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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.20  Uberlândia  2021  Epub 29-Ene-2022

https://doi.org/10.14393/che-v20-2021-57 

Resenhas

Educação e transformação social em Iván Illich, Paulo Freire e Ernesto Guevara

Education and social transformation in Iván Illich, Paulo Freire and Ernesto Guevara

Educación y transformación social em Iván Illich, Paulo Freire y Ernesto Guevara

Eva Aparecida da Silva1 
http://orcid.org/0000-0003-2821-4062; lattes: 8386908940454101

1Universidade Estadual Paulista (Brasil). eva.silva@unesp.br

DONOSO ROMO, Andrés. A educação emancipatória: Iván Illich, Paulo Freire, Ernesto Guevara e o pensamento latino-americano. Tradução:, Garroux, Daniel; Castilho, Mariana Moreno. São Paulo: Edusp, 2020. 152pp.


A análise dos escritos diversos - livros, artigos e outros textos - de três pensadores latino-americanos foi como Andrés Donoso Romo escolheu se aprofundar no pensamento latino-americano contemporâneo, detendo-se especialmente no papel da educação como o caminho para sociedades mais justas. Os pensadores escolhidos para a reflexão foram o austríaco-mexicano Iván Illich (1926-2002), o brasileiro Paulo Freire (1921-1997) e o argentino-cubano Ernesto Guevara (1928-1967), considerando que suas propostas de educação são entendidas como forma de transformação social e também por terem se tornado referências importantes para as correntes de pensamento às quais se filiavam. O conjunto de ideias, concepções e interpretações compartilhado pela população da América Latina encontra-se bem retratado nas obras de seus principais pensadores, devidamente contextualizadas e analisadas em suas convergências e divergências neste livro.

Esta obra resulta das pesquisas do autor sobre a relação entre educação e transformação social no pensamento latino-americano de Iván Illich, Paulo Freire e Ernesto Guevara, no contexto da América Latina das décadas de 1950 a 1970, principalmente, o que nos permite compreender as idéias e propostas educativas elaboradas por esses pensadores no período mais efervescente da história latino-americana. Ela está organizada em três partes, sendo as duas primeiras subdivididas em três capítulos e a terceira composta por um capítulo único, totalizando, portanto, sete envolventes capítulos.

No Capítulo 1 - As Tensões Contemporâneas da América Latina em Perspectiva Histórica, o autor traça aspectos da história da América Latina do final do século XIX à década de 1980, dando destaque a três períodos específicos, em suas dimensões cultural, econômica e política: final do século XIX ao ano de 1910, caracterizado por mudanças culturais, principalmente no modo de vida e de trabalho da população, decorrentes do crescente processo de industrialização; ano de 1914 a 1945, entre guerras, período de instabilidade econômica, com queda da exportação de bens primários, planificação da industrialização, investimento de capital estrangeiro (multinacionais), intervencionismo norte-americano; meados do século XX até 1980, período antecedido por movimentos de expropriação dos latifúndios para uso das terras improdutivas e pela introdução de novas tecnologias nos processos produtivos, e marcado pela queda do preço do petróleo, desindustrialização, acirramento da “questão social” (desemprego, pobreza, má distribuição da riqueza), assim como por vários golpes de Estado ou guerras civis, e posterior ascensão do neoliberalismo, a partir do final dos anos 1970.

O Capítulo 2 - O Desenvolvimento em Disputa na Intelectualidade Latino-americana - retrata o período intelectual mais fecundo na América Latina - terceiro quarto do século XX (anos 1950 e 1960) - no qual estão inseridas as principais correntes de pensamento e práticas dos intelectuais latino-americanos, com reflexões e debates que giram em torno da noção de desenvolvimento e da “questão social”. De um lado, um grupo de defensores do desenvolvimento por meio do crescimento econômico, via industrialização, urbanização e modernização, dando “corpo” à chamada “teoria do desenvolvimento” e do “capital humano”, que ressalta a importância da educação na formação da mão-de-obra e em prol do desenvolvimento. Do outro lado, o grupo dos “dependentistas”, que, responsáveis pela concepção da “teoria da dependência”, trouxeram questionamentos acerca da persistência da condição de subdesenvolvimento dos países da América Latina, apesar de toda crença no desenvolvimento, e, consequentemente, da “questão social”, e dos adeptos da “teoria da libertação”, para os quais a educação deveria promover mudanças subjetivas que levassem à libertação, à revolução. Por fim, os anos 1970 foram marcados pela imposição da força, pelo medo e pela censura do livre pensamento, o que fez com que muitos dos intelectuais latino-americanos fossem exilados.

O Capítulo 3 - Os Melhores Anos da Educação na América Latina, 1950-1980, enfatiza o papel atribuído à educação, escolar, pelos setores dirigentes e, em contrapartida, pelas camadas populares, e coloca em evidência as experiências de educação não-formal e de educação popular vigentes neste período. Se para as elites dirigentes a educação escolar era um fator importante na qualificação dos trabalhadores para o desenvolvimento, especialmente econômico, e para isso a necessidade de expansão de sua cobertura e reforma do sistema de ensino, para as camadas populares, considerada a diversidade de percepções, ela era desde a “fonte” mais segura para prover a alimentação das crianças à possibilidade de aquisição de conhecimentos que lhes garantissem melhores condições de vida. Por sua vez, a educação não-formal se tornou uma alternativa para ampliar o acesso à educação, mas fora da instituição escola, e a educação popular um movimento de base, a partir e para os setores populares, voltado para a alfabetização de adultos, resistência e libertação. Já em meados dos anos 1970, rumo à década de 1980, a educação deixa de ser prioridade como estratégia de desenvolvimento e, com a emergência do neoliberalismo, os Estados passam a reduzir os investimentos em educação.

No Capítulo 4 - Iván Illich, a Desescolarização e a Revolução Cultural, o autor nos apresenta o austríaco-mexicano Iván Illich (1926 a 2002) e suas reflexões sobre a relação entre educação e transformação social, em seus anos (1968 a 1974) mais férteis, no México, e, com isso, sua proposta de superação do modelo de escola obrigatória, que, a serviço da manutenção da estrutura e das relações sociais fundamentadas no binômio opressor-oprimido, impossibilitava a conscientização, a criticidade e a autonomia dos sujeitos como seres políticos capazes de decidir sobre as próprias vidas. Para tal superação, Illich defende uma revolução pacífica, cultural, de forma a romper com os “grilhões” da opressão, e a configuração de “redes de comunicação educativa”, que, decorrentes de um processo de “desescolarização da sociedade”, tal como postulado em “Sociedade sem Escolas”, promoveriam o acesso a conhecimentos diversos, críticos e também relacionados à realidade, às vontades e interesses de todas as pessoas, numa relação de reciprocidade, de ensinar e aprender, entre “educadores e educandos”.

O Capítulo 5 - Paulo Freire, o Pensamento Latino-americano e a Luta pela Libertação nos coloca em contato com um outro grande pensador, e educador, o brasileiro Paulo Freire (1921 a 1997), cuja infância em Recife, capital de Pernambuco, foi repleta de “amor, letras e subversão”, ´numa relação constante com a educação, assim como suas experiências de alfabetização de adultos por meio do chamado método freireano, com referência nas vivências dos sujeitos adultos, nos círculos de cultura, no diálogo, nas palavras e temas geradores. Método que, para além de apenas alfabetizar, objetiva levar a conscientização acerca da opressão e da relação opressor-oprimido para uma transformação social por vias pacíficas (revolução cultural). Esta proposta educativa e de libertação “ganhou o mundo”, a partir da presença de Paulo Freire em outros países, como é o caso do Chile, onde ficou exilado durante o período que vai de 1964 a 1969, no qual escreveu obras como “Pedagogia da Liberdade” e “Pedagogia do Oprimido” e firmou sua identidade latino-americana, mas também da circulação e divulgação de suas obras, experiências e pensamento por tantos outros lugares.

O Capítulo 6 - Ernesto Guevara e o papel da educação nos movimentos revolucionários nos informa que o argentino-cubano Ernesto Guevara (1928-1967) teve uma relação de proximidade com a educação desde sua tenra idade na Argentina, tendo sido apresentado à leitura e à escrita por sua mãe, hábitos constantes em sua adolescência, juventude e adultez, inclusive ao viajar por diversos países (Chile, Peru, Colômbia, Venezuela e Estados Unidos, Bolívia, Peru, Equador, Panamá, América Central, México e Cuba), no contexto, principalmente, das décadas de 1950 e 1960. Para além das paisagens, experiências, seus registros de viagem revelavam, sobretudo, as condições de miséria e as relações de exploração vivenciadas pelos setores populares destes países latino-americanos, e delineavam a revolução para a libertação e instauração de uma “nova sociedade”, por meio da luta armada. Para isso, num primeiro momento, a educação assume um papel imprescindível na formação dos jovens cubanos integrantes do Exército Rebelde e da Escola de Recrutas, assim como na alfabetização de camponeses, incluindo, obviamente, o ensino acerca da importância da via armada. Posteriormente, com a Revolução Cubana, as fortalezas militares foram transformadas em escolas, o ensino privado foi extinto, rompendo com a dicotomia “escolas para ricos e escolas para pobres”, e a cobertura escolar foi ampliada, no sentido de educar para a gênese e soberania de um “homem novo”, capaz de colocar os interesses coletivos acima dos individuais, numa sociedade sem dominantes e dominados, como refletiu em “O Socialismo e o Homem em Cuba”.

Por fim, no Capítulo 7 - Educação e transformação social no pensamento latino-americano, o autor enfatiza a importância da educação para a transformação social, e o vínculo entre ambas, tanto no contexto das sociedades latino-americanas do século passado, marcadas pela miséria e opressão, por um lado, e pela luta e resistência de outro, quanto das sociedades dos tempos atuais, já que, ainda, há a crença, por muitos, na possibilidade de sociedades mais justas. Com isso, a relevância do pensamento latino-americano de Iván Illich, Paulo Freire e Ernesto Guevara, naquele espaço e tempo sócio-históricos e na atualidade, convergentes e também dissonantes acerca da inevitabilidade de uma revolução pacífica e/ou armada, da conscientização para a libertação, da maneira pelas quais tais objetivos se concretizariam via educação, dentre outros aspectos.

A leitura desta marcante obra, fundamentada num consistente aporte teórico e documental, nos permite compreender as “visões de mundo” de Iván Illich, Paulo Freire e Ernesto Guevara acerca do possível e necessário vínculo entre educação e transformação social, tomando como referência a relação sujeito, trajetória de vida e contexto sócio-histórico e cultural, para constatar que suas “visões de mundo” não se restringem apenas a cada um deles, sujeitos, porque construídas a partir de suas experiências vividas, observadas e refletidas, mas são também compartilhadas por um grupo, sobretudo aquele que almejou e almeja sociedades mais justas e emancipadas, quiçá sem dominadores e dominados, e se estendem e se perpetuam a partir de uma época - de efervescência da história da América Latina e do pensamento latino-americano.

REFERÊNCIAS

DONOSO ROMO, Andrés. A educação emancipatória: Iván Illich, Paulo Freire, Ernesto Guevara e o pensamento latino-americano. Tradução: Daniel Garroux e Mariana Moreno Castilho. São Paulo: Edusp, 2020. 152p. [ Links ]

Recebido: 09 de Julho de 2021; Aceito: 15 de Agosto de 2021

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