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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.20  Uberlândia  2021  Epub Jan 29, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v20-2021-34 

Artigos

Configurações educacionais no âmbito do município de Uberaba, Minas Gerais: descentralização e organização da instrução pública primária (1895-1912)

Configuraciones educativas en lo municipio de Uberaba, Minas Gerais: descentralización y organización de la instrucción pública primaria (1895-1912)

Bruno Bernardes Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-2451-3666; lattes: 1485505154398606

Carlos Henrique de Carvalho2 
http://orcid.org/0000-0002-8535-6828; lattes: 7463702480768930

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (Brasil). bruno_b.carvalho@hotmail.com

2Universidade Federal de Uberlândia (Brasil). chc@ufu.br


Resumo

A partir da perspectiva do espaço local, isto é, o município de Uberaba-MG, situado temporalmente entre 1895 a 1912, o presente artigo procura tratar do processo de organização da instrução pública ocorrido localmente e sua relação com o contexto mais amplo dos primeiros anos do período republicano brasileiro. Para tanto, priorizamos o trabalho com documentos produzidos pelo poder legislativo, em especial as Atas da Câmara Municipal, buscando demonstrar de que modo a municipalidade participou do processo de escolarização que caracteriza aquela ambiência nos anos iniciais da recém Proclamada República brasileira. Na esteira das discussões relativas ao problema educacional do País nos deparamos com a questão da descentralização político-administrativa e o papel das municipalidades, frente ao cenário educacional da época, o qual possibilitava aos municípios, em particular o de Uberaba, constituir-se enquanto instância de idealização e de ação em matéria de instrução pública. Neste sentido, a Câmara Municipal de Uberaba atuou de forma efetiva na questão educacional, propondo leis, criando e mantendo escolas, nomeando e remunerando professores, configurando, assim, uma organização educativa a partir da própria instância do município.

Palavras-chave: Instrução primária; Descentralização; Município; Uberaba

Resumen

Desde la perspectiva del espacio local, o sea, el municipio de Uberaba-MG durante los años 1895 a 1912, este artículo busca analisar el proceso de organización de la instrucción pública que se desarrolló localmente y su relación con el contexto más amplio de los primeros años del período republicano brasileño. Por ello, priorizamos el trabajo con documentos elaborados por el poder legislativo, especialmente las Actas de lo Consejo Municipal, buscando demostrar cómo el municipio participó en el proceso de escolarización que caracteriza ese ambiente de la recién proclamada República Brasileña. Junto a las discusiones relacionadas con la problemática educativa del país, enfrentamos el tema de la descentralización político-administrativa y el rol de los gobiernos locales, ante el escenario educativo de la época, que permitió a los municipios, en particular a Uberaba, convertirse en una instancia de idealización y acción en materia de educación pública. En este sentido, la municipalidad de Uberaba actuó eficazmente en el tema educativo, proponiendo leyes, creando y manteniendo escuelas, nombrando y retribuyendo a los profesores, configurando así una organización educativa basada en el propio municipio.

Palabras-clave: Instrucción primaria; Descentralización; Municipio; Uberaba

Abstract

From the perspective of the local space, in this case, the municipality of Uberaba-MG during the years 1895 to 1912, this article seeks to deal with the process of organizing public education that took place locally and its relationship with the broader context of the first years of the Brazilian republican period. Therefore, we prioritize the work with documents produced by the legislative power, especially the Minutes of the City Council, seeking to demonstrate how the municipality participated in the schooling process that characterizes that ambience in the early years of the recently Proclaimed Brazilian Republic. In the wake of discussions related to the country's educational problem, we are faced with the issue of political-administrative decentralization and the role of municipalities, in view of the educational scenario of the time, which allowed municipalities, in particular Uberaba, to constitute themselves as an idealization and action body in matters of public education. In this sense, the Uberaba City Council acted effectively in the educational issue, proposing laws, creating and maintaining schools, appointing and remunerating teachers, thus configuring an educational organization based on the municipality itself.

Keywords: Primary education; Decentralization; Municipality; Uberaba

Introdução

Idealizada a partir de contextos globais, é no âmbito local que a educação se materializa na forma de ações de organização da instrução pública, se institucionaliza sob diferentes modelos e adquire contornos próprios segundo processos de escolarização que refletem as singularidades de cada localidade. Com graus de autonomia e protagonismo que variam de um lugar para outro, os municípios têm se mostrado instâncias fundamentais para a compreensão da História da Educação Brasileira, em especial no contexto dos primeiros anos da República no Brasil, e em particular no que se refere ao estado de Minas Gerais. Sobre a importância do cenário local, no âmbito dos estudos históricos, Justino Magalhães salienta:

Ideada no global, a educação acontece no sujeito e ganha forma e significado no local. No plano histórico, o local educativo formal pode assumir as configurações de instituição, município, biografia. O educacional integra e constitui o local, o local evoluiu por força do educacional. Admitindo diferentes configurações, foi como instituição-escola que a instituição educativa se tornou transformadora do local. Transformando-se e evoluindo, a escola transformou o local. (MAGALHÃES, 2018, p.41).

Partindo deste horizonte pretendemos apresentar e analisar os documentos produzidos pelo poder legislativo municipal de Uberaba (Câmara Municipal). Foram analisados: Atas da Câmara Municipal de Uberaba, mais especificamente os livros de registros das Sessões dos anos de 1895 a 1905; Livro de Leis da Secretaria da Câmara Municipal de Uberaba (1903-1912); Livro de Nomeação de Professores; além de dados referentes ao orçamento da Câmara Municipal de Uberaba, disponíveis em seis edições de um periódico do município denominado Almanach Uberabense (1906-1911). Os documentos em questão dizem respeito ao período de 1895 a 1912, e delimitam o recorte temporal adotado na reflexão deste artigo.

Em linhas gerais, o presente estudo versa sobre o processo de escolarização ocorrido na região de Uberaba-MG no início da República brasileira. Objetiva demonstrar, em nível local, de que modo a municipalidade participou deste processo histórico-educacional de organização da instrução pública. Mediante a observação das particularidades locais procuramos estabelecer relações com processos educativos mais amplos.

Compreender as relações entre federalismo, centralização e descentralização se mostra essencial para o entendimento das discussões que permeiam a realidade educacional do município de Uberaba-MG no alvorecer do período republicano no Brasil, principalmente quando consideramos a centralidade que era atribuída à educação escolar, e quando analisamos o papel desempenhado pelas municipalidades nesse cenário.

Da descentralização educacional ao “município pedagógico”.

Na passagem do Império para a República, além das transformações políticas, econômicas e sociais, a educação escolar passou por modificações e ocupou lugar de destaque. Com implantação da República, não somente é alterado o regime político do país, como adota-se uma nova forma de organização do Estado, pautada no federalismo. Conservando-se uma tendência descentralizadora que tem suas origens ligadas ao Império, particularmente, no Ato Adicional de 1834, a mudança de sistema político se dá de maneira específica, dando forma a um federalismo sui generis em nosso país, conformando o que podemos denominar de um “federalismo à brasileira” (FERREIRA; CARVALHO; GONÇALVES NETO, 2016).

Essa questão é fundamental para compreensão da realidade educacional dos primeiros anos republicanos, pois esse contexto de descentralização permitiu que no âmbito dos estados e municípios, fossem gestadas formas próprias de organização da instrução pública. No início da República, a descentralização político-administrativa e o federalismo repercutiram no campo educacional, sobretudo na educação primária:

O debate nacional sobre educação pública no período republicano, permeado pelas categorias centralização e descentralização, reverberou no âmbito local, visto que, em várias localidades do País, a municipalização da educação primária e seus efeitos deveriam seguir o mesmo princípio: o ensino primário ficaria mais a cargo do município do que do estado, embora dividisse com este a responsabilidade pela oferta do mesmo. (FERREIRA; CARVALHO; GONÇALVES NETO, 2016, p. 115).

As instâncias municipais possibilitaram, em suas condições históricas específicas, atuarem na promoção e organização do ensino público, formulando propostas e empreendendo ações em prol da instrução pública regional e/ou local. Apesar da República nascer acompanhada da crença no poder regenerador da educação, dentro do princípio da descentralização, a responsabilidade pela difusão da escolarização e organização do ensino público ficou a cargo dos estados e municípios. (GONÇALVES NETO; CARVALHO, 2015).

Essas transformações, observadas sobretudo na Primeira República, encetaram neste contexto a crença no progresso, bem como os anseios de modernidade, ou seja, a educação passava a ocupar lugar de destaque nos projetos políticos de então, mesmo que estivessem circunscritos muito mais na esfera retórica do que numa efetiva materialização dos debates levados a cabo pelas lideranças políticas em prol da educação. A condição atribuída à educação escolar, como referência e condição para o progresso da nação, se dava em função da crença de que a mesma seria um elemento indispensável ao progresso civilizatório:

Como se vê, a educação era o elemento usado para amalgamar o novo tempo de modificação, eixo norteador de legitimação dos preceitos da classe dirigente, instrumento viabilizador de um processo civilizatório que busca formar o cidadão para uma sociedade “democrática” de direito nos moldes do liberalismo. (CARVALHO; CARVALHO, 2012, p. 46).

Dada à centralidade da educação escolar no contexto da Primeira República, cumpre analisar suas implicações no cenário mineiro e, mais especificamente, na realidade municipal, lócus privilegiado de organização da instrução pública àquele tempo. O estudo do local adquire relevância, uma vez que, no contexto de descentralização educacional do início da República, os municípios, respondendo localmente à lacuna deixada pelas instâncias superiores, assumiram parte dessa responsabilidade, atuando como promotores e organizadores da educação em seus domínios.

Ao analisarmos o processo de organização da educação em nível local, estamos tratando também do movimento de organização da instrução pública que ocorre no Brasil no início da República. Para se compreender o período em tela, faz-se necessário um olhar atento para as particularidades municipais observadas nesse processo:

Ao se falar de educação em Minas Gerais no início da República, e talvez na maioria dos estados da Federação Brasileira, não se pode pensar num sistema único de ensino, ou num processo que atinja homogeneamente todo o território. Na realidade, o processo é heterogêneo e multifacetado. Existe a ação do Estado e existem as iniciativas complementares dos municípios. Há também omissões nas duas instâncias. Estão presentes, ainda, tentativas de se suprir as ausências de um ou outro. (GONÇALVES NETO; CARVALHO, 2012, p. 21)

O próprio texto constitucional de 1891 confere maior grau de autonomia aos Estados da federação (BRASIL, 1891). O que acaba por promover, também no campo da educação, a descentralização predominante na esfera política. Tão debatida às vésperas da Proclamação, na Constituição Republicana, a educação apenas é mencionada no sentido de sub-rogar a responsabilidade para os entes federados. A Constituição de 1891 se omite em questões importantes ligadas à educação pública primária, possibilitando e condicionando iniciativas descentralizadas de organização da instrução. Os governos estaduais, nesse contexto, assumiram parte dos encargos pela instrução, contando em alguns casos, com a colaboração dos municípios na organização e promoção da educação.

No Estado de Minas Gerais, o primeiro período republicano correspondeu a um processo de organização da educação pública. Logo de início, aprovaram-se leis e decretos que visavam reformar o ensino público primário. O texto constitucional mineiro, diferentemente da carta federal, dispensava maior atenção para a questão educacional, estabelecendo a competência estadual de promover o desenvolvimento da educação pública, bem como de legislar sobre a instrução primária em seus domínios (MINAS GERAIS, 1891). Não obstante, a descentralização, já afiançada em âmbito federal, será levada adiante também no que concerne à legislação estadual. Reproduzindo as prescrições federais, a Constituição Mineira de 1891 atribuiu às câmaras municipais a livre deliberação sobre diversos assuntos, dentre eles a instrução primária.

A responsabilidade pela instrução pública, que já havia sido remetida aos estados da federação, em função dos princípios de descentralização, recai então sobre o poder local. Nesse contexto, coube aos municípios boa parte dos encargos de se promover, organizar e administrar a educação pública em seus domínios. Muito da responsabilidade pelo desenvolvimento da instrução pública estava destinada à administração municipal. As câmaras municipais podiam “operar livremente no campo da instrução pública, criando escolas, contratando professores, fiscalizando atividades, etc.” (GONÇALVES NETO, 2010, p. 198). Isso nos permite considerar que foi na esfera municipal que se desenvolveu grande parte do esforço republicano de organização da instrução pública, sendo significativas as realizações educacionais ocorridas em nível local.

Essa relativa autonomia e certo protagonismo municipal, em matéria educacional, se manifestaram de diferentes formas: na aprovação de leis específicas em sua jurisdição, criação de escolas, contratação e remuneração dos professores, distribuição de material didático, destinação de verbas para o custeio das escolas municipais e, por vezes, também, na forma de reivindicações junto ao governo estadual de ações em benefício da instrução pública municipal. Iniciativas variadas, mas que reforçam a perspectiva da liberdade de ação do poder local no que diz respeito à instrução pública.

Diante da crescente demanda republicana por educação, o poder local passa a decidir e atuar nos assuntos referentes à instrução pública. As limitações orçamentárias do governo estadual reforçavam a sua disposição em compartilhar, ou mesmo transferir as responsabilidades e os encargos da educação pública. “O objetivo do estado era claro: oferecer escolas à população, independentemente de sua origem pública ou privada, estadual ou municipal, leiga ou religiosa.” (GONÇALVES NETO, 2012, p. 39.). A participação das municipalidades nos negócios da instrução não só encontrava amparo na legislação, como atendia aos interesses do governo estadual, que buscava dividir os gastos com a instrução pública.

Essa ação educativa do poder municipal tem sido por nós analisada à luz da concepção de “município pedagógico” (MAGALHÃES, 2014; 2015; GONÇALVES NETO; CARVALHO, 2012; 2015; CARVALHO; CARVALHO, 2012). Trata-se de uma categoria da historiografia educacional que concebe que o município, não somente como entidade político-administrativa, mas também como um território pedagógico. Tal situação é possibilitada em razão da presença de uma legislação descentralizadora, que remete ao poder local a organização e promoção da instrução primária. Faz referência à possibilidade e capacidade do poder local de organizar e definir contornos próprios para a instrução municipal, num determinado contexto de descentralização que permite a sua manifestação. Diz respeito às variadas iniciativas empreendidas no âmbito dos municípios no sentido de fomentar e organizar a instrução pública em seus domínios.

Nesses termos, o município constitui-se enquanto instância de decisão e ação em matéria de educação, configurando formas próprias de organização e administração do ensino público, uma “oferta educativa própria”, conforme conceitua Magalhães (2015). Desse modo, análises com foco no nível local podem contribuir de forma significativa para ampliar a compreensão acerca do processo de organização da instrução pública ocorrido nos primeiros anos da República.

Em Minas Gerais, por exemplo, entendemos que existia uma espécie de complementaridade de esforços entre estados e municípios na organização e oferta da instrução pública. Ou seja:

A responsabilidade pela educação passa, tacitamente, para o âmbito dos estados e estes, quando possível, como em Minas Gerais, repassam parte da incumbência aos municípios. E isso estimula ou permite a concretização do estamos chamando de município pedagógico, pois este, não tendo a quem repassar obrigação e lidando diretamente com as demandas dos cidadãos, acaba por assumir a educação e a organizá-la dentro dos seus limites. (GONÇALVES NETO; CARVALHO, 2015, p. 13).

Não é somente pela elaboração de leis educacionais, contratação e pagamento de professores, ou pela criação e manutenção de escolas que o poder municipal desempenha este protagonismo educacional, mas pela responsabilização a que estava sujeito. Nos primeiros anos da República, “o poder local esteve em condições institucionais de assumir uma atitude que caracterizamos como município pedagógico, sendo até estimulado pelo poder estadual, que não conseguia se desincumbir positivamente de sua responsabilidade educacional para com o povo mineiro.” (GONÇALVES NETO, 2012, p. 41).

Daí a importância de se estudar o processo de organização da instrução pública na instância local, bem como suas relações com as discussões estaduais e nacionais. Numa mudança de perspectiva, o município deve ser concebido enquanto objeto historiográfico. Para Carvalho e Carvalho (2012), “é possível articulá-lo com a política nacional/global sem se perder de vista o local” (p. 68). A realidade educacional municipal possui características próprias, que podem corroborar ou mesmo contradizer processos educativos mais amplos nos quais se insere.

A Câmara Municipal de Uberaba e as concepções de educação.

Antes de passarmos para discussão das ações educativas empreendidas pela Câmara Municipal, é necessário fazer uma breve caracterização do município analisado. O núcleo urbano de Uberaba acenava com centralidade no âmbito de uma região então denominada Sertão da Farinha Podre, que abrangia àquele tempo a extensão territorial que atualmente concebemos como Triângulo Mineiro. Na transição do Império para a República, a cidade correspondia a um dos principais municípios da região e, também, do interior do Brasil. Figurava como centro comercial, cultural e de acesso a serviços públicos. (LOURENÇO, 2010).

Além de centro urbano, Uberaba acenava também com importância em termos educacionais na região. Relatos de um memorialista local esboçam um panorama da instrução municipal àquele tempo:

Possui diversos colégios de instrução para alunas, e também diversos para alunos em muitas partes. Grande número de escolas primárias estaduais e municipais para ambos os sexos. Uma escola normal com o ensino suspenso; um seminário. Um colégio regido por Irmãs Dominicanas para instrução de meninas, ao qual o Gôverno Estadual concedeu a faculdade de escola normal, frequentada por cêrca de 300 alunas, grande número das quais recebem ensino gratuito. Um colégio para educação de meninos que destinarem à matrícula em cursos superiores, regido pela Congregação de Irmãos Maristas, ao qual o Gôverno Federal concedeu ser equiparado ao Ginásio Nacional. Teve até há pouco tempo um Instituto Zootécnico, no qual oito estudantes concluíram o curso regulamentar, e receberam o diploma de engenheiro-agrônomo. (SAMPAIO, 1971, p. 132).

Haviam escolas primárias estaduais, municipais e particulares, além da oferta de ensino secundário, dentre as quais podemos destacar a existência de importantes instituições de ensino confessional como o Ginásio Diocesano e Colégio N. S. das Dores. A se considerar este expressivo número de escolas existentes, sejam elas, particulares, confessionais ou públicas (municipais e estaduais), podemos inferir que a cidade de Uberaba, passava por um processo de organização e de difusão da instrução primária ao final do século XIX e início do século XX.

O município de Uberaba, nos primeiros anos da República, era composto por quatro distritos: o da sede cidade; o de Nossa Senhora da Conceição das Alagoas (Garimpo); Nossa Senhora das Dores do Campo Formoso e São Miguel do Verissimo (CAPRI, 1916, p. 41). Nos dias atuais, estes distritos correspondem a municípios vizinhos de Uberaba: Conceição das Alagoas, Campo Florido e Veríssimo, respectivamente.

Importante esclarecer que, nesse período, o distrito era a base da organização administrativa do estado de Minas Gerais:

Os legisladores mineiros tomavam em alta conta não apenas o princípio da autonomia municipal, mas também, e talvez com maior ênfase, o da descentralização do poder. Não se limita a jurisdição administrativa apenas aos municípios, num processo de reconhecimento de sua importância histórica, mas a mesma é estendida aos distritos, que passam a ser a “base da organização administrativa”. Assim, o município passa a ter um formato em alguns aspectos semelhante ao dos estados, como uma espécie de “federação” de distritos. (GONÇALVES NETO, 2012, p. 34-35).

Conforme destacado, a descentralização política e administrativa, que deriva em boa parte do federalismo e das prescrições nesse sentido presentes na Constituição Federal, é reforçada na organização do estado de Minas Gerais. O município nessa conjuntura detinha autonomia, mas era ainda composto pelos distritos: unidades territoriais e administrativas menores, que também correspondiam a instâncias de decisão e de ação, política e educacional.

Essa organização administrativa e educacional descentralizada é percebida também quando analisamos as Atas da Câmara Municipal de Uberaba. Havia vereadores eleitos para cada um dos distritos: os chamados vereadores especiais. Eles geralmente apresentavam projetos de lei e demandas referentes ao distrito que representavam. Além disso, a Câmara Municipal realizava também eleições em cada um dos distritos do município para os cargos de Juiz de Paz, e membros dos Conselhos Distritais e dos Conselhos Escolares.

Os Conselhos Escolares atendiam a uma prescrição estabelecida pela reforma estadual do ensino primário ocorrida em 1892 (Reforma Afonso Pena). Apesar de aparentemente centralizadora, por concentrar a administração e fiscalização do ensino como função do Presidente do Estado, em uma análise mais acurada, esta reforma demonstra “a preocupação por parte do legislador em descentralizar o ensino” (MOURÃO, 1962, p. 24). A Reforma Afonso Pena atribuía boa parte da responsabilidade pela instrução a órgãos regionais ou locais, como os Conselhos Escolares Municipais e Distritais.

Considerados por Mourão (1962) como “dispositivos característicos da descentralização do ensino” (p. 25), os Conselhos Escolares Municipais eram compostos por cinco membros eleitos. O presidente do conselho era eleito pelos demais membros e desempenhava também a função de inspetor municipal. Além disso, havia os conselhos escolares distritais:

Os próprios distritos tinham os seus “Conselhos escolares distritais”, cujos três membros eram também eleitos. Estes elegiam o presidente que seria o inspetor distrital. As atribuições desses conselhos, nos distritos era a mesma dos conselhos municipais, nos municípios. (MOURÃO, 1962, p. 26).

Existia ainda, nos povoados menores, a figura de um delegado do inspetor municipal ou distrital, conforme a jurisdição a qual estavam subordinados. De um modo geral, ambos conselhos atuavam na fiscalização da instrução pública local. O que nos permite vislumbrar o grau de descentralização administrativa e educacional observada em Minas Gerais e seus municípios no início da República.

Em Uberaba, era a Câmara Municipal que conduzia os procedimentos de eleição dos membros dos Conselhos Escolares de cada um dos distritos que compunha o município. No ano de 1895, por exemplo, a Casa procedeu uma eleição de Conselheiros Escolares. Vejamos o que foi registrado pela secretaria da Câmara a respeito do primeiro caso:

Acta da sessão ordinaria em 2 de julho de 1895. No mesmo acto foi apresentado e lido um officio do Presidente e um membro do Conselho Escolar deste mesmo districto, Dr. Ramiro Antonio Silverio, comunicando as vagas no mesmo Conselho pela mudança do membro Antonio de Souza Guimarães e renuncia do Vice-presidente Cap. Carlos Baptista Machado afim de se proceder de conformidade com a lei a eleição de seus substitutos. E tomando a Camara em consideração procedeu a respectiva eleição entre os membros presentes, verificando-se terem sido unanimemente eleitos para esse fim os cidadãos: Te. Galdino Antonio da Silva e Alfredo dos Santos, os quaes deverão sêr officiados para comparecer na sessão do dia 10, ao meio dia, para tomarem posse e entrarem em exercicio do referido cargo. (Atas da CMU, 1895, Livro 3, p. 190).

Ainda sobre nomeações de Conselheiros Escolares, no ano de 1896, em Sessão ordinária do dia 05 de maio, na Ordem do dia:

Pelo snr. Presidente foi declarado que havendo quatro vagas no Conselho escolar municipal desta cidade convinha que a Camara elegesse o pessoal que preenchesse essas vagas em face do art. 151 § 1º do decreto nº 655 de 17 de outubro de 1893. Deliberou a Camara que ficasse marcado o ultimo dia desta sessão ordinaria para eleição do referido preenchimento das vagas existente no referido Conselho Escolar. (Atas da CMU, 1896, Livro 3, p. 203).

O Decreto nº 655 de 1893, citado no documento, regulamentava a organização da instrução primária em Minas Gerais, e estabelecia as normas e procedimentos a serem observados na eleição dos Conselhos Escolares Municipais e Distritais. Definia, ainda, os termos e a sistemática de seu funcionamento. Conforme determinações constantes dos artigos nº 152 a 154 do referido decreto, aos conselhos escolares incumbiam atribuições diversas: a inspeção das escolas públicas e particulares; o recenseamento escolar e organização de estatísticas do ensino; zelar pela frequência dos alunos; garantir o cumprimento do regulamento; organizar o fundo escolar municipal para subsidio dos alunos pobres; além de atuar de forma propositiva sugerindo a criação de novas escolas ou outras medidas que contribuíssem com o desenvolvimento da instrução. (MINAS GERAIS, 1894, p. 451-455).

A existência dos conselhos escolares municipais e distritais, com atribuições específicas, sinaliza que havia - no âmbito do Município e as Câmaras eram responsáveis pela elaboração dos princípios normativos que regulamentavam o processo educacional -, normas e iniciativas que visavam organizar a instrução pública. Além disso, demonstra o caráter descentralizador da organização educacional instituída no estado, tendo em vista a importância dada aos poderes locais na condução dos assuntos referentes à instrução pública e sua participação no processo de difusão e organização do ensino.

Analisando a própria configuração da legislatura uberabense, com especial atenção para a forma de organização do trabalho legislativo, a partir das Comissões instituídas pela Câmara, podemos situar quais eram os objetivos e as esferas de atuação do poder municipal. As Comissões eram órgãos colegiados compostos pelos próprios vereadores, eleitos ou indicados entre si. Tinham por finalidade discutir e votar as propostas de leis que eram apresentadas pelos dirigentes locais. Atuavam emitindo pareceres sobre os temas de sua competência, antes de o assunto ser posto em votação pela Câmara. Por outro lado, é importante sublinhar que nas legislaturas analisadas (1895-1905), identificamos com frequência a presença de uma Comissão específica para tratar dos assuntos relacionados à instrução pública, o que denota a importância atribuída ao tema pelo poder político local.

Os dirigentes municipais demonstravam grande apreço com a causa da instrução pública. Nas discussões promovidas pela Câmara Municipal, vários são os momentos em que sua importância é enaltecida e reivindica-se o seu fomento. Ilustra bem o valor atribuído à educação, um trecho extraído de uma ata do ano de 1898. Na Sessão Ordinária do dia 4 de julho, o vereador Theophilo Vasconcellos consigna um pedido para que fosse criada uma escola municipal no local denominado “Posto do Cemitério”, Distrito de Dores do Campo Formoso. Ciente de que a verba da instrução pública estava esgotada, o vereador solicita que a futura escola fosse mantida com auxílio da verba “socorros públicos”, e justifica da seguinte forma o seu pedido:

O autor da indicação acima, tomando a palavra demonstrou quão util será um estabelecimento de instrucção no logar de que se trata, pois que dista muito de povoações onde a infancia falta de recursos poderia ir beber as luzes benéficas da intrucção. Ponderou que de nenhum outro modo será tão bem applicada a verba - socorros publicos, porque, socorrer a infancia com a instrucção é dar-lher o verdadeiro pão do espirito. Disse que aquelle logar é ponto de refugio de criminosos deste e do visinho estado de S. Paulo, portanto, necessario é por um dique aos máos ensinamentos e máos exemplos e esse dique será a instrucção. (Atas da CMU, 1898, Livro 3, p. 266).

A escola pública, na fala do vereador, tem caráter salvacionista, a ponto de justificar seu enquadramento na verba “socorros públicos”. A educação seria o “pão do espírito”, o elemento civilizador da sociedade. Em outro momento, no Expediente do dia 19 de janeiro de 1903, temos uma indicação do vereador Antônio Zeferino dos Santos:

allegando que os habitantes da Fazenda da Cana Brava, Districto de Conceição das Alagôas, muito necessitam de uma escola para educação de seus filhos, que, faltos de recursos, se vêem privados desse benefício, pelo que indicava que fosse convertido em lei o projecto que offerecia a consideração da Camara.” (Atas da CMU, 1903, Livro 4, p. 109).

Mais uma vez temos a representação da escola e da educação como “benefício”, do qual a população local muito necessitava e encontrava-se privada. Nestes termos, à instrução pública atribui-se um caráter de necessidade política e social. Ponderações que de certa forma encontram ressonância em aspectos do ideário educacional republicano.

A educação escolar era também valorizada por parte da população local, que por vezes intercedia junto ao poder público municipal cobrando maiores oportunidades de acesso à educação mediante a criação de escolas nos bairros e nos distritos, tendo em vista a omissão da ação estadual que não conseguia atender à crescente demanda por instrução primária. Conforme registrado, no ano de 1898, em Ata da Sessão ordinária de 5 de maio: “Foi lida uma representação assignada por diversos habitantes do bairro denominado Lageado, scientificando a esta Camara a falta de que se ressente aquelle bairro de uma escola para ambos os sexos.” (Atas da CMU, 1898, Livro 3, p. 264). Semelhante a esta, no ano de 1902, outra representação foi apresentada pelos próprios cidadãos:

Acta da sessão ordinaria em 3 de abril de 1902. Expediente. Veio a mesa e foi lida uma representação firmada por vinte e um cidadãos residentes no Alto das Mercês, na qual fasendo ver a necessidade de uma escola que tem aquelle augmentado bairro, pedem a Camara a creação de uma escola primaria para ali e apresentam para seo professor o cidadão Simplicio Pinto da Silva. Teve o despacho - A Comissao de Intrucção Publica para elaborar o seo pararecer. (Atas da CMU, 1902, Livro 4, p. 74).

Na Sessão do dia seguinte, o projeto apresentado pelos moradores do Alto das Mercês, após ser analisado pela Comissão de Instrução Pública, foi prontamente atendido. Criou-se uma escola primária do sexo masculino no referido bairro, ficando o Agente Executivo Municipal, na falta de verba própria, autorizado a fazer as operações de crédito necessárias para o custeio da escola. Registros como estes nos permitem perceber que a valorização da educação era concepção partilhada não somente pelos vereadores, mas também por parte da população, que estava igualmente interessada na obra de difusão da instrução pública.

Ações e proposições à organização do ensino público primário em Uberaba.

No que tange propriamente às ações protagonizadas pela Câmara Municipal de Uberaba no campo da educação, conforme análise dos documentos, percebe-se que a municipalidade irá desenvolver iniciativas de diferentes ordens, que corresponderam a tentativas do poder público em organizar a instrução no município. Exemplares a esse respeito são os projetos de lei que foram aprovados no período. Um deles criava o cargo de Inspetor Escolar Municipal Ambulante:

Foi apresentado pelo vereador Astolpho de Vasconcellos um projecto sobre a creação de um Inspector Escolar Municipal Ambulante. Posto em discussão foi approvado e submettido à Commissao de instrucção publica. (...) Em segundo o da Commissao de instrucção publica dando parecer que seja approvado e transformado em lei o projecto sobre a creação do Inspector Escolar Ambulante, o qual foi approvado. (...) Acta da sessão ordinaria em 27 de novembro 1896. Entrou em 3ª e ultima discussão o projecto sobre a creação de um Inspector Ambulante Municipal. Posto em discussão e votação foi unanimemente approvado, subindo à sancção. (Atas da CMU, 1896, Livro 3, p. 218-218v.).

Fazemos a ressalva de que nos anos seguintes de atividade legislativa não se tem nenhum registro quanto à efetivação desta lei, nem mesmo qualquer menção sobre atividades desenvolvidas ou requerimentos feitos pelo Inspetor Ambulante Municipal. Mas o fato de sua proposição em si, já demonstra ao menos uma preocupação por parte do poder local quanto à fiscalização do ensino municipal.

A fiscalização do ensino volta a ser tema das discussões municipais novamente no ano de 1912, quando a Câmara aprovou uma nova lei criando um serviço de inspeção escolar municipal mais organizado, que definia inclusive quais seriam as atribuições do Inspetor Municipal. Conforme texto da Lei n° 270 de 1912, que criava o cargo de Inspetor Escolar Municipal, tratava-se de cargo de confiança do Agente Executivo, ou seja, nomeado por sua indicação, a quem competia as seguintes atribuições:

Art. 3º. Ao inspector municipal compete: a) Apresentar à Camara Municipal no fim de cada visita as escolas, relatorio circunstanciado do desenvolvimento do ensino, suggerindo medidas indispensaveis para melhorar suas condições, e informando sobre a capacidade moral e intelectual de cada um dos professores; b) Visitar, pelo menos duas vezes por anno, as escolas, demorando-se em cada uma delas o tempo necessario para bem ajuizar das suas condições; c) Prestar ao governo municipal as informações que lhe forem exigidas em relação aos professores e às escolas municipais; d) Propor à Camara a creação de novas escolas, em local que julgar mais conveniente e lembrar medidas convenientes a bem do ensino; e) Certificar a frequencia dos professores dos districtos e da séde do município; f) Abrir, numerar, rubricar e encerrar os livros das escolas municipais; g) Promover a estatistica escolar. (APU, 1912, Livro de Leis da CMU.).

A lei em questão é bem específica quanto às atribuições do Inspetor Escolar Municipal, revelando que existia não somente uma preocupação do poder público municipal em promover e organizar o ensino, aumentando a oferta de educação primária. Mas também preocupações propriamente pedagógicas e administrativas: quanto às condições e ao desenvolvimento do ensino ministrado nas escolas municipais; aspectos relacionados à fiscalização dos professores, como a verificação de suas capacidades; e questões administrativa como controle de frequência, a estatística escolar e os livros de escrituração escolar. Podemos dizer que a referida lei demonstra uma das maneiras como o município de Uberaba, possibilitado por um contexto de descentralização do ensino, atuava não somente como instância administrativa, mas constituía-se enquanto “município pedagógico”.

Além de discussões e decisões cotidianas no campo da instrução, a Câmara Municipal se empenhava em promover ações que buscavam propriamente conferir maior organização à educação do município. Projetos específicos e detalhadamente propostos foram idealizados pelo poder municipal, indicando um interesse da municipalidade em planejar e organizar a instrução pública. No ano de 1897, por exemplo, em Sessão Extraordinária dedicada a tal fim,

O sr. Presidente anunciou à Camara de que achava-se na mesa um projecto de lei para ser lançado um emprestimo, assim como antemão, a compra de um predio para nele ser instaladas escolas municipaes de instrucção publica e estabelecimento de um Liceu de Artes e Officios.” (Atas da CMU, 1897, Livro 3, p. 229).

Pela proposta, a Câmara Municipal de Uberaba iria contrair um empréstimo de trinta contos de réis, que seriam destinados à aquisição de um prédio que teria a seguinte finalidade: “§ único. Esta quantia será destinada a definição de um predio para nelle funccionar as diversas aulas municipaes desta cidade, e para creação de um Liceu de Artes e Officios.” (Atas da CMU, 1897, Livro 3, p. 229).

A lei supra pode ser entendida como uma tentativa do poder local no sentido de dar maior organização à instrução pública municipal. Com a reunião das escolas municipais, passando a funcionar em único prédio, destinado exclusiva e especificamente para este fim, tencionava-se a melhoria das condições materiais das escolas mantidas pela Câmara, bem como um melhor aproveitamento dos recursos públicos despendidos com a manutenção das mesmas. Apesar de sua proposição e aprovação, não encontramos na documentação analisada nenhum registro que confirme o funcionamento deste prédio ou mesmo do Liceu de Artes e Ofícios, o que nos leva a acreditar que tais medidas se inserem no rol de iniciativas idealizadas, mas não concretizadas pelo poder público. Projeto de lei semelhante é aprovado pela Câmara Municipal no ano de 1902. Conforme Ata da Sessão ocorrida em 07 julho:

A Camara Municipal desta cidade decreta: Art. 1º No predio que funccionou o Instituto Zootechnico será mantido, à expensas da Camara, e por meio de acções com garantias de juros pela mesma Camara, um Lyceu Modelo. Art. 2º Neste Lyceu leccionar-se-á instrucção primaria e secundaria e tambem noções de artes e officios, etc. (Atas da CMU, 1902, Livro 4, p. 84v.).

Anexo ao Lyceu Modelo funcionaria um “curso de agricultura prática”. Seria também mantido um “pasto Zootechnico” destinado a fornecer animais reprodutores da raça zebuína “a preços módicos”, visando o melhoramento dos rebanhos dos criadores locais. O custeio do estabelecimento seria feito pelos cofres municipais, conforme art. 5º do referido projeto, e o pessoal docente viria a ser contratado e nomeado pela Câmara, conforme determinava o art. 6º.

Assim, como no caso do Liceu de Artes e Ofícios, não é possível pela documentação ter ciência do funcionamento do Lyceu Modelo. Em verdade, outra solicitação feita por um cidadão, já no início do ano de 1903, requerendo a locação do mesmo prédio em que funcionou o Instituto Zootechnico1, nos leva a crer que a proposta também não tenha sido concretizada. Vejamos:

Acta da sessão ordinaria em 8 de janeiro de 1903. Ordem do Dia. Requerimento do cidadão João Naves da Cunha se propondo a alugar o predio em que funccionou o Instituto Zootechnico e suas dependencias, pagando a mensalidade de dusentos mil reis, sob condição de se utilisar de pastos, mattos para faser roças e lenha para vender. (Atas da CMU, 1903, Livro 4, p. 106v.).

Embora nem todas as medidas propostas tenham se concretizado, a sua discussão e proposição por parte da Câmara Municipal demonstra o interesse da municipalidade para com a causa da instrução primária. Denotativo de que o município, nesse contexto, configurava-se como instância de idealização e decisão em matéria de educação. Caracterizando, assim, uma ação autônoma do município no que diz respeito à instrução pública.

A Câmara Municipal ainda desenvolveu outras ações no campo da educação. Era comum, por exemplo, o auxílio do poder público à educação particular do município. Não que isso ocorresse sem questionamentos. Entretanto, como já tratado anteriormente, o interesse estava em se ampliar ou manter as oportunidades de acesso à educação primária, quer fossem elas públicas ou privadas, estaduais ou municipais, confessionais ou laicas.

Vejamos um requerimento consignado na Ata da Sessão ordinária de 06 de maio de 1903, em que um particular solicita o auxílio da Câmara para sua escola:

Requerimento do Rvm. Padre Celedonio Mateo de S. José pedindo um auxílio não inferior a setecentos mil reis, para occorrer despesas com livros e outros utensílios escolares que lhe é necessário dispor com alunos pobres que freqüentam sua escola que é gratuita, na qual distribui ensino a cento e sete meninos. (Atas da CMU, 1903, Livro 4, p. 122v).

A escola, de caráter confessional e particular tem seu pedido aprovado pela Câmara, que aprova o pagamento no valor de quinhentos mil réis, conforme constam nos registros da casa. Igualmente, em Sessão do dia 15 de setembro do mesmo ano, vem à mesa solicitação do “Sñr Irmão Gandulpho pedindo auxilio de quatro contos para ocorrer as despesas com esgottos e captação de águas ao serviço do Collegio que dirige.” (Atas da CMU, 1903, Livro 4, p. 129). No entanto, desta vez o pedido foi negado pela Câmara, que justificou da seguinte forma:

julga injusto o auxilio de 1:500 000 ao Collegio Uberabense por ser um estabelecimento particular e que aufere lucros não pequenos e que não dá ensino gratuito a meninos pobres, acrescendo que a Camara não deve proporcionar serviços de agua e exgottos a particulares quando a cidade não o tem. (Atas da CMU, 1903, Livro 4, p. 136).

Já outras iniciativas, demonstram a colaboração entre poder público municipal e estadual no desenvolvimento da instrução pública. Conforme destacado, a ação do estado e do município eram complementares na oferta de educação primária. A Lei Municipal nº 204 de 1907 é um indicativo disso, pois a Câmara autorizava o fornecimento de mobília às escolas estaduais dos distritos de Veríssimo, Dores do Campo Formoso e Conceição das Alagoas (APU, 1907). Podemos destacar, ainda, a Lei nº 222, aprovada no ano de 1908, que tratava da construção do prédio para instalação do Grupo Escolar da cidade, que seria custeada por verbas municipais: “Autorisa o Agente Executivo a chamar concorrentes para a construcção do predio destinado ao funcionamento do Grupo Escolar que o Governo do Estado projecta criar nesta cidade.” (APU, 1908). Além de fazer o chamamento público para concorrência, a lei definia em seu artigo 3º que: “As despesas com a construcção e adquirição do terreno correrão por conta da verba Obras Publicas.” (APU, 1908). Ações desta natureza, de colaboração entre governo estadual e município, demonstram que, a princípio, interessava prioritariamente àquele momento ampliar a oferta de educação primária, frente à crescente demanda por instrução.

Nomeação e remuneração dos professores

Àquele tempo competia à Câmara realizar as nomeações, transferências e o pagamento dos professores das escolas municipais. Um projeto de lei aprovado pelos vereadores, em 1902, atribuía competência exclusiva à Câmara Municipal no que diz respeito à nomeação e demissão dos professores municipais. Vejamos sua redação, conforme Sessão Ordinária em 06 de novembro de 1902:

Projecto de Lei - A Camara Municipal por seus vereadores decreta: Art. 1º A nomeação e demissão de professores municipaes, quer definitivos quer interinos, competem exclusivamente à Camara Municipal; Art. 2º Ficam revogados o art. 1º da lei municipal nº 9 de 5 de maio de 1893 e todas as disposições em contrário. (Atas da CMU, 1902, Livro 4, p. 102v.).

Além de ser a responsável pela contratação dos professores, tendo definido em lei a competência exclusiva para tal, a Câmara Municipal também se encarregava das despesas referentes aos pagamentos dos docentes das escolas municipais. No ano de 1901, veremos que logo na primeira Sessão Ordinária do ano, em 11 de janeiro, foi aprovado projeto de lei que tratava sobre o pagamento dos professores. Conforme artigo 2º do referido projeto: “Fica o Agente Executivo Municipal authorisado a dispender pela verba - eventuaes - ate a quantia de duzentos mil reis com o pagamento de ordenados de professores municipaes.” (Atas da CMU, 1901, Livro 4, p. 24-24v.). Nesse mesmo mote, era a Câmara Municipal que deliberava sobre questões como: concessão de aumento nos ordenados de professores, licenças e atestados para tratamento de saúde.

Outro documento disponível no acervo do Arquivo Público de Uberaba contém um levantamento das nomeações de professores realizadas pela Câmara Municipal. Analisando este arquivo podemos perceber que a nomeação dos professores municipais era formalizada mediante “portarias” publicadas pela Câmara. Sendo possível fazer um levantamento do número de nomeações efetuadas no período compreendido entre 1902 a 1912:

Quadro 1 Nomeações e professores municipais (1902-1912) 

Ano Nomeações de professores por Portaria
1902 07
1903 -
1904 -
1905 01
1906 02
1907 -
1908 03
1909 02
1910 16
1911 29
1912 46
Total 106

Fonte: Livro de nomeação de professores municipais (APU, 1938).

Após a proposição da lei que dava competência exclusiva para Câmara na contratação dos professores municipais, foram realizadas pela municipalidade 106 nomeações. Importante ressalvar que não se tratam de 106 professores diferentes e que foram nomeados pela Câmara ao longo desse período. Ocorria que um mesmo professor era nomeado várias vezes: em anos diferentes ou mais de uma vez no mesmo ano. Um indicativo de que havia muita inconstância no ofício de professor, sendo os mesmos, nomeados, demitidos ou transferidos com frequência.

As indicações e transferências de professores de uma escola para outra também eram demandas recorrentes na Ordem do dia, correspondendo a mais uma atribuição da Câmara Municipal. Como pode ser visto no registro da ata da Sessão ordinária do dia 24 de novembro de 1897, quando: “Foi apresentado mais uma indicação do Snrs. Vereadores Antonio Silverio e Carlos Machado, propondo para professor da escola creada na Fazenda das Alagôas o cidadão José d’Assis Junior, ficando a nomeação a cargo do Agente Executivo Municipal.” (Atas da CMU, 1987, Livro 3, p. 242). Ou no ano de 1902, em que se registra em ata o fato de ter a Câmara Municipal realizado algumas nomeações e transferências de professores:

Acta da sessão ordinaria em 04 de setembro de 1902. (...) transferio o professor da escola dos Pintos, cidadão João Pimentel de Ulhôa, digo, transferio o professor da escola dos Pintos, cidadão Manoel de Almeida, que o pedio, para a escola ultimamente creada no Veadinho, nomeando para substituil-o inteirinamente naquella o cidadão João Pimentel de Ulhoa; nomeou igualmente e inteirinamente a Exma. Snra. Ambrolina Meirelles de Assumpção, para ocupar a cadeira, digo, escola creada ultimamente para o Alto do Fabrício nesta cidade. (Atas da CMU, 1902, Livro 4, p. 89v-90).

Em 25 de janeiro de 1904, em Sessão ordinária da Câmara, é relatada a seguinte discussão que é posta em votação e deliberação por parte dos vereadores: o cidadão Benedicto Alves Moreira, então professor efetivo da Fazenda da Baixa, solicita junto ao município licença para tratamento de saúde pelo período de um ano, apresentando para isso um atestado médico comprovando a necessidade do afastamento. Submetida à consideração da Casa, foi a demanda unanimemente aprovada. Em seguida, conforme consta da documentação, por indicação de um dos vereadores é proposta a nomeação do cidadão José Pereira da Silva, para ocupar interinamente o cargo de professor da referida escola, sendo igualmente aprovada a indicação. Percebe-se que competia a própria Câmara tratar dos assuntos referentes aos professores municipais, isso ocorria em função da autonomia que esta detinha referente aos negócios da instrução pública.

Os professores municipais também faziam seus próprios requerimentos junto à Câmara Municipal, demandando, sobretudo, o aumento de vencimentos, solicitando gratificações ou cobrando ordenados em atraso. Esta última o que parecia ser uma situação constante, dada à precariedade das finanças municipais àquele tempo. Como demonstra o pedido feito pelo professor municipal Joaquim Flavio de Lima: “Acta da sessão ordinaria em 04 de julho de 1904. Requerimento do Snr. Joaquim Flavio de Lima, professor municipal desta cidade, pedindo pagamento de seus ordenados de quatro mezes.” (Atas da CMU, 1904, Livro 4, p. 155v.). O professor cobra da Câmara o pagamento de seus vencimentos, que estavam em atraso há mais de quatro meses. Este mesmo professor ainda representou junto aos vereadores outras duas vezes, solicitando aumento em sua remuneração nos anos de 1902 e 1905. Ainda, tratando dos requerimentos feitos por professores junto à Câmara Municipal, na ata da Sessão do dia 5 de novembro de 1899, temos que:

Foi lido um requerimento da Snrª D. Laurinda Augusta de Moura, professora da escola mixta municipal desta cidade em que pede uma gratificação a título do serviço em demasia que prestou como professora da referida escola, com uma frequencia de alumnos no mez de Nov. do corrente anno, de 59, que continuadamente frequentou a escola, como demonstram pelos mapas. À Commissão de finanças. (Atas da CMU, 1899, Livro 3, p. 291v-292).

Apresentado o pedido à Comissão de Finanças, achando razoável a petição da suplicante, deu-lhe parecer para que fosse concedida a gratificação de duzentos mil réis, a ser entregue no próximo exercício administrativo. Observação a ser feita, que a mesma requerente, a professora D. Laurinda Augusta de Moura, replica a solicitação de gratificação por acúmulo de serviços, nos anos de 1900 e 1901.

Dessas exemplificações podemos perceber que o professorado municipal enfrentava algumas dificuldades, como atrasos no pagamento e acúmulo de serviços, além de conviver com a falta de valorização, ao menos em termos de remuneração, uma vez que os pedidos por aumento eram recorrentes.

Financiamento da educação pública primária.

A este respeito, para complementar a análise, podemos levar em consideração alguns dados referentes ao orçamento destinado pela Câmara Municipal para as despesas com a educação. O Almanach Uberabense2 foi um periódico municipal em circulação nos primeiros anos da República e que, dentre outras coisas, informava aos interessados sobre as contas públicas municipais. A revista publicava o orçamento aprovado pela Câmara para o ano em exercício, discriminando o quantitativo de receitas aplicado e qual a destinação de cada parcela.

Analisando-se o orçamento municipal no período de 1906 a 1911, com exceção feita ao ano de 1909, verificamos uma tendência de incremento do gasto público com a educação. Em termos percentuais, em relação ao valor total orçado da despesa pública, tivemos os seguintes índices: 1906 - 2,84%, 1907 - 3,12%; 1908 - 3,68%; 1909 - 1,77%; 1910 - 3,90% e 1911 de 7,01% do orçamento total da Câmara. O incremento nos gastos municipais com a educação escolar demonstra o importante papel desempenhado pela iniciativa municipal no processo de organização da instrução pública. Reforçando a concepção de que a municipalidade tinha uma preocupação com a instrução pública e que se esforçou no sentido de promover e organizar a educação municipal.

No período analisado, a exceção ficou por conta do ano de 1909, em que o orçamento municipal destinado à instrução ficou restrito à somente 1,77% do orçamento total, uma redução considerável se comparada a anos anteriores e frente à tendência de aumento até então verificada. No entanto, tal diferença pode ser explicada pelo montante de verba pública que foi destinada, nesse mesmo ano, para o pagamento da construção do prédio do Grupo Escolar a ser inaugurado no município. Os investimentos da Câmara na instrução municipal foram mais modestos no ano de 1909, muito em função dos recursos destinados ao pagamento da construção do edifício para o Grupo Escolar, a ser criado e mantido pelo governo estadual. Tomando por referência os dados compilados, foi possível elaborar um quadro comparativo:

Quadro 2 Orçamento da Câmara Municipal de Uberaba (1906-1911) 

Orçamento
Municipal *
1906 (%)
do Total
1907 (%)
do Total
1908 (%)
do Total
1909 (%)
do Total
1910 (%)
do Total
1911 (%)
do Total
Total do
Orçamento
155:000 141:000 168:500 175:000 200:000 210:000
Instrução 4:400 2,84% 4:400 3,12% 6:200 3,68% 3:100 1,77% 7:800 3,90% 14:720 7,01%
Funcionários
Públicos
25:000 16,13% 24:160 17,13% 21:860 12,97% 35:103 20,06% 29:960 14,98% 40:020 19,06%
Obras
Públicas
20:000 12,90% 12:960 9,19% 12:000 7,12% 14:000 8,00% 54:393 27,20% 23:405 11,15%
Iluminação
Pública
32:000 20,65% 32:000 22,70% 32.000 18,99% 32:000 18,29% 32:200 16,10% 32:300 15,38%
Construção do
Grupo Escolar
* * * * * * 25:000 14,29% 13:500 6,75% * *

* Valores expressos em Contos de Réis

Fonte: Almanach Uberabense (1906 a 1911) (APU).

No entanto, se podemos falar em crescimento dos investimentos municipais na instrução pública, é preciso ao mesmo tempo analisar comparativamente os valores gastos, para não se ter uma falsa compreensão destas questões. É preciso notar, por exemplo, que, apesar de todo o discurso de valorização da educação, a instrução pública não recebia as maiores parcelas do orçamento municipal, longe disso.

Outras naturezas de despesas consumiam a maior parte da verba pública. Vejamos, por exemplo, os números referentes aos gastos com o funcionalismo público. A Câmara Municipal comprometia boa parte de seu orçamento para remunerar um contingente de variado de funções públicas: Secretário, Porteiro, Procurador, Escrivão, Engenheiro, Fiscal, Administrador, Zelador, e o próprio Agente Executivo Municipal. No período analisado, os gastos com o quadro de servidores variaram entre 14,98% a 20,06% do orçamento. Números bem superiores aos investidos na instrução pública, que não alcançavam os 10 pontos percentuais.

Os investimentos em obras públicas também eram maiores que os valores destinados à educação. Nos anos analisados, os empreendimentos desta natureza (construções e reparos de pontes, reforma de ruas e praças), foram superiores às rubricas destinadas à instrução pública. Sendo que, no ano de 1910, chegou a corresponder a 27,20% de todo o orçamento municipal. Nesse mesmo sentido, ainda podemos destacar os valores que eram dispendidos pelo município a fim de custear o serviço de iluminação pública, que tinha custo médio anual que ultrapassava também a marca de 20% do orçamento em alguns anos. Dessa feita, devemos ter a compreensão de que, embora verifica-se um aumento do gasto público com a instrução municipal, os valores destinados a outras naturezas de despesas, demonstram certo grau de incoerência entre o ideário educacional da época e as proposições e ações legislativas.

Comparativamente, podemos retomar a questão das nomeações de professores. Recapitulando, é possível perceber que o aumento no número de nomeações, acompanha esta tendência de crescimento dos gastos públicos com a educação. Com mais recursos disponíveis para investir na instrução pública, o município passou a nomear mais professores, pois tinha mais verba disponível para custear a remuneração dos mesmos. Exemplar a este respeito são os números referentes ao ano de 1911: trata-se do ano com maior percentual de investimento (7,01%) e ao mesmo tempo que corresponde ao segundo ano com mais nomeações (29) na série por nós analisada. Somente em 1912 foram realizadas mais nomeações de professores (46), mas não temos os dados de orçamento disponíveis para este ano.

Podemos ainda tecer outras considerações com base nos dados extraídos das contas públicas do município. Um aspecto interessante pode ser observado quando se analisa a divisão dos valores que eram destinados à instrução urbana e rural. O orçamento era sempre equacionado da seguinte forma: as escolas urbanas recebiam a maior fatia da verba pública, para um menor número de escolas a serem mantidas. O que demonstra a situação privilegiada das escolas urbanas frente ao poder público.

Os dados apresentados corroboram então algumas perspectivas já enunciadas. Por exemplo, de que nos primeiros anos republicanos, Uberaba passou por um processo de difusão e organização da instrução pública. Isto se nota, por exemplo, quando tomamos por base a crescente fatia de verba pública que era destinada à educação escolar. É preciso, no entanto, fazer a ressalva de que tais questões precisam ser vistas com alguma cautela. Primeiramente, pelo fato de que estamos nos referindo apenas a previsões orçamentárias. Desse modo, não podemos afirmar que tais investimentos tenham sido de fato executados e se materializado em práticas concretas de difusão da educação. Apesar disso, é possível reconhecer que o interesse e o entusiasmo republicano pela educação também se observavam no município de Uberaba. E que no processo em questão, de organização da instrução pública, a ação municipal ocupou lugar de destaque.

Criação de escolas primárias no campo e na cidade.

Contudo, em termos educacionais, as ações que mais se destacaram na atividade legislativa da Câmara Municipal dizem respeito à criação, transferência e supressão de escolas. Aspecto frequente do cotidiano, tais assuntos são tratados em atas de várias sessões. O número de escolas criadas pelo poder municipal é representativo do valor atribuído à educação pelos políticos uberabenses, enquanto condição necessária ao progresso e à civilização. Ao longo das legislaturas consideradas por esta pesquisa (1895-1905), foram criadas pela Câmara Municipal, 14 escolas rurais e 10 escolas urbanas. Totalizando 24 escolas criadas pelo poder público municipal no período em questão.

Os registros das sessões nos mostram que as escolas municipais eram criadas nos locais de maior demanda, e com maior clientela a ser atendida, ou seja, maior número de crianças em idade escolar. As escolas rurais eram instaladas em sedes de fazendas ou em núcleos populacionais rurais. Enquanto que as escolas urbanas, seguindo princípio semelhante, eram criadas nos bairros mais populosos da cidade, ou nas sedes dos distritos que compunham o município.

Quanto à tipologia, verifica-se que existia mais de um tipo de escola municipal. Elas se diferenciavam conforme o público a ser atendido. Qualificavam-se em: escolas primárias para o sexo masculino; escolas primárias para o sexo feminino; e escolas mistas, com a coeducação dos sexos. Nem sempre, nos registros de criação das escolas, era informado o tipo da classe que estava sendo criada, mas com base nos casos em que a informação foi citada, percebe-se uma prevalência para a educação masculina, que concentrou boa parte das ações da Câmara Municipal. Uma escola para o sexo feminino, geralmente, só era criada após a existência de uma escola para o sexo masculino na mesma localidade.

No que diz respeito às escolas mistas, estas existiam para que fosse possível atender a um maior número de alunos, demandando, contudo, menor soma de recursos. Este tipo de escola detinha também a preferência do poder público em detrimento das escolas do sexo feminino. Em 1895, por exemplo, mesmo tendo sido aprovada, a criação de uma escola feminina no distrito de Dores do Campo Formoso, na terceira e última discussão do projeto foi proposta uma alteração: “sobre a creação da escola mixta no districto de Dores do Campo Formozo, a qual foi unanimemente approvada, somente com a alteração seguinte, em vez de ser do sexo feminino, ser escola mixta.” (Atas da CMU, 1895, Livro 3, p. 195-195v). Dessa forma, atendia-se um maior número de alunos, de ambos os sexos, com a criação de somente uma escola primária.

Os dados levantados apontam para a criação de um número significativo de escolas no período pesquisado. No entanto, apenas com base nos registros das sessões da Câmara Municipal não podemos afirmar que todas elas tenham de fato chegado a funcionar, ou por quanto tempo tenham permanecido em atividade. As limitações de orçamento da Câmara provavelmente impediram a concretização de muitas destas propostas de criação de escolas, constituindo-se como uma dificuldade na manutenção das mesmas por parte do poder público. A limitação orçamentária era frequentemente mencionada nas atas quando da criação das escolas. Sendo que, por vezes, nas leis de criação de escolas constavam inclusive ressalvas no sentido de que: “Na falta de verba propria o Agente Executivo Municipal fica aucthorisado a faser as operações de credito necessárias para o custeio da escola” (Atas da CMU, 1902, Livro 4, p. 74).

O caráter das escolas criadas também era bastante transitório, conforme revela a análise das atas. A transferência ou supressão das classes era ação frequente por parte do poder público. As transferências eram realizadas em função de motivos diversos, mas, sobretudo, na intenção de permitir o atendimento e a frequência de um maior número de alunos. Enquanto que a supressão de escolas atingia àquelas que não apresentassem a frequência mínima regular. Foram realizadas pela Câmara Municipal, entre os anos de 1895 e 1905, um total de 9 transferências, além de 3 supressões de escolas. A justificativa para estas mudanças tinha teor semelhante ao destacado no fragmento a seguir, da Ata da Sessão Ordinário do dia 07 de novembro de 1895, quando:

Foi apresentada uma indicação do Snr. Vereador especial do districto de Dores do Campo Formoso, Joaquim Lopes da Silva pedindo a transferencia da escola mixta da Fazenda da Jacuba para à Fazenda da Felicidade no mesmo districto, visto ser assim muito mais conveniente por existirem mais numero de alumnos nesta ultima Fazenda. Foi votada e approvada a transferencia. (Atas da CMU, 1895, Livro 3, p. 198).

Assim, como no caso das transferências, as supressões de escolas também levavam em conta a frequência de alunos, e os locais mais convenientes para instalação das escolas municipais. Em 1896, em Sessão do dia 14 de setembro, foi apresentada indicação “um projecto suprimindo as escolas municipaes a saber: a Nocturna desta cidade e a rural da Fazenda dos Corrêas, visto que a muito tempo estão sendo exercidas sem frequencia legal.” (Atas da CMU, 1896, Livro 3, p. 216v.). A falta de alunos regulares justificava a supressão da escola.

Detalhando um pouco mais a análise, outras questões emergem para discussão. É destacável o fato de que as ações da Câmara Municipal se concentraram na difusão do ensino e oferta de educação primária nas áreas rurais do município. Na zona rural foram criadas de 1895 a 1905, mais escolas (14) do que em comparação com ao total de escolas urbanas criadas no mesmo período (10). Além disso, a maior constância nas ações municipais de criação de escolas rurais, sendo 7 delas criadas nos primeiros cinco anos (1895-1900), e outras 7 nos cinco anos seguintes (1900-1905), demonstra que organizar e fomentar o ensino rural era uma das preocupações do poder público municipal àquele tempo.

O que não quer dizer que a instrução pública na área urbana do município não recebesse atenção por parte dos dirigentes municipais. Pelo contrário, as escolas urbanas constituíram também uma preocupação do poder local, demonstrada pelo número significativo de 10 escolas urbanas criadas no período. No entanto, as ações de criação destas escolas urbanas, concentraram-se nos anos de 1901-1905. Nos primeiros cinco anos de atividade legislativa que analisamos (1895-1900), a Câmara criou apenas 3 escolas urbanas, contra 7 escolas rurais criadas no mesmo período.

Um sinal de que, ao menos em princípio, a prioridade da Câmara estava em promover o ensino nas áreas rurais, onde a ação do governo estadual não chegava de modo a atender à crescente demanda por educação primária. As demais escolas urbanas (7) foram criadas nos anos seguintes, possivelmente em razão do processo de crescimento urbano, que também criava uma maior demanda por educação primária não atendida de forma satisfatória somente pelas ações empreendidas pelo Governo Estadual.

Por fim, outro ponto a ser destacado consiste no caráter transitório e inconstante das escolas rurais, quando comparado com a maior estabilidade das escolas urbanas. Todas as transferências de escolas (9) realizadas pela Câmara Municipal dizem respeito às escolas rurais. Além disso, das três escolas suprimidas pela Câmara, apenas uma delas tratava-se de escola urbana. Situação que pode ser explicada pela própria natureza das escolas rurais. Os locais de sua instalação, geralmente em fazendas, em acomodações cedidas pelo proprietário, questões políticas como o favorecimento de oligarcas locais, ou questões relativas à frequência de alunos, eram fatores que contribuíam para a instabilidade e transitoriedade das escolas rurais. O que tornava a transferência de uma escola rural uma situação recorrente nas atas da Câmara.

Considerações finais

Em linhas gerais, podemos destacar que a ação educativa da Câmara Municipal de Uberaba, nos primeiros anos da República, operou-se de variadas formas. O poder local propôs e realizou diferentes iniciativas no sentido de promover e organizar a instrução pública em seus domínios. Nem todas elas chegaram a se efetivar, constituindo-se como medidas não concretizadas. No entanto, a própria existência dessas medidas e proposições é o que confirma a perspectiva de que havia uma preocupação da municipalidade para com a educação.

As Comissões de Instrução Pública constituídas pela Câmara e os Conselhos Escolares, o municipal e os distritais, órgãos locais essencialmente destinados à educação, são o primeiro indicativo nessa direção: de que havia no município um interesse pela educação e um esforço de organização da instrução pública. A Câmara Municipal atuou, por exemplo, instituindo um serviço de inspetoria para fiscalização do ensino municipal, criando e mantendo um número significativo de escolas municipais, contratando e remunerando os professores destas escolas.

Pela análise dos documentos municipais pode-se confirmar a hipótese delineada inicialmente: a Câmara Municipal de Uberaba empreendeu esforços no sentido organizar a instrução pública. Interessava à Câmara ampliar a oferta de instrução primária, frente à crescente demanda pela educação escolar. A instrução, nesse contexto, era valorizada e enaltecida pelos dirigentes locais que, em consonância com o ideário educacional republicano, atribuíam a ela o caráter de instância de civilidade, elemento de progresso e regeneração da sociedade.

Também se observou que a educação municipal possuía contornos próprios, ou melhor, uma singularidade em relação aos demais municípios da região, conforme demonstram os estudos de Gonçalves Neto e Carvalho3. Configurando, de acordo com os conceitos de Magalhães (2015), “uma oferta educativa própria”. Nos primeiros anos da República, o município de Uberaba atuou constituindo uma forma própria de organização e administração da instrução pública. Confirmando assim o entendimento que postula o município não somente como entidade política e administrativa, mas enquanto instância de decisão, idealização e realização em matéria de instrução pública: como “município pedagógico” (MAGALHÃES. 2015).

Numa ambiência de descentralização político-administrativa e de responsabilização da instância local, o município de Uberaba ao início da República irá se constituir enquanto “município pedagógico”, organizando a instrução pública em seus domínios. Nesse sentido, podemos dizer que estamos tratando de um período em que muitas ações foram propostas e/ou concretizadas pela Câmara a fim de promover a escolarização.

Ao final da presente investigação, a partir da análise das particularidades locais foi possível estabelecer relações com processos histórico-educacionais mais amplos, e fazer avançar a compreensão sobre a realidade educacional dos primeiros anos do período republicano no Brasil. Não pretendemos esgotar as discussões referentes à temática, mas contribuir com a historiografia da educação no sentido de ampliar os conhecimentos sobre o papel desempenhados pelos municípios no processo de organização da instrução pública observado no início da República.

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1De acordo com Lourenço (2010), o Instituto Zootécnico de Uberaba foi criado, em 1892, por iniciativa da elite local de fazendeiros, para formação de técnicos de nível superior no ramo agropecuário e zootécnico. O autor destaca, ainda, o vanguardismo da elite agrária uberabense, uma vez que a instituição criada na cidade é anterior às escolas superiores de agricultura criadas em cidades como Campinas, Piracicaba e Lavras, e que os técnicos e criadores locais dispunham de dois periódicos especializados em pecuária e agricultura. (p. 223-225).

2Trata-se de um periódico de circulação local, cuja primeira edição data do ano de 1895, mas somente em 1903 passou a ser publicada regularmente. Versava sobre variedades, cotidiano, literatura, assuntos de interesse público, além de publicar anúncios comerciais diversos. Foram consideradas para o presente estudo as edições correspondentes aos anos de 1906 a 1911, por serem aquelas que contém dados relativos ao orçamento municipal.

3Há um conjunto de estudos desenvolvidos pelos autores que estão devotados à compreensão da realidade educacional mineira, no âmbito da qual, retratam os municípios e a legislação descentralizadora do ensino, o que desvelou as outras fases da constituição do sistema de instrução pública em Minas Gerais, em sua multidimensionalidade, bem com para além das análises macroestruturais. Cf. CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar de & CARVALHO, Carlos Henrique de. O lugar da educação na modernidade luso-brasileira no fim do Século XIX e início do XX. Campinas, SP: Alínea, 2012; GONÇALVES NETO, Wenceslau; CARVALHO, Carlos Henrique de. (Orgs.) O Município e a Educação no Brasil: Minas Gerais na primeira república. Campinas, S.P.: Alínea, 2012. GONÇALVES NETO; Wenceslau; CARVALHO, Carlos Henrique de. (Orgs.) Ação Municipal e Educação na Primeira República no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2015.

Recebido: 16 de Novembro de 2020; Aceito: 09 de Fevereiro de 2021

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English version by Gustavo Luiz Caixeta Siqueira. E-mail: glcsiqueira@gmail.com.

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