Tomou-se como base o conceito de representação definido por Chartier (1990), como “esquemas intelectuais, que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado” (p. 17). O autor considera “as representações (individuais ou coletivas, puramente mentais, textuais ou iconográficas) não como simples reflexos verdadeiros ou falsos da realidade, mas como entidades que vão construindo as próprias divisões do mundo social” (CHARTIER, 2009, p.7). Para ele, é importante que se atenha para o fato de que “essa noção permite vincular estreitamente as posições e as relações sociais com a maneira como os indivíduos e os grupos se percebem e percebem os demais” (p.49-50).

Segundo Lejeune (2014), a autobiografia é uma “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade” (p. 16). A escrita autobiográfica caracteriza-se pela busca em dar sentido à vida que será lida e, ao mesmo tempo, ao escrito que se tornará a autobiografia, de tal forma em que há certamente ajustes que não respeitam nem a cronologia nem a integridade das cenas descritas nas memórias. Como toda história, a autobiografia é ainda a narrativa de uma vida produzida pelo próprio(a) autor(a), ou seja, uma coletânea de cenas vistas/vividas por um indivíduo, contada de acordo com a interpretação dele. Segundo Bourdieu (2006), “essa propensão a tornar-se o ideólogo de sua própria vida, selecionando, em função de uma intenção global, certos acontecimentos significativos e estabelecendo entre eles conexões para lhes dar coerência, [...] só pode ser levado a aceitar essa criação artificial de sentido (p.184-185). Nesta perspectiva, não se espera das autobiografias a transmissão à folha de item por item daquilo que viveu o seu(a) autor(a), mas uma leitura interpretada das experiências que constituíram a memória dele(a). O presente trabalho teve como hipótese que a escrita da vida fabrica a própria vida. Com convicção sobre as possibilidades de ajustes de várias naturezas (cronológica, espacial e social) nas narrativas investigadas, interessou mais para este trabalho não o que foi possível verificar como dado oficial ou supostamente mais verdadeiro, mas o que foi possível compreender como representação construída, atribuída à escola por esses autores.

Outro importante cuidado metodológico esteve na percepção, e na consequente análise a respeito, de que os autores de autobiografias, ao contarem sobre os primórdios de suas vidas, distanciaram-se décadas, no período da escrita, das vivências relatadas. Há nesse intervalo temporal consideráveis mudanças em suas trajetórias e nas sociedades em que vivem, que são possivelmente incorporadas ao momento da escrita, haja vista que é o tempo “este todo poderoso decorador de ruínas”, segundo expressão que Certeau atribui a Michelet (CERTEAU, 1994, p. 13). Nesse sentido, sabe-se que as representações da escola forjaram-se não somente no período da experiência escolar ou de sua ausência, mas também no momento da escrita das obras. Dessa forma, foi realizado um trabalho metodológico que se deslocou todo o tempo entre esses dois momentos históricos: 1900-1939, quando os autores se encontravam em idade escolar, e 1950-1980, período de escrita das obras investigadas. Para dirigir esse deslocamento, a pesquisa baseou-se em eixos de análise presentes (ou ausentes) na construção/apropriação das representações da escola dos novos letrados, tais como: escolarização urbana x rural, escolarização de negros x brancos, escolarização de mulheres x homens, alfabetismo x analfabetismo, dentre outros que surgiram no decorrer da investigação.

Para o presente artigo, foram escolhidas sete obras2 para compor o corpus principal. As obras selecionadas, além de se caracterizarem como aquelas em que há mais evidências de que seus autores eram novos letrados, também atenderam aos marcos temporais já apresentados. Observou-se a forma como os(as) autores(as) apresentaram a relação de seus pais com as culturas do escrito, de maneira que se considerou novo letrado aqueles escritores que afirmaram terem pais analfabetos, pouco escolarizados e/ou que (quase) não utilizavam a leitura e a escrita em seus cotidianos.

O grupo investigado

Pode-se classificar o grupo investigado, por diversas condições que serão logo apresentadas, como um grupo colocado na posição de dominado, subjugado que foi pelas relações sociais. Embora se compreenda que tal posicionamento não tenha retirado o protagonismo de seus participantes em suas próprias vidas, demarcou-os segundo o entendimento que atribuem a si mesmos como aqueles que sabem pouco, e que, portanto, devem considerar o que dizem os grupos dominantes. Não obstante, na leitura das autobiografias foi identificada uma ideia comum entre os(as) autores(as): eles se dizem pessoas cujas experiências de vida são marcadas por muita luta não somente na busca pela sobrevivência, como também na busca de um reconhecimento que suas vidas foram, de alguma maneira, especiais, distintas (BOURDIEU, 1984). Muitos(as) autores (as) vão ao longo da autobiografia dando conselhos aos leitores, reforçando a ideia de que suas vidas são dignas de serem escritas/registradas em um livro, sendo úteis como exemplos e modelos a serem seguidos, justamente porque, na concepção que apresentam sobre si mesmos, reconhecem que advinham de condições muito adversas e as superaram em alguma medida. Segundo Galvão et al. (2018), em estudos que utilizaram fontes muito próximas das utilizadas neste trabalho:

Os autores das autobiografias parecem partilhar da ideia de que o ato de escrever é motivado, antes de tudo, pelo desejo de mostrar como pessoas comuns são capazes de superar uma infância difícil e serem bem sucedidas, em diferentes aspectos (GALVÃO et al., 2018, p.5).

No quadro abaixo, é possível visualizar os dados das principais obras analisadas:

Quadro 1 Corpus principal 

TÍTULO E REFERÊNCIA DA AUTOBIOGRAFIA ANO DE NASCIMENTO DO AUTOR LOCAL DE NASCIMENTO
BOTELHO, Luiz Rousseau. Alto Sereno. Belo Horizonte: Editora Veiga, 1976. 1892 Leopoldina
SANTOS, Luiz Gonzaga. Memórias de um carpinteiro. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares, 1963. 1898 Diamantina
COSTA, Oswaldo José da. História e mistérios de minha vida. Belo Horizonte: Impresso na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, 1979. 1898 Bocaiúva
OLIVEIRA, Honorino Soares de. O meu pequeno mundo. Belo Horizonte: Minas Gráfica Editora Ltda, 1974. 1906 Piumhi
FAGUNDES, Osório Martins. Fragmentos de um passado. Edição: 1977 1908 Igaratinga
JESUS, Carolina Maria de . Diário de Bitita. Sacramento: Editora Bertolucci, 1986. 1914 Sacramento
PORTES, José. Memórias de Janjão de Souza. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1985. 1916 Santo Antônio da Mata

Os sujeitos investigados foram, em sua maioria, pertencentes às camadas populares, pelo menos durante suas infâncias. Nasceram em cidades do interior mineiro, sendo que dois deles descrevem terem nascido nas zonas rurais próximas a essas cidades. Havia entre essas cidades, no entanto, graus diferenciados de urbanização. De forma muito semelhante, os(as) autores(as) experimentaram a vivência alternada entre as cidades e as “roças”, o que aparentemente marcou suas histórias de vida. Ora estavam nas cidades, quando, por exemplo, começavam a estudar, ora estavam nas fazendas para o trabalho ou para o lazer. Quanto ao pertencimento étnico-racial, os sujeitos se autodeclararam negros em apenas dois casos: Jesus (1986) e Santos (1963). Interessante notar que apenas Santos (1963) e Fagundes (1977) narraram o fato de terem sido criados pelo pai e pela mãe. A ausência de pelo menos um dos genitores foi uma constante entre os novos letrados investigados. Em algumas autobiografias, as questões religiosas foram recorrentemente citadas. Em variadas circunstâncias seus autores mencionaram o divino e narraram as atividades religiosas de que faziam parte. Foram os casos de Oliveira (1974), Santos (1963) e Costa (1979). É possível afirmar que todos os novos letrados investigados eram católicos, não obstante, alguns deles assinalassem na autobiografia a proximidade com o espiritismo.

Concepções de escola

Esta seção apresenta uma análise específica a respeito das concepções de escola que os autores apresentaram em seus livros. Interessou aqui sintetizar ideias de escola associadas a seu valor, a sua finalidade e as suas consequências para o grupo analisado. As categorias abaixo descritas e analisadas emergiram do próprio trabalho com as fontes.

Escola: bem cultural

Parece, sobretudo, que há entre os novos letrados uma valorização da escola como considerável bem cultural. Nesse sentido, foram localizados cinquenta e cinco pequenos trechos no corpus analisado em que tal concepção mostra-se presente.

O coronel Theophilo Barbosa era um homem calado, de pouca fala, mas muito certo em tudo; tinha alguma cultura, pois esteve em bons colégios em São Paulo, como contavam seus familiares (BOTELHO, 1976, p.16). Há nesse discurso de Botelho (1976) nítida associação da escola - que tinha que ser boa - à ideia de aquisição de cultura e de sabedoria. Na visão do autor foi porque frequentou bons colégios que o coronel estava sempre “certo em tudo”. Note-se, portanto, como a definição de bem cultural definida pela Comissão Franceschini3 e citada por Zanirato e Ribeiro (2006, p.257) se aproxima do sentido atribuído à escola pelos(as) autores(as): “todo bem que constitua um testemunho material dotado de valor de civilização”. Estava dado para Botelho (1976) que para se “ter” cultura era necessário cursar bons colégios: era o “saber” agir e portar-se que diferenciava os civilizados dos não civilizados, como também se pode observar no seguinte trecho: [...] a Escola Nossa Senhora da Glória, de D. Castorina de Almeida e Silva, tornou-se famosa. Era um centro de cultura no município...” (PORTES, 1985, p.28).

A escola foi assim representada pelos novos letrados estudados: uma espécie de entidade capaz de tornar homens e mulheres seres civilizados, na medida em que possibilitava, segundo eles(as), a aquisição de conhecimento, “cultura” e sabedoria. Associar educação escolar ao ato de civilizar esteve fortemente presente entre os pensamentos que direcionaram as reformas educacionais do período analisado, e, fez coro com os discursos dos intelectuais da educação da época. Segundo Boto (2003) tal associação fez-se presente desde o século XVII, quando a “marca estrutural dos colégios religiosos (tanto em países protestantes quanto nos países católicos) [impôs] um padrão educativo pretensamente constituído com o propósito de atuar como referência civilizatória; estabelecendo-se, a seu tempo, como severo paradigma institucional” (p.379). Também Fernandes e Correia (2010) reiteram que:

[...] situam, na viragem do século XIX para o século XX, o começo da formação do projeto de modernidade no Brasil, cuja palavra de ordem “civilizar” significava ficar em pé de igualdade com a Europa no que se referia ao quotidiano, [...] e cujas formas de saber técnico-científico especializado que constituiriam a base desse paradigma moderno estariam sobretudo na medicina (normalizando o corpo), na educação (conformando as mentalidades) e na engenharia (organizando o espaço) (FERNANDES e CORREIA, 2010, p. 183, grifo nosso).

Aos “estudos” promovidos pela e na escola eram atribuídas funções múltiplas na formação dos sujeitos, de acordo com as narrativas apresentadas pelos novos letrados. Tome-se, por exemplo, a afirmativa de Jesus (1986): Pensei: “As irmãs são amáveis porque têm estudo, são do tipo cinzelado” (JESUS, 1986, p.208). A amabilidade que chamou a atenção da autora foi associada à escolarização, mostrando que o desenvolvimento dessa característica que, de maneira geral está associada ao comportamento emocional de uma pessoa e não a sua capacidade cognitiva, também se vincula à escola, corroborando a representação de uma escola que civilizava, que trazia “polimento”. Para a autora, mergulhada, segundo seu relato, na rudeza da vida pobre entre muitos desprovidos do saber escolar, em que pesasse o uso constante das palavras grosseiras e da violência física - Minha mãe me espancava todos dias. [...] Minha mãe puxou-me: - Cala a boca, cadela! (JESUS, 1986, p.28) -, a gentileza foi vista como atributo que se originava dos estudos: As pessoas que ficam esclarecidas e prudentes sabem conduzir-se na vida (JESUS, 1986, p.219). A noção de estudo como esclarecimento está associada à concepção iluminista de educação cuja ideia central era a necessidade de esclarecer os homens e mulheres a partir da razão. Nas palavras de Boto (2001):

O esclarecimento trazido pelo poder do conhecimento levaria a uma abertura do entendimento do indivíduo em sua liberdade, sem necessidade de recorrer a guias ou orientações externas, conduzindo o ser humano ao caminho da ilustração, consoante àquilo que o filósofo [Kant] qualifica por maioridade política e social (BOTO, 2001, p.134).

Havia, portanto, entre os novos letrados investigados, uma ideia geral de que a escola civilizava, educava, trazia/promovia sabedoria. Ela foi entendida como um mecanismo que modificava as pessoas, possibilitando-as abandonar a ignorância. País atrasado. Não era o país; eram seus habitantes que não tinham condições para instruírem-se (JESUS, 1986, p.60). Note-se nesse trecho da obra de Jesus (1986) a proximidade com o ideário republicano de educação que atribuiu à instrução do povo condição determinante para o progresso da nação: “Os primeiros republicanos no Brasil idealizaram a escola como não só regeneradora do país, mas também propulsora do progresso e do desenvolvimento social e econômico” (CARVALHO et al., 2016, p.257). Outros trechos da obra de Jesus (1986) reforçaram esta concepção, como neste exemplo em que apresentou os estudos como responsáveis por munir as pessoas na defesa da nação: Quem fala com conhecimento está ensinando. O nosso território é imenso, todos devem estudar para defender e desbravar nossas terras (JESUS, 1986, p.53). Há presente uma ideia de que era preciso espalhar conhecimento pelo país, e era pela escola que se faria isso.

Assim, ancorados na ideia de que a escola representava tamanho bem, os autores investigados lamentaram a sua ausência, que justificava inúmeros malefícios que perceberam nas histórias de suas vidas - Foi com pesar que deixei a escola (JESUS, 1986, p.157) -, daqueles que os(as) cercavam, e até mesmo da nação, como mostrou o comentário de Jesus. Na valoração, por eles atribuída à escola, os novos letrados apresentaram a ideia de que sem escola para todos, condição de instrução, o país não se desenvolveria:

Os velhos diziam:- O nosso compromisso é com este povinho miúdo. Fundar várias escolas para ilustrá-los. ... Porque o Rui disse que este Brasil grandioso que ele imaginava virá quando não mais existirem analfabetos no nosso torrão. Que o combustível move os motores e o saber locomove o homem (JESUS, 1986, p.57, grifo nosso).

A instrução primária ou elementar recebeu desde finais do século XIX o reconhecimento de que era necessária até mesmo, e inclusive, para as classes populares da sociedade brasileira, apostando que sem ela essa mesma população determinaria o atraso da nação: “os discursos dos gestores enfatizavam a educação popular como condição de progresso e civilização” (VEIGA, 2008, p.513). Em Amansando Meninos: uma leitura do cotidiano da escola a partir da obra de José Lins do Rego (1890-1920), Galvão (1998) apresenta como também, na literatura, meio pelo qual estudou o cotidiano escolar do início do século XX, esteve presente a ideia da escola civilizadora: “amansar era sinônimo de civilizar, aristocratizar, ensinar novos hábitos culturais” (p.114). Se os meninos de engenho precisavam ser amansados para constituírem o progresso do país, foi também a escola que se prestou a esse serviço, - “a educação era percebida [...] como um meio de “civilizar-se”, sair da “barbárie”, de transformar o comportamento humano” (p.113). No mesmo sentido, os novos letrados se apresentaram como aqueles que precisavam ser resgatados da ignorância e do despreparo para a vida a qual estavam predestinados, segundo suas análises, levando-se em conta o meio familiar do qual faziam parte, em que a ausência escolar prevalecia. Para eles(as), a escola poderia desempenhar esse papel de ponte entre a rudez e o polimento de suas ações e capacidade intelectual.

A escola foi, portanto, vista como um bem a ser perseguido pelos(as) autores(as) e seus familiares - Passamos ali todo o ano de 1920, frequentando as aulas na cidade e pela manhã, além de tudo! Tínhamos que madrugar mesmo e andar uns três quilômetros até o grupo escolar, a fim de assistirmos as aulas a partir das sete horas (FAGUNDES, 1977, p.43-44). Perseguido, porque em sua maioria os sujeitos analisados encontravam dificuldades para a frequência escolar, pois precisavam trabalhar em tempo integral, não podiam pagar escolas particulares, encontravam dificuldades de locomoção para a escola e de oferta de vagas, entre outras questões particulares, mas decerto representativas de um coletivo, que foi sendo analisado ao longo do texto, relacionadas principalmente a pertencimentos de gênero, de etnia e de origem geográfica. Assim, na mesma medida em que a escola foi compreendida como bem necessário ao crescimento pessoal dos novos letrados e possível salvação da vida dura que tinham, ela também foi digna de sacrifícios, sobretudo para os autores mais velhos. Os (as) autores(as) investigados narraram privações, deles e de suas famílias, para garantir-lhes a escolaridade:

Coitada de minha mãe, sacrificando-se ao máximo, madrugando até, para que a gente não fosse à aula, sem antes tomar um café. [...] Ah, como o arrependimento vem depois! Mas só depois mesmo! O quanto perdêramos ao fugir da escola! Poderíamos ter saído um ano antes do grupo escolar e tomado outra direção no caminho da vida (FAGUNDES, 1977, p.48-49, grifo nosso).

Note-se como na narrativa acima se destaca a avaliação do adulto Fagundes (1977) sobre a escola em sua vida, apoiando-se naquilo que não foi, no que não viveu - uma dedicação efetiva a sua tarefa de estudante. O autor lamentou ter “matado aula”, entendendo o fato como responsável por sua repetência de ano, agravado pela desconsideração ao sacrifício da mãe.

Para os(as) autores(as) e/ou para suas famílias, os estudos correspondiam à possibilidade de mobilidade social, crença que a julgar-se pela (não) mudança de vida que os(as) autores(as) apresentaram na autobiografia, pairava muito mais sobre sua ação simbólica do que material, como será mostrado a seguir.

Os novos letrados investigados afirmaram que a educação [escolar] “melhorava” a vida das pessoas: Mostram-nos [as professoras] o horizonte do saber antes que escureça e a gente não possa vê-lo mais. Procuram melhorar a vida dos outros através da educação e da Ciência (OLIVEIRA, 1974, p.22). Em suas escritas, atribuíram, assim, alto valor à escola, considerando-a um bem cultural e um meio de acesso à cultura vista como legítima.

Escola: condição para “diplomar-se”

Assim, a escola é representada, para o grupo investigado, como uma espécie de luz, de lanterna que clareava os caminhos da vida, possibilitando àqueles que a frequentavam melhoria de vida. Não foi localizada entre os escritos dos autobiógrafos uma descrição exata do que seria essa melhora em suas vidas, mas em termos gerais os autores apresentavam a ideia de que, por meio do diploma, para o qual a escola é meio, era possível buscar melhores empregos, trabalhos. Parece, portanto, que grande parte da importância atribuída à escola se dava pelo fato de que, sem ela, a diplomação não era possível: Foi com pesar que deixei a escola. Chorei porque faltavam dois anos para eu receber meu diploma (JESUS, 1986, p.157). O pesar não se encontrava, segundo o comentário da autora, na ausência do cotidiano escolar, ou na perda do que se viveria nela, mas ao fato de não ter concluído os estudos primários e, consequentemente, de não ter recebido um diploma. Nesses comentários parece haver uma valoração da escola por aquilo que se obtém através dela: o certificado. Em uma prece a Deus, Costa (1979) diz: Dai-nos o necessário para educar nossos filhos, dando-lhes aquilo que pela pobreza não conseguimos: um diploma, uma educação condigna e sempre crescente aos nossos olhos (COSTA, 1979, p.101, grifo nosso).

O fato de diplomar-se está ainda mais fortemente ligado à possibilidade de melhor colocação no campo de trabalho, entendido como uma forma de escapar dos trabalhos “braçais”, manuais e de se dedicar a funções e profissões menos desgastantes e de maior status, como demonstram as afirmativas de Jesus (1986): Eu notava que os brancos eram mais tranquilos porque já tinham seu meio de vida. E os negros, por não terem instrução, a vida era-lhes mais difícil. Quando conseguiam algum trabalho, era exaustivo (JESUS, 1986, p.66, grifo nosso); O filho do pobre, quando nascia, já estava destinado a trabalhar na enxada. Os filhos dos ricos eram criados nos colégios internos. Era uma época em que apenas a minoria é que recebia instrução (JESUS, 1986, p.50, grifos nossos). Note-se que na distinção feita por Jesus (1986) entre ricos e pobres havia um ponto crucial: a ausência da escola para os pobres. Enquanto os pobres estavam trabalhando, afirma a autora, os ricos frequentavam os colégios internos recebendo instrução. Embora a taxa de escolarização de forma geral, fosse pequena no país,4 Veiga (2008) esclarece que as vagas públicas principalmente dos níveis superiores ao primário, eram majoritariamente preenchidas pelos meninos e meninas das classes mais altas.

A afirmação de Jesus (1986) a respeito da predestinação do filho do pobre ao trabalho na enxada, contrapondo-se ao tempo destinado à escola para os ricos, evidencia novamente a presença do trabalho infantil dividindo o tempo dos autores analisados entre a escola e a luta pela sobrevivência. Pode-se inferir a ideia de que, na visão da autora, a escola, ainda que presente para os pobres, não era a mesma para a qual se destinavam as crianças ricas. Para o pobre havia, além da escola, o trabalho. Em pesquisa realizada sobre a infância no meio rural, em Minas, durante as décadas de 1920 a 1950, Jinzenji et al. (2012) destaca que:

O trabalho é o tema que predomina nas narrativas, seja ele relacionado às atividades rurais [...] seja ele doméstico [...] Todas elas trabalharam, como fizeram grande parte das crianças pobres do Brasil desde os séculos anteriores [...] em várias partes do país (JINZENJI et al., 2012, p.14).

Os novos letrados escrevem em suas narrativas que, por meio de melhores empregos, poderiam alcançar vidas melhores. Evidenciavam, assim, a possibilidade, de por meio do certificado escolar, “estabelecer taxas de convertibilidade entre o capital cultural e o capital econômico, garantindo o valor em dinheiro de determinado capital escolar” (BOURDIEU, 2001, p.79). Por esse ângulo, Bourdieu (2001) assinalou a função atribuída ao diploma de estabelecer “o valor em dinheiro pelo qual pode ser trocado no mercado de trabalho - o investimento escolar” (BOURDIEU, 2001, p.79).

Interessante é que, entre os sujeitos analisados, somente um apresentou nitidamente certa ascensão econômica, e ironicamente - ou não - foi o que apresentou menor tempo de escolaridade. Nasci e fui criado, mergulhado na humildade e pobreza (COSTA, 1979, p.5). Tendo cursado o terceiro ano primário - um ano de escolaridade - tornou-se, segundo seu relato, empresário de tecidos, garantindo a família uma vida muito menos regrada do que a que tivera em sua infância. Foi ali que vendemos o primeiro metro de tecido; ali nasceu o nosso progresso, proporcionando-nos a realização de todo sucesso da nossa vida familiar (COSTA, 1979, p.119). Acontece, como será demonstrado pelo comentário a seguir, que mesmo Costa (1979) tendo “vencido” na vida sem o diploma, nutriu e/ou divulgou uma crença de que a vida seria menos difícil se houvesse se formado. Receber um diploma escolar constituía, para o autor, uma espécie particular de felicidade, que realizaria a proeza de facilitar a vida:

Dois batalhadores [o filho Sinhô e a nora], sempre firmes nos seus árduos trabalhos cotidianos, num só propósito: de criar com carinho os seus quatro filhos [...] e de oferecer-lhes tudo aquilo que não tivemos a felicidade de obter: um diploma, para facilitar-nos um pouco nessa vida difícil que atravessamos (COSTA, 1979, p.207, grifo nosso).

Costa (1979) não conheceu o fato de que, entre os sujeitos investigados, aqueles que apresentaram maior escolaridade - Portes (1985) e Santos (1963) - não narraram em suas autobiografias o enriquecimento econômico que ele próprio narrou:

Possuíamos, naquela ocasião uma razoável fortuna, duas boas fazendas, quatrocentas e sessenta cabeças de gado, uma boa criação de animais cavalares, duas casa em Bocaiúva, [...] dois carroções com trinta e tantos bois, [...] um velho caminhão, um carro de passeio, uma grande loja, dinheiro em mãos de centenas de pessoas, meus fregueses, [...] (COSTA, 1979, p.223-224).

Mesmo sem diploma, Costa (1979) tornou-se empresário e prefeito de sua cidade natal. Como prefeito, seu maior desejo foi trazer para sua cidade um ginásio, tamanho valor atribuiu à escola, à continuidade de estudos. Quando discursou na posse como prefeito, afirmou: O segundo item de nosso programa é de uma importância absoluta: a educação dos moços. Toda a cidade que se preza possui um ginásio para a educação da mocidade (COSTA, 1979, p.134). Haveria, portanto, uma correspondência entre a concreta mudança social/financeira ocorrida na vida do autor, a falta do diploma e a ideia de que a vida seria melhor com o diploma? Teria o novo letrado “lutado” menos, caso houvesse se formado?

Foram anos e anos relatados de um trabalho braçal a outro, de muitos fracassos como tropeiro e outras funções até que um dia seu “tino” para os negócios, de acordo com a forma como se apresentou, o levou a adquirir uma loja de tecidos. Em um dado momento da narrativa, Costa (1979) mencionou o fato de que apresentava dificuldades no tratamento de alguns assuntos necessários para sua profissão: Tudo para mim foi difícil, porque teria necessidade de dialogar sobre assuntos diversos e mais elevados com qualquer pessoa, como também comentar com os comerciantes, não só assuntos referentes ao comércio como os acontecimentos mais recentes da vida do país (COSTA, 1979, p.59). Parece que Costa (1979) atribuía à sua pouca escolaridade o fato de não dominar assuntos “mais elevados”.

Também Carolina de Jesus (1986), que lamentou a ausência do diploma, pois cursara dois anos do ensino primário, alcançou fama internacional com a publicação de seu livro5. A negrinha feia, doida, vagabunda, que um dia esteve nas ruas pedindo esmolas6, lançava, mais tarde, em tantos outros dias, seus livros em diversos lugares do país, cedendo entrevistas, ganhando prêmios e sendo reconhecida como representante de uma classe - mulheres negras e pobres (PERPÉTUA, 2003). A ausência do diploma não impediu a autora de alcançar tal ascensão social, por outro lado não é possível concluir se o não se diplomar foi a razão de tantos “serviços exaustivos” experimentados pela autora ao longo da vida. Fato é que, na visão que Jesus (1986) propagou em sua autobiografia, encontra-se esse lamento, esse sofrimento de quem valorizou a escola, valorizou o diploma e não o obteve:

Eu sentia inveja quando via os meninos que iam e voltavam das escolas. As ruas ficavam tristes, não havia mais crianças para brincar. [...] - Mamãe! Ô mamãe! Eu quero entrar na escola porque os meninos ganham cem mil-réis nas lições... Minha mãe não respondeu. Ela já havia explicado que eu deveria completar os sete anos. (JESUS, 1986, p.121, grifo nosso).

O diploma era apresentado como uma busca, uma necessidade imperiosa, a possibilidade - senão negada aos novos letrados, pelo menos rodeada por obstáculos e sacrifícios - de viver melhor: empregos melhores, reconhecimento social, comprovante escrito de “sabedoria”. Obtê-lo, portanto, foi narrado como valorosa conquista:

Toda a minha ex-turma do ano de 1920, passou do 3º para o 4º-ano em novembro de 1921 e assim, no início das aulas em março de 1922, reiniciamos juntos, ombro a ombro, a nossa caminhada em direção ao nosso diploma no fim do ano. Viva Deus! (FAGUNDES, 1977, p.53, grifo nosso).

Vivas são dadas quando se é possível alcançar a diplomação. O corriqueiro, o ordinário passa sem celebração; contudo, concluir o primário entre o grupo estudado era fato extraordinário: em 1920, a média de anos de estudo no país era de dois anos e meio, o que demonstra a escassez de formandos no ensino primário que apresentava a duração mínima de quatro anos (FERRARO, 2010). Em 1940, a taxa de escolarização na região centro-sul do país em relação ao primário era de 57% da população em idade escolar correspondente, enquanto que no secundário a taxa diminuía a 3,8%. Entre os que se matriculavam no ensino primário, havia considerável número dos que não prosseguiam com os estudos até a formatura e outros que embora se formassem não se matriculavam no secundário (ROMANELLI, 1978).

Essa valorização do certificado escolar trata-se, na análise de Bourdieu (1979/2001), da “objetivação do capital cultural sob a forma do diploma” (p.78), cuja aquisição corresponderia a uma espécie de:

[...] certidão de competência cultural que confere ao seu portador um valor convencional, constante e juridicamente garantido no que diz respeito à cultura, a alquimia social [...] (BOURDIEU, 1979/2001, p.78).

A escola foi, consequentemente, valorizada como o meio que promovia e determinava o recebimento do diploma. Ela foi, portanto, condição necessária para o recebimento desse bem que, na visão dos(as) autores(as), poderia ter modificado o futuro deles. Havia, entre eles(as), o juízo de que a diplomação (assim como a escolarização) constituía um importante mecanismo para a ascensão social e cultural. No entanto, tal como outros pressupostos para se alcançar uma vida supostamente tranquila e feliz, o diploma configurou-se como mais uma oportunidade negada para a maioria do grupo investigado.

Escola: um desejo da família

Na medida em que compreendiam a escolaridade como forma de acesso a uma vida mais feliz, os(as) autores(as) destacaram na escrita de suas narrativas a presença familiar nos assuntos relacionados à escola:

Meu pai prometera dar a cada filho, um ano de ginásio. Antes de chegar a minha vez, faleceu a minha mãe e a coisa mudou (OLIVEIRA, 1974, p.41).

[...] minha irmã Lia (Maria) começou a frequentar a escola, conforme desejo de meu pai (FAGUNDES, 1977, p.8).

Penso eu que, naquela época, a sua mudança [do pai] do Cambira para São Gonçalo do Pará, fora motivada pelo seu desejo de que os meninos mais velhos, Maria e José, entrassem para uma escola (FAGUNDES, 1977, p.7, grifo nosso).

Nos trechos acima detecta-se o entendimento por parte dos sujeitos investigados de que promover a possibilidade de estudar encontrava-se entre os bons propósitos que os pais tinham para as vidas dos filhos, pela esperança que por meio dos estudos alcançassem algum sucesso e uma vida melhor do que a deles próprios. Como expõe Oliveira (1974), a escolarização era uma promessa de pai para filho.

Fagundes (1977) demonstrou que a frequência escolar era de tal importância para seus pais que, para atingi-la, supunha o autor, era válido inclusive mudar o local de sua moradia. Também Costa (1979) mudou-se do interior mineiro para a capital pelo desejo de acompanhar os filhos que viviam em Belo Horizonte para continuidade de seus estudos: Como os meus negócios em Bocaiúva necessitavam de minha presença, fui forçado a regressar, mesmo contrariado, visto que o principal objetivo da nossa vinda para a Capital foi de convivermos com nossos filhos estudantes, que também sentiam a nossa falta [...] (COSTA, 1979, p.212). Havia, portanto, uma referência da escola, atribuída às famílias dos novos letrados, como objeto de consumo de tal importância para a vida dos(as) filhos(as), que se justificavam grandes esforços para se tê-la. Em outro momento, Fagundes (1977) expôs sua própria vontade de continuar frequentando a escola quando a mudança de sua família para outra localidade impossibilitaria tal desejo:

Em princípio do segundo semestre de 1919, meu pai resolveu mudar-se novamente e desta feita para Itaúna [...] Era período de aulas. Estávamos na escola e, apesar disso, ele não esperou pelo mês de dezembro, tempo de férias. Pelo menos concordara que eu e o meu mano José, ficássemos no arraial até passar os exames no fim de novembro. Eu estava no 3º- ano e José no 4º- ano. Como eu era coroinha da igreja e tomava parte também num teatrinho que o Padre Sebastião organizara, este falou com meu pai que eu poderia ficar em sua residência até passar os exames (FAGUNDES, 1977, p.34).

Observe-se como a família desse autor se dispôs a enfrentar a separação entre pais e filhos para manter a possibilidade de escolarização. O autor narrou a partir daí todo um processo de sacrifício como a saudade dos familiares para ter a oportunidade de completar o ano letivo.

Em seu estudo sobre a escolarização e socialização na reforma do ensino primário em Minas Gerais, no início do século XX, De Melo (2010) destaca, entre as representações atribuídas à escola pelos familiares dos estudantes, o discurso de José Augusto Lopes, diretor dos Grupos Escolares centrais de Juiz de Fora. Para ele, no que se refere “à imagem que os pais atribuem à escola como um lugar dos filhos”, é possível localizar três aspectos do serviço dessa instituição: “ora para descansá-los (aos pais), ora para os meninos aprenderem a ler, ora para se formar o caráter do futuro cidadão, do futuro chefe de família [...]” (DE MELO, 2010, p. 167). As duas últimas visões de escola sobressaíram também na escrita dos novos letrados. Saber ler e escrever e adquirir um caráter mais “culto” e “esclarecido” era um anseio dos familiares para seus descendentes. Era uma aposta na possibilidade de assim terem filhos(as) menos expostos às dificuldades que vivenciavam os meios populares. A escola seria o local que lhes muniria com as ferramentas necessárias para o combate da vida.

Também para Jesus (1986) a escola foi apresentada como uma expectativa de seus familiares, destacando sua habilidade natural7 para a aquisição de conhecimento em contrapartida às dificuldades relacionadas aos preconceitos sofridos por seu pertencimento étnico-racial: Ela [a mãe] me explicou que os negros eram ignorantes. Que o homem que não sabe ler fica parado igual a uma árvore num lugar. - Quando você completar sete anos, você vai entrar na escola, vai aprender a ler (JESUS, 1986, p.112). Parecia haver um anseio pela chegada da idade escolar para que, enfim, o(a) filho(a) pudesse iniciar um processo importante na sua formação. Havia, aparentemente, na visão de Jesus, um reconhecimento, por parte daqueles que com ela conviviam, de sua especial capacidade intelectual.8 Esta capacidade seria desperdiçada se não frequentasse a escola. Havia uma comoção na comunidade para que Jesus (1986) estudasse: Minha mãe foi lavar roupa na residência do senhor José Saturnino e sua esposa dona Mariquinha disse para minha mãe me pôr na escola. Minha mãe foi falar com a professora. Eu a acompanhei (JESUS, 1986, p.149, grifo nosso). E ainda insistiam: Dona Mariquinha Leite insistiu com mamãe para enviar-me à escola. Eu fui apenas para averiguar o que era escola (JESUS, 1986, p.150).

Diante da já debatida ideia de distinção que marcou, na escrita autobiográfica dos(as) autores(as) investigados, a vida narrada de cada um, a escola ocupou o posto de espaço fundamental para desenvolver as habilidades e talentos naturais que acreditavam ter. Sem esse espaço “formador de cultura”, promotor de civilidade no qual se aprendiam trabalhos menos braçais, os(as) novos(as) letrados(as) não aproveitariam bem os dons naturais com os quais nasceram: a inteligência, a esperteza, o esforço, a dedicação. Mais uma vez, os trechos citados sugerem uma visão positiva da escola, que foi apresentada, pelos(as) autores(as), como o presente que os pais ambicionavam para seus filhos.

Escola: lugar de aprender a ler e escrever

Com base em três exemplos - a vida (o mundo), o cinema e a contação de histórias - foi possível perceber como, entre os(as) autores(as) investigados(as), havia uma distinção entre os saberes ditos escolares e aqueles que poderiam ser aprendidos fora da escola, embora nem sempre o que se aprendia fora da escola fosse apresentado como um tipo de saber:

Conheci milhares de pessoas e no contato com esse mundo de Deus, aprendi mais do que as escolas poderiam ensinar. Em compensação, sofri muito também (FAGUNDES, 1977, p.27).

O cinema, além da rapidez da leitura, ensinar-me-ia muita coisa, dando-me agilidade para pensar, mostrando-me paisagens e mais paisagens, grandes cidades, o oceano, enfim, amplo panorama que eu estava longe de encontrar na modesta sala da escola primária. Não me lembro que houvesse aprendido algo de ruim” (PORTES, 1985, p. 27, grifo nosso).

Então ela [a mãe] começava a nos contar histórias maravilhosas e nós ficávamos embebidos nas palavras que ela pronunciava (BOTELHO, 1976, p.63).

Trabalhávamos juntos e o meu pai passava o dia a me contar variadas histórias dos tempos antigos, muitas das quais serão contadas neste livro (SANTOS, 1963, p. 51).

No entanto, havia um saber continuamente narrado por eles como um conhecimento próprio das salas de aula. A concepção de escola mais unânime entre os(as) autores(as) investigados era relacionada a uma atribuição dada a ela: o ensino da leitura e da escrita. Entre os sete autores foi possível localizar, em cada um, pelo menos um texto em que se fez presente a ideia de que é na e pela escola que se aprende a ler. Em uma determinada circunstância, Fagundes narrou o arrependimento por ter “matado” aulas e apresentou a expectativa do que se deveria aprender na escola:

E o remorso de ter enganado a nossos pais? Principalmente a minha mãe que se sacrificou tanto, para que a gente pudesse aprender a ler! [...] Esperamos, no entanto, que a nossa confissão de agora possa advertir as gerações futuras de que a mentira, o engodo não compensam e que a dor do remorso, do arrependimento, judia de verdade da gente, principalmente se a falta fora cometida contra nossos pais (FAGUNDES, 1977, p.49, grifo nosso).

Parece que ensinar a ler e escrever era, segundo o que narraram os novos(as) letrados(as), mais do que uma função da escola, a principal razão de sua existência:

Eu [tio-avô de Portes] [...] nunca levei uma palmatorada. Era bom na leitura. [...] cheguei a frequentar o ginásio. Mas aqueles alunos, em sua maioria, não aguentavam o repuxo em matéria de estudo... Também não era para tirar diploma. Bastava aprender a ler, escrever e contar. E muitos deles, de tanta burrice, não aprendiam nem isso” 9 (PORTES, 1985, p.29).

Vale, no entanto, recordar que a escola da maioria dos(as) sujeitos(as) pesquisados era a escola primária. Muitos estudos10 mostraram a centralidade curricular do ensino da leitura e escrita no ensino primário brasileiro das primeiras décadas dos 1900, de tal forma que, segundo Zotti (2006): “Na prática, o ensino primário continuou restrito ao ensino da escrita, leitura e cálculo” (p.10). Note-se, no trecho de Fagundes supracitado, que “aprender a ler” substituía o “ir à escola”- a mãe muito se sacrificou para que o autor e seus irmãos pudessem frequentar a escola, o que para o autor é o mesmo que aprender a ler - a minha mãe que se sacrificou tanto, para que a gente pudesse aprender a ler! A leitura que o autor adulto fez de suas memórias de infância atribuiu arrependimento ao fato de não ter se dedicado com maior afinco às obrigações da escola, compensando a mãe por seu empenho para com os estudos do filho, em que pesava a importância do aprender a ler e escrever.

O comentário atribuído à mãe de Carolina de Jesus (1986): - Quando você completar sete anos, você vai entrar na escola, vai aprender a ler (JESUS, 1986, p.112, grifos nossos), revelou esta concepção central sobre a escola entre os(as) autores(as) das autobiografias analisadas. Caracterizava a utilidade mais evidente dada à escolarização e reforçava a associação direta entre escola e aprendizagem da leitura. Entre os(as) novos(as) letrados(as) esta associação pode ter se originado, ou ganhado fôlego, pelo fato de que o escasso uso da leitura e escrita por aqueles que os rodeavam determinava, em alguma medida, que a instância alfabetizadora possível e eleita fosse a sala de aula11. Nessa prerrogativa encontra-se um importante elemento na valoração da escola na medida em que o ambiente familiar não dispunha de facilitadores para a aprendizagem destas habilidades, a escola ocupava um espaço que os pais não podiam substituir.

Os oito filhos do meu avô não sabiam ler. Trabalhavam nos labores rudimentares. Meu avô tinha desgosto porque seus filhos não aprenderam a ler, e dizia:

- Não foi por relaxo de minha parte. É que na época que meus filhos deveriam estudar não eram franqueadas as escolas para os negros (JESUS, 1986, p.68).

A fala atribuída ao avô de Jesus (1986) reforça essa ideia quando se apresenta que a ausência de escolaridade justifica o fato de seus oito filhos não saberem ler. Ou seja, se não se ia à escola, não se aprendia a ler. A esperança, de acordo com o que Jesus (1986) escreveu em seu livro, era a de que a escola pudesse sanar este problema, já que não saber ler condicionava algumas dificuldades como, por exemplo, o trabalho em labores rudimentares.

Também Portes (1985), o único autor entre os investigados que diz ter ultrapassado a escolarização primária, foi à escola para aprender a ler: “Espere um pouco. Você já sabe ler?” [pergunta feita por uma disciplinadora da escola] Não, Senhora. Vim aprender. Arregalou os olhos e exclamou: “Coitadinho!” Na certa, estava adivinhando o que eu ia sofrer (PORTES, 1985, p.28). É possível que a expectativa da disciplinadora de que o autor já soubesse ler se deva ao fato de ele ter ido para escola aos oito anos de idade, e não aos sete, como previa a legislação. Sua transferência da zona rural para a cidade talvez justificasse esse atraso no ingresso à escola. Portes (1985) ressaltou sua condição ao iniciar a frequência às aulas: Pobre de mim! Fazia um ano que chegara da roça, inteiramente analfabeto, aos oito anos de idade. Comprou-me, [a tia que o criava] entusiasmada, uma cartilha de ABC, e tocou-me para lá (PORTES, 1985, p.28, grifos nossos).

A defesa da alfabetização recebe grande força após a proclamação da República brasileira que trazia à cena a necessidade urgente do progresso nacional. Segundo Ferraro (2004, p.113), “por quase quatro séculos, desde a chamada descoberta à última década do Império, o analfabetismo não constituiu problema no Brasil”, pois somente no final do Império, especialmente pelos debates em torno da Lei Saraiva e pela divulgação das ideias liberais, “o analfabetismo emerge como problema nacional” (FERRARO, 2004). Após a mudança de regime, o analfabetismo cresce em destaque em torno das propostas modernizantes e progressistas que constituíram os planos para o novo Brasil. Dados constantes no Mapa do Analfabetismo no Brasil (2003) indicam que em 1900 a taxa de analfabetos na população acima de 15 anos era de 65,3%, indo a 65% em 1920. Havia, portanto, mais da metade da população brasileira inscrita nesta condição. Lembremos de que, nas palavras que Jesus atribuiu a Rui Barbosa, combater o analfabetismo era fundamental: Porque o Rui disse que este Brasil grandioso que ele imaginava virá quando não mais existirem analfabetos no nosso torrão (JESUS, 1986, p.57). Cavaliere (2003) destaca que o analfabetismo, “encarado como doença, pela intelectualidade da época, como o maior inimigo da pátria [...] deveria ser combatido heroicamente. Tratava-se de uma cruzada moral” (p.32). Assim como narraram os(as) autores(as) investigados, também os intelectuais e políticos da recém República do Brasil atribuíram ao universo escolar a função de alfabetizar. Nos diálogos atribuídos aos professores, os(as) autores(as) analisados também demonstraram que a preocupação em vê-los(as) alfabetizados atingia não só os alunos e suas famílias:

[Disse a professora] - A senhora está ficando mocinha, tem que aprender a ler e escrever, e não vai ter tempo disponível para mamar porque necessita preparar as lições. Eu gosto de ser obedecida. Está ouvindo-me dona Carolina Maria de Jesus?! (JESUS, 1986p.151, grifo nosso).

A fala narrada como sendo da professora de Jesus (1986) reforçava a preocupação generalizada entre os atores da educação em alfabetizar os(as) alunos(as). O tom mais urgente e apelativo que compõe a fala da professora denota o desejo de se alfabetizar as crianças, de tal maneira que Jesus (1986) já ficando mocinha não poderia mais adiar esta aprendizagem. Ressalte-se, no entanto, que a autora diz ter entrado para a escola aos sete anos, idade correspondente ao que supunha a legislação educacional.

A comoção nacional, fomentada pela intelectualidade republicana, para eliminar o analfabetismo pode, portanto, ser outra chave de análise para a compreensão deste sentido atribuído à escola - tida como o espaço para ensinar a ler e escrever. Em meio a este debate os(as) autores(as) nasceram, cresceram e foram à escola. Nas décadas de 1950/1960 - possível momento da escrita das memórias - os discursos valorativos da alfabetização ainda se faziam presentes, sobretudo voltados aos adultos.

Escola: uma herança

Nesse contexto, descrever a educação escolar dos familiares, sobretudo dos(as) filhos(as), constituiu uma situação constante e marcante na escrita dos novos letrados. Muitos(as) deles(as) teceram longos comentários especificando a formação escolar dos(as) filhos(as), citando inclusive a escola frequentada, e as carreiras seguidas:

A Marcinha [nora] é normalista, formada com brilhantismo nesta Capital. O Vavá [filho] é cirurgião-dentista, formado pela Faculdade de Odontologia da UFMG (COSTA, 1979, p.289).

[...] meu irmão mais velho chegou do colégio de Lavras e, confiante na sua autonomia de estudante [...] (OLIVEIRA, 1974, p.104).

Meu irmão Tatão estudou farmácia em Ouro Preto, quem pagou foi meu padrinho [...] (BOTELHO, 1976, p.262).

Alguns autores citaram a escolaridade do irmão, da prima, da nora... configurando uma busca por parentes que de alguma maneira foram além do que eles no tocante à frequência escolar. Escreveram sobre outros, o que não podiam escrever sobre si próprios, mas de alguma maneira, sentiram-se contemplados no seu desejo frustrado de maior escolaridade porque se tratavam de familiares: Matilde, minha prima [...] estudava em Taubaté (São Paulo); era muito culta, falava muito bem o francês, pois tinha professora francesa só para ela, estudou seis anos e depois formou-se (BOTELHO, 1976, p.29, grifo nosso).

Havia um tom diferente quando a narrativa era sobre a escolaridade dos descendentes diretos, como faz Costa (1979): O nosso estimado Walter [filho] é médico, formado na Faculdade Federal de Belo Horizonte. Tem o curso de Sanitarista. É coordenador do I.N.P.S. É chefe também do Centro de Saúde do Estado (COSTA, 1979, p.175). Parece embutido nesse pequeno texto um tom de orgulho: finalmente, a escola, era, não mais um sonho negado, mas uma conquista real, apossada, tomada em rédeas ... e, ainda, que tal anseio só se realizasse na geração posterior (pelos filhos e filhas), a presença deste tipo de narrativa, tal como se apresentaram, implicava no entendimento de que a conquista, a vitória, era deles. Fruto saboroso de suas próprias lutas, sacrifícios, era vista como uma espécie de recompensa da forma como venceram a dureza da vida. Em seus filhos e filhas, finalmente a escola os fazia: médicos, dentistas, advogados e professores, e dessa maneira, os elevavam socialmente. Finalmente, a escola era o prometido degrau da almejada ascensão na vida. Em sua oração, Costa (1979) suplica: [Prece a Deus] Dai-nos o necessário para educar nossos filhos, dando-lhes aquilo que pela pobreza não conseguimos: um diploma, uma educação condigna e sempre crescente aos nossos olhos (COSTA, 1979, p.101, grifo nosso).

Costa (1979) chegou a citar o desempenho escolar de seus netos: São eles: o nosso querido afilhado Oswaldo, formado na Faculdade Federal de Odontologia [...] (COSTA, 1979, p.207). Oliveira (1974), que relatou ter frequentado a escola quando já tinha 66 anos de idade, descreveu uma longa lista constando a escolaridade e a profissão de todos os filhos:

Ao todo são sete filhos, assim esparramados por esse Brasil afora: o primeiro, Donaldo, Engenheiro Civil em Brasília. O segundo, Ley, Professor em Belo Horizonte. O terceiro, Wilton, Perito Criminal da polícia técnica de Brasília. O quarto, Edson, Funcionário do Aeroporto Internacional de Brasília. O quinto, Ésio, Engenheiro Arquiteto em São José do Rio Preto - São Paulo. A sexta, Maria, Assistente social em Brasília. A sétima, Anaid, também Assistente Social. Está há mais de dois anos nos Estados Unidos (OLIVEIRA, 1974, p.125).

Santos (1963) citou a escolaridade de um dos quatro filhos: Depois de diplomado o meu filho no curso primário, voltei para Diamantina [...] (SANTOS, 1963, p. 76). Note-se que, diferentemente de Oliveira (1974) e Costa, cujos filhos cursaram o ensino superior, Santos (1963) parece satisfeito em possibilitar ao filho o diploma do primário. Santos (1963) e Costa (1979) são nascidos no mesmo ano, 1898, o primeiro em Diamantina, e o segundo em Bocaiúva, duas cidades do norte de Minas, em que pese o fato de Diamantina apresentar maior desenvolvimento urbano. Ambos contaram sobre suas infâncias pobres, mas algo importante na escrita da história do Brasil os difere e pode justificar o fato de Santos (1963) demonstrar-se satisfeito com a possibilidade do filho concluir o primário, enquanto Costa (1979) tem filhos médicos e dentistas: Santos (1963) é negro, e Costa (1979) é branco. Embora Santos (1963), o filho de ex-escravo, discursasse sobre uma Diamantina livre de racismo, há em sua narrativa textos que revelavam inúmeros atos preconceituosos. Entre as consequências dos preconceitos sofridos pelos negros na história do Brasil, duas particularmente dizem respeito à educação: o discurso em torno de uma inabilidade intelectual natural e a baixa expectativa de mobilidade socioeconômica que acompanhou a população negra brasileira. Segundo Veiga (2008):

[...] nos primeiros 60 anos do século XX, [...] a presença de negros na escola era bastante limitada, não somente por pertencerem à camada mais pobre da população, mas também em virtude da conhecida questão das diferenças de oportunidades escolares entre brancos, pardos e negros (VEIGA, 2008, p.502).

Assim, de acordo com o que se podia almejar, em vista das condições sociais de cada novo letrado, os pais apresentaram a escolaridade dos(as) filhos(as) como um estandarte de vitória, reforçando a representação da escola como um importante e valiosos bem, o qual se deveria buscar com afinco, ainda que, para tanto, sacrifícios fossem necessários. Considera-se que transferir o desejo próprio de escolaridade para os filhos é a última representação de escola localizada no corpus analisado. É como se, ao fim e ao cabo, apenas restasse para os novos letrados tão ansiosos por viver a escola, não alcançando tal desejo, transferi-lo e garanti-los para os filhos e/ou outros familiares. Os(as) autores(as) repassaram para seus descendentes a importância dada à escolaridade como uma preciosa herança, assumindo, inclusive, o lugar de promotores de tal conquista.

Considerações finais:

A escola, ao longo da história, tem ocupado lugares distintos - simbólicos e materiais - para os diversos grupos que a frequentam/frequentaram ou que a ela não têm/tiveram acesso. Neste artigo, investiu-se na contribuição da desnaturalização que os estudos históricos demonstram dos tantos processos que constituem as experiências humanas e, particularmente, as experiências em relação à instituição escolar. Nesse sentido, foi dada voz a um grupo que, no momento estudado, crescia na sociedade brasileira: aquele composto por pessoas que constituíam a primeira geração, em suas linhagens familiares, a estabelecer uma relação de maior proximidade com a leitura e a escrita.

Muitos historiadores já narraram a história dos grupos escolares, das escolas isoladas, das reformas educacionais que marcaram o início do século XX, no Brasil e particularmente em Minas Gerais. Percorreram legislações, publicações em jornais e revistas, escritos particulares dos inspetores de ensino, como também seus relatórios públicos, cadernos de professores, escritas de alunos, gestores e professores e utilizaram tantas outras ricas fontes para traçar a história da educação mineira do início do século passado. Esses estudos ampararam e complexificaram a presente pesquisa que analisou, nas narrativas autobiográficas das gentes comuns de Minas, de que forma a escola, e mais precisamente, a ideia de escola, figurou em suas histórias de vida.

Ao longo da análise, o anseio de bem operar com o conceito de representação determinou três preocupações que em todo o tempo nortearam o trabalho: relacionar os diferentes pertencimentos do grupo estudado com as figuras de escola que apresentaram; compreender cada vez mais as implicações das concepções de escola percebidas com as especificidades do grupo novo letrado; e por fim variar a escala de observação do fenômeno estudado, ora avaliando os sentidos dados à escola localizados nas autobiografias, ora relacionando-os aos demais estudos sobre a educação no período abordado, em que se fizesse possível dar visibilidade à pluralidade de contextos que constituíam o passado estudado.

Em se tratando de novos letrados, dois pontos importantes configuraram as conclusões obtidas: a complexidade em torno da condição de alfabetizado e não alfabetizado, e a importância creditada às habilidades de leitura e escrita presentes na sociedade brasileira do início do século XX, e também após 1950, momento em que as autobiografias foram escritas. Esses pontos demarcaram a forma com que os novos letrados viram a escola, atribuindo a ela, sobretudo, a função de lhes ensinar a ler e escrever. Aprender a ler e escrever configurou-se como um objetivo de grande importância e valia para o grupo investigado. Tal meta foi apresentada como um dispositivo essencial para a mudança de vida que almejavam, para o alcance da inserção sociocultural que buscavam. Por sua vez, a escola foi, pelos novos letrados investigados, eleita como a instância alfabetizadora de maior referência.

A escola, assim como a aprendizagem da leitura e da escrita, figurou como ferramenta necessária para a construção de uma vida melhor, na medida em que por meio dela se poderia conseguir um emprego melhor, sabedoria e esclarecimento.

O esclarecimento, no entendimento dos(as) autores(as), possibilitaria aos novos letrados serem incluídos numa sociedade que valorizava, de modo crescente e historicamente novo, a alfabetização e os estudos. Nas sete autobiografias analisadas, localiza-se, como é de se esperar, na escrita de uma história de vida, que se pretende real, longas listas de conquistas e outras similarmente longa de lamentações. As lamentações, geralmente, fazem referência ou a situações vividas que mais tarde são refletidas como arrependimentos, ou desejos que não se concretizaram. O recebimento do diploma escolar encontra-se, certamente, na segunda referência. E, por “culpa” dele (também), a escola foi desejada e valorizada.

Como foi demonstrado, mais do que a alteração concreta em suas condições socioeconômicas, a escolarização configurava um bem simbólico que, segundo eles(as), resgatá-los-ia do espaço de excluídos e marginalizados da sociedade. Importante ressaltar que, no momento em que os(as) autores(as) se encontravam em idade escolar regular, o número de matrículas no ensino primário brasileiro era baixo (muitas meninas e meninos brasileiros não estavam na escola), situação já diversa do momento em que escreveram as autobiografias, quando a escolarização em massa apresentava crescimento significativo. Quando essas adultas e adultos releram suas memórias de infância, e nelas, a escola não estava presente, atribuíram a essa ausência motivo de acentuada lamentação, e sobre ela escreveram. Para um grupo que elegeu a escrita de um livro como valioso momento de suas vidas, que elegeu a escrita como a forma de se perpetuarem, de fazerem todas as suas lutas e penas valerem a pena, a escola representou o espaço da escrita e da leitura, do conhecimento, da sabedoria, do esclarecimento, da polidez, do aprendizado das funções nobres, o espaço onde se encontrava o que eles e elas, em alguma medida, acreditavam que não tinham, sobretudo na infância e juventude. Representaram, portanto, aquilo que não tiveram, exatamente porque a possibilidade de escolarização (mais longa), pelas intempéries da vida, não lhes foi possível. Todavia, percebe-se que, inúmeras vezes, tudo o que disseram não possuir, porque não possuíram a escola, se fez presente nas suas narrativas sobre a infância e juventude: leitura, escrita, sabedoria, esclarecimento, esperteza, fama, status e ascensão social, a despeito da baixa escolaridade que anunciam em suas escritas.

Chegou-se, portanto, à conclusão de que a escola para os novos letrados foi supervalorizada, sobretudo como mecanismo de inclusão em uma sociedade que, ao longo dos anos - entre o tempo das memórias relatadas e o tempo da escrita - viu crescer a valorização da escolarização e da alfabetização. Essa sociedade relegou, aos que não adquiriam tais bens, o peso do atraso e do despreparo para a vida. Os(as) autores(as) buscaram por meio da escola, da leitura e da escrita, em seus usos legitimados, se incluírem no grupo daqueles que pela via do conhecimento, ocupavam lugares distintos daqueles a eles (pre)destinados. A escrita de um livro - a autobiografia - pareceu configurar o desfecho ideal dessa ascensão simbólica.

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1Para aprofundamento dessa questão, ver Carvalho (1987).

2O levantamento das fontes foi realizado nos acervos do Instituto Cultural Amilcar Martins e da Biblioteca Estadual Luiz de Bessa, ambos localizados em Belo Horizonte.

3Comissão italiana encarregada de realizar estudos para a tutela e valorização do patrimônio histórico e artístico italiano, que realizou estudos entre 1964 e 1967 e elaborou seus resultados em uma Declaração de Princípios (ZANIRATO E RIBEIRO, 2006).

4Em 1920, a taxa de escolarização no Brasil era de 8,99%; em 1940, de 21,43%; em 1950, de 26,15% (ROMANELLI, 1978).

5O livro em questão é Quarto de Despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2005. Publicado pela primeira vez em 1960.

6Na segunda casa onde bati e pedi esmola, a dona da casa me disse: Vai trabalhar vagabunda! Fiquei sem ação. Eu que tenho o espírito de luta, de arrojo inabalável, que sou forte nas resoluções... Chorei. (JESUS, 1986, p.205).

7

Minha tia Adriana, dizia:

- Se a Bitita [apelido de Jesus] sarar, ela vai ficar rica! Ela é muito inteligente. Mas ela não há de sarar.

Minha mãe dizia:

- Quando você era pequena, era tão inteligente (JESUS, 1986, p.177).

8Novamente se faz presente a ideia existente entre os autobiógrafos investigados de que suas vidas eram especiais e distintas.

9Aspas usadas pelo autor, Portes, para remeter a fala a outro autor; nesse caso, seu tio-avô.

10Entre esses estudos, ver Veiga (2008), Fernandes e Correia (2010) e Ferreira (2013).

11É importante ressaltar que não há nos textos lidos esta associação feita pelos(as) autores(as). Nenhum deles diz que foi preciso aprender a ler na escola porque seus pais eram analfabetos ou semialfabetizados. Trata-se, portanto de uma hipótese da pesquisa.

Recebido: 20 de Julho de 2019; Aceito: 15 de Setembro de 2019

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