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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub 13-Sep-2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-107 

Artigo Especial

Educação, Direito de Todos e o Bicentenário da Independência

Educación, Derecho de Todos y el Bicentenario de la Independencia

Carlos Roberto Jamil Cury1 
http://orcid.org/0000-0001-5555-6602; lattes: 2686596980826238

1Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Brasil). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível SR. crjcury.bh@terra.com.br


Resumo

Este artigo, a propósito da comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, pretende examinar o direito à educação à luz das Constituições Nacionais, outorgadas e proclamadas. Para tanto, parte-se da maximização do direito à educação, proclamada na Constituição de 1988, para retomar a ela, inserindo as emendas constitucionais cujo teor deu mais solidez a esse direito. Ao passar pelas Constituições anteriores, verifica-se que o direito à educação foi se alargando nas Constituições proclamadas, vale dizer, ampliando a inclusão. Já em Constituições outorgadas, a inclusão cede o passo a dispositivos retroativos e autoritários. Sob a linha do tempo, plaina a democracia como substrato dos avanços proclamados, e o direito à educação depende de mais democracia para sua efetivação.

Palavras-chave: Direito à educação no Brasil; Educação e Constituições Nacionais; Educação como direitos de todos

Resumen

Este artículo, a propósito de la conmemoración del Bicentenario de la Independencia de Brasil, pretende examinar el derecho a la educación a la luz de las Constituciones Nacionales, otorgadas y proclamadas. Para esto, se parte de la maximización del derecho a la educación, proclamada en la Constitución de 1988, para retomarla, incluyendo las enmiendas constitucionales cuyo contenido dio mayor solidez a ese derecho. Al pasar por las Constituciones anteriores, se verifica que el derecho a la educación se fue extendiendo en las Constituciones proclamadas, vale decir, ampliando la inclusión. Ya en Constituciones otorgadas, la inclusión cede el paso a dispositivos retroactivos y autoritarios. Sobre la línea del tiempo, nivela la democracia como sustrato de los avances proclamados, y el derecho a la educación depende de más democracia para su concreción.

Palabras-clave: Derecho a la educación en Brasil; Educación y Constituciones Nacionales; Educación como derecho de todos

Abstract

The aim of this article, pertinent to commemoration of the bicentennial of the Independence of Brazil, is to examine the right to education in the light of Brazilian constitutions that were granted and proclaimed. For that purpose, based on maximization of the right to education proclaimed in the Constitution of 1988, we re-examine this right, along with the constitutional amendments that granted greater solidity to this right. A review of the previous constitutions shows that the right to education broadened under the constitutions proclaimed, so to speak, expanding inclusion. But in constitutions granted, inclusion gives way to retroactive and authoritarian instruments. Over time, democracy smooths over as the substrate of the proclaimed advances, and the right to education depends on greater democracy to become effective.

Keywords: right to education in Brazil; education and national constitutions; education as a right of all

1492, 1792, 1822, 1922

Datas. Mas o que são datas?

Datas são as pontas de iceberg.

[...]

Mas de onde vêm a força e a resistência dessas combinações de algarismos?

1492, 1792, 1822, 1922

Vêm daquelas massas ocultas de que as datas são índices.

Vêm da relação inextrincável entre o acontecimento, que elas fixam com a simplicidade aritmética e a polifonia do tempo social, do tempo cultural, do tempo corporal, que pulsa sob a linha de superfícies dos eventos. (BOSI, 1992, p.19)

A rememoração do bicentenário da Independência do Brasil e também de outras efemérides como os 90 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, os mesmos anos do Código Eleitoral de 1932 e o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, nos convocam a verificar a relação entre o acontecimento e as massas ocultas nos tempos assinalados pela epígrafe acima, entre os quais se pode incluir o tempo da educação.

Certamente, não são e nem serão poucos os retratos que diversas análises hão de comparecer nas revistas, nos livros, em artigos de jornais, com base em estatísticas e em outros recortes de natureza vária.

Aqui se pretende, uma vez mais, identificar esta relação inextrincável entre a afirmação reiterada da expressão direito de todos , presente em dispositivos do ordenamento jurídico e o âmbito de aplicabilidade dessa mesma expressão. Para tanto, parte-se da maximização do direito à educação, proclamada na Constituição de 1988, para retomar a ela, (re)passando o conjunto das Constituições que a precederam, proclamadas ou outorgadas.

Começando pelos fundamentos do todos inscrito no direito à educação na Constituição de 1988, volta-se ao passado para se verificar o âmbito de aplicabilidade desse todos . E assim, essa expressão é retomada nas Constituições precedentes à de 1988, iniciando pela Constituição Imperial de 1824.

A Constituição de 1988

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 205, define a educação como “direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988). No mesmo artigo, há uma referência “ao pleno desenvolvimento da pessoa”. Estamos diante de dois conceitos: todos e pessoa . A que se refere e a quem se refere todos ? A que se refere e a quem se refere pessoa ? Pode-se considerar o todos como sendo o conjunto das pessoas ? O todos refere-se apenas aos cidadãos/cidadãs e a pessoa se refere a todos os seres humanos?

Resta claro que, qualquer que seja a resposta, o todos e o conjunto das pessoas , no caso, apelam para uma educação inclusiva , sem restrição de qualquer natureza. Por isso, há uma articulação entre a pessoa do educando e o cidadão.

O termo todos, gramaticalmente, um pronome indefinido plural, se reporta a um conjunto não especificado e não determinado. Portanto, ao contrário do que se possa supor, ele não se restringe ao universo do sexo masculino. Ele comporta a ideia de número máximo, ou seja, um âmbito máximo de aplicabilidade.

Isso quer dizer que o pronome indefinido plural todos é um denominador comum , podendo se aplicar a ele o princípio da lógica formal pelo qual a compreensão de uma ideia está na razão inversa de sua extensão. Desse modo, o termo todos aplica-se às pessoas, aos cidadãos, independentemente de sexo, raça, cor, religião, idade, sangue, orientação sexual e qualquer outro distintivo cuja diferença venha obstaculizar o gozo dos direitos e garantias fundamentais. Pode-se concluir que o todos tem uma dimensão genérica no sentido de abarcar todas as pessoas naquilo que elas possuem em comum.

Por outro lado, à medida que se especifica o termo, pela diversidade real existente, reduz-se a extensão e aumenta a compreensão de elementos presentes, pois vai se aproximando cada vez mais das realidades próprias de cada qual.

Isto não quer dizer que, no futuro, esta redação não possa dar visibilidade a especificações desses todos. O que importa aqui é que esse todos parece se aplicar, do ponto de vista jurídico, a dois dos fundamentos de nossa República dispostos no art. 1º, incisos II e III: a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Outro dispositivo significativo que reitere o todos em seu âmbito máximo de aplicabilidade está no art. 5º (BRASIL, 1988): “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos fundamentais ali previstos.” Ressalte-se que, no caso desse artigo, há a preposição sem - “sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988) - perante as leis nacionais, implicando aos nacionais (brasileiros e brasileiras) e aos estrangeiros residentes no país os direitos fundamentais.

O termo todos tem, pois, um sentido diametralmente contrário ao sentido excludente de poucos , de poucos que tenham acesso e usufruto de bens sociais fundamentais e que, por isso, tornam-se um privilégio. O privilégio, como algo privado, se opõe a esta dimensão universalista do direito ínsita no termo todos.

Por outro lado, não por acaso, o art. 4º da Carta Magna estabelece como um dos princípios de nossa República, no inciso II (BRASIL, 1988), “a prevalência dos direitos humanos”. Ora, os direitos humanos não se aplicam somente aos cidadãos. Eles se aplicam à pessoa humana, cuja dignidade do art. 1º, III da Constituição se compõe com um dos objetivos fundamentais posto no inciso IV do art. 3º: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (BRASIL, 1988). Estamos, pois, diante de uma simbiose virtuosa entre os direitos fundamentais, reconhecidos e positivados na Lei Maior, e os direitos humanos que reconhecem a dignidade da pessoa humana, independentemente de sua vinculação a uma ordem constitucional de recorte nacional.

As 68 vezes em que o termo todos comparece na Constituição, na sua maior parte, se refere, ora aos cidadãos, ora às pessoas humanas. Pelos fundamentos, objetivos e princípios elencados nos primeiros artigos da Constituição e pelo bloco de constitucionalidade , deve-se, pois, considerar o todos como referencial de inclusão nos direitos e garantias constitucionais.

Pode-se, ainda, aduzir o Preâmbulo da Constituição, cujos termos indicam um sentido geral do texto. Eis que os representantes do povo anunciam uma Constituição que seja o fundamento da instituição de: “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” (BRASIL, 1988).

Como leciona Ferrajoli (2020, p.125) comentando a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 da Revolução Francesa:

Homme et citoyen, pessoa e cidadão, personalidade e cidadania formam desde então, e em todas as Constituições, incluída a italiana (e a brasileira - CRJC), os dois status subjetivos do que dependem duas classes diferentes de direitos fundamentais: os direitos da personalidade, que correspondem a todos os seres humanos enquanto indivíduos ou pessoas, e os direitos da cidadania, que correspondem exclusivamente aos cidadãos. (grifos do autor) (tradução livre)

Ou nos termos de Bovero (2002, p.130):

Poderíamos dizer, neste ponto: se os direitos do homem (pessoa) são propriamente universais, ou seja, cabem a qualquer um como pessoa, os direitos do cidadão são necessariamente particulares, ao menos enquanto não seja instituída uma cidadania universal, cosmopolita.

O adjetivo comum se aproxima do pronome todos , e comparece, na Constituição com vários substantivos. Dentro de nosso recorte, cite-se o artigo 210 com a formação básica comum e, dentro de um sentido próximo, o artigo 225, “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” (BRASIL, 1988). É certo que a educação e o meio ambiente são bens de uso comum . Nesse sentido, o todos e o comum têm, ambos, convergência entre si, mas eles não são a mesma coisa.

O comum é um conceito genérico que abrange um grupo, uma classe e mesmo uma sociedade. O comum não faz a especificação que circunde, que atinja a um indivíduo, mas abrange todos os indivíduos daquela categoria. Por sua vez, o pronome todos se refere a cada indivíduo, abrindo-se a uma especificação de modo que ele possa ser considerado em sua singularidade.

Desse modo, quando a Constituição estabelece a educação, no art. 6º como direito social, ela está disposta como que voltada para o comum , isto é para o sujeito ut socius e ut civis, componentes de um gênero comum, no caso, a cidadania. E, quando o art. 205 a coloca como direito de todos, sem discriminação, ela atinge a cada indivíduo na sua identidade, isto é, para o sujeito ut singulus. E subjaz ao indivíduo singular, ao ente político e ao sócio, a pessoa humana como síntese destes três componentes do humanus: o singular, o político e o social.

Este denominador comum carrega consigo um dos traços da igualdade, bem como não ignora a diversidade que enriquece o conjunto da pessoa humana. Ferrajoli (2019, p.13) pergunta e responde. Ele pergunta: “por que o princípio da igualdade?” e ele responde: “porque somos diferentes, porque somos iguais”. E continua:

A meu juízo a estas perguntas deve se responder que as razões são duas, ambas, em aparência, paradoxais. A primeira é que a igualdade está estipulada porque somos diferentes, entendendo “diferença” no sentido da diversidade das identidades pessoais. A segunda é que está estipulada porque somos desiguais, entendendo a “desigualdade” no sentido da diversidade nas condições materiais de vida. Definitivamente, a igualdade está estipulada porque, de fato, somos diferentes e desiguais, para a tutela das diferenças e em oposição às desigualdades. (FERRAJOLI, 2019, p.13) (grifos do autor) (tradução livre)

Esta oposição dialética da desigualdade e da diversidade em face da igualdade está presente em nossa Constituição de 1988. Como se viu, o art. 3º, inciso IV abona a diversidade para tutelá-la contra todas as discriminações e preconceitos. Por outro lado, o mesmo art. 3º, no mesmo inciso reconhece que somos desiguais ao pleitear como objetivo fundamental “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 1988). Isso significa que as condições de reprodução da pobreza e da marginalização devem ser retiradas pela raiz, ou seja, eliminadas, e que a desigualdade deve ser reduzida, de modo a construir - como o diz o Preâmbulo - e fundar uma sociedade “na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias” (BRASIL, 1988). E a igualdade, como referência, consta do Preâmbulo da Constituição e desdobrada nos dois primeiros Títulos e respectivos capítulos e artigos da Constituição.

Portanto, estamos dentro de uma teoria da cidadania (art. 1º, II) que se abre para a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e acata como valores o trabalho e a propriedade privada, no art. 1º, IV. A propriedade privada, de modo que não se fundamente no individualismo possessivo, tem como contraponto a dimensão da função social da propriedade, tal como consta no art. 5º, XXIII e no art. 170, III.

A teoria da cidadania pode, pois, tomar formas concretas e diversas, trabalhadas por opções históricas, garantidos determinados princípios e direitos comuns tal como a democracia como forma de organização da sociedade. Como dito por Chauí (2019):

Democracia é a única sociedade e o único regime político que considera o conflito legítimo. Essa, talvez, seja uma das originalidades da democracia. Porque procura instituir esses direitos como tais, leis, e exige que sejam reconhecidos e respeitados. A democracia está aberta ao tempo, ao novo, ela é criação do novo.

E quanto às eleições, continua a mesma autora:

As eleições assinalam que o poder está sempre vazio, que o governante ocupa esse lugar porque recebeu um mandato temporário para isso. Os sujeitos políticos não são simples votantes, mas eleitores. Nós (eleitores) é que somos soberanos. Só se pode dar a alguém aquilo que se possui. Eleger é afirmar-se como soberano para escolher o ocupante temporário de governo. Temos o poder. Isso é soberania na democracia. (CHAUÍ, 2019)

E em outro momento, diz a mesma autora (2012) que a democracia é uma:

forma sociopolítica que busca enfrentar as dificuldades acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a ideia dos direitos (econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade. (CHAUÍ, 2012)

Essa formulação se aproxima da análise de Rémond (1974, p.49-50), quando, analisando o século XIX, na Europa, leciona:

A ideia democrática mantém com o liberalismo relações complexas. É assim que ela retoma toda a herança das liberdades públicas, que o liberalismo havia sido o primeiro a inscrever nos textos. Longe de voltar atrás no que respeita às suas aquisições, ela as afirma e irá dar-lhes até maior amplitude. [...] o que caracteriza, em primeiro lugar, a democracia em relação ao liberalismo é a universalidade ou, se se preferir, a igualdade. Com efeito, a ideia democrática rejeita as distinções, as discriminações, todas restrições, mesmo temporárias. Enquanto os liberais usam a linguagem do possível, invocando a experiência, as realidades, a impossibilidade de pôr em prática imediatamente os princípios, os democratas opõem-lhes os princípios e militam por sua aplicação.

Essa conjugação da educação com a teoria democrática da cidadania fez com que aquela fosse cercada de proteção jurídica de variada ordem em nossa Constituição de 1988. A educação obrigatória tornou-se direito público subjetivo, com financiamento posto na Constituição, com a obrigação de uma Lei de Diretrizes e Bases e de um Plano Nacional de Educação, além da gratuidade e obrigatoriedade no sistema público, com ensino revestido de padrão de qualidade e democraticamente gerido.

Pelo menos, no ordenamento jurídico, o todos e o comum expressam, pois, uma inclusão de caráter democrático. Ao mesmo tempo, as modalidades de ensino apontam para o reconhecimento da diversidade, seja para pessoas em situação de deficiência, seja para jovens e adultos, para a educação do campo e para a valorização das culturas afro e indígenas.

Deve-se assinalar, porém, que, em nossa História, a inserção positivada desse todos , bem como do comum e diverso , nem sempre se inscreveu sob a forma universal e de respeito e, muito menos, sua efetivação se deu por meio de políticas públicas. Por outro lado, não faltaram esforços no sentido de ampliar o direito à educação no âmbito do ordenamento jurídico para que houvesse políticas que fizessem desse direito uma ação efetiva.

2. Um pouco de História da exclusão/inclusão no Brasil e o direito à educação

2.1 A Constituição do Brasil Independente

A presença do todos , em nossa legislação como nação independente, está em na Constituição Imperial de 1824, no art. 179, XXXII, como direito dos cidadãos a instrução primária e gratuita. Esse artigo está sob o Título 8º: Das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros (BRASIL, 1824). Já o art. 6º da mesma define os sujeitos da cidadania como sendo “cidadãos os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, quer sejam libertos”. (BRASIL, 1824) Por ingênuo se entendia, à época, os que nasceram de pais livres, sendo considerados naturais do país. Eram livres ex generatione, ou seja, pelo fato de terem sido gerados por pais livres na medida em que, à época, vigia o princípio do partus sequitur ventrem. Se o ventre é livre, o nascido é livre, se o ventre é cativo (por absurdo que seja), o nascido é cativo.

Ora, este princípio do partus sequitur ventrem foi odiosamente aplicado aos nascidos de pais cativos, especialmente do ventre escravo da mãe cativa. Com isso, em flagrante atentado aos princípios liberais da Constituição, não só vigia o macabro instituto do cativeiro, como aquele princípio se aplicava à mãe cativa, por conseguinte, seus filhos nasciam cativos.1

Ora, os cativos eram considerados propriedade do homem livre e, como tais, não eram nem tidos como pessoas, a não ser em caso de crimes para assim serem julgados, nem considerados cidadãos. Logo, o todos (os cidadãos) da instrução primária e gratuita não os contemplava.

E, o que seriam os libertos? Liberto dizia de cativo que foi posto em liberdade por conta de uma carta de alforria ou que passou a ser livre por meio de um estatuto legal. Libertos são os alforriados ou forros que, saindo da condição de cativos, recuperam o de que nunca poderiam ter sido expropriados: sua liberdade. A figura do liberto indicava, indiretamente, a presença do cativeiro na Constituição e nas relações sociais. Mesmo assim, os libertos continuavam sendo considerados cidadãos de segunda categoria, já que a eles não se facultava o direito de voto para além das eleições municipais. Isso está consignado no art. 94, II, da Constituição. Nesse sentido, por oposição à massa dos cidadãos ativos do art. 90, os libertos eram tidos como cidadãos passivos.

Embora a Constituição (original) de 1824 não se refira aos indígenas, o Ato Adicional de 1834, na verdade uma emenda constitucional, os trata no art. 11 como sujeitos à catequese e à civilização. Ora, o termo civilização, por oposição, os indica como não civilizados. Se tomarmos o termo civilização como derivado de civis , isto é, cidadão, também eles não eram considerados cidadãos, mas sim selvagens, ou seja, inferiores dentro de uma denominada escala evolutiva de civilização.

A este grupo de cidadãos passivos e de considerados não cidadãos, por razões culturais, as mulheres estavam impedidas do voto. As Ordenações Filipinas, uma espécie de Código Civil adotado em Portugal e em suas colônias, permitia, consoante o título 36 do livro V, que o marido castigasse fisicamente sua esposa, mas para tal não poderia usar armas. Este abominável dispositivo caiu em 1830 com o Código Criminal do Império.

Um outro indicativo disso é a Lei nº. 57, de 19 de junho de 1822, ao convocar uma Assembleia Constituinte e legislativa, ainda antes da Independência, dispõe o art. 7: “Tem direito de votar nas eleições paroquiais todo o cidadão casado e todo aquele que tiver 20 anos para cima sendo solteiro, e não for filho-família.”2 (BRASIL, 1822). Esta pessoa deveria ser “homem probo e honrado, de bom entendimento, sem nenhuma sombra de suspeita e inimizade à causa do Brasil e de decente subsistência por emprego, ou indústria ou bens.” (BRASIL, 1822a)

Junto a esse conjunto de pessoas, eram excluídos do processo eleitoral, consoante o art. 8, todos “aqueles que recebem salários ou soldadas por qualquer modo.”3 (BRASIL, 1822a)

A Constituição, no artigo 91, ao nomear quem pode e quem não pode votar, sequer nomeia as mulheres, dando como uma obviedade natural esta exclusão. Pode-se aventar uma influência do Código Napoleônico de 1804 pelo qual a mulher é considerada civilmente incapaz, e, em nome da família patriarcal, foi privada de vários direitos jurídicos e submetidas à autoridade do pai e do marido. Pelo artigo 1124 do Código Napoleônico se lê: “As pessoas privadas de direitos jurídicos são os menores, as mulheres casadas, os criminosos e os débeis mentais.” (FRANCE, 1804)

Ao lado destes, a Constituição, no art. 8, suspende o exercício dos direitos políticos das pessoas com incapacidade física ou moral. Entenda-se aqui, inclusive, as pessoas que, hoje, denominamos em situação de deficiência. E, também, estão fora os condenados e os degredados. A este respeito pode-se trazer à consideração, a análise de Coutinho (1995, p.51) sobre o regime liberal:

o Estado Liberal restringe fortemente os “direitos políticos”. Não tanto em Locke, mas em liberais posteriores, como Benjamin Constant, surge explicitamente a ideia de que só deve ter direitos políticos - ou seja o direito de voto e de participação na formação e na ação do governo quem é proprietário. Curiosamente, já nessa fase, o proprietário é concebido sem ambiguidades filosóficas: proprietário é quem dispõe de determinado volume de propriedade e de bens e, portanto, é capaz de pagar um certo montante de impostos. E é em função disso que Kant divide os cidadãos em “ativos” e “passivos”. Todos deviam ter direitos civis; mas enquanto os cidadãos ativos deveriam ter direitos políticos (podiam votar e ser votados), os passivos eram excluídos desse direito. Entre os cidadãos passivos, Kant inclui os dependentes, os quais, para ele, são todos os que, por não serem proprietários, não dispõem de capacidade de julgamento próprio. Ora, são dependentes, para Kant, todas as mulheres e todos os trabalhadores que dependem da venda da força de trabalho para viver.

Portanto, no Império, a exclusão foi a regra, pois, com tal seletividade, aí incluída a abjeta instituição do cativeiro, pode-se perguntar: afinal, quem são esses todos?

Um claro desdobramento dessa seletividade excludente é a Reforma Couto Ferraz, do Decreto n. 1331 A, de 1854. Ela estabelece para a reforma do ensino primário e secundário da Corte, no artigo 69, que:

Não serão admitidos à matrícula, nem poderão frequentar as escolas:

§ 1º: os meninos que padecerem de moléstias contagiosas.

§ 2º: os que não tiverem sido vacinados.

§ 3º: os escravos. (BRASIL, 1854)

Este dispositivo foi replicado em várias leis provinciais do Império. Em que medida a liberdade, própria do liberalismo, cantada no Hino da Independência, poderia ser de todos, à luz dessas exclusões? Essa situação conflita com o Hino da Independência ou considera como filhos da Pátria, Mãe gentil apenas um segmento social?

Já podeis da Pátria filhos

Ver contente a Mãe gentil;

Já raiou a Liberdade

No Horizonte do Brasil. (BRASIL, 1822b)

Do ponto de vista do ordenamento, esta seletividade em relação aos cativos só cairá, formalmente, no 13 de maio de 1888. Isto significa que o estatuto liberal vigente no Império, só se adequou à origem do termo liberal, do latim liber = livre, após aquela data. Uma liberdade nominal, formal que, até hoje, não conseguiu reparar as consequências de tanta exclusão à propriedade de si, de bens e de acesso a bens sociais.

2.2 A Constituição Republicana

A República chegou em 1889 e, com ela, o sistema federativo, republicano e presidencialista. Dada a Abolição, ocorrida em 1888, era previsível que os direitos civis ganhassem grande ênfase, dado que a inflexão trazida com a República fazia com que passássemos da condição de súditos para a de cidadãos. Como assinala Bobbio (1992, p.61):

A inflexão a que me referi, e que serve como fundamento para o reconhecimento dos direitos do homem, ocorre quando esse reconhecimento se amplia da esfera das relações econômicas interpessoais para as relações de poder entre príncipe e súditos, quando nascem os chamados direitos públicos subjetivos que caracterizam o Estado de Direito. É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos.

Com alto grau de otimismo, a letra do Hino da República, em uma de suas estrofes se aproxima dessa inversão, pela qual todos passam a ser iguais, inclusive de modo positivado: (BRASIL, 1890a)

Nós nem cremos que escravos outrora

Tenha havido em tão nobre país

Hoje o rubro lampejo da aurora

Acha irmãos, não tiranos hostis

Somos todos iguais! Ao futuro

Saberemos, unidos levar

Nosso augusto estandarte...

Eis que a Constituição de 1891, no Título IV (Dos Cidadãos Brasileiros), na Seção I (Das qualidades do cidadão brasileiro), no art. 69, dispõe sobre quem são os cidadãos brasileiros, os quais, como veremos gozam dos direitos civis e políticos. Esses últimos direitos, no art. 70, determina que “são eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, excluídos os mendigos, os analfabetos” (BRASIL, 1891), entre outros. Os direitos políticos ficavam suspensos em casos de incapacidade física ou moral . Vê-se que há uma repetição do art. 8 da Constituição do Império. As pessoas em situação de deficiência nascem cidadãos, são titulares de direitos civis, mas há a interrupção temporária ou definitiva dos direitos políticos.

Entre os artigos 72 a 78, que é a Seção II (Declaração de Direitos), há enumeração substantiva dos direitos civis, como o § 2º do art. 72: “Todos são iguais perante a lei.” (BRASIL, 1891) Esta enumeração, entre as quais a laicidade do ensino (§6º), a livre manifestação do pensamento (§12), o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial (§24), a liberdade de crença (§28), expressa a base do Estado de Direito. Como leciona Bobbio (1992, p.61): “No Estado de Direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos.”

Estes direitos assim positivados estiveram longe de serem efetivados, seja por conta da herança pesada do cativeiro, seja por uma cultura patriarcal, seja pela total ausência dos direitos sociais.

No caso dos ex-cativos, agora em posse de suas liberdades, a desigualdade de suas condições materiais, a abolição sem reforma agrária e a discriminação cultural, tolheram o âmbito do acesso ao ensino primário e, com maior força, ao secundário e superior.

As mulheres, além de tolhidas do exercício do voto, eram tidas como “relativamente incapazes para determinados atos” (BRASIL, 1916) pelo Código Civil de 1916, como no caso das mulheres casadas (art. 6º) ou do odioso art. 242 pelo qual elas só poderiam exercer uma profissão com autorização do marido. Esse clima cultural associado a restrições políticas limitava o acesso aberto a elas no âmbito da educação escolar.

A expectativa da realização da “liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós (BRASIL, 1890a), do estribilho do Hino da República, não se efetivou porque o quadro de exclusão era tão contundente que não permitiu a liberdade da necessidade. Por isso, recorrendo de novo a Bobbio (1992, p.89-90):

à medida que tomou corpo a figura do Estado Liberal e de direito, foi completamente abandonada a ideia de que fosse tarefa do Estado assegurar a felicidade dos indivíduos. Também nesse caso, a palavra mais clara e iluminadora foi dita por Kant, o qual - em defesa do Estado liberal puro, cuja meta é permitir que a liberdade de cada um possa expressar-se com base numa lei universal racional - rechaçou o Estado eudemonológico, um Estado que pretendia incluir entre suas tarefas a de fazer os súditos felizes, já que a verdadeira finalidade do Estado deve ser apenas dar aos súditos tanta liberdade que lhes permita buscar, cada um deles, a seu modo, a sua própria felicidade.

Desse modo, na educação, a gratuidade prevista na Constituição Imperial, para a instrução primária, não comparece na Republicana Primeira. De acordo com o espírito do início da República, a ausência tanto da gratuidade como da obrigatoriedade teria duas vias. A primeira, no âmbito nacional, prevalece o entendimento de

que medidas socialmente protetoras afrontavam o individualismo do direito civil do contrato sob regime de mercado. [...] Ser protegido equivalia a ser não cidadão, a deixar de sê-lo ou, então, fazer parte da vadiagem e da indigência. (CURY, 2000, p.296)

O direito criminal de 1890, Decreto n. 847, explicita no seu art. 399: (BRASIL, 1890b)

Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicílio certo em que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes. Pena de prisão celular por quinze a trinta dias.

No âmbito nacional, seria a virtus do indivíduo que o levaria a postular tanto o trabalho como a educação, inclusive para se fazer eleitor, especialmente no caso dos analfabetos. Portanto, ser trabalhador era condição de cidadania e o não acesso a um emprego ou trabalho punha o indivíduo em risco de criminalização.

Um aspecto da desigualdade, provinda da pobreza generalizada durante a Velha República, articulada a uma dualidade na educação, pode ser vista no Decreto n. 7566, de 1909, em sua Exposição de Motivos:

Considerando: que o aumento constante da população das cidades exige que se facilitem às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação, decreta [...] (BRASIL, 1909).

A segunda via, à luz do federalismo, deixava a cargo dos Estados, na medida em que estes acionassem o art. 78 da Constituição articulado ao artigo 63 da mesma. Cuide-se de entender que, no âmbito nacional, a única norma específica sobre o ensino foi a laicidade, posta no § 6º do art. 72. Já o art. 78 não excluía “outras garantias e direitos não enumerados” (BRASIL, 1891).

A compreensão do todos , nesse caso, especialmente vinculado à educação, tem que passar pelas Constituições Estaduais e/ou pelas leis infracionais relativas ao ensino, o todos entendido como limitado aos territórios estaduais. De todo modo, muitas das Constituições não só conferiram a gratuidade do ensino primário como estabeleceram a obrigatoriedade. Veja-se, por exemplo, a Constituição Mineira de 1891:

Art. 3º - § 6º - O ensino primário será gratuito e o particular exercido livremente.

[...]

Art. 30 - Compete privativamente ao Congresso:

[...]

§ 5º - Legislar sobre o ensino superior e secundário que será livre em todos os graus.

[...]

Art. 117. A lei de organisação de instrucção publica estabelecerá:

1º A obrigatoriedade do aprendizado. em condições convenientes

2º Preferencia dos diplomados pelas escolas normaes, para a investidura do magisterio;

3° Instituição do fundo escolar;

4° Fiscalisação. O Estado, quanto a estabelecimentos particulares de ensino, somente no que diz respeito á hygiene, moralidade e estatistica. (MINAS GERAIS, 1891)4

Um outro exemplo pode ser visto na lei n. 88 de 1892 no Estado de São Paulo, lei infraconstitucional submissa à Constituição Paulista de 1891. O ensino primário elementar ia dos 7 aos 12 anos. Para a entrada no ginásio, além de outros critérios, o art. 21 se previa, para as vagas existentes:

§ 1.º - Os alumnos dos gymnasios pagarão unicamente uma taxa de matricula annual de 50$000.

§ 2.º - Haverá nos gymnasios um numero de logares gratuitos, egual ao decimo do numero total de alumnos que póde receber o gymnasio, destinados aos meninos pobres, intelligentes e laboriosos que, em concurso, se mostrarem mais habilitados. (SÃO PAULO, 1891)

Além de passar no exame de admissão, um décimo do total de vagas gratuitas, deveria conjugar pobreza com laboriosidade (em sentido contrário à já assinalada possível vadiagem em razão do número limitado de postos de trabalho a pessoas com mais de 12 anos) e inteligência.

Uma Reforma, de caráter federal, procurou dar alguma sustentação à difusão do ensino primário nos Estados. Foi a última Reforma da Velha República. Trata-se do Decreto n. 16.782-A de 1925, da denominada Reforma João Alvez/Rocha Vaz. O salário dos docentes atuantes nas escolas rurais teria parte dele subsidiado pela União. Aos Estados competiria propiciar moradia, prédio e material didático, além de complementar o restante do salário.5

2.3 A Constituição de 1934

A Constituição Federal de 1934, ansiada para restaurar o Estado de Direito em bases novas, seja no processo eleitoral, seja do asseguramento de novos princípios, resultou de uma Constituinte convocada para tal fim. Os direitos da cidadania foram consignados após o Títulos relativo à organização do Estado.6 Assim, pode-se ler tanto uma salvaguarda dos direitos civis, quanto dos direitos sociais, estes últimos inspirados na Constituição do México de 1917 e na Constituição de Weimar de 19197.

Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas. (BRASIL, 1934)

Esse artigo, de fato, indica um dever-ser que repudia privilégios ou distinções ancorados em preconceitos e discriminações de variada natureza. Pelo Código Eleitoral de 1932, as mulheres obtiveram o direito de voto, consoante o Decreto n. 21.076. Dizia o art. 2º do Código: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma desse Código.” (BRASIL, 1932).

Contudo, a obrigatoriedade do voto, segundo a Constituição de 1934, dispunha: “Art. 109 - O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada.” (BRASIL, 1934)

Atente-se que o voto não era obrigatório para todos. E a idade para ser eleitor, diferentemente do Código Eleitoral, passou a ser a de 18 anos. Analfabetos continuavam impedidos do exercício do voto. A mesma Constituição prescreve, agora à luz da entrada dos direitos sociais:

34) A todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve amparar, na forma da lei, os que estejam em indigência.

[...]

Art 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. (BRASIL, 1934)

A existência digna depende dos princípios de justiça entre os quais o trabalho, a tal ponto que a liberdade econômica tem limites. Esses limites foram estabelecidos no art. 121: “A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país.” (BRASIL, 1934)

Entre outros dispositivos que colimem melhorar as condições do trabalhador , pode-se assinalar, além de salário-mínimo, oito horas de trabalho diário, repouso semanal, férias anuais e convenções coletivas, a letra d do §1º do art.121: “d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16; e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres.” Como leciona Bobbio (1992, p.77):

Numa sociedade em que só os proprietários tinham cidadania ativa, era óbvio que o direito de propriedade fosse levado a direito fundamental; do mesmo modo, também foi algo óbvio que, na sociedade dos países da primeira revolução industrial, quando entraram em cena os movimentos operários, o direito ao trabalho tivesse sido elevado a direito fundamental. A reivindicação do direito ao trabalho como direito fundamental - tão fundamental que passou a fazer parte de todas as Declarações de Direitos contemporâneas...

Contudo, o art. 138, incumbia aos poderes públicos dentro do amparo aos desvalidos , termo presente na Exposição de Motivos de 1909 no estabelecimento das escolas de aprendizes e artífices, o estímulo à educação eugênica.8

O inciso XIV do art. 5º estabelecia como competência privativa da União o traçar as diretrizes da educação nacional. Registre-se a expressão, até então inédita nas Constituições: educação nacional . Ao mesmo tempo, o § 3º desse artigo possibilitava em relação ao inciso XIV uma legislação estadual supletiva ou complementar , em respeito ao federalismo. Como consequência, a Constituição não se furtou a estabelecer um capítulo da educação com avanços significativos em relação às legislações anteriores.

Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana. (BRASIL, 1934)

Ao mesmo tempo, dentro do Plano Nacional de Educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados, competência da União, no art. 150, § único, pode-se ler: (BRASIL, 1934)

  • a) ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos adultos;

  • b) tendência à gratuidade do ensino educativo, ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível;

  • c) liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação federal e estadual;

  • d) ensino, nos estabelecimentos particulares, ministrado no idioma pátrio, salvo o de línguas estrangeiras;

  • e) limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos apropriados à finalidade do curso;

  • f) reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegurem aos seus professores a estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna.

Atente-se para a tensão entre as letras a e b , com tom claro de inclusão, e a letra e , com sentido seletivo. De um lado, o ensino primário integral e sua extensão aos adultos . De outro lado, a formalização do exame de admissão um verdadeiro controle seletivo na entrada ao então primeiro ciclo do ensino secundário.9

Pode-se trazer como referência dos limites da educação obrigatória, o art. 42 do abortado Plano Nacional de Educação de 1936-37:

Art. 42 - Da frequência escolar ficam dispensadas as crianças:

a) quando não haja escola pública dentro do perímetro de três quilômetros de raio, em relação ao seu domicílio;

b) quando sofrerem de doença repulsiva ou contagiosa ou manifestarem incapacidade física ou mental.10 (MES, 1949)

Se esse Plano previa a frequência obrigatória dos 7 aos 12 anos no art. 39, o art. 44 previa que a duração do ensino primário não poderia ser inferior a três anos. Logo, estipulava-se 6 anos, mas abria a possibilidade de apenas 3 anos.

Por sua vez, é de se notar um outro artigo, relativo à escassez de escolas: “Art. 48 - Quando as grandes distâncias ou a escassez da população impedirem a fundação de escolas fixas, organizar-se-á o ensino por correspondência ou ambulante.” (MES, 1949)

Percebe-se, pois, nas linhas, mais do que nas entrelinhas, o avanço no ordenamento e, ao mesmo tempo, o reconhecimento da limitação da lei em efetivar políticas de inclusão. Portanto, o todos do art. 149, mesmo dentro do ensino primário gratuito e obrigatório, não seriam todos, nem na legislação maior, nem nas leis estaduais e, como consequência, nem nas políticas de educação.

A laicidade, outro ponto de significativa alteração face à primeira Constituição Republicana, é tensionada pelo art. 153 que possibilita o ensino religioso como matéria a ser ofertada nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais , sob a égide da facultatividade. A diferença desse dispositivo face ao Decreto n. 19.941 de 1931 que restabeleceu o ensino religioso nas escolas públicas é que nele não estavam incluídas as escolas profissionais e na oferta dele, havia uma restrição de sorte que esta não prejudicasse o horário das aulas das demais matérias do curso.

Apesar do pouco tempo de regime democrático, após 1934, importa registrar que os Estados, à vista do princípio federativo, elaboraram suas Constituições Estaduais.11

2.4 A Constituição outorgada de 1937

Com o golpe de 10 de novembro de 1937, um outro elemento passou a constar desses dispositivos de exclusão. Trata-se de apontar como causa dos males sociais, o que está em uma espécie de Exposição de Motivos da Constituição outorgada:

Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica, procura desnaturar em luta de classes, e da extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência de guerra civil. (BRASIL, 1937)

Essa reiteração de que os avanços democráticos, muitos de ordem social, estariam sob “infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente” (BRASIL, 1937), como continua aquela Exposição, cobriria a ditadura 1937-1945. Mas essa justificativa faria parte de um slogan sempre presente quando se queria acusar quem pensasse diferente da história oficial . Trata-se tanto de uma censura estabelecida sobre livros e docentes, quanto a perseguição a quem ousasse transgredir o que fosse considerado atentado à ordem estabelecida. Exemplo claro do primeiro aspecto é, em 1938, o Decreto-Lei nº 1.006, de 30/12/38. Ele impõe as condições pelas quais se poderia produzir, importar e utilizar o livro didático. O art. 3º estabelece que,

a partir de 1º de janeiro de 1940, os livros didáticos que não tiverem autorização prévia, concedida pelo Ministério da Educação nos termos desta lei, não poderão ser adotados no ensino das escolas primárias, normais, profissionais e secundárias, em toda a República. (BRASIL, 1938)

Outro exemplo foi a constante acusação referida a Anísio Teixeira, seguramente um liberal democrata com acento em direitos sociais, como comunista.

Essa situação tinha respaldo no texto fático da Constituição de 1937 em que a centralização na União praticamente reduziu o federalismo a aspectos menores da administração pública. É o caso do inciso IX do art. 15: “fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude.” (BRASIL, 1937). Essa competência privativa da União, se articula com o inciso XXIV e o inciso XXVI do art. 16, respectivamente, “diretrizes de educação nacional, e organização, instrução, justiça e garantia das forças policiais dos Estados.”12 (BRASIL, 1937). Como o art. 17 dessa Constituição, prevendo alguma forma de delegação, não foi levado adiante na criação de Assembleias Estaduais, praticamente, a competência privativa se tornou exclusiva.13

Essa Constituição contém, além dos dispositivos já elencados, dois capítulos em que a educação aparece. É o capítulo Da Família (art. 124-127) e o Da Educação e da Cultura (art. 128-134). Neles sobressai o papel subsidiário do Estado na implementação das políticas educacionais, reservando um papel importante às instituições privadas, pois que a ele cabe “suprir as deficiências e lacunas da educação particular”, consoante o art. 125 (BRASIL, 1937). E tal papel subsidiário se expressa no art. 127: “Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação de sua prole.” (BRASIL, 1937)

Fica bastante evidente que o leito principal são as escolas privadas, preenchendo as lacunas delas com o exercício do assistencialismo. Isso pode ser verificado no Decreto n. 3799/1941 criando o Serviço de Assistência ao Menor, cujo art. 2º dispunha:

  • a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes internados em estabelecimentos oficiais e particulares;

  • b) proceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos e delinquentes;

  • c) abrigar os menores, á disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal;

  • d) recolher os menores em estabelecimentos adequados, afim de ministrar-lhes educação, instrução e tratamento sômato-psíquico, até o seu desligamento;

  • e) estudar as causas do abandono e da delinquência infantil para a orientação dos poderes públicos;

  • f) promover a publicação periódica dos resultados de pesquisas, estudos e estatísticas (BRASIL, 1941a).

A desigualdade imperante no país, fonte causal da exclusão, ao invés de contar com políticas redistributivas, teve como enfrentamento esse tipo de iniciativa que, segundo Rizzini e Rizzini, (2004), foi denominado de escola do crime .

A desigualdade social assegurará a duplicidade de redes escolares tão bem explicitadas na Constituição e na Exposição de Motivos da Reforma Capanema relativa ao ensino secundário de 1942. Importa cotejar ambas:

Art 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.

É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público. (BRASIL, 1937) (grifos nossos)

Perceba-se o verbo utilizado e posto em negrito: destinado, ou seja, reserva-se às classes vulneráveis o destino que lhes é reservado como um fim predeterminado como se fosse o produto de uma lei natural positivada na Constituição.

Outro verbo grifado é o subsidiar. Ao menos, na Constituição, opta-se pelo princípio de subsidiariedade e que, no caso, tem um forte teor privado. Esse princípio tem como base o de que faz, quem faz melhor . E, se o privado faz e faz melhor , a ele devem ser atribuídas as principais ações do atendimento à educação. Por sua vez, o teor do Decreto n. 4.244/1942, assim é justificado:

Concepção do ensino secundário - A reforma atribui ao ensino secundário a sua finalidade fundamental, que é a formação da personalidade adolescente.

É de notar, porém, que formar a personalidade, adaptar o ser humano às exigências da sociedade, socializá-lo constitui finalidade de todas espécie de educação.

E, sendo esta a finalidade geral da educação, é por isto mesmo a finalidade única do ensino primário, que é o ensino básico e essencial, que é o ensino para todos.

Entretanto, a partir do segundo grau do ensino, cada ramo da educação se caracteriza por uma finalidade específica, que se acrescenta àquela finalidade geral.

O que constitui o caráter específico do ensino secundário é a sua função de formar nos adolescentes uma sólida cultura geral, marcada pelo cultivo a um tempo das humanidades antigas e das humanidades modernas, e bem assim, de nêles acentuar e elevar a consciência patriótica e a consciência humanística.

[...]

Já o ensino secundário tem mais precisamente por finalidade a formação da consciência patriótica.

É que o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. Ele deve ser, por isto, um ensino patriótico por excelência, e patriótico no sentido mais alto da palavra, isto é, um ensino capaz dar aos adolescentes a compreensão da continuidade histórica da pátria, a compreensão dos problemas e das necessidades, da missão e dos ideais da nação, e bem assim dos perigos que a acompanhem, cerquem ou ameacem, um ensino capaz, além disto, de criar, no espírito das gerações novas, a consciência da responsabilidade diante dos valores maiores da pátria, a sua independência, a sua ordem, o seu destino. (BRASIL, 1942) (grifos nossos)

Após o ensino primário para todos em que o Estado colabora, de maneira principal (ensino primário) ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular (ensino secundário em diante), a duplicidade das redes escolares tem sua prossecução, calcada na desigualdade social, assegurando aos destinatários do ensino secundário, a função de serem a elite pensante para infundir nas massas o consenso relativo ao seu destino, especialmente no ensino pré-vocacional.

Mais uma vez, o todos , o são até certo ponto do processo escolar: o ensino primário. Depois, há iguais que são mais iguais do que os outros. Ao invés de apontar as causas mais profundas da desigualdade a fim de estabelecer políticas igualitárias, na redistribuição da renda e da riqueza, a dupla rede dá o destino de uns e de outros como dado natural a ser assegurado. Já há produção intensa e robusta sobre as leis orgânicas sob a égide de Gustavo Capanema.14

Esses passos históricos, apesar das resistências, vão configurando um perfil desigual, aporofóbico, discriminatório em que pobres, negros, indígenas, pessoas em situação de deficiência vão tendo direitos barrados, de modo reiterativo, entre os quais uma educação completa no acesso a graus superiores. Com isso, tais grupos sociais deixam de aceder a postos institucionais de definição de políticas, ressalvadas as exceções de praxe.

2.5 A Constituição de 1946

A Constituição de 1946 retoma o todos no art. 166 ao assinalar a educação como direito de todos , sendo o ensino primário obrigatório e gratuito no sistema público. Ao mesmo tempo, condiciona a gratuidade nos estudos posteriores “para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos.” (BRASIL, 1946) Os serviços de assistência educacional aos necessitados seriam obrigatórios para todos os sistemas de ensino. Serviços de aprendizagem tornaram-se imperativos para empresas que tivessem trabalhadores menores, os quais deveriam ter mais de 14 anos.

O tempo entre a Constituição de 1946 e o golpe civil-militar de 1964 revela tensões muito significativas na educação. A maior parte dos dispositivos da Constituição de 1934 retorna, inclusive com a vinculação do percentual de impostos, inexistente em 1937.

De novo, o federalismo exigia Constituições Estaduais, nas quais o tema da educação escolar deveria estar presente.15

A princípio, o tema do federalismo, no modo como foi tratado no projeto de lei de diretrizes e bases, enviado pelo governo Dutra e pelo Ministro Clemente Mariani, ocupou os debates fazendo da centralização e da descentralização os temas mais importantes. Com isso, de um lado, com alguns ajustes, continuavam vigorando as leis orgânicas do Estado Novo, de outro lado, a compatibilidade das mesmas com a Constituição de 1946 indicava uma continuidade da estrutura social em questão, ressalvada a mudança política.

Se o questionamento da estrutura social se aprofundava nas reformas, as resistências a elas faziam seu aparecimento mais explícito. Houve avanços na educação profissional com as leis de equivalência e na federalização das universidades. Na educação básica - como diríamos hoje - a tramitação da lei de diretrizes e bases retomou, com vigor, a tensão entre público e privado. Não por acaso, redesenhando o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, um outro Manifesto de 1959, contesta o sentido da liberdade de ensino tal como entendida pelo substitutivo de Carlos Lacerda ao projeto nº 2.222-A/1957 em novembro de 1958. Entre as razões aduzidas pelo parlamentar estava a de que pretendia devolver a educação à família brasileira. Daí a apresentação do substitutivo n. 2.222-B em janeiro de 1958.16

Das negociações no Parlamento, finalmente, vem à luz, dentro do governo parlamentarista João Goulart/Tancredo Neves, a Lei n. 4.024/1961, das diretrizes e bases da educação nacional. Esta lei reitera a educação como direito de todos como um direito à educação , expressão que aparece no art. 3º. Este artigo tem uma redação peculiar nos seus incisos: (BRASIL, 1961)

I - pela obrigação do poder público e pela liberdade de iniciativa particular de ministrarem o ensino em todos os graus, na forma de lei em vigor;

II - pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a família e, na falta desta, os demais membros da sociedade se desobriguem dos encargos da educação, quando provada a insuficiência de meios, de modo que sejam asseguradas iguais oportunidades a todos.

De um lado, o poder público se obriga a oferecer o ensino em todos os graus. Esta é uma redação singular, especialmente quanto ao ensino superior. Por outro lado, retorna o caráter subsidiário do Estado em relação à família e da sociedade no provimento dos encargos da educação. Esse lado, ainda que preveja iguais oportunidades a todos, não deixa de limitar a obrigatoriedade. Iniciando aos 7 anos, o ensino primário obrigatório de 4 anos, no art. 30, teria as seguintes isenções:

Parágrafo único. Constituem casos de isenção, além de outros previstos em lei:

a) comprovado estado de pobreza do pai ou responsável;

b) insuficiência de escolas;

c) matrícula encerrada;

d) doença ou anomalia grave da criança. (BRASIL, 1961)

Qual a congruência do asseguramento das “iguais oportunidades de todos com estado de pobreza do pai”? Por que pobreza do pai e não da família? Como ser coerente da igual oportunidade a todos com insuficiência de escolas ou encerramento de matrícula? A oportunidade, até por sua etimologia, é a ausência de obstáculos. Além disso, há o art. 36:

Art. 36. O ingresso na primeira série do 1° ciclo dos cursos de ensino médio depende de aprovação em exame de admissão, em que fique demonstrada satisfatória educação primária, desde que o educando tenha onze anos completos ou venha a alcançar essa idade no correr do ano letivo. (BRASIL, 1961)

Definindo essa lei como meia vitória, mas vitória , Anísio Teixeira expressava, como sempre fez, desde os anos 30, os limites e obstáculos para uma educação democrática, que não fosse privilégio e sim direito. Negado o privilégio e admitido o direito, o recorte desse último é universal, daí a necessidade de políticas que abrissem as escolas para todos.

2.6 A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional da Junta Militar de 1969

A ditadura civil-militar, instaurada em 1964, manteve uma política de dominação sócio-política a fim de aprofundar um modelo econômico concentracionista. Entretanto, a ditadura buscou também se fazer hegemônica mediante iniciativas para além da censura e arrocho salarial. Nesse sentido, a Constituição de 1946 ficou praticamente esvaziada pelos inúmeros Atos Institucionais da ditadura.

O Ato Institucional n. 4/1966 revogou a Constituição de 1946 e, determinou a elaboração de uma outra Constituição na qual “deve caber também a elaboração da lei constitucional do movimento de 31 de março de 1964” (BRASIL, 1966). No caso do capítulo da educação, a Constituição de 1967 continua asseverando-a como direito de todos e amplia a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário para oito anos. Assim, se de um lado, o inciso II do art. 168 dispõe que “o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais” (BRASIL, 1967), de outro, o inciso III mantém a tradição de limitação aos estudos posteriores:

o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior. (BRASIL, 1967)

O problema se tornou maior porque essa Constituição não manteve a vinculação de impostos para o financiamento público para a educação pública. É paradoxal a ampliação de 4 para 8 anos ao mesmo tempo que retira o fundo público vinculado.

Se as limitações aos direitos já eram presentes na Constituição de 1967, elas se avolumaram com a Emenda Constitucional nº.1 de 1969, a da Junta Militar. Nela, se incluíram os dispositivos do Ato Institucional nº. 05/1968, permitindo o fechamento do Congresso, das Assembleias e das Câmaras, além da suspensão de direitos políticos, admitindo a pena de morte para os casos de subversão. Obviamente, também os direitos civis foram sufocados. O paradoxo nela, é a inscrição do dever do Estado para a educação que aparece pela primeira vez em textos constitucionais. E nela há, também, o retorno de 20% da vinculação dos recursos para a educação , apenas para os Municípios. Esse dispositivo não está no capítulo da educação.

3. Retornando à Constituição de 1988

A democratização, precedida por uma inédita mobilização da sociedade civil, preconiza uma sociedade socialmente justa, economicamente equilibrada e politicamente democrática. O capítulo da Educação na versão original, alterado por muitas emendas constitucionais, maximizou o campo de aplicabilidade do acesso ao ensino gratuito. Avançou-se muito nas leis infraconstitucionais no que se refere ao acesso, à gratuidade e à obrigatoriedade, configurando o campo da igualdade e da diversidade.

A Constituição Federal de 1988 declara o direito à educação no art. 205, e, no caso do ensino obrigatório de quatro a dezessete anos, ele é consignado como direito público subjetivo. A oferta de vagas nas etapas próprias deste nível da educação escolar, exceto as creches, para todos e todas é dever do Estado. Não se trata, pois, de um ato voluntário do Estado.

O direito público subjetivo é uma prerrogativa do cidadão, de tal modo que se alguém ficar privado do acesso a uma vaga nos sistemas de ensino, se verá atingido por uma profunda negação da cidadania. Na iminência de ver-se privado de tal direito, cabe à pessoa ou à sua família exigir esse direito. E no caso de reiterada omissão, a busca da justiciabilidade junto ao Poder Judiciário. No limite, pode-se apoiar na Lei nº 1.079/1950. Por meio dela, são incriminadas as autoridades públicas cuja atuação atente contra o exercício dos direitos individuais, políticos e sociais, denunciando-as por crime de responsabilidade. A educação como direito público subjetivo, já era postulada desde 1932 pela lavra de Pontes de Miranda.

Esta maximização ganhou expressão legal com a emenda constitucional n. 59/09 e seu desdobramento com o atual Plano Nacional de Educação da lei n. 13.005/2014 com suas 20 metas e múltiplas estratégias referidas a cada meta.

Algumas emendas constitucionais se impuseram como de grande importância. O regime de colaboração, no que se refere à redistribuição dos recursos vinculados, se objetivou em três emendas, alterando artigos da educação na Constituição. A Emenda n. 14/96 que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), subvinculou os recursos para o Ensino Fundamental (até então, única etapa obrigatória na faixa de sete a quatorze anos) e para a valorização do magistério. Essa emenda foi alargada com a emenda n. 53/2006, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que passou a abranger, com porcentuais diferentes, a toda a educação básica. Ambas estavam contidas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no art. 60.

A transitoriedade decenal do FUNDEB, inscrito nas Disposições Transitória da Constituição, ao vencer sua duração, trazia insegurança quanto à sua continuidade. E dado o caráter estruturante de que se revestiram ambas as emendas, a sua vacância poria em perigo toda uma organização do financiamento desde 1996. Eis porque, após pressão das sociedades civis identificadas com a educação, das organizações que reúnem os secretários de educação e o empenho de parlamentares, o Congresso aprovou a emenda constitucional n. 108/2020. Ela não só pôs o FUNDEB no corpo constitucional permanente, nos artigos 158, 211, 212, 212-A e nos artigos 60 e 60-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como introduziu a exigência da qualidade e da equidade na nova redistribuição dos investimentos, como metas constantes, doravante, do regime de colaboração.

E, entre o FUNDEB de 2006 e o agora denominado novo FUNDEB, tem-se a emenda constitucional n. 59/2009 que trouxe alterações substanciais na gratuidade, obrigatoriedade, introduziu o conceito de sistema nacional de educação e determinou a exigência do plano nacional de educação.

Conclusão

O longo caminho, por vezes sinuoso, do direito à educação, encontrou, à luz da Constituição de 1988, com o novo FUNDEB e sua regulamentação pela lei n. 14.113/2020, e a o Plano Nacional de Educação, lei n. 13.005/2014, a maximização jamais inscrita em nossa história. Essa maximização torna a igualdade, pluralidade e a diversidade os pressupostos fundamentais desse direito.

Esse conjunto legal se louva em uma tomada axiológica que reconhece a complexidade do real e seu caráter matizado e procura dar fundamentos e sustentação aos problemas educacionais radiografados.

O direito à educação abrange tanto o cidadão, quanto a pessoa humana, na dimensão singular de cada qual (ut singulus), própria dos direitos civis, reforçada pelo direito público subjetivo. à educação. A educação habilita a cidadania de modo a participar da vida política do país (ut civis). E como membro da sociedade, a educação, pelo art. 6º da Constituição, foi proclamada o primeiro dos direitos sociais (ut socius). Além dessas dimensões, a educação está disposta de modo a atender também aos interesses difusos, pois beneficia a cada um e a todos. Finalmente, ela se inclui nos interesses coletivos de determinados de grupos específicos respondendo pelo direito à diversidade.

O problema se situa na complexidade tanto do real, quanto do conjunto normativo face ao dever do Estado e o direito do cidadão. O dever do Estado, se lhe carecer capacidades políticas de dar efetividade às determinações legais, especialmente, ao financiamento da educação como um pilar do regime de colaboração, diminuirá o âmbito real de aplicabilidade do direito à educação.

A pandemia do SARS COV2 COVID-19, que teve início em 2020, recrudesceu e deu visibilidade a problemas muito concretos da educação, a começar da mais comezinha infraestrutura, como banheiros e pias, até a pouca presença dos aparatos da tecnologia digital da comunicação e da informação nas escolas, ao arrepio do que prevê o Plano Nacional de Educação. E a pandemia, por conta da cobertura da imprensa, deu visibilidade ao acanhamento das casas de muitos alunos para as quais se “transferiu” a escola. Com isso, se constatou não só uma nova forma de duplicidade de redes de acesso e de atendimento, como explicitou a precariedade na qualidade do direito à educação.

Sobrepondo-se à pandemia, um executivo federal, eleito em 2018, que se ocupou de situações minoritárias da educação, não contou com ministros da área que assumissem a causa maior da educação. Em muitos casos, tais gestores atuaram de costas para a situação educacional e para a efetivação de políticas públicas constantes e derivadas do ordenamento jurídico. Esta atuação implicou a diminuição de investimentos desde a educação infantil até a pós-graduação, passando uma dispersão gestionária em órgãos importantes da organização da educação nacional e diminuição dos canais de participação da sociedade civil.

A história da educação vem revelando a grande descontinuidade de políticas de Estado que se viram diminuídas e descontínuas em políticas transitórias de governo, como uma de nossas mazelas históricas. Mas, nem mesmo a reforma Rivadávia ou as reformas da ditadura, foram tão desconstrutoras da educação nacional como essa política de costas do executivo federal que tomou posse em 2019, desconstrução potencializada pelo drama da pandemia.

Resta retomar o bordão do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: a reconstrução nacional passa pela reconstrução educacional, agora à luz de uma radiografia muito minuciosa da situação que vai exigir a efetivação do que reza o art. 5º do Plano Nacional de Educação: a “execução do PNE e o cumprimento de suas metas serão objeto de monitoramento contínuo e de avaliações periódicas.” (BRASIL, 2014)

Com isso, será possível que o direito à educação, encontre em um planejamento mais minucioso vias de efetividade de uma proclamação tão solene quanto avançada em que o comum seja a síntese do todos e de cada um.

As datas comemorativas que se acumulam nesse ano de 2022 como o bicentenário da Independência, os cem anos da Semana de Arte Moderna e os noventa anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação e do Código Eleitoral, nos convidam a retomar essas trajetórias sob vários ângulos em um esforço para a reconstrução do direito à educação e sua efetivação qualitativa.

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1A lei do ventre livre alterou esse princípio. A lei de 1871, lei n. 2040, foi aprovada com 61 votos a favor e 31 contra. Com ela, a mãe cativa que desse à luz teria seu ventre como livre e, por consequência, o nascido também livre (e não liberto).

2Filho-família é uma expressão que indica o indivíduo menor de idade e sujeito ao poder pátrio.

3A Constituição de 1824, porém, estabelecerá o voto censitário que dependia do quantum da renda a pessoa auferia.

4São Paulo, Bahia, Goiás e Santa Catarina também associaram, nas suas Constituições, a gratuidade com a obrigatoriedade.

5Pode-se assinalar, aqui, um embrião, do que viria a ser, na Constituição de 1988, com a emenda constitucional n. 14, o FUNDEF.

6Essa é uma diferença significativa com a Constituição Federal de 1988. Essa última põe a organização do Estado após os direitos da cidadania. Essa precedência dos direitos pode ser lida de tal modo que é o Estado que está à serviço da cidadania e não o contrário.

7Sobre a Constituição de Weimar, cf. Cury (1998).

8Cf. Rocha (2018). É de se interrogar em que medida o direito de todos poderia abraçar, ao mesmo tempo, como constante dele, uma educação eugênica que acabou por excluir negros e indígenas, além das pessoas em situação de deficiência, de uma educação democrática? Não residiria aí importante barreira desses coletivos na presença e participação das instituições formais da democracia? Sobre o assunto, cf. Lemgruber (2016).

9Cf. Abreu e Minhoto (2012).

10Esse segmento final da letra b do artigo se coaduna com o capítulo denominado Do Ensino Emendativo cujo teor, nesse Plano, trata das pessoas em situação de deficiência com termos estigmatizantes.

11Confira-se um dos poucos trabalhos sobre as Constituintes e Constituição de 1935, no caso do Amazonas, em Pinheiro (2001).

12O campo da instrução das forças policiais ainda está aberto a mais pesquisas, especialmente quanto ao sentido da violência, em termos de educação não-escolar. Veja-se, por exemplo, o Art. 116 do Decreto-Lei n. 3864/1941 do Estatuto dos Militares: “Para admissão nas escolas e cursos de formação de oficiais, além das condições de idade, aptidão intelectual, idoneidade moral e capacidade física, é necessário que o candidato seja brasileiro nato e que as condições de ambiente social e doméstico (nacionalidade, religião, orientação política e condições morais e profissionais dos pais) não colidam com as obrigações e deveres impostos aos militares, nem sejam suscetíveis de obstar a um perfeito e espontâneo sentimento patriótico.” (BRASIL, 1941b) Há um capítulo próprio do ensino militar no qual há o art. 170: “Cabe a cada chefe instruir e adestrar seus subordinados, zelando pelo aperfeiçoamento de sua formação moral, cívica, intelectual e profissional.” (BRASIL, 1941b)

13Sobre a educação em Minas Gerais sob o Estado Novo e as iniciativas tomadas pelo Estado Mineiro, cf. Peixoto, (2000; 2003).

14Cf. Horta (1994) e Bomeny (1999).

15Cf. Araújo (1998) e Cury (2018).

16Cf. Saviani (1973). Nesse livro, há uma sinopse completa da tramitação parlamentar, cronológica, do projeto desde 1948. Cf., também, Buffa (1979) e VillaLobos (1969).

Recebido: 21 de Fevereiro de 2022; Aceito: 15 de Março de 2022

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