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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.20  Uberlândia  2021  Epub 29-Ene-2022

https://doi.org/10.14393/che-v20-2021-1 

Artigos

Da “educação como salvação” à “crise da escola”: notas sobre a história da instituição escolar1

De la educación como salvación a la crisis de la escuela: notas sobre la historia de la institución escolar

Ana Paula Sampaio Caldeira1 
http://orcid.org/0000-0001-8313-1062; lattes: 7610875290864546

1Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil). anapaula.sampaiocaldeira@gmail.com


Resumo

Este texto tem como objetivo analisar dois discursos que marcam a representação da escola como instituição social. O primeiro deles, formulado a partir de uma percepção iluminista do saber, construiu um olhar positivo sobre a instituição escolar, considerando-a “antídoto” para os males sociais. O segundo, fortemente em voga hoje, percebe a escola como uma instituição superada e “em crise”. Procuraremos mostrar que estes dois discursos buscam responder a uma mesma pergunta, que poderia ser formulada nos seguintes termos: qual o papel da educação para a superação dos problemas nacionais?

Palavras-chave: Educação; Instituição escolar; Crise da escola

Resumen

Este texto tiene como objetivo analizar dos discursos que marcan la representación de la escuela como institución social. El primero de ellos, formulado a partir de una percepción iluminista del saber, construyó una mirada positiva sobre la institución escolar, considerándola “antídoto” contra los males sociales. El segundo, hoy muy en boga, percibe a la escuela como una institución superada y “en crisis”. Procuraremos mostrar que estos dos discursos buscan responder a una misma pregunta, que podría ser formulada en los siguientes términos: ¿Cuál es papel que juega la educación en la superación de los problemas nacionales?

Palabras-clave: Educación; Institución escolar; Crisis de la escuela

Abstract

This paper aims to analyze two discourses which mark the representation of the school as a social institution. The first, based on an Enlightenment understanding of knowledge, constructed a positive perception of the school institution, understanding it as an ‘antidote’ for social problems. The second, strongly in vogue today, perceives the school as an outdated institution ‘in crisis.’ We intend to show that both of these seek to answer the same question: what is the role of the education in overcoming national problems?

Keywords: Education; School institution; School crisis

A interrogação sobre o nascimento da escola como instituição já foi objeto de diversos estudos nas áreas da história e da história da educação. Mas, a quantidade e, sobretudo, a qualidade de pesquisas sobre esse assunto não invalida que ele seja revisitado, e isso por dois motivos. Primeiramente, pela constatação de que a escola vive hoje uma encruzilhada: o significado dado a esta instituição, bem como o valor social atribuído a ela e a seus agentes - fundamentalmente, os professores - sofreu uma mudança significativa nas últimas décadas, mudanças essa que Anne-Marie Chartier atribuiu ao chamado “paradoxo da obrigatoriedade escolar”. Isto é, a escola emergiu como instituição, ampliou seu campo de atuação e se banalizou. Essa banalização, ainda segundo a autora, é, ao mesmo tempo, sua força e sua fraqueza, seu sucesso e sua fragilidade. Sucesso, pois em um movimento que abarcou diversos países e sociedades, a escola se expandiu pela via da obrigatoriedade. Fragilidade, na medida em que essa expansão a naturalizou, dificultando a percepção que se tem dela como parte de um processo histórico associado a muitos embates (CHARTIER, 2013, p.432). Essa mudança no valor social da instituição e de seus agentes, obviamente, não se restringiu ao Brasil, tornando-se uma realidade que abrange muitos outros países (SIBILIA, 2012; MASSCHELEIN e SIMONS, 2015). Compreender essa inflexão em relação ao lugar social da escola é fundamental, sobretudo para aqueles que optaram por fazer desse espaço e do ensino um lugar de trabalho e de atuação.

Não dissociado desse primeiro ponto, e pensando na realidade brasileira, há um segundo motivo que indica a importância de se interrogar sobre o lugar da escola, que é o fato de a temática educacional ter, já há algum tempo, ganhado a agenda política com problemas muitas vezes pautados por grupos bastante conservadores, ligados, por exemplo, ao Movimento Escola Sem Partido, e também pelos defensores do ensino domiciliar, também conhecido como Homeschooling. Muitos desses grupos, vale dizer, não só exercem uma força muito grande no atual governo brasileiro, como também o ajudaram a vencer as eleições. Assim, pensar o lugar da educação, da instituição escolar e do professor é hoje, diante da nossa realidade, um tema necessário.

A proposta deste texto é fazer uma abordagem histórica e panorâmica que começa com a construção de certo discurso sobre a instituição escolar, o qual conferiu a ela um lugar de “antídoto” para os males sociais (ALBUQUERQUE, 2019, p.238) e chegar até a chamada “crise da escola” - embora, vale a pena ressaltar, não se perceba uma linha progressiva que leva de um discurso a outro. Aliás, como pretendemos mostrar, esses discursos muitas vezes se interpenetram e coexistem. Procuraremos mostrar que o debate que concebeu e construiu a escola como espaço por excelência na educação da juventude brasileira foi possível, em grande parte, porque trazido por diversos intelectuais para a agenda política. Dessa forma, entendemos ser difícil pensar a história da instituição escolar no Brasil (e as políticas em prol dela, sobretudo quando falamos da escola pública) sem pensar a atuação dos intelectuais, isto é, a ação de mulheres e homens ligados ao mundo das letras, da cultura e da ciência e que, municiados desse repertório, intervieram e tomaram posição no debate político (SIRINELLI, 2003), defendendo projetos que apostavam na educação e na escola como saídas para resolver os grandes problemas nacionais. Para tratar dessa questão, procuraremos estabelecer algumas comparações entre o caso brasileiro e outras realidades nacionais. Nossa análise aqui, portanto, pretende chamar a atenção para um problema que precisa ser recolocado diante do atual quadro político: qual a contribuição da escola como instituição para um regime democrático?

Uma aposta na escola, no livro e no professor

Para tratarmos dessa questão, dividimos este texto em duas partes. Nessa primeira, interessada em pensar o engajamento dos intelectuais em relação à ideia de educação pública, gostaríamos de voltar ao século XVIII e ao Iluminismo, valendo-nos para isso do livro “A Escola do Homem Novo”, de Carlota Boto (1996). A expressão que dá título ao livro é mobilizada pela autora para designar o pensamento pedagógico iluminista e o discurso educacional que tomou forma a partir da eclosão da Revolução Francesa. Um discurso que não era único, evidentemente, já que Boto ressalta diferentes propostas em relação à educação defendidas naquele momento. Mas, embora não homogêneo, trata-se de um discurso que conferia à educação um papel indispensável na erradicação do obscurantismo e na superação de toda forma de ignorância e superstição. A educação para o “homem novo” deveria ser distinta daquela ministrada durante o Antigo Regime e deveria também atuar como mecanismo de superação das desigualdades que caracterizavam os diferentes setores da sociedade francesa no período da revolução (BOTO, 1996, p. 21-70).

Aqui talvez valha a pena fazer uma distinção entre educação, que, conforme lembra a autora (valendo-se do estudo de Blonislaw Baczco), era uma palavra que designava à época um processo mais amplo, e instrução, vocábulo que remetia a esta instituição que nos interessa aqui: a escola - em especial, a escola pública, laica e gratuita, que emergia como um valor para a sociedade francesa pós-revolucionária e republicana (BOTO, 1996, p. 103). Tanto a educação quanto a instrução ocupavam um lugar importante dentro de um projeto emancipador de caráter iluminista. Em termos filosóficos, inúmeras questões foram postas por pensadores como Rousseau e Diderot acerca do poder da educação como elemento capaz de modificar a natureza humana. Conquistada pela filosofia, a discussão sobre a educação e a instrução chegou também às políticas públicas, de forma que na França, ao longo do século XIX, um conjunto de leis permitiu uma ampla reforma na instrução pública daquele país em prol da educação desse “homem novo”. Isto tornou possível a criação de liceus e escolas, a proposição de métodos de ensino, a difusão de manuais escolares, a percepção da educação como responsabilidade do Estado e, por fim, a gratuidade, laicidade e obrigatoriedade do ensino primário. Tomando aqui de empréstimo uma expressão mobilizada por Jean-Yves Mollier, podemos dizer que a instrução pública esteve no cerne de uma verdadeira revolução cultural na França do século XIX, que afetou todas as classes sociais e todas as gerações, a ponto de termos 97% de estudantes alfabetizados e escolarizados na França de 1900 (MOLLIER, 2008).

Vale ressaltar que o sucesso da escola como instituição não pode ser dissociado de alguns elementos: (1) da formação de um discurso científico, interessado em entender como se dava o aprendizado na criança; (2) da formação de um discurso jurídico, que entendia como papel do Estado zelar pela educação das crianças; (3) da preocupação com a leitura (e temos ligado a isso não só o investimento na publicação de manuais didáticos que se tornaram verdadeiros best sellers, como os de Ernst Lavisse, mas também a difusão das bibliotecas públicas); e (4) da preocupação com a formação daquele que é capaz de ensinar: o professor. Ele, o professor, era agente importantíssimo nessa chamada revolução cultural.

O projeto da escola formadora do homem novo foi atualizado por décadas e não é exclusivo da realidade francesa. A “promessa iluminista” teve vida longa e viajou por diversas realidades nacionais, sendo apropriada e tornando-se palavra de ordem entre os intelectuais de diversos países (embora, vale ressaltar, este não fosse um tema consensual). Como lembra Luciano Mendes de Faria Filho, a escola passou por um conflituoso processo de “positivação” que, por um lado, envolvia afirmar a sua necessidade na educação moral e intelectual das novas gerações, e, por outro, perpassou também a crítica e a desconfiança em relação à instituição (FARIA FILHO, 2012, p. 38-39). No caso do Brasil, desde a Independência discute-se a questão da escolarização e da presença do Estado como promotor de políticas públicas nesse sentido. No Império e na República, houve um engajamento de diversos homens e mulheres ligados à intelectualidade e à política em prol de projetos educacionais. Pode-se mencionar, por exemplo, José Bonifácio de Andrada e Silva, Rui Barbosa (e seus famosos pareceres sobre a instrução no Império) ou Benjamin Constant, que assumiu a Secretaria de Estado da Instrução Pública, Correios e Telégrafos em 1890, conduzindo uma reforma na instrução pública do Distrito Federal que se tornou um modelo para todo o país, defendendo a educação laica e criando o chamado Pedagogium.

Na passagem do Império à República, a elaboração de análises e de diagnósticos era muito importante, afinal, era necessário saber o estado da arte da educação no Brasil para, então, pensar em caminhos possíveis para o desenvolvimento deste setor. Assim, também em 1890, José Veríssimo publicou seu famoso texto A Educação Nacional, buscando identificar os males que assolavam o país nesta área, entendendo a educação como meio estratégico para fazer a República recém implantada superar as suas mazelas e refazer a nação.2 Outro exemplo nesse sentido é Manoel Bomfim, que publicou na imprensa, desde a última década do século XIX até 1920, diversos artigos relacionados à temática da educação. Bomfim, segundo Rebeca Gontijo, estava na contracorrente das interpretações então em voga acerca do atraso brasileiro, comumente explicado pelos determinismos do meio (clima) e da raça (GONTIJO, 2010). Como outros intelectuais da sua época, ele acreditava que o tema da educação e da instrução possibilitava a definição da identidade intelectual de um povo. A educação assumia, assim, o estatuto de caminho redentor para o atraso brasileiro. Para além de pensar o papel da educação, Bomfim não se furtava em afirmar que cabia ao Estado o dever de assegurar a educação como direito. Nesta matéria, dizia ele, “o dever da família é subsidiário, porque seus meios de realização, precários, são sempre incompletos”. Sendo assim, “o dever essencial, primordial, é do Estado”.3 A educação deveria ser feita por meio de um regime educativo, racional e completo (que se diferenciava, portanto, de outras formas de ensino, como o doméstico).4

Muitos nomes de outros intelectuais brasileiros poderiam ser lembrados aqui como casos exemplares que evidenciam como a reflexão sobre o lugar e a importância da escola se tornou matéria de debate entre eles. Para não nos estendermos muito nas citações, gostaríamos apenas de lembrar daqueles intelectuais que se voltaram para a confecção de livros destinados a educar os futuros cidadãos republicanos, pois a confiança na educação e na escola não deixou de acompanhar o livro, esse objeto que tinha por objetivo formar as crianças e jovens brasileiros. Isso levou, inclusive, ao desenvolvimento de uma literatura cívico-patriótica produzida por homens e mulheres renomados e voltada para a juventude. É o caso de Afonso Celso, presidente do IHGB, e seu célebre Porque me ufano de meu país [1900]; de Silvio Romero, com A história do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis [1890]; de Olavo Bilac e Manoel Bomfim, com Através do Brasil [1910], um sucesso de vendas; e de Julia Lopes de Almeida, com Contos Infantis [1886], escrito em parceria com Adelina Lopes Vieira, sua irmã, e com o famoso Histórias de Nossa Terra [1907].

Em alguma medida, desde o Império, mas de maneira mais contundente a partir da República, esses e essas intelectuais depositavam as esperanças em um projeto de Brasil moderno sobre a tríade composta pela escola, o livro e a criança. Mas, talvez possamos nos interrogar sobre o que essa discussão sobre educação e essa valoração positiva da escola (e, em grande medida, da escola pública) trouxe de efetiva política pública. Quanto a isso, a bibliografia mostra que o caso brasileiro é de idas e vindas. A gratuidade do ensino primário estava posta deste a Constituição Imperial, mas desapareceu na Constituição Republicana. A obrigatoriedade do ensino não aparece em nenhuma das duas cartas. A laicidade, entretanto, torna-se norma explícita na República. A partir do novo governo implementado em 1889, a educação elementar ficou a cargo dos estados e municípios, enquanto cabia ao governo federal cuidar do ensino superior (BOMENY, 2003; GONDRA, 2009). Na prática, isso representou, em primeiro lugar, uma assimetria entre estados e municípios, já que, em cada um deles, as suas elites políticas decidiam o quanto de esforço e de recursos deveriam ser destinados à educação. Mas é importante também observar os dados. De acordo com Helena Bomeny (2003, p. 12-14), no início do século XX, o Brasil tinha o impressionante número de 75% de analfabetos entre a população em idade escolar. Não por acaso, no Brasil dos anos 1910/1920, associado a certa desilusão com a República, o tema da educação e do analfabetismo ganhou a agenda dos intelectuais, que retomaram a ideia da educação como cerne de um projeto modernizador. Se cotejamos com o caso argentino, estudado numa perspectiva comparativa por Gabriela Pellegrino Soares (2007, p. 35), percebemos que a Argentina já tinha, nas primeiras décadas do século XX, uma sólida rede de ensino público. Em 1869, 77% da população argentina era analfabeta. Em 1914, o número caiu para 36% entre a população com mais de 14 anos. Em 1947, já era de menos de 14%. De acordo com o IBGE, o Brasil só alcançou um índice próximo de 14% de analfabetos no final dos anos 1990 e início do ano 2000, portanto, 50 anos depois do país vizinho. No Nordeste, no mesmo período, a taxa de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais ainda era de quase 25%.5 Como destaca Soares (2007, p. 36), o crescimento escolar argentino veio acompanhado do crescimento da escola pública.

No caso brasileiro, o que se percebe a partir de diversos diagnósticos levados a cabo nessas primeiras décadas do século XX no país, é que o ensino público esteve longe de atingir a população em idade escolar. Dos poucos jovens que estudavam, muitos deles estavam matriculados em escolas privadas, notadamente católicas. Não por acaso, na década de 1920 vemos a mobilização de alguns intelectuais em favor da criação de associações que viabilizassem políticas públicas para o país, como a Associação Brasileira de Educação (ABE), criada nesta época. Mas, foi propriamente a partir do governo Vargas que tivemos avanços na formação de um sistema nacional de educação sob a condução do Estado. Exemplo disso foi a criação, em 1930, do Ministério da Educação e da Saúde e do Conselho Nacional de Educação (BOMENY, 2003, p.46-60).

Mais uma vez, a ação dos intelectuais na esfera pública foi fundamental. Muitos deles, aliás, atuando de forma próxima ao grupo que comandava o Ministério da Educação e da Saúde. Um dos nomes mais expressivos neste sentido foi Anísio Teixeira. Seu nome, aliás, é associado a diversas iniciativas educacionais como o movimento Escola Nova, a criação da Universidade do Distrito Federal, a criação do INEP, do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e da Universidade de Brasília. Junto com outros importantes intelectuais do período, como Fernando de Azevedo, Mario Casasanta, Delgado de Carvalho, Armanda Álvaro Alberto, Cecília Meireles e Lourenço Filho, ele foi também signatário do Manifesto dos Pioneiros, documento importantíssimo de defesa de uma escola pública, gratuita e laica.6 Este foi um momento fundamental para pensar a organização da educação pública pelo Estado, a articulação entre o discurso político e educacional, como também para uma reflexão acerca do que era a escola pública e qual o seu valor. Fernando de Azevedo, por exemplo, ressaltava o caráter nacional da escola pública para a transmissão de valores comuns. Ao discutir sobre a escola pública, ele se preocupou não só em dizer o que ela era, como também quis definir o que ela não era. A escola pública, para Azevedo, não era neutra, nem seria possível que fosse, tampouco era de se esperar que esses intelectuais pudessem compreendê-la de tal maneira. Ao invés disso, ela era tomada como propulsora de um conjunto de valores maiores e mais largos que os interesses particulares e as confissões de cada um. Isso porque se entendia que a democracia pressupunha uma fé comum e a escola pública era fundamental para isso (BOMENY, 2003, p. 38-45).

Para encerrar esse primeiro momento do texto, gostaríamos de ressaltar dois elementos. O primeiro deles é, como se pode notar, a forte ação política dos intelectuais ao longo de boa parte dos séculos XIX e XX, ainda que os anos 1930 sejam sempre considerados pela historiografia como um momento de forte crença e atuação dos intelectuais em prol de um projeto de educação por meio escolar. Sem desprezar o que o primeiro período Vargas representou em matéria de organização da educação pelo poder público, a bibliografia nos mostra que, antes e depois dos anos 30, é possível perceber a ação política dos intelectuais em diversas frentes: 1) via Estado, confrontando, por exemplo, seus projetos nas Constituintes e sendo chamados a ocupar cargos políticos; 2) via estudos, diagnósticos e planejamentos no campo educacional, num forte diálogo com as Ciências Sociais;7 e 3) também via iniciativas de ação social. Paulo Freire, por exemplo, ocupou cargo público, mas atuou, ele próprio, na educação de jovens e adultos, como se sabe. Antes dele, temos também outro nome, talvez menos conhecido do grande público, que é o de Armanda Álvaro Alberto, intelectual feminista que, nos anos 1920, fundou uma escola em São João do Meriti, no Rio de Janeiro, para educar filhos de trabalhadores. Ela foi também presidenta da Associação Brasileira de Educação, signatária do Manifesto dos Pioneiros e presa política em 1936-37.

O segundo elemento é, na verdade um contraponto que não pode ser esquecido, ainda mais quando nos propomos a desnaturalizar a escola e entender o lugar social dado a ela. Se nos interrogamos sobre os intelectuais e suas contribuições para a construção de uma imagem positivada da escola, outra pergunta que valeria a pena ser feita seria a seguinte: quando discutimos sobre a escola defendida por esses intelectuais, de que escola propriamente estamos falando? As respostas seriam as mais diversas, pois diversos eram também os projetos políticos e intelectuais dos quais esses homens e mulheres tomavam partidos. Poderiam ser públicas ou privadas, laicas ou religiosas. Podiam também ser militares. Mas, guardadas as exceções,8 de modo geral, esses modelos escolares compartilhavam certos elementos próprios de uma sociedade disciplinar (ALBUQUERQUE, 2019), que se pautava nos princípios da razão, na ideia de emancipação pelo conhecimento, no amor à pátria, na valorização de uma identidade única, no respeito à ordem e à hierarquia, em ideais de masculinidade, na organização dos saberes em disciplinas e no controle dos corpos. Foi esse modelo escolar, construído, discutido, criticado por sociólogos, historiadores e pedagogos pela sua tendência elitista, excludente, reprodutora e classista (LAVAL, 2019), defendido e redefinido ao longo dos dois últimos séculos, que vingou e se impôs à educação familiar (embora muitas vezes as duas tenham coexistido), construindo sensibilidades e subjetividades, e constituindo-se praticamente como uma natureza, de maneira que se torna difícil pensar na educação de uma criança fora dessa instituição, a escola.

De antídoto à deslegitimação: a crise da escola

O tema da educação, portanto, foi posto na arena política por muitos desses intelectuais, que tomaram posição na esfera pública e fizeram da escola pública um projeto. Dito isto, gostaríamos de entrar no segundo momento desse texto, que pretende se deslocar do debate que positivou a ideia de escola para discutir justamente o que se tem chamado de “crise” da instituição.

Para tanto, vale ressaltar que a instituição “escola” se funda a partir de um consenso republicano em torno dela, que a percebe como lugar imprescindível para a formação do cidadão, ainda que o que se entenda por cidadania não seja algo único e que perpasse todas as épocas. Nesse sentido, como ressaltam Marianne Bloch e Thomas Popekewitz (2000), a escola, em seu surgimento, teve também de educar a família, no sentido de estabelecer um pacto de confiança, a partir do qual essa instituição se fundamentou. Este pacto entende que cada indivíduo, embora membro de um grupo familiar, é também parte de algo maior: a coletividade social - como já ressaltava Fernando de Azevedo, o que indica que esta foi também uma questão pensada por estes intelectuais que atuavam pela palavra e pela ação no momento de ingerência do Estado em matéria de ensino e de educação. Lembremos também do Manifesto dos Pioneiros, de 1932, que, ao ressaltar a “educação como função essencialmente pública”, diz o seguinte a respeito da relação entre Estado e família:

A educação que é uma das funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Estado. (...) Ela é ainda o "quadro natural que sustenta socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreter-se as suas aspirações para o ideal". Por isto, o Estado, longe de prescindir da família, deve assentar o trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e na colaboração efetiva entre pais e professores, entre os quais, nessa obra profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar as relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças sociais - a família e a escola, que operavam de todo indiferentes, senão em direções diversas e às vezes opostas (O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932. Grifos nossos).

O que importa destacar a partir deste trecho do Manifesto dos Pioneiros é justamente a ideia de um consenso que perpassa a expansão da escola obrigatória no país. Em outras palavras: educar as crianças dentro de uma escola envolveu convencer as famílias de que ali era o espaço fundamental para que a formação delas acontecesse, pressupôs também um esforço no sentido de convencê-las de que aquilo que se aprendia ali era mais do que se aprendia dentro de casa. Isso traz, como lembra Luciane Barbosa (2016) implicações jurídicas e legais. No caso brasileiro, como alguns estudiosos já destacaram, a legislação de 1934 a 1988 não impôs sanções à educação doméstica, ainda que intelectuais e homens públicos promovessem a ideia de que a educação deveria ocorrer primordialmente nas escolas. É somente a partir da Constituição de 1988, e da elaboração de documentos como a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca), que a possibilidade da educação ocorrer no lar, fora do ambiente escolar, deixou de constar de modo claro (VIDAL, 2013; BARBOSA, 2016; CURY, 2006). Isso nos leva a considerar que, no caso brasileiro, quando falamos desse processo de universalização do ensino escolar fundamental (que, como vimos, aconteceu muito antes em países como França e Argentina), temos de considerar que aqui ele entrou pelo século XXI e é bastante devedor das diretrizes presentes na LDB, no Eca e na própria Constituição. O reconhecimento, pela Constituição de 1988, do ensino básico gratuito e obrigatório dos 4 aos 17 anos de idade como dever do Estado foi muito importante na universalização do ensino fundamental e na ampliação do ensino médio no Brasil. Isso nos leva a uma questão: se nos últimos anos houve inegáveis avanços no caso brasileiro no sentido da universalização do ensino escolar, de onde vem, então, a chamada “crise da escola”, ou melhor, aonde reside essa crise?

A ideia de “crise” como chave de entendimento da educação em um dado momento, não é exatamente nova. Em texto publicado em 1958, Hannah Arendt já discutia a “crise da educação”, compreendo-a como algo para além de um fenômeno local, ainda que sua forma mais extrema, destacava a autora, pudesse ser encontrada na América (EUA). Quanto à ideia de “crise”, Arendt considerava que “sempre que, em questões políticas o são juízo humano fracassa ou renuncia à tentativa de fornecer respostas, nos deparamos com uma crise” (ARENDT, 2005, p.227. Grifo nosso).

A ideia de crise como impossibilidade de fornecer respostas também parece figurar na maneira como outra autora, Paula Sibilia, aborda a “crise da escola”. Segundo ela, a “crise da escola” significa pensar que os corpos e as subjetividades para as quais essa instituição foi criada há alguns séculos não são mais os mesmos de hoje em dia (SIBILIA, 2012). Se o impulso inicial de formação da escola estava ligado à utopia de uma sociedade mais igualitária e esclarecida, à crença na ideia de progresso do espírito humano, na obediência às leis e no amor à pátria, a escola hoje ganha outros contornos e uma nova dinâmica, mais próxima de uma empresa que presta um dos diversos serviços de uma sociedade de consumo. Nas palavras da autora (e, parece-nos, outro autores concordariam com ela, como Christian Laval [2019]), a escola, que antes era vista como um lugar “impoluto”, recebe outros tons dentro de uma lógica mercantil na qual as competências podem ser hierarquizadas e os conhecimentos passam a ser medidos e valorizados pelo seu grau de aplicação. Não se oferece tudo a todos os cidadãos. Oferece-se aquilo que o cliente é capaz de comprar, o que sugere um deslocamento da educação orientada pelo esforço e para a formação moral e patriótica para outro tipo de educação, em emergência há algumas décadas, pautada em princípios como o da técnica e da performance - ou, para usarmos termos muito em voga, do training ou coaching.

Em outros termos, a escola teria se democratizado, mas o que se democratizou e universalizou teria sido um modelo de ensino que não responde às urgências de uma sociedade cada vez mais hiper conectada pelas novas tecnologias, que exige dos corpos menos a sua inscrição em aparatos disciplinares e mais a sua inserção na ordem da economia máxima (MBEMBE, 2018, p. 59). O discurso sobre o fracasso da educação brasileira, presente desde a virada do Império para a República, pode, então, ser atualizado. Agora, a questão não é propriamente a falta de acesso à escola, de modo geral, e à escola pública, em particular. Mas sim o problema da eficácia da escola, da sua qualidade e da qualidade de seus professores. Instituição que anteriormente foi considerada o templo da República, ela é hoje objeto de dúvidas, de deslegitimação, quando não de ódio.

A constatação desse fracasso, lembra Christian Laval (2019) vem acompanhada do discurso da modernização e da utilidade, que associa a escola a um tipo de conhecimento obsoleto, inútil e “desconectado em relação à vida do estudante”. O diagnóstico e o discurso do fracasso e da crise é um dos elementos que explicam, por exemplo, o investimento maciço, em termos de recursos financeiros, por mega grupos empresariais (e também iniciativas governamentais nesse sentido) em modelos de educação “inovadores”, que prezam pela tecnologia e pelo ensino de conhecimentos úteis, destinados, sobretudo, à formação de uma elite. Mas explica também movimentos que defendem, por exemplo, a educação doméstica, e que tem ganhado a cena pública, sobretudo desde 2005, quando uma família entrou na justiça requerendo o direito de educar sua filha em casa.9 O movimento, que, de acordo com a página que mantém na Internet, contaria com o apoio de cerca de 5 mil família praticantes, se vale do caráter vago da legislação e também de um discurso facilmente assimilável que, por um lado, percebe a escola como ineficaz e defasada e, por outro, argumenta que a educação no lar é fruto do “desejo de oferecer uma formação que preserve os princípios morais da família” e da “insatisfação com o ambiente escolar, motivado por eventos de violência, bullying, pressões sociais inadequadas, insegurança e exposição dos filhos a amizades indesejadas pelos próprios pais”, configurando uma narrativa assustadora em relação à escola.10

Ou seja, temos aqui a atualização de uma pergunta que, a rigor, traz a interrogação sobre como superar os problemas da educação nacional. A resposta a esta pergunta, no passado, foi, para um grupo significativo de intelectuais, a escola e, sobretudo, a escola pública. Hoje, a pergunta se refaz, construindo um discurso de fracasso da escola pública e da escola como instituição, e trazendo outras saídas. Uma delas é a educação domiciliar, que retira o debate sobre a educação da arena pública e democrática. Ela se torna exclusivamente um assunto privado, uma escolha da família. A ideia de educação como uma aposta no coletivo (e daí a aposta que muitos fizeram em uma escola pública, para todos) é deslocada em função de uma percepção privatista e atomizada da educação. Mais uma vez, este não é um movimento exclusivamente brasileiro, mas que vem crescendo também em países como EUA, Rússia, Portugal (onde nunca foi proibido, mas é regulamentado pelo Estado), França, dentre outros.

Considerações finais

Gostaríamos de concluir esse texto destacando duas questões. A primeira delas talvez possa ser formulada nos seguintes termos: apesar de a escola ser hoje o espaço para onde confluem ódios e teorias conspiracionistas, não seria o caso de considerarmos também que todos esses discursos que atacam a escola e o professor ainda conferem a eles certo poder? Se respondermos a essa pergunta positivamente, isso talvez signifique admitir que a escola, longe de ser um lugar falido, sem sentido e em crise, ainda pode ser um espaço de impacto na formação de uma criança/ jovem. De certa maneira, não se negam os efeitos da escola, mas a suspeita e o ódio são jogados sobre ela em um momento em que percebemos a canalização do ódio para alguns setores e instituições democráticas.

A segunda questão diz respeito a quem discute o tema da educação hoje e quem o discutia no passado. O que tentamos assinalar é que o tema da educação e da escola pública esteve no universo de preocupações dos intelectuais brasileiros desde o século XIX e também por boa parte do XX. Construiu-se, de fato, a ideia da escola pública como índice de democratização da sociedade brasileira e como espaço de um aprendizado comum, de maneira que não era possível pensar um projeto de país ou de nação desarticulado da escola. Mas constatou-se também um diagnóstico persistente do fracasso da educação no país. Não se trata de pensar esses intelectuais como modelares e capazes de dar respostas às perguntas do presente. A nosso ver, eles não servem pra isso, inclusive, porque os modelos de escola pensados por eles, em larga medida, já não nos cabem mais. Não se trata, portanto, de adotarmos uma postura que não percebe saída fora de um modelo de escola criado no século XVIII ou assume de maneira pouco crítica o discurso de “salvação” pela educação, que, como vimos, estava acompanhada de um modelo escolar próprio de uma sociedade do controle e da classificação. Mas, apropriando-nos livremente do título do livro de Carl Schorske (2000), talvez possamos “pensar com a história”. Ou seja, podemos fazer o exercício de pensar quais elementos do passado ainda estão presentes no nosso presente. Modelos de escola e percepções sobre a educação foram formulados por homens e mulheres que, em suas épocas, acreditaram na educação como capaz de construção de um homem novo. Em alguma medida, muitas das questões que colocamos hoje são devedoras deles e, portanto, ouvir como eles responderam aos problemas de seu tempo talvez possa nos ajudar a propor novas questões, respondê-las a partir de nossas demandas e nos ajudar a pensar para onde poderá nos levar esse outro modelo de escola/ educação, pautado no discurso da modernização, da eficiência e da utilidade, ou mesmo um modelo de educação que, em nome dos valores da família, negue e criminalize a escola.

Referências

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1A autora agradece o apoio do CNPq e da Fapemig.

2Nesta obra, Veríssimo afirmava que o Brasil “brilhava pela ausência”: havia, quando muito, má instrução e ruim. Segundo ele, não havia na República um sentimento racionalizado e profundo em relação à educação, exceto entre um pequeno grupo (VERÍSSIMO, [1890]1985).

3BOMFIM, Manoel. O dever de educar. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, terça-feira, 27/09/1921, p.2.

4BOMFIM, Manoel. Valor positivo da educação II. Jornal do Commercio, 04/07/1919, p. 5.

5IBGE. Séries Históricas e Estatísticas. Disponível em: https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/lista_tema. aspx?op=0&de=8&no=4. Acesso em 15 fev. 2019.

6Esses intelectuais entraram em conflito, por exemplo, com representantes da Igreja Católica, que controlava grande parte das escolas privadas e defendia a escola confessional e a obrigatoriedade do ensino religioso. Aliás, na história educacional brasileira, a escola pública, obrigatória e gratuita encontrou, em diversos momentos forte resistência da Igreja Católica e dos setores privados para se desenvolver. Importantes embates foram travados quando da elaboração da Constituição de 1934.

7 Moraes (2016), trabalhando com autores como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro, faz uma análise que busca relacionar o desenvolvimento do pensamento sociológico no país e as políticas públicas em prol da educação.

8Há de se ressaltar aqui os diferentes modelos de escola propostos por grupos e intelectuais ao longo desse movimento de positivação da instituição escolar: escolas religiosas, operárias e anarquistas, estas últimas, por exemplo, postulando um aprendizado mais ativo por parte da criança.

9Vale aqui apontarmos alguns momentos importantes quando nos referimos ao debate em torno da educação domiciliar no Brasil. Em 1994, houve uma tentativa de regulamentação da prática capitaneada pelo Deputado Federal João Teixeira. Em 2005, uma família de Minas Gerais retirou seus filhos da escola e entrou na justiça requerendo o direito à educação domiciliar. Cinco anos depois, um grupo de pais forma a Associação Nacional de Educação Domiciliar, a Aned. Em 2015, uma família de Canela, Rio Grande do Sul, entrou com mandado de segurança contra a Secretaria de Educação do município, que negou o pedido de educação domiciliar. No ano seguinte, em 2016, o Rio de Janeiro sediou a Conferência Global de Educação Domiciliar (BARBOSA, 2016).

10 https://www.aned.org.br/educacao-domiciliar/ed-sobre/ed-perguntas. É interessante perceber como o movimento pela educação domiciliar mobiliza certos temores e fantasias que historicamente são atrelados ao livro, ao conhecimento e à escola. Referimo-nos aqui à crença de que esses elementos possuiriam um poder fenomenal, para o bem ou para o mal, na consciência dos indivíduos, sobretudo os jovens, supostamente mais ingênuos e, portanto, influenciáveis. Quanto a isso, vale a pena mencionar novamente Hannah Arendt, quando, no texto já citado por nós, ela pensa a função da família e da escola. A família seria o grupo que tem a função de proteger a criança dos perigos do mundo. Por outro lado, é fundamental que uma criança, para seu desenvolvimento, não seja mantida somente em seu mundo. É justamente aí que entra a escola, na sua função de introduzir o mundo à criança, ainda que ela, em si, não seja o mundo, nem deva sê-lo. Mas seu lugar seria justamente esse, entre o lar e o mundo. Se a família preserva a criança em relação aos perigos do mundo, a escola preservaria o mundo em relação à irrupção de novo, que emerge a cada geração, daí o seu caráter essencialmente conservador, no sentido de ensinar à criança que o mundo é mais velho do que ela, o que implica a responsabilidade pelo próprio mundo (ARENDT, 2005, p. 243 e 246-247).

Recebido: 16 de Janeiro de 2020; Aceito: 13 de Abril de 2020

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