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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.20  Uberlândia  2021  Epub Jan 29, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v20-2021-4 

Artigos

A revista Movimento da UNE como objeto e fonte para a História da Educação brasileira

La revista Movimiento de la UNE como objeto y fuente para la historia de la educación brasileña

Carla Michele Ramos Torres1 
http://orcid.org/0000-0001-7670-0909; lattes: 5294956760935866

Maria Isabel Moura Nascimento2 
http://orcid.org/0000-0001-6243-9973; lattes: 9271546918567505

1Instituto Federal do Paraná (Brasil). carla.ramos@ifpr.edu.br

2Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. misabelnasc@gmail.com


Resumo

Esse artigo tem como objetivo analisar a revista Movimento da União Nacional dos Estudantes, especificamente suas publicações entre os anos de 1962 e 1963, com o intuito de apresentar as suas potencialidades de estudo, enquanto objeto e fonte, para as pesquisas em história da educação brasileira. Empregamos a metodologia da análise documental e partimos do pressuposto de que o objeto de investigação histórica deve ser compreendido na sua totalidade, ou seja, a partir das várias dimensões da realidade humana. O periódico Movimento, produzido por uma entidade política-representativa estudantil, propôs ser um canal de disseminação das ideias progressistas que fundamentaram um projeto nacionalista e desenvolvimentista para o Brasil nos anos iniciais da década de 1960 e, por essas características, o impresso passa a ser uma referência significativa aos pesquisadores da área educacional.

Palavras-chave: História da Educação; Imprensa Estudantil; Revista Movimento

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar la revista Movimiento de la Unión Nacional de los Estudiantes, específicamente sus publicaciones entre los años 1962 y 1963, a fin de presentar sus potencialidades de estudio, como objeto y fuente, para las investigaciones en historia de la educación brasileña. Empleamos la metodología del análisis documental y partimos del supuesto de que el objeto de investigación histórica debe ser comprendido en su totalidad, o sea, a partir de las múltiples dimensiones de la realidad humana. El periódico Movimiento, producido por una entidad político-representativa estudiantil, propuso ser un canal de diseminación de las ideas progresistas que fundamentaron un proyecto nacionalista y desarrollista para el Brasil en los años iniciales de la década de 1960 y, por esas características, el impreso pasa a ser una referencia significativa a los investigadores del área educativa.

Palabras clave: Historia de la Educación; Prensa Estudiantil; Revista Movimiento.

Abstract

This article analyzes the Journal Movimento from the National Students´ Union (UNE, in the Portuguese acronym), in particular the publications from 1962 and 1963 aiming to present its study potentialities both as object and source for research about the history of Brazilian education. The research methodology was the documental analysis based on the assumption that the object of historical analysis should be understood in its totality, that is, from the numerous dimensions of human reality. The journal Movimento, produced by a student political representative entity aimed at being a channel for the dissemination of progressive ideas that underpinned a nationalist and developmental project for Brazil in the early 1960s; because of these characteristics, the journal became a meaningful source of reference for researchers in the educational area.

Keywords: History of Education; Student Press; Journal Movimento.

Introdução

Os pesquisadores que têm se debruçado em analisar a educação brasileira e trazer à tona sua história estão cada vez mais ampliando seu universo de fontes e temas. Esse processo possibilitou atenciosos olhares para a imprensa escrita e, desse modo, jornais, folhetins, revistas e boletins informativos produzidos por sujeitos associados aos diversos espaços educacionais se transformaram em fontes primárias e em objetos de investigação. Além da imprensa de educação e de ensino1, outros periódicos direcionados ao grande público e mantidos por instituições das mais variadas finalidades também estão sendo prestigiados.

No âmbito da história da educação, já existe um consenso entre os estudiosos acerca da importância da imprensa como fonte e como objeto, pois, além de possuir uma riqueza de dados, em alguns casos é o único vestígio de reconstrução histórica sobre a organização educacional de determinados indivíduos (OLIVEIRA, 2011). Nesse sentido,

a imprensa é, provavelmente, o local que facilita um melhor conhecimento das realidades educativas, uma vez que aqui se manifestam, de um ou de outro modo, o conjunto dos problemas desta área. É difícil imaginar um meio mais útil para compreender as relações entre a teoria e a prática, entre os projectos e as realidades, entre a tradição e a inovação,...São as características próprias da imprensa (a proximidade em relação ao acontecimento, o carácter fugaz e polémico, a vontade de intervir na realidade) que lhe conferem este estatuto único e insubstituível como fonte para o estudo histórico e sociológico da educação e da pedagogia. (NÓVOA, 2002, p. 31).

Os impressos, quando analisados em sua totalidade2, podem desvelar as ideologias produzidas pelos indivíduos, em distintos tempos e espaços, acerca das condições educacionais que lhes são contemporâneas e, até mesmo, aquelas condições que almejam enquanto ideais no conjunto de suas posições sociais. A imprensa pedagógica “[...] possibilita avaliar a política das organizações, as preocupações sociais, os antagonismos e as filiações ideológicas, as práticas educativas e escolares.” (BASTOS, 2002, p. 173).

No caso dos periódicos estudantis, os estudiosos podem encontrar elementos que auxiliem na reconstrução de uma história da educação brasileira sob a ótica do educando, conhecendo seu universo de relações, de identidades, de resistências, de contradições e, sobretudo, de atuações. Mas é importante ressaltar que a análise realizada pelo pesquisador parte principalmente de seu referencial teórico-metodológico, porque é a perspectiva teórica que permite suscitar as problemáticas e delimitar os objetivos da pesquisa.

A maioria das produções acadêmicas stricto sensu, desenvolvidas nos programas de educação do Brasil vem utilizando a imprensa estudantil como fonte ou como objeto a partir dos pressupostos teóricos da História Cultural. Esses estudos “[...] estão centrados nas reflexões da cultura escolar, história da escrita, leitura e práticas escolares. Já em relação ao método, as pesquisas concentram seus esforços na análise dos conteúdos, da materialidade e do ciclo de vida dos periódicos [...]” (TORRES; NASCIMENTO, 2018, p. 475-476).

Este artigo traz algumas reflexões e apontamentos de uma pesquisa mais complexa que contempla o impresso estudantil Movimento produzido pela União Nacional dos Estudantes (UNE) nos anos de 1962 e 1963. Por meio da análise documental e do pressuposto de que a imprensa na qualidade de expressão ideológica “não é uma representação imaginária desvinculada da realidade, ela se efetiva no interior das relações concretas” (ZANLORENZI, 2014, p. 1), pretendemos contextualizar esse periódico a fim de apresentar as suas potencialidades enquanto objeto e fonte para as pesquisas em história da educação brasileira.

Entre as contribuições destacamos, por exemplo, a exposição de um impresso produzido por uma entidade política-representativa estudantil que propôs ser um canal de disseminação das ideias progressistas que fundamentaram um projeto nacionalista e desenvolvimentista para o Brasil nos anos iniciais da década de 1960. Por essas características, o impresso passa a ser uma referência significativa aos pesquisadores da área educacional na tentativa de conhecer o posicionamento da UNE diante da sociedade num determinado contexto histórico e, também, suas concepções acerca da educação, especialmente do ensino superior brasileiro.

O periódico Movimento como objeto de estudo

Partimos do pressuposto teórico de que a imprensa é a expressão ideológica de indivíduos inseridos numa conjuntura histórica e dessa forma essa realidade interfere diretamente na formação dos valores desses sujeitos. Além disso, admitimos que, por meio da imprensa, esses indivíduos procuram intervir no espaço que os cercam e, por isso, os periódicos, os jornais e os boletins informativos estudantis carregam em si concepções acerca da sociedade, do universo e da comunidade escolar e do processo educativo.

Com base nessa assertiva, entendemos que a realidade material na qual a imprensa está inserida precisa ser o ponto de partida para a análise do periódico, e não o inverso, uma vez que as ideias são formuladas por sujeitos reais vivendo em condições reais. Ao proceder metodologicamente dessa maneira, o pesquisador poderá olhar para além das aparências, reproduzindo, no plano do pensamento, a essência do objeto investigado (PAULO NETTO, 2011).

Algumas pesquisas em educação têm procurado investigar a imprensa estudantil a partir da sua totalidade, ou seja, a partir das várias dimensões da realidade humana e, entre os resultados mais relevantes, tem-se o resgate histórico da educação brasileira no conjunto das transformações sociais. Nesse sentido, os estudos que possuem como objeto o impresso estão cada vez mais se distanciando das narrativas descritivas, quando se realizavam somente análises minuciosas dos elementos estéticos, físicos e conteudistas das publicações e sem referências ao universo no qual estava inserido.

Os estudos em educação sobre a imprensa estudantil permitem conhecer a atuação coletiva dos discentes no espaço escolar e suas motivações enquanto sujeitos históricos. No caso do periódico Movimento, observamos uma ação mais delineada que ultrapassava as fronteiras da universidade, pois o impresso era produzido por uma entidade política-representativa dos acadêmicos em nível nacional e circulava numa esfera mais macro.

A revista Movimento da UNE já era produzida esporadicamente antes de 1962, porém, com um formato de boletim interno da entidade, principalmente por ocasião de encontros nacionais e de acontecimentos políticos de grandes proporções - como foi o caso da edição de setembro de 1961, intitulada A UNE e o golpe por ocasião da renúncia do presidente Jânio Quadros e a tentativa de grupos políticos em impedir a posse legal do vice João Goulart. Mas, a partir de 1962, a nova equipe editorial propôs as seguintes diretrizes:

Tentamos estabelecer para <Movimento> uma linha ampla e livre...Sua finalidade precípua é a de alcançar o público universitário e o leitor comum....não temos como fim senão um diálogo mais tranqüilo sôbre as idéias que orientam nossa entidade...culturalmente unida à nossa realidade e nossa problemática, culturalmente conduzida pelo tipo de visão de mundo que consideramos como correta intérprete dessa realidade e problemática...tentaremos ser o <órgão oficial> de todos os setores progressistas de nossa paisagem intelectual. (EDITORIAL, 1962, p. 3).

A postura dos editores revela que a revista Movimento pretendia se comunicar tanto com os universitários brasileiros, quanto com a população geral, a fim de veicular em suas páginas ideias que a UNE considerava como norteadoras de sua militância. Assim, este impresso carregava uma visão de país e das suas mais variadas dimensões, além de ser um instrumento político na efetivação dos anseios desse grupo social.

Entre os anos de 1962 e 1963, foram onze publicações3 desse impresso, sendo a décima segunda edição interrompida “[...] em 1964, quando da ocorrência do golpe civil-militar instalando o Regime ditatorial que duraria no Brasil até 1985.” (PORTILHO, 2011, p. 5). Nesse período, o Brasil estava passando por grandes transformações sociais promotoras de agitações políticas no campo e na cidade. Eram tempos de crescimento industrial, de intenso êxodo rural, de proletarização e sindicalização, de mobilizações democráticas pelo retorno do regime governamental presidencialista e de reformas de base, como pela reforma agrária, tributária, fiscal e eleitoral.

No que diz respeito à educação, o país tinha acabado de aprovar a sua primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, datada de 20 de dezembro de 1961. Embora esta lei representasse uma grande conquista no campo da legislação educacional, o ensino brasileiro apresentava uma alta defasagem em todos os seus níveis. No caso do ensino superior, somente uma parcela minúscula da população alcançava esse grau de escolaridade possibilitando aos universitários o acesso elevado ao conhecimento científico.

De certa forma, naquele contexto, os estudantes acadêmicos eram sujeitos culturalmente privilegiados e acreditavam que a mobilização popular era essencial na luta política pelas reformas estruturais que promoveriam o desenvolvimento econômico e social da nação brasileira. Assim, a UNE intensificou sua militância e passou a realizar campanhas de politização junto ao público estudantil e a outros grupos sociais que se encontravam educacionalmente marginalizados, como era o caso dos analfabetos.

A UNE atuou em várias frentes, em especial no conjunto das ações dos grupos progressistas defensores da democratização política, econômica e social4. A retomada da publicação da revista Movimento pela entidade estudantil a partir de 1962 foi uma das diversas atividades realizadas nesse contexto de militância dos setores democráticos e nacionalistas contrários à situação vigente em nosso país.

O periódico Movimento propôs ser o canal oficial da disseminação do pensamento intelectual progressista brasileiro e isso possibilitou dar voz não só às lideranças estudantis, mas, também, à outras representações políticas de partidos, de sindicatos, de setores empresariais, de movimentos culturais e sociais. A revista era publicada pela Editora Universitária da UNE e, em depoimento para o Projeto Memória do Movimento Estudantil, Marcello Cerqueira destacou o surgimento do impresso:

[Começou a participar do movimento estudantil] Na gestão do Aldo [Arantes]. Acho que foi o Betinho, não me lembro bem. Um deles tinha contato com o José Aparecido de Oliveira [...]. Ele era secretário de Imprensa - ou alguma coisa assim - de Jânio Quadros e o Aldo conseguiu uma audiência com o Jânio pela mão do Zé Aparecido, foi ele quem conseguiu recursos para fundar uma gráfica. Então, nós fizemos uma gráfica na rua Frei Caneca e ele me convidou para trabalhar lá. Foi criada a Editora Universitária, cujo primeiro diretor foi Cacá Diegues e, ao mesmo tempo, a revista Movimento, cujo primeiro diretor foi César Guimarães. Os editores eram Arnaldo Jabor e eu. (CERQUEIRA, 2004 Apud PORTILHO, 2011, p. 5).

O nascimento da revista ocorreu num período de efervescência política entre os estudantes universitários brasileiros engajados nas entidades representativas estaduais e nacional. Assim, sob a tutela da UNE, o impresso passou a divulgar suas ideias e ações políticas. A palavra Movimento, título do periódico, aparece em destaque na capa, mas sempre ao lado da expressão “Revista da União Nacional dos Estudantes”, demarcando assim a vinculação direta entre o impresso e a entidade universitária.

A revista Movimento possuía um custo de Cr$50 cruzeiros, mesmo valor das duas maiores revistas5 em circulação no Brasil durante a primeira metade da década de 1960. Se utilizarmos como referência os valores de alguns alimentos básicos da população em 1962, podemos afirmar que o preço do impresso representava em média meio quilo de arroz e meio quilo de açúcar cristal, nesse mesmo período6.

Numa sociedade em que havia uma inflação alta encarecendo o custo de vida, principalmente para a classe trabalhadora, além de uma escassez de alimentos nas regiões urbanas em determinados momentos do ano, devido ao intenso fluxo migratório rumo às cidades, era muito provável que a maioria populacional não possuísse as condições financeiras para ter acesso à cultura escrita comercializada. Apesar da UNE pretender alcançar com sua revista o público em geral, a sua circulação e venda nos congressos estudantis apontam que boa parte dos leitores pertenciam ao quadro universitário, especialmente às lideranças.

Na primeira edição, o número de tiragens não foi destacado pelo corpo editorial, mas, entre a segunda e a quarta, aparece o número de seis mil exemplares cada e, entre a quinta edição e a décima primeira, esse número aumentou para dez mil. Na sua mais alta tiragem, a quantidade expressava 10% dos discentes do ensino superior brasileiro, uma vez que o total de estudantes matriculados nos cursos de graduação, durante o primeiro mês letivo de 1962, era de 107 mil e 509 alunos (INSTITUTO BRASILEIRO..., 1962).

O corpo editorial era formado inicialmente pelos universitários César Guimarães (diretor), Arnaldo Jabor (editor) e Marcello Cerqueira (superintendente). Guimarães, Jabor e Cerqueira cursavam direito no início da década de 1960 e possuíam experiência na imprensa estudantil por trabalharem no Jornal O Metropolitano, órgão da União Metropolitana dos Estudantes (UME) com sede no Rio de Janeiro. Em 1963, ocorreu uma mudança no corpo editorial e Marcello Cerqueira passou para a função de diretor e, na edição e superintendência, a responsabilidade ficou a cargo de Paulo Furtado de Castro e Alcir Henrique da Costa, respectivamente.

Esses estudantes universitários, além de atuarem na publicação da revista Movimento, também faziam parte de outras mobilizações da UNE e alguns eram partidários ou simpatizantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Exceto o estudante Alcir Henrique da Costa, todos os outros colaboraram no periódico como autores. No quadro abaixo, verificamos os títulos de suas matérias.

Quadro 1: Matérias da revista Movimento de autoria do corpo editorial. 

Autoria Título Número/Mês/Ano
Arnaldo Jabor Sem título 3/Junho/1962
Arnaldo Jabor, César Guimarães Da Anti-Cultura à Cultura Popular 1/Março/1962
César Guimarães Universidade à luz da crítica
O Protesto da juventude soviética
Plano Bohan: humorismo com a miséria
A greve da UNE
Suspensão da greve
2/Maio/1962
3/Junho/1962
3/Junho/1962
5/Setembro/1962
5/Setembro/1962
Luciola Lima, Paulo Furtado de Castro, César Guimarães Hora e vez da boa escolha 6/Outubro/1962
Homero da Cunha, César Guimarães, Paulo Romero, Roberto Pontual, Alaõr Barbosa Informe 6/Outubro/1962
Marcello Cerqueira Encampação: ato necessário 1/Março/1962

Fonte: Movimento, Rio de Janeiro: Universitária, 1962. Adaptado pela autora.

Entre os editores que mais publicou artigos na revista destaca-se o universitário César Guimarães. Em seu depoimento mais recente destacou que sua militância efetiva no movimento estudantil foi na imprensa universitária, ação essa promovida pelo “[...] início de uma movimentação em torno de um interesse intelectual e, no caso, político.” (AGUIAR; LIMA; ABREU, 2012, p. 247).

Com base em suas memórias, Guimarães relembrou que, no período da publicação do Movimento, os acadêmicos constituíam uma elite por causa da pequena quantidade de universitários. Logo, na qualidade de indivíduos privilegiados culturalmente e diante de uma “[...] democracia eleitoral de participação restrita como aquela, em que metade da população era excluída do voto simplesmente porque era analfabeta; em um mundo que ainda é rural [...]” (AGUIAR; LIMA; ABREU, 2012, p. 247), militar na imprensa estudantil tinha uma importância significativa em termos de efetividade política.

A imprensa universitária estava ganhando forças no conjunto das ações do movimento estudantil desde os fins de 1950 e a primeira reedição da revista Movimento abordou essa temática na tentativa de justificar a sua relevância, além de apresentar algumas publicações regionais. Essa forma de imprensa foi concebida “[...] como aquela que, feita por estudantes sob sua exclusiva responsabilidade, atinge o meio universitário em geral, podendo chegar ao grande público [...]” (CUNHA, 1962, p. 26).

Segundo a matéria intitulada A nova imprensa universitária, os estudantes precisavam combater as informações noticiadas pela grande imprensa, pois esta caracterizava as manifestações estudantis como sendo baderneiras e classificava o estudante que fazia política como comunista ou inocente útil. Nesse sentido, era fundamental:

O universitário, para fazer-se ouvir, só com seus próprios meios. Seus jornais, suas revistas, seus panfletos. Algo que, de um modo ou de outro, possa dizer à sociedade que “a gente existe”, sabem? e que a história nem sempre é bem contada. Um meio de levar ao público não apenas seu pensamento político, mas igualmente as atividades desenvolvidas no campo de seu estudo ou em outros campos culturais. (CUNHA, 1962, p. 25).

A revista Movimento se colocou como um canal de difusão das ideias dos setores progressistas, por isso em suas páginas encontramos assuntos ligados ao campo educacional econômico, político e cultural. As matérias são de autoria de dirigentes estudantis, sindicais e partidários, economistas, políticos e empresários ligados a pauta nacionalista, intelectuais e artistas. No quadro a seguir, seguem algumas referências a fim de observar a diversidade de assuntos publicados numa única edição.

Quadro 2: Matérias da segunda edição da revista Movimento da UNE 

Título Autoria Atividade do autor
Regulamentação de lucros José Ermírio de Morais Liderança empresarial
O grande país dos analfabetos Aron Abend Coordenador da campanha de alfabetização da UNE
Cinema novo Carlos Diégues Cineasta amador e um dos fundadores do Cinema Novo
Capital estrangeiro José Clemente de Oliveira Economista
Por uma arte popular revolucionária Entrevista com Jacobo Arbenz Carlos Estevam Martins Diretor do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE
Hoje e amanhã e o teatro Jean-Paul Sartre Filósofo francês
Universidade à luz da crítica César Guimarães Diretor da revista Movimento da UNE
A direita no Brasil Wanderley Guilherme Intelectual do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)
Poco pan y mucho americanismo Rogério Belda Escritor e Humorista do Jornal O Metropolitano
A revolução Alaor Barbosa Jornalista e Escritor
Nota do fim: JK nos EUA Sem autoria

Fonte: Movimento, Rio de Janeiro: Universitária, n. 2, maio 1962. Adaptado pela autora.

Embora as matérias apresentassem assuntos diversos, a unidade do discurso estava na crítica ao subdesenvolvimento da nação e na ênfase da transformação desta realidade. Os textos apontavam, por exemplo, o analfabetismo como um dos maiores problemas educacionais brasileiros e, por isso, a exigência de uma reforma educacional. Algumas matérias defendiam a necessidade da regulamentação do capital estrangeiro em prol da indústria nacional, enquanto outros destacavam o papel de grupos políticos e da arte nesse processo de transformação nacional.

Geralmente os artigos eram acompanhados de ilustrações, às vezes fotografias dos autores ou dos temas abordados e também de desenhos caricaturados de forma a satirizar ou problematizar a contradição do assunto. As revistas tinham em média quarenta páginas e, além das matérias, havia textos de autoria do corpo editorial, informes gerais e propaganda de livros produzidos pela Editora Universitária.

A propaganda dos livros de autores considerados pela UNE como progressistas era acompanhada de uma nota reflexiva sobre a importância das obras no contexto atual. A publicidade dos livros Revolução e Contra-Revolução no Brasil (de Franklin de Oliveira) e Revolução Cubana e Revolução Brasileira (de Jamil Almansur Haddad) foi complementada com os seguintes apontamentos:

Universitários do Brasil: Prestigiem e Divulguem dois Livros Honestos, Objetivos e Atuais

Na realidade pré-revolucionária do Brasil de nossos dias, as fôrças da reação e do imperialismo estão mais ativas do que nunca. É preciso caracterizá-las e enfrentá-las. Êstes dois livros são armas adequadas. (UNIVERSITÁRIOS, 1962, p. 34, grifo do autor).

Como vimos, a revista Movimento, na qualidade de objeto de estudo pode ser investigada pelos pesquisadores da área da educação a fim de compreender como a UNE se posicionou num determinado momento da história brasileira. Por meio desse impresso, os estudantes veicularam sua visão de sociedade e acima de tudo do ensino, avaliaram a partir de suas concepções teóricas algumas problemáticas educacionais e apontaram possibilidades de transformação.

O periódico Movimento como fonte histórica

O impresso Movimento ressurgiu numa época em que as contradições do capitalismo industrial vinham se aguçando no contexto brasileiro e, consequentemente, produzindo efeitos práticos nas relações sociais. Entre esses desdobramentos, citamos a luta por uma maior democratização do voto e da oferta educacional em seus mais variados níveis para a população em geral, bem como a mobilização de setores progressistas para que o Estado realizasse reformas em prol da modernização das forças produtivas no campo e de uma legislação favorável ao crescimento do parque industrial nacional.

O que estava em jogo no governo de João Goulart7 era o enfrentamento de dois projetos político-econômicos. De um lado, os interesses dos grupos hegemônicos ligados ao grande capital externo e aos latifundiários representantes de uma organização produtiva fundamentada na exportação de gêneros alimentícios e matérias-primas; e, do outro lado, setores nacionais contrários à manutenção dessa estrutura e defensores de reformas que segundo eles promoveria o desenvolvimento geral do país.

É preciso destacar que na esfera internacional alguns acontecimentos foram importantes no posicionamento de agremiações políticas como, por exemplo, da UNE. Eram tempos de Guerra Fria, de Revolução Cubana, de movimentos independentes no continente africano, de enfraquecimento de governos democráticos em países latino-americanos. Esses fatos colaboraram para o acirramento de forças contraditórias no Brasil e permitiram o debate sobre temas que ainda são penosos para a elite brasileira, como a questão da tributação, da função pública do Estado e da reforma agrária.

Nessa conjuntura, agremiações intelectuais, sociais e partidos políticos procuraram unir esforços, apesar de suas diferenças ideológicas, pela emancipação nacional, que segundo os progressistas expressava acima de tudo a libertação do “[...] sistema econômico brasileiro fundado na grande propriedade agrária e voltado para a produção exclusiva de alguns gêneros exportáveis de grande expressão comercial nos mercados mundiais” (PRADO JÚNIOR, 1981, p. 216).

A consolidação da emancipação dependeria em eliminar o imperialismo e o latifúndio e promover reformas democráticas para modificar a realidade brasileira. A UNE, entidade representativa dos universitários, fez parte desse movimento progressista e, por meio de sua imprensa, buscou disseminar esse projeto emancipatório. Assim, a revista Movimento se tornou um canal de comunicação com o público estudantil com o propósito de veicular informações que colaborassem na politização e na mobilização pelas reformas necessárias.

Nesse sentido, o impresso Movimento passa a ser uma fonte histórica rica de dados ao pesquisador que procura conhecer a concepção de educação e da sociedade brasileira no período de efervescência política que marcou o país nos primeiros anos da década de 1960. Sabemos que o ofício do historiador depende dos vestígios humanos e que o pesquisador precisa apoiar-se nas fontes de forma ativa para construir no plano do conhecimento o seu objeto. Segundo Saviani (2004, p. 5):

As fontes estão na origem, constituem o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da construção historiográfica que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto histórico estudado. Assim, as fontes históricas não são a fonte da história, ou seja, não é delas que brota e flui a história. Elas, enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos históricos, são a fonte do nosso conhecimento histórico, isto é, é delas que brota, é nelas que se apoia o conhecimento que produzimos a respeito da história.

As pesquisas históricas partem das fontes e, devido à fundamentação teórico-metodológica, ganham diferentes perspectivas, uma vez que a problematização do objeto e, consequentemente, os objetivos do estudo emergem do referencial epistemológico. Por isso, o olhar do historiador e sua concepção teórica é a lente da análise investigativa, logo, no campo educacional podemos ter diversos entendimentos conceituais e categóricos capazes de trazer à tona potencialidades de estudo de um mesmo vestígio.

No nosso caso, partimos da categoria de totalidade para analisar o pensamento progressista presente no periódico Movimento e, assim, ao mapear as onze edições deste impresso percebemos o quanto ele expressava as consciências dos dirigentes da UNE e de seus apoiadores. Estas concepções não existem pelas ideias em si e, sim, pelas condições objetivas vivenciadas pelos sujeitos que financiavam a revista e nela colaboravam com seus textos.

Foi por adotar esse caminho epistemológico, que antes de apresentar as potencialidades do Movimento como fonte realizamos uma contextualização histórica do período de sua publicação, pois “tão logo seja apresentado esse processo ativo de vida, a história deixa de ser uma coleção de fatos mortos” (MARX; ENGELS, 2007, p. 87). O estudo desse impresso pode desvelar as concepções ideológicas das lideranças discentes universitárias e suas conexões com a realidade educacional brasileira, levando em consideração as circunstâncias objetivas desses sujeitos numa determinada conjuntura social.

A imprensa enquanto expressão ideológica se desdobra da vida material dos indivíduos, portanto, o pesquisador além de utilizar a revista como fonte primária precisa também encontrar em outros vestígios subsídios para compreender o movimento real do seu objeto de investigação. Nesse sentido, por mais que seja importante analisar determinadas características materiais do periódico, o foco não é a descrição dos conteúdos, pois assim nos limitaríamos à esfera da consciência humana, negando a premissa de que a consciência é o ser consciente, e por isso:

não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. (MARX, ENGELS, 2007, p. 94).

As interpretações à luz dessa epistemologia colaboraram para que os pesquisadores pudessem ir além das descrições da imprensa escrita, entendendo como os sujeitos que patrocinavam, coordenavam a editoração e publicavam seus textos e imagens no impresso e organizavam-se naquela sociedade, ou seja, como se posicionavam diante de determinadas condições políticas, culturais e econômicas. Assim, a história da educação pela imprensa revelará a base material que sustenta o pensamento educacional e não o inverso.

Na época da publicação da revista Movimento, 1962 e 1963, havia no Brasil um movimento nacionalista e desenvolvimentista que tecia críticas ao imperialismo e ao latifúndio e defendia um governo democrático popular. Este movimento de cunho progressista reuniu os setores sociais mais politizados e culturalmente elitizados, entre eles, a UNE, que assumia um compromisso de lutar pelas reformas educacionais, em especial pelo ensino superior.

A UNE se apoderou da ideologia do desenvolvimento nacional e nas páginas do Movimento procurou enfatizar alguns problemas do ensino brasileiro, como a questão do analfabetismo e da estrutura universitária, bem como situações educacionais externas. Nas onze edições, esses temas apareceram em vários artigos, conforme o quadro a seguir:

Quadro 3: Matérias da revista Movimento da UNE sobre educação 

Título Autoria Número/Mês/Ano
O grande país dos analfabetos Aron Abend 2/Maio/1962
Universidade à luz da crítica César Guimarães 2/Maio/1962
Planificação e descentralização do Ensino UNE 4/Julho/1962
Co-govêrno e participação universitária UNE 4/Julho/1962
Realidade do analfabetismo no Brasil UNE 4/Julho/1962
Roteiro de julho a julho UNE 4/Julho/1962
Debate internacional de estudantes Sem autoria 6/Outubro/1962
Conselho da UNE: novas diretrizes Homero da Cunha 8/Fevereiro/1963
A situação escolar em Cuba Luiz Ronaldo Cabrera 9/Março/1963

Fonte: Movimento, Rio de Janeiro: Universitária, 1962 e 1963. Adaptado pela autora.

A taxa de analfabetismo no Brasil, em 1960, era muito alta - chegando a 39,7%, na faixa da população de 15 anos ou mais (INSTITUTO NACIONAL..., [200?]) - e essa situação fragilizava a democracia porque os analfabetos não possuíam o direito ao voto. Diante dessa realidade, e defendendo a democratização política, a UNE acreditava que uma campanha de alfabetização bem-sucedida dependeria da liderança do movimento estudantil e assim justificava tal prerrogativa:

Um sistema que oficializa o analfabetismo não pode oficializar uma campanha de alfabetização que tenha êxito. Isto porque só terá efeito aquela que puder mobilizar as massas analfabetas e alfabetizados...Em suma: transformar cada alfabetizado num alfabetizador ou engajá-lo indiretamente no movimento. Falharam as campanhas anteriores porque não conseguiram atrair o povo para a campanha. (ABEND, 1962, p. 6).

A UNE procurou veicular nas páginas do Movimento informações acerca da situação do analfabetismo no país, destacando, segundo seu ponto de vista progressista, suas causas e consequências. Esse assunto era debatido nas assembleias organizadas pela entidade universitária, por isso, a quarta edição da revista, publicada especialmente para o XXV Congresso Nacional dos Estudantes, aborda essa problemática na matéria intitulada Realidade do analfabetismo no Brasil.

Nesse artigo, os analfabetos foram concebidos como a classe dominada e o leitor é conduzido a entender a razão da manutenção dessa condição por meio do seguinte questionamento e da explicação progressista da UNE:

A quem interessa a manutenção de tal instituição?

No plano interno, às forças sociais ligadas ao latifúndio, pois esta é a forma de propriedade da terra. No plano externo, aos setores do imperialismo a quem interessa manter o Brasil como exportador de produtos primários e importador de manufaturas. (UNIÃO NACIONAL..., 1962b, p. 12).

A situação do analfabetismo foi colocada como fruto das relações da organização produtiva vigente em nosso país e, para transformar tal materialidade, era imprescindível a eliminação de suas causas econômicas (ABEND, 1962). Entre as influências externas que colaboraram para fortalecer as mobilizações da UNE na tentativa de elevar o nível cultural do povo brasileiro e diminuir o alto índice de analfabetismo, estavam as campanhas realizadas por Cuba durante o governo de Fidel Castro, regime definido pela entidade universitária como revolucionário.

A reportagem, denominada A situação escolar em Cuba, enaltece os progressos educacionais alcançados na ilha cubana após a queda do governo de Fulgencio Batista. Segundo o autor, “em 1961, ‘Ano da Educação’, Cuba reduziu sua percentagem de analfabetismo à cifra ínfima de 3,9% graças à mobilização popular que levou milhares de jovens e adultos a ensinar a ler e escrever a seus irmãos do campo e da cidade.” (CABRERA, 1963, p. 42, grifo do autor).

Ao trazer à tona a situação educacional cubana, verificamos no pensamento progressista da UNE uma convicção consistente de que o imperialismo e o analfabetismo eram faces da mesma moeda. Assim, uma vez eliminada a dominação imperialista no Brasil, como aconteceu em Cuba, o analfabetismo diminuiria drasticamente conforme a visão do corpo editorial da revista Movimento.

Entre os anos de 1961 e 1963, a UNE realizou três seminários nacionais para discutir a reforma universitária. Ocorridos respectivamente em Salvador (1961), Curitiba (1962) e Belo Horizonte (1963), estes eventos foram importantes para disseminar o projeto de universidade da entidade ao público estudantil. O tema também foi abordado nas páginas do Movimento, pois essa questão precisava ganhar força entre os estudantes do ensino superior brasileiro e de todas as camadas sociais que desejavam o desenvolvimento nacional.

Na segunda edição da revista Movimento, a reforma educacional universitária foi apresentada a partir do ponto de vista do estudante. Segundo o autor da matéria, intitulada Universidade à luz da crítica, essa reforma era obstaculizada pelos seguintes fatores:

1) a estrutura subdesenvolvida brasileira; 2) reação das cúpulas políticas a qualquer transformação estrutural; 3) as verbas reduzidas e seu mau emprego; 4) a recente lei de diretrizes e bases, que nada mais faz senão sancionar a situação vigente; 5) vários dos princípios constitucionais, como o que assegura a vitaliciedade da cátedra; 6) falta de politização da massa estudantil; 7) o compromisso de grande parte do corpo docente com a situação vigente. (GUIMARÃES, 1962, p. 21).

A UNE analisava a universidade a partir da organização social brasileira, assim o subdesenvolvimento econômico e a estrutura política dificultavam as mudanças educacionais pleiteadas pelos estudantes. Além disso, a ausência de uma comunidade acadêmica politizada colaborava diretamente para a manutenção de um ensino superior alienado e permeável à dominação externa (GUIMARÃES, 1962).

Para elucidar a relação entre a sociedade e a universidade, a UNE defendia a tese “[...] de que numa sociedade de classes, a universidade é um instrumento cultural de domínio de uma classe por outra de domínio do centro do Poder sôbre a periferia do poder.” (UNIÃO NACIONAL..., 1962a, p. 5). Nesse sentido, a luta estudantil se pautava no chamado “co-governo”, ou seja, a participação efetiva dos universitários na proporção de 1/3 nos órgãos colegiados administrativos da universidade, com direito a voz e voto.

A luta pelo “co-governo” foi proposta pela UNE durante o II Seminário Nacional de Reforma Universitária realizado em Curitiba em março de 1962 e, no mês de junho do mesmo ano, teve início a “Greve por um terço”. Na edição de julho, um mês antes da finalização da greve, a revista Movimento fez um balanço da mobilização:

A greve por um terço já deu muito que falar. E vai dar mais ainda. Difícil para quem escreve quase um mês antes deste congresso fazer maiores previsões. Como acabará a greve? Por quanto tempo durará? Respostas nada fáceis. Uma coisa no entanto é certa: ela vencerá. Se vai durar muito ou pouco, se vai terminar desta ou daquela maneira, isto pouco importa. Pois o lema está formado: 1/3 ou greve, e greve para todo o sempre não pode ser. (UNIÃO NACIONAL..., 1962c, p. 23).

Nesta reportagem, a UNE registrou uma de suas ações militantes, que naquele momento sem dúvida era a maior campanha de resistência entre os estudantes universitários, pois a greve estava indo para o seu segundo mês. As lideranças ainda não tinham noção clara da duração e das conquistas desta mobilização, mas certamente confiavam na vitória e procuraram passar esta convicção aos leitores do periódico.

Para avaliar a execução do programa da diretoria da UNE realizou-se, em janeiro de 1963, o I Conselho Ordinário da entidade em Fortaleza. Nesse evento, a Comissão de Linha Política destacou a postura do estudante universitário na conjuntura dos problemas nacionais e mais uma vez reafirmou o seu compromisso com o desenvolvimento do país, assim entendida:

Nestes têrmos, propõe a comissão seja incrementada a luta pelas reformas de base, contra a atual estrutura de dominação da sociedade brasileira, pela eliminação das diferenças sociais e pela implantação de uma sociedade nova, que afirme a igualdade real entre todos aquêles que elaboram o progresso social. (CUNHA, 1963, p. 5).

A reforma universitária era concebida no interior do movimento mais geral da revolução brasileira, portanto, quando se pensava a transformação da educação se pensava também numa mudança estrutural e qualitativa da sociedade (UNIÃO NACIONAL..., 1962a). Dessa forma, a revista Movimento possibilita conhecer a visão da UNE e de outras entidades progressistas acerca do ensino e da própria organização social brasileira que o molda.

Na qualidade de fonte histórica, Movimento se apresenta como um vestígio valioso de informações sobre a educação brasileira. Primeiro, porque o periódico era financiado pela UNE e, nesse sentido, era o olhar das lideranças estudantis; e, em segundo lugar, porque na época de sua publicação a sociedade brasileira vivenciou uma intensa agitação política em favor das reformas de base de cunho nacionalista e desenvolvimentista. Diante destes argumentos, o periódico pode trazer à tona não só as contradições ideológicas, mas sobretudo as contradições sociais existentes naquela conjuntura.

Considerações finais

A utilização da imprensa, enquanto objeto e fonte histórica, vem ampliando a concepção da história da educação, pois além de participar da dinâmica social está vinculada “[...] ao processo de produção da existência humana.” (SCHELBAUER; ARAÚJO, 2007, p. 5). O periódico Movimento nos possibilita conhecer a concepção da UNE, portanto das lideranças estudantis universitárias, acerca da estrutura de ensino no Brasil nos anos iniciais da década de 1960 e como a entidade se posicionou politicamente por meio da imprensa escrita.

A questão da educação foi abordada nas páginas do Movimento a partir do pensamento progressista que denunciava o subdesenvolvimento do país e disseminava a ideia de uma revolução fundamentada na consolidação democrática e na emancipação econômica nacional. Assim, a UNE procurou denunciar a precariedade da estrutura física e pedagógica das universidades e veicular a necessidade urgente da alfabetização em massa.

O periódico Movimento expressa um dos lados da história humana, pois os universitários procuraram ter seu próprio canal de comunicação para informar à população brasileira o que pensavam da universidade e da participação dos estudantes nesse espaço educacional. Além do mais, buscaram problematizar as causas que, segundo eles, eram as razões das contradições educacionais

A história da educação é a história de todos os sujeitos envolvidos diretamente ou indiretamente na educação, por isso se deixarmos de dar voz ao estudante nossa escrita histórica não passará de uma narrativa incompleta do passado. Não foi nossa intenção descrever e apresentar minuciosamente os artigos que constituem o periódico e, sim, contextualizar de maneira geral a revista Movimento no período de mobilizações políticas das forças progressistas, a fim de apresentar suas potencialidades como objeto e fonte para a história da educação brasileira.

Referências

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1Essa imprensa também é conhecida como pedagógica e é caracterizada por diversos pesquisadores como imprensa destinada ao público docente a fim de disseminar projetos e princípios educativos. Por meio dessa imprensa é possível conhecer o pensamento pedagógico, o cotidiano educacional e escolar, bem como os discursos educativos dos vários atores desse universo.

2Analisar a imprensa escrita a partir da totalidade é compreender que ela é expressão do pensamento de uma conjuntura e, por isso, faz-se necessário investigar as condições materiais dos responsáveis pelo impresso, bem como, dos autores e do público-alvo.

3Em 1962, foram sete edições: Março, Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro. Em 1963, foram quatro edições: Fevereiro, Março, Abril, Maio.

4Entre as transformações defendidas pelos grupos progressistas, estava o desenvolvimento do mercado nacional, o controle do capital estrangeiro, a reforma agrária, a elevação do nível de vida da população brasileira e as melhorias no ensino diminuindo a defasagem entre os diferentes níveis.

5As duas revistas de maior circulação no Brasil nesse período eram O Cruzeiro e Manchete, ambas possuíam uma média de 400 mil tiragens, embora sejam de perfis diferentes do periódico Movimento.

6Segundo reportagem do Jornal Correio da Manhã, o quilo do arroz e do açúcar cristal custava respectivamente 60 e 30 cruzeiros em 1962. (FEIJÃO..., 1962).

7O governo de João Goulart teve duas fases: parlamentarista (1961-1962) e presidencialista (1963-1964).

Recebido: 05 de Março de 2020; Aceito: 16 de Junho de 2020

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English version Maria Helena Gomes dos Santos. E-mail: gomeslena@live.com.

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