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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.20  Uberlândia  2021  Epub Jan 29, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v20-2021-27 

Artigos

As recomendações internacionais (BIE e Unesco), a Lei Orgânica do Ensino Normal e formação de professores no Paraná (1946-1961)

Las recomendaciones internacionales (BIE y Unesco), la Ley Orgánica de la Enseñanza Normal y la formación de profesores en Paraná (1946-1961)

Maria Elisabeth Blanck Miguel1 
http://orcid.org/0000-0003-2307-7791; lattes: 8090273140545543

1Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Brasil). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. maria.elisabeth@pucpr.br


Resumo

Este artigo trata da formação dos professores no Paraná, suas relações com a Lei Orgânica do Ensino Normal (1946), as recomendações do Bureau internacional da Educação (BIE) de 1934 a 1947 e UNESCO, no período de 1946 a 1961. Esta formação no Paraná adequou-se à Lei Orgânica do Ensino Normal de 02/01/1946, que se orientava pelas recomendações do BIE, ratificadas pela UNESCO a partir de sua constituição. Busca-se perceber como essas políticas para formação de professores (PR), articularam-se às políticas nacionais atendendo às recomendações do BIE. Os resultados apontam para as relações entre a Lei Orgânica do Ensino Normal (1946), as Recomendações do BIE e posteriores recomendações da UNESCO. O artigo mostra como as medidas tomadas pelo Secretário de Educação e Cultura do Paraná (1949-1951), procuraram atender às Leis Orgânicas, quanto à formação de professores para o ensino primário, nas zonas rurais e centros urbanos.

Palavras-chave: UNESCO; Formação dos professores; Lei Orgânica do Ensino Normal (1946)

Resumen

Este artículo trata de la formación de profesores en Paraná, sus relaciones con la Ley Orgánica de Enseñanza Normal (1946), las recomendaciones del Bureau Internacional de Educación (BIE) del 1934 hasta 1947 y UNESCO, del 1946 hasta 1961. Esta formación en Paraná, se adecuó a la Ley Orgánica de Enseñanza Normal del 02/01/1946 que se orientaba según recomendaciones del BIE, ratificadas por UNESCO a partir de su constitución. Se busca percibir cómo esas políticas para formación de profesores (PR), se articularon con políticas nacionales dadas las recomendaciones del BIE. Los resultados apuntan hacia relaciones entre la Ley Orgánica de Enseñanza Normal (1946), recomendaciones del BIE y posteriores recomendaciones de UNESCO. El artículo muestra, cómo las medidas tomadas por el Secretario de Educación y Cultura de Paraná (1949-1951) buscaron cumplir con las Leyes Orgánicas, respecto a formación de profesores para la enseñanza primaria en zonas rurales y centros urbanos.

Palabras-clave: UNESCO; Formación de los Profesores; Ley Orgánica de la Enseñanza Normal (1946)

Abstract

This article deals with teacher training in Parana, its relations with the Organic Law for Normal Education (1946), and the recommendations of the International Bureau of Education (IBE) from 1934 to 1947 and UNESCO from 1946 to 1961. In Parana, the training was adapted from the Organic Law of Normal Education (01/02/1946), guided by the recommendations of the IBE, ratified by UNESCO since its constitution. It seeks to understand how the educational policies were linked to national policies, taking into account the international recommendations issued by the IBE. The results show the relationship between the Organic Law for Normal Education, the IBE recommendations and the subsequent recommendations from UNESCO. The article shows how the procedures taken by Erasmo Pilotto, the Secretary of Education and Culture of Parana (1949-1951), sought to comply with the Organic Laws regarding the training of teachers for primary education in urban and rural areas.

Key words: UNESCO; Teacher training; Organic Law of Normal Education (1946)

Este texto objetiva tratar da formação dos professores no Paraná, sua relação com a Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) e as recomendações emitidas pelo Bureau internacional da Educação (BIE) e UNESCO, no período de 1946 a 1961. A formação de professores no Paraná, no período pesquisado adequou-se à Lei Orgânica do Ensino Normal, de 02/01/1946 (Decreto-Lei nº 8530). Esta, por sua vez, buscou atender às sugestões do BIE, ratificadas pela UNESCO a partir de sua constituição.

A questão de investigação que orienta a discussão é a seguinte: como as políticas educacionais para formação de professores no Paraná, no período de 1946 a 1961, articularam-se às políticas nacionais atendendo também às recomendações internacionais, emitidas pelo BIE e pela UNESCO?

Utilizamos a pesquisa histórico-documental fundamentada em Bloch (2001), Thompson (1981), Saviani (2009) e Le Goff (1990), pesquisadores que afirmam a importância dos documentos enquanto fontes com dados históricos registrados. Le Goff, na perspectiva da História Cultural, considera o valor dos documentos como fontes históricas e afirma:

O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziu, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silêncio (LE GOFF, 1990, p.547-548).

Já Saviani e Edward Palmer Thompson, na perspectiva do materialismo histórico e dialético, também reconhecem o valor dos documentos enquanto fontes históricas para a pesquisa. Segundo Dermeval Saviani,

Assim, as fontes históricas não são a fonte da história, ou seja, não é delas que brota e flui a história. Elas, enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos históricos, são a fonte do nosso conhecimento histórico, isto é, é delas que brota, é nelas que se apóia o conhecimento que produzimos a respeito da história (SAVIANI, 2009, p. 29-30).

Consideramos que a pesquisa histórico-documental, permite-nos como afirma Bloch (2001) partir de vestígios para seguirmos em busca de outras fontes. Também Thompson (1981, p. 37) afirma que “A maioria das fontes escritas são de valor, pouco importando o ‘interesse’ que levou ao seu registro”.

Os dados obtidos na pesquisa, foram interpretados segundo a compreensão de que as questões econômicas e políticas interferiram nas questões educacionais, bem como as categorias do universal (representadas pelas Recomendações dos órgãos internacionais) estavam presentes na categoria do particular (escolas), sendo mediadas pela Lei Orgânica de 1946 e pelas publicações do INEP relativas à formação e atuação do professores. Dentre os principais autores escolhidos para auxiliar na interpretação dos dados citamos principalmente, Ianni (1989), Alves (2001) e Saviani (2009). Ainda, como fontes necessárias, foram consultadas as Recomendações da UNESCO, publicadas na página do órgão1, a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (INEP, 1965) intitulada Conferências Internacionais de Instrução Pública. Recomendações 1934-1963.2 Dentre os autores paranaenses que já estudaram a formação de professores foram consultados Pilotto (1952), Wachowicz (1984) e Miguel (1997; 2008).

Para responder à questão que orienta a investigação, faz-se necessário conhecer seu caminho histórico, buscando perceber as adequações da Lei Orgânica de 1946 às Recomendações internacionais e o modo como tais orientações foram vividas na formação de professores no Paraná. Para tanto, a fonte utilizada, como já referido, é a quinta edição das Recomendações da UNESCO 1934-1977, publicada por esta mesma instituição, que conserva a introdução à terceira edição, redigida por Jean Piaget, em 1960. Traz ainda, o caminho histórico do Bureau, segundo seu Diretor-Adjunto Pedro Rosseló, até 1970, demarcando os principais acontecimentos que marcaram sua existência.

Bureau Internacional de Educação (Bureau international d’Education)

Jean Piaget, Diretor do Bureau international d’Education, no período de 1929-1967, tratou de seu início e das intenções da organização. Segundo ele, as Recomendações foram “[...] formuladas pelas Conferências internacionais de instrução pública reunidas em Genebra desde 1934 até a declaração da II Guerra Mundial em 1939” (UNESCO, 1977, p. ix). O Bureau manteve atividades durante o período do conflito, porém sem condições de promover uma nova Conferência Internacional. “A partir de 1947, foi assinado o acordo de colaboração entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e o Bureau international d’Education, as conferências passaram a ser convocadas por essas duas organizações” (PIAGET, 1979, p. ix, tradução livre)3.

Ao final da Introdução, Piaget esclarece que as Recomendações consideravam os resultados dos relatórios realizados e apresentados pelos ministérios da instrução pública, bem como as referidas Instruções levavam em conta “[...]as possibilidades e a realidade escolar dos diferentes países” (PIAGET, 1979, p. ix)4. Concluindo, chamava a atenção das autoridades escolares, pois as mesmas seriam responsáveis pelas 51 recomendações, até então elaboradas e divulgadas. Os relatórios que serviram de fundamento para suas elaborações, poderiam, segundo o Bureau, servir de base aos educadores e às autoridades escolares que iriam neles, inspirar-se.

Essa organização, a princípio um organismo privado, foi criada pelo Instituto Jean Jacques Rousseau, mais propriamente pelo seu fundador Edouard Claparède, em fins de dezembro de 1925, segundo Pedro Rosselló (UNESCO, 1979, p. xi). A primeira etapa da existência do BIE enfrentou dificuldades financeiras e por tal motivo, a partir de 1929, deu início à segunda fase, então com “[...]uma nova base governamental” (UNESCO, 1979, p. xii, tradução livre) quando assume a direção do órgão Jean Piaget, e Rosseló, o cargo de Diretor Adjunto.

Segundo a narrativa de Rosseló, foram membros do BIE nesta fase: o Ministério de instrução pública da Polônia, o Governo do Equador, o Departamento de instrução pública da República e Cantão de Genebra, e ainda o Instituto J.J.Rousseau (única instituição privada que fazia parte do órgão). Posteriormente, a Confederação Suíça passou a fazer parte dele. O artigo 2 dos estatutos da instituição esclarecia seus propósitos:

servir de centro de informação para tudo o que concerne à educação. Inspirando-se na cooperação internacional, observar uma neutralidade absoluta do ponto de vista nacional, político, filosófico e confessional. Enquanto um órgão de documentação e de estudo, trabalha em um espírito estritamente científico e objetivo. Suas atividades são de duas ordens: centralizar a documentação relativa à educação pública e privada e interessar-se pelas pesquisas experimentais ou estatísticas cujos resultados serão levados ao conhecimento dos educadores (UNESCO, 1979, p. xiii, tradução livre).

Como é possível perceber, já de início, os objetivos de tratar a educação como uma ciência experimental e plausível de ser aplicada em situações semelhantes em outros lugares, fazia-se presente. Essa segunda etapa histórica do BIE durou os dez anos precedentes à 2ª guerra mundial. Segundo Rosseló (1979, p. xiii), pouco a pouco a instituição foi ganhando a adesão de outros países e se afirmando como “Instituição internacional ao serviço da educação e da compreensão entre os povos.” (UNESCO, 1979, p. xiii, tradução livre). Rosseló também afirma que pareceu interessante aos membros da instituição, convidar para a Conferência internacional da instrução pública a ser realizada,

três representantes de cada Estado-membro, representantes de Estados não membros, aos quais solicitaram que apresentassem relatórios sobre os fatos mais interessantes realizados no ano, em seus respectivos países, em relação à instrução pública (UNESCO, 1979, p. xiii, tradução livre).

Nesse período foi criada também a sessão de Literatura Infantil, com a participação de autores de diversos países, obras pedagógicas que permitiram o desenvolvimento do BIE. Com a 2ª guerra mundial, as atividades externas foram paralisadas, sem, no entanto, cessarem suas atividades. Embora não tenha sido possível a realização de conferências internacionais, o BIE, segundo Rosseló (1979), buscou oferecer aos prisioneiros de guerra, graças a numerosas doações, meio milhão de livros, nos campos nos quais os mesmos estavam presos, e ainda, no ano de 1947,

por meio de um acordo provisório, o BIE e a UNESCO convencionaram realizar em conjunto ‘[...]Conferências internacionais de Instrução Pública, publicação em comum dos resultados das estatísticas e o Anuário, o intercâmbio de documentos, etc. (UNESCO, 1979, p. xv, tradução livre).

O acordo definitivo entre as duas instituições foi aprovado em 1952, por seus órgãos diretores. Após a publicação do Prefácio de Rosseló, a edição que serve de fonte, apresenta o seguinte esclarecimento:

As Recomendações de nº 1 a 20 foram aprovadas pelas nove primeiras conferências internacionais de educação pública convocadas pela Secretaria Internacional de Educação através do Conselho Federal Suíço. As Quarenta e Cinco Recomendações seguintes foram aprovadas pela Conferência Internacional sobre Educação Pública Convencional Conjunta da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e a Secretaria de Educação Internacional (UNESCO, 1979, p. xxii, tradução livre).

Os dados trazidos para este artigo têm o objetivo de permitir compreender que as recomendações anteriores ao ano de 1946 foram elaboradas pelo Bureau internacional de Educação, reconhecidos pela UNESCO após sua criação. Permitem também, fazer a aproximação dos pontos importantes referentes à formação dos professores que foram atendidos pela Lei Orgânica do Ensino Normal de 1946 e observadas na formação de professores no Paraná.

Considerando o objeto tratado neste artigo, foram consultadas as seguintes Recomendações: do Bureau International d’Éducation: nº 1 (1934), nº 4 (1935), nº 8 (1936), nº 12 (1937), e nº 20 (1946). É possível perceber que a Lei Orgânica do Ensino Normal, de 1946 orientou-se por tais Recomendações, quando se analisa as referidas Recomendações e a Lei Orgânica. Ainda, as que se referem especificamente à formação do professor primário no período estudado, foram selecionadas as emitidas pela UNESCO que se referem diretamente à formação de professores, de nº 32 (1951), dispondo sobre a escolaridade obrigatória e sua extensão; 36 e 37 (1953), que tratam da formação e situação do magistério primário; 45 (1957), dispondo sobre a formação de professores de ensino normal, 47 (1958), cujo teor é referente às possibilidades de acesso à educação nas zonas rurais e publicadas no site da UNESCO e na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (INEP). Estas recomendações reafirmam os principais pontos sobre a formação dos professores, emitidas pelas recomendações anteriores (BIE).

UNESCO e INEP

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi criada em 1945 como uma agência especializada na ONU, com vistas a garantir a segurança e a paz internacionais, por meio das “relações educacionais, científicas e culturais entre os povos do mundo, os objetivos da paz internacional, e do bem-estar comum da humanidade [...]” e dos valores “[...]que brotam da cultura, beneficiam-se das luzes da ciência e são recriados e transmitidos pela educação[...]” (UNESCO, 2004, p. 42). Segundo Evangelista (2003, p.11) a UNESCO, buscando contribuir para a reconstrução dos países penalizados pela Segunda Guerra Mundial, contribuiu para “[...]a construção de uma nova ordem econômica fundada na cooperação entre as nações” (EVANGELISTA, 2003, p. 11).

As ações da UNESCO viabilizam-se durante as conferências gerais, ocorridas a cada dois anos com representantes dos países membros, onde são definidas recomendações que “[...]na medida em que são aprovadas pelas autoridades dos países membros, contribuem para o aperfeiçoamento das políticas nacionais[...]” (UNESCO, 1998, p. 13, apud AKSENEN; MIGUEL, 2019, p. 52).Segundo Gomide (2012), os resultados de experiências vividas em outros países e comunicadas nas Conferências são discutidos entre os representantes dos países membros, permitindo que a UNESCO trace diagnósticos, bem como estratégias de ação que vêm a constituir os documentos finais: as Recomendações. Esses documentos são levados aos poderes públicos educacionais dos países membros, a fim de serem implementados em suas políticas, podendo desse modo, ser controlados e avaliados pela UNESCO.

A Representação da UNESCO no Brasil foi estabelecida em 1964 e seu Escritório, em Brasília, iniciou as atividades em 1972, tendo como prioridades a defesa de uma educação de qualidade para todos e a promoção do desenvolvimento humano e social.

O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) foi criado em 1937 como um órgão ligado ao Ministério da Educação e Saúde, com o objetivo de [...]organizar a documentação relativa à história e ao estado atual das doutrinas e técnicas pedagógicas [...]; manter intercâmbio, em matéria de pedagogia, com as instituições educacionais do país e do estrangeiro; promover inquéritos e pesquisas [...]; prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares de educação [...]; divulgar, pelos diferentes processos de difusão, os conhecimentos relativos à teoria e prática pedagógicas. (BRASIL, 1938, s/p).

A relação do INEP com a UNESCO se estabeleceu, quando o Instituto veio a tornar-se um órgão representativo da UNESCO no Brasil, assumindo a função de propalar os documentos internacionais da organização, portanto exercendo a mediação entre as políticas internacionais (que podem ser representadas pelas Recomendações da UNESCO) e as políticas nacionais. Tal divulgação foi realizada por meio da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), cujo primeiro exemplar data de 1944 e o conjunto das Recomendações de 1934-1963, foi publicado em 1965.

Relações entre o BIE, UNESCO e a Lei Orgânica do Ensino Normal de 1946

As políticas educacionais para a formação de professores no Brasil revelam questões fundamentais para o desenvolvimento do processo de institucionalização da escola pública, bem como da organização escolar, enfatizando a importância histórica atribuída à função social do professor. O estudo da formação do professor quando articulado às legislações federais, estaduais e às recomendações da UNESCO, possibilita à compreensão da influência internacional nas questões educacionais do Brasil. A leitura conjunta de tais documentos cria condições para melhor compreender e explicar os fenômenos históricos propostos neste estudo. Conforme orientação de Marc Bloch (2001, p. 79-80)

Seria uma grande ilusão imaginar que a cada problema histórico corresponde um tipo único de documento, específico para tal emprego. Quanto mais a pesquisa, ao contrário, se esforça por atingir os fatos profundos, menos lhe é permitido esperar a luz a não ser dos raios convergentes de testemunhos muito diversos em sua natureza.

Por isso, optamos por analisar a legislação escolar do período articulada às recomendações do BIE e da UNESCO, ambas observadas nas questões inerentes à formação de professores.

Para Saviani (2009), a questão da formação de professores no Brasil emerge de modo explícito após a independência, período em que se cogita a organização da instrução popular. Nesse estudo, o autor aponta seis períodos que caracterizaram a história da formação de professores no país, dentre os quais consta o referente à “Organização e implantação dos Cursos de Pedagogia e de Licenciatura e consolidação das Escolas Normais (1939-1971)”. SAVIANI, 2009, p. 143-144). Considerando a classificação do autor, este estudo situa-se no período em que foi aprovado, em âmbito nacional, o Decreto-Lei nº 8.530, de 02 de janeiro de 1946, denominado Lei Orgânica do Ensino Normal. Segundo esta lei, o curso normal deveria ter as finalidades de formar pessoal docente e capacitar administradores escolares às escolas primárias, bem como desenvolver e propagar conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância.

Assim como os demais cursos de nível secundário, o curso normal foi dividido em dois ciclos: o primeiro, com duração de quatro anos oferecia o curso de regente de ensino primário e o segundo, em três anos, oferecia o curso de formação de professor primário. O primeiro funcionaria em escolas normais regionais e o segundo, funcionaria em escolas normais e institutos de educação. Aos institutos de educação foi também atribuída a especialização do magistério e de habilitação para administradores escolares do grau primário.

No artigo 47, a lei previa que todos os estabelecimentos de ensino normal deveriam manter escolas primárias anexas para demonstração e prática de ensino. Cada curso normal regional deveria manter, ao menos, duas escolas primárias isoladas. Cada escola normal manteria um grupo escolar e cada instituto de educação manteria um grupo escolar e um jardim de infância. A este respeito, a Recomendação nº 4 (BIE, 1935) que tratava da formação profissional do futuro professor, já apontava a necessidade de escolas-modelo, anexas. Recomendava também este tipo de preparação de professores, tanto para os que iriam atuar em escolas urbanas como aqueles que trabalhariam em escolas rurais. Saviani (2009, p. 147) explica assim, a organização curricular dos cursos normais:

Se os cursos normais de primeiro ciclo, pela sua similitude com os ginásios, tinham um currículo centrado nas disciplinas de cultura geral, no estilo das velhas Escolas Normais, tão criticadas, os cursos de segundo ciclo contemplavam todos os fundamentos da educação introduzidos pelas reformas da década de 1930.

Nesse sentido, a formação do professor, conforme enfatizada nas Recomendações da UNESCO deveria ser a mais completa, valorizando uma sólida cultura geral além da formação profissional propriamente dita (UNESCO, Recomendações nº 32 de 1951, nº 36 de 1953, nº 45 de 1957, além de outras posteriores). Estas Recomendações ratificavam as Recomendações do BIE, nº 4, de 1935 que tratava da formação profissional do professor primário.

Há outras consonâncias referentes à organização curricular dos cursos de formação de professores verificada entre as recomendações do BIE, que foram atendidas pela Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) e posteriormente, ratificadas nas Recomendações da UNESCO. Esta organização defendia a presença de disciplinas ou cursos que possibilitassem aos futuros professores uma completa formação nas questões que se referiam às noções de higiene, habilidades artísticas e sociais. Segundo a UNESCO, a preparação profissional propriamente dita deveria compreender não somente estudos psicológicos, pedagógicos e a prática do ensino, mas também cursos especiais relacionados, por exemplo, ao estudo dos fatos sociais, da economia doméstica, da higiene, da educação física, do canto, do desenho, dos trabalhos manuais, da agricultura, etc. (UNESCO, Recomendação nº 36, 1953). O documento detalha a importância de tais aprendizados ao professor:

A formação pedagógica deve igualmente compreender cursos sobre higiene escolar, sobre os cuidados a dar às crianças e sobre as precauções a tomar contra as doenças infecciosas e as epidemias; [...] Em vista do papel social que desempenha o professor, deve êle receber uma preparação teórica e prática a fim de compreender o lugar que lhe é reservado na comunidade[...] (UNESCO, Recomendação nº 36, 1953).

Tais questões foram contempladas nos artigos 7, 8 e 9 da Lei Orgânica do Ensino Normal que apresentam os programas para o curso de regentes de ensino primário e para o curso de formação de professores primários. Nesses foi inserida ou foram inseridas, em cada uma das séries, alguma(s) das disciplinas: de Desenho e Caligrafia, Canto Orfeônico, Trabalhos Manuais e atividades econômicas da região, Desenho, Educação Física, Recreação e Jogos, Música e Canto, Desenho e Artes Aplicadas, Higiene e Educação Sanitária, Noções de Higiene. Segundo Miguel (1997, p. 165):

Os conteúdos de Higiene reforçaram a noção de que as informações aí obtidas se constituíam em instrumentos pelos quais o professor realizava a vida educativa da escola e interferiria nos hábitos dos moradores das zonas rurais, melhorando as condições de saúde da região.

A UNESCO, na Recomendação nº 36 (1953), alertava para a necessidade de que os futuros professores recebessem formação especializada a fim de que pudessem atuar em determinados segmentos da educação primária, tais como a educação pré-escolar, a educação de crianças deficientes, etc. (também presente na Recomendação nº 7, de 1936, emitida pelo BIE). O artigo 10 da Lei Orgânica estava em conformidade com essa questão e atribuía aos institutos de educação a oferta de tais cursos. Segundo estabelecia essa lei, os cursos de especialização de ensino normal deveriam compreender, os seguintes ramos: educação pré-primária; didática especial do curso complementar primário; didática especial do ensino supletivo, didática especial de desenho e artes aplicadas; didática de música e canto (BRASIL, 1946).Verifica-se nos artigos 39 e 40 da Recomendação nº 36, a importância atribuída ao estágio.

39. É conveniente reservar aos estágios a maior parte do tempo destinado aos estudos pedagógicos, pois a formação prática dos alunos-mestres constitui um dos aspectos essenciais da preparação profissional do magistério primário (UNESCO, Recomendação nº 36, 1953).

Segundo a mesma recomendação, a prática dos alunos deveria lhes permitir uma formação que os tornasse capaz de compreender a vida da escola inserida no meio à qual pertencia. No entanto, o artigo 14 da Lei Orgânica é bastante sucinto nessa questão legislando que “[..]a prática de ensino será feita em exercícios de observação e de participação real no trabalho docente, de tal modo que nela se integrem os conhecimentos teóricos e técnicos de todo o curso” (BRASIL, 1946).

A UNESCO recomendou também a necessidade de que as escolas de formação de professores primários tivessem “[...] sob seu controle uma ou várias escolas, se possível do tipo experimental, onde os alunos-mestres” pudessem “completar uma parte de seus estágios práticos” (UNESCO, Recomendação nº 36, 1953). Entretanto, alertava para que tal formação não se limitasse às escolas de aplicação, mas que os futuros professores tivessem experiência também em escolas comuns. Tal aspecto foi tratado no artigo 47 da Lei Orgânica que prescrevia que cada curso normal regional deveria manter ao menos, duas escolas primárias isoladas. Cada escola normal deveria manter um grupo escolar e cada instituto de educação, manteria um grupo escolar e um jardim de infância. A UNESCO sublinhava ainda, a necessidade de equilíbrio entre a formação geral e a preparação profissional do futuro professor, além de sua valorização profissional, apoio das autoridades educacionais, necessidade constante de aperfeiçoamento por parte dos professores, redução de professores sem formação, formação acelerada de caráter provisório, dentre outras recomendações.

O princípio da gratuidade nos cursos de formação de professores é mencionado nas recomendações de números 36 (1953), 45 (1957), 57 (1963), após a Lei Orgânica. No entanto, esta questão já estava presente nas Recomendações aos Ministérios da Instrução Pública de diversos países, emitida pelo BIE, nº 8, em 1936. Tal princípio foi contemplado no artigo 50 da Lei Orgânica da seguinte forma: “Os poderes públicos tomarão medidas que tenham por objetivo acentuar a gratuidade do ensino normal e bem assim, para a instituição de bolsas, destinadas a estudantes de zonas que mais necessitem de professores primários” (BRASIL, 1946).

A UNESCO demonstrava preocupação com as condições de admissão à carreira do magistério. Tais condições deveriam ser observadas pelas instituições que ofereciam os cursos de preparação para essa profissão, quando da seleção dos candidatos. Além das qualificações, certificados e diplomas, também “a força, o caráter, as aptidões físicas e psíquicas, o amor à infância, o espírito de devotamento e o sentido da sociedade” (UNESCO, Recomendação nº 36, 1953). Para isso, os candidatos deveriam passar por exames psicológicos e entrevistas. Tal questão já fora objeto da Recomendação nº 4, de 1935 (BIE) que se referia à seleção dos candidatos ao curso de magistério, quando deveriam ser consideradas, atitudes morais, intelectuais e físicas dos mesmos. No Brasil, com a Lei Orgânica, a admissão ao curso de quaisquer dos ciclos do ensino normal exigia dos candidatos que fossem brasileiros, tivessem sanidade física e mental, comprovassem ausência de defeito físico ou distúrbio funcional que os impedissem de exercer a função docente. Ainda, que tivessem bom comportamento social e fossem habilitados em exames de admissão.

Sobre a admissão ao curso normal, a Lei Orgânica de 46, legislou uma idade mínima de 13 anos para o acesso ao curso de primeiro ciclo e 15 anos para o segundo ciclo, não sendo admitidos candidatos maiores de 25 anos (artigo 21). Neste último aspecto há uma contradição face à recomendação da UNESCO, que deu a seguinte orientação: “[...] todas as facilidades devem ser igualmente dadas às pessoas que, tardiamente, descubram aptidões ou vocação necessárias para a profissão de educador, para receber ou completar a formação geral e profissional indispensável a essa função” (UNESCO, Recomendação nº 36, 1953). Todavia, com relação à idade mínima, a UNESCO considerava que: “[...] não se deve, entretanto, esquecer os perigos que apresenta a admissão de candidatos que não tenham maturidade de espírito desejável para poder julgar das responsabilidades inerentes à carreira e enfrentar as dificuldades da mesma (UNESCO, Recomendação nº 36, 1953).

A Recomendação nº 45 (1957) consta de 33 artigos referentes à formação dos professores de ensino normal, discorrendo sobre a necessidade de que tal formação ocorresse em estabelecimentos de nível superior, detalhando aspectos desse processo. Apontou ainda, questões de valorização salarial, igualdade de condições de acesso independente de questões de gênero, formas de contratação. Neste sentido, a UNESCO recomendou “[...] qualquer que seja o sistema adotado (concurso, nomeação por escolha, etc.), deve a designação dos professores de ensino normal ser imparcial e levar em conta unicamente os títulos, conhecimentos dos candidatos e qualidades de educador” (UNESCO, Recomendação n. 45, 1957 e Recomendação nº 52, 1961). Em relação a esta questão, a Lei Orgânica do Ensino Normal estabelecia que:

A constituição do corpo docente em cada estabelecimento de ensino normal, far-se-á com observância dos seguintes preceitos: 1. Deverão os professores do ensino normal receber conveniente formação, em cursos apropriados, em regra de ensino superior. 2. O provimento, em caráter efetivo, dos professores dependerá da prestação de concurso. 3. Dos candidatos ao exercício do magistério nos estabelecimentos de ensino normal exigir-se-á inscrição, em competente registro do Ministério da Educação e Saúde (BRASIL, 1946, p. 10).

Portanto, esclareceu que o provimento dos professores do ensino normal somente se daria por meio de concurso, a formação deveria ocorrer preferencialmente em estabelecimentos de nível superior e a tais professores seria garantida uma remuneração digna.

Uma questão importante considerada tanto pelo BIE quanto pela UNESCO, foi relativa às escolas rurais. A Recomendação nº 47 (1958) revelava a preocupação com a educação rural, atentando para a importância que os futuros professores, estudantes de escolas normais rurais, não recebessem uma formação inferior aos seus colegas da zona urbana e que fossem iniciados “[...] nos problemas da vida escolar e na prática do ensino nas escolas de professor único” (UNESCO, Recomendação nº 47, 1958).

O BIE, em 1936, dedicou a Recomendação nº 8, à Organização do Ensino Rural, apontando como principal objetivo dessa educação, o combate ao êxodo rural da população do campo. Afirmava que a escola rural não teria o objetivo de oferecer um ensino propriamente agrícola, mas sim, de fazer os estudantes dessas regiões, compreenderem a dignidade social e intelectual da vida camponesa e lhes dar conhecimentos científicos de base para o exercício inteligente das profissões rurais. Fazia ainda, outras recomendações, como a de que o nível escolar das escolas rurais não fosse menor do que o das escolas urbanas; que os programas a serem desenvolvidos nessas escolas fossem adaptados às condições locais; em particular, o professor trabalhasse com “centros de interesse”, de acordo com o meio no qual os alunos viviam.

Já recomendava a criação de escolas “centrais”, como medida para diminuir o número de escolas de classe única e que fossem organizados os serviços de transporte escolar dos alunos, bem como os serviços de cantina. (É possível afirmar que a recomendação de criação de escolas centrais foi posteriormente aplicada no Brasil, como política de nucleação, com auxílio do transporte escolar). Por fim recomendava que as atividades dessas escolas fossem complementadas por atividades periescolares e pós-escolares, trazendo a família para participar; ainda as bibliotecas itinerantes, filmes educativos, missões pedagógicas ou culturais. No Paraná, Erasmo Pilotto, enquanto Secretário de Educação e Cultura (1949-1951) enfatizou a realização de tais medidas nas escolas primárias paranaenses. No Brasil, o primeiro estabelecimento dessa natureza foi a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, fundada em 1934. De acordo com Werle (2012), até 1950 as Escolas Normais Rurais eram consideradas instituições de nível complementar ao primário ou, no máximo, de nível secundário. Entre os anos de 1930 a 1950 tais escolas faziam-se presentes em vários estados brasileiros com o objetivo de formar professores para as escolas do interior, antecipando-se, portanto, às próprias recomendações da UNESCO.

Segundo Tanuri (2000, p. 75), a Lei Orgânica do Ensino Normal, “[...] não introduziu grandes inovações, apenas acabando por consagrar um padrão de ensino normal que já vinha sendo adotado em vários estados”. No entanto, é possível afirmar que esta lei atendeu a muitas das recomendações feitas pelo Bureau International d’Education, posteriormente ratificadas nas recomendações da UNESCO e também normatizou a formação de professores no Brasil. A Lei alterou a denominação dos cursos Normais Rurais para Normais Regionais, mantendo-os “[...] como forma de solucionar o problema de formação do professor nas zonas rurais, ou naquelas afastadas das cidades maiores” (MIGUEL, 1997, p. 149). Entretanto, não apresentou pormenores sobre a formação desses professores tal como verificado nas propostas da UNESCO. De um modo geral, muitas das recomendações foram propostas na Lei Orgânica de 1946, referente ao Ensino Normal.

O Paraná nos anos de 1946-61 e a formação de professores

Para compreender a formação de professores no Paraná, sob a égide da Lei Orgânica de 1946, é necessário perceber como se desenvolvia o contexto socioeconômico, político e cultural, no qual estavam inseridas as escolas normais e normais primárias responsáveis pela formação do professor.

No final da década de 1930, o estado, assim como ocorreu em outros da federação, sofria algumas modificações implantadas pelo Estado Novo. De acordo com Ianni (1989), o Estado brasileiro, enquanto “mediação das classes sociais” promovia a

progressiva estruturação de uma política econômica de desenvolvimento industrial, a reformulação do aparelho estatal, em face das transformações da estrutura econômica, da diferenciação do sistema social, especialmente da estrutura de classes sociais. Enfim, colocavam-se em outros termos as tensões e os conflitos entre a civilização agrária voltada para fora e em crises sucessivas, e a civilização urbano-industrial nascente (IANNI, 1989, p. 129).

Diante desse contexto, o poder público no Paraná procurava atender às demandas sociais motivadas principalmente, pelas necessidades geradas pelas modificações sociais e de produção da vida material. O avanço do capitalismo impulsionou a expansão do trabalho assalariado e significou “[...]um crescimento constante da demanda social da educação [...]” (ROMANELLI, 2001, p. 59), já que se fazia necessário formar mão de obra apta para produzir.

A extração, beneficiamento e comércio da erva-mate beneficiaram fortemente o desenvolvimento econômico do Paraná, no início do período republicano. Posteriormente, o estado desenvolveu-se pela cultura do café. Entretanto, a indústria da madeira, a suinocultura e os avanços trazidos pela imigração européia também movimentaram significativamente a economia do estado (WACHOWICZ, 2010). A partir de 1940 registrou-se um significativo aumento da população, passando de 1.236.276 habitantes para 2.115.547 habitantes em 1950 (mais de 70%). Tal fator concorreu para a ampliação da demanda escolar que, segundo Miguel e Vieira (2005), desenvolveu-se tardiamente no estado que, ainda no início do século XX, era um território pobre e de população rarefeita, no qual as escolas não se faziam necessárias.

Diante disso, após 1946 as escolas existentes no estado não davam conta da demanda. A figura do professor era vista pelo governo”[...]como aquele que iria formar o novo homem para a sociedade que, no Paraná, embora não se industrializasse, sofria os impactos da urbanização[...]” (MIGUEL, 2008, p. 159).

Com a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Normal, o principal estabelecimento de formação de professores do Paraná, a Escola de Professores de Curitiba, transformou-se em Instituto de Educação e adotou o programa sugerido pela referida Lei. O Paraná contava então com Escolas Normais em Paranaguá, Ponta Grossa, Londrina e Jacarezinho, além de Curitiba. “[...]as normalistas se acumulavam nos centros urbanos reforçando a necessidade de formar professores para as zonas rurais” (MIGUEL, 2008, p. 160).

Nesse período, Erasmo Pilotto assumiu o comando da Secretaria de Educação do Estado (1949-1951), auxiliado por ex-alunos que haviam sido formados como líderes. Sua atuação mobilizou-se no sentido de aplicar os fundamentos da educação que haviam sido colocados em prática na Escola de Professores de Curitiba. Entre as suas ações, Pilotto propôs o Programa para os Cursos Normais Regionais, recomendando inclusive, o modelo mexicano de implantação das missões culturais, sob a influência de Lourenço Filho5, com o objetivo de alfabetizar e escolarizar a população que vivia no meio rural.

Nas missões culturais mexicanas os professores eram como missionários que percorriam os lugares habitados pela população indígena levando a educação escolar e buscando novos mestres entre os já escolarizados (MIGUEL, 2010).

No Paraná, esta orientação foi a de que o professor da zona rural trabalhasse com a população da comunidade viabilizando o seu acesso à cultura elaborada (melhores obras, músicas clássicas), e ainda o ensino às mulheres do aproveitamento de frutas e outros produtos em conservas e compotas. Segundo Miguel (2008, p. 160), Pilotto

Elaborou também instruções que tinham por finalidade formar o professor para ser um profundo conhecedor do meio no qual a escola estava situada, com consciência dos problemas regionais e liderar a comunidade para a solução dos mesmos. Quanto à ação escolar propriamente dita, os alunos deveriam estudar os problemas pedagógicos relacionados à região e promover a cultura pedagógica, orientando não só os pais dos alunos, mas toda a comunidade.

A Carta Brasileira de Educação Democrática, assinada pelo Brasil após a realização do VIII Congresso Nacional de Educação, em 1942, registrou o apoio à UNESCO e demonstrou seu interesse em vir a tornar-se um dos países membros. O referido documento enfatizava “[...]a conveniência da organização de missões culturais destinadas ao aperfeiçoamento dos professores rurais, em seu próprio ambiente de trabalho” (LEMME, 2004, p. 85, apud AKESENEN; MIGUEL, 2019, p. 128).

As missões culturais, recomendadas anteriormente pelo Bureau internacional de Educação (Recomendação nº 8, de 1936) foram amplamente discutidas e confirmadas em documentos da UNESCO a partir de sua constituição. Foram também vividas nas escolas primárias das zonas rurais do Paraná, com recomendações específicas aos professores, conforme consta dos capítulos 8 e 9, da obra de Pilotto: A educação é direito de todos, publicada em 1952.

Verifica-se na legislação educacional do Paraná a adesão ao princípio da gratuidade dos cursos normais em consonância com a Lei Orgânica e as recomendações da UNESCO. Trata-se da Lei nº 312, de 03 de dezembro de 1949, promulgada na gestão de Moyses Lupion, a qual reza em seu Artigo 1º: “O ensino público secundário e normal é gratuito, não podendo, igualmente, sôbre atos a ele dirètamente ligados incidir selos, taxas, impostos ou emolumentos de qualquer natureza” (PARANÁ, 1949).

Considerações finais

Pesquisando as relações da educação brasileira e paranaense com as recomendações internacionais foi possível resgatar a história da formação do Bureau international d’Education (BIE) e sua posterior integração à UNESCO, bem como a influência das recomendações presentes na Lei Orgânica do Ensino Normal de 1946. A investigação possibilitou a melhor compreensão das medidas tomadas pelo Secretário de Educação e Cultura do Paraná Erasmo Pilotto durante seu período de gestão (1949-1951), buscando atender às Leis Orgânicas e as primeiras Recomendações emitidas pelo BIE quanto à formação de professores para o ensino primário, tanto nas zonas rurais como nos centros urbanos, bem como as Recomendações emitidas pela UNESCO.

O estudo da educação paranaense, considerando o contexto nacional e suas relações internacionais nos levam a perceber que, mesmo antes da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1961), as medidas tomadas e levadas a efeito nos estados, como é o caso do Paraná, não existiram isoladamente, mas vincularam-se às políticas nacionais e internacionais, principalmente às Recomendações do Bureau international d’Education e à UNESCO. Estas Recomendações estavam em parte, presentes na Lei Orgânica do Ensino Normal de 1946 e veiculadas pelo INEP, em nível nacional.

Tais Recomendações foram seguidas e aplicadas não somente em termos de leis nacionais e estaduais, mas também na formação de professores, que depois de formados, buscaram executá-las quando nas escolas exercendo suas práticas pedagógicas.

O INEP, após a sua criação, atuou como uma importante instância político-educacional de mediação, possibilitando que tais medidas tomadas internacionalmente chegassem às escolas brasileiras, por meio das publicações das Recomendações e de artigos, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.

Concluimos com a constatação de que é possível aprofundar a compreensão da história e das políticas da educação levadas a efeito nos estados brasileiros, quando consideradas no cenário internacional. Enquanto vividas nas escolas paranaenses, guardaram singularidade (categoria do particular), adequando-se ou não, de acordo com as conformações do meio, às Recomendações do BIE e da UNESCO. Estas podem ser conceituadas na categoria do universal, uma vez que se endereçavam a todos os países então considerados de 3º mundo, como era o caso do Brasil. A educação era percebida como um fator de desenvolvimento para esses países e por isso deveria receber atenção, no que se referia à formação do professor que iria atuar junto à população, formando o homem, fator de desenvolvimento.

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1RECOMMANDATIONS 1934 - 1977. UNESCO. Disponível em: www.unesco/org/education/pdf/34_77_F. PDF. Acesso em 15 out. 2018

2BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Conferências Internacionais de Instrução Pública. Recomendações 1934-1963. 1965. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002529.pdf. Acesso em 20 out. 2019.

3Havia sido assinado um acordo provisório em 28/02/1947, segundo Rosseló (1979, p. xv).

4Embora os escritos de Jean Piaget e de Pedro Rosseló tenham sido redigidos para publicações anteriores, usamos as datas de referência da publicação das Recomendações tomadas como fonte, isto é 1979, data de sua publicação.

5A propósito, recomenda-se a leitura Les programmes de l’enseignement primaire en Amérique Latine, da autoria de Lourenço Filho, disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001338/133801 fo.pdf. Acesso em: 11 jun. 2020.

Recebido: 16 de Junho de 2020; Aceito: 23 de Setembro de 2020

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English version by Solange Dreveniacki. E-mail: sdreveniack@gmail.com.

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