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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub Sep 13, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-72 

Dossiê 1 - Contribuições da literatura para a História da Educação

A autoformação do escritor fora e contra a escola portuguesa: Teixeira de Pascoaes e a sublimação do génio, do Livro de memórias (1928) a Uma fábula (1952)1

La autoformación del escritor fuera y contra la escuela portuguesa: la Teixeira de Pascoaes y la sublimación del genio, del Livro de memórias (1928) a Uma fábula (1952)

Ana Luísa Fernandes Paz1 
http://orcid.org/0000-0003-4848-8183

1Universidade de Lisboa (Portugal). apaz@ie.ulisboa.pt


Resumo

A discussão que neste artigo se procura instaurar em torno da figura mítica do poeta Teixeira de Pascoaes (1877-1952), escritor que lidera em Portugal o movimento literário do saudosismo e que ainda hoje se conhece por via dos manuais escolares, prende-se com as teses culturais que sucessivamente perpassam na sua obra sobre a autoformação do artista. Muito em particular nos seus escritos autobiográficos, Livro de memórias (1928) e Uma fábula (1952), este último apenas publicado em 1978, Teixeira de Pascoaes descreve uma escolarização incapaz de assegurar um processo de ensino-aprendizagem para a escrita literária, em particular a disciplina de Língua Portuguesa. Descreve a sua trajetória como um ‘calvário escolar’, que apenas conseguiu combater graças à própria vida literária da sua casa, o Solar de Pascoaes, num confronto direto entre cultura familiar, cultura escolar e uma série de atributos do próprio génio artístico (destino, infância prodigiosa, talento).

Palavras-chave: Memórias autobiográficas; Escolarização; Formação de artista

Resumen

La discusión que este artículo busca establecer en torno a la figura mítica del poeta Teixeira de Pascoaes (1877-1952), escritor que lidera el movimiento del saudosismo literario en Portugal y que aún hoy se conoce a través de los libros de texto escolares, se relaciona con las tesis culturales que impregnan sucesivamente en su obra la autoeducación del artista. Particularmente en sus escritos autobiográficos, Livro de memórias [Libro de Memórias] (1928) y Uma fábula [Una fabula] (1952), este último recién publicado en 1978, Teixeira de Pascoaes describe una escolarización incapaz de asegurar un proceso de enseñanza-aprendizaje de la escritura literaria, en particular en la disciplina de Lengua Portuguesa. Describe su trayectoria como un ‘calvario escolar’, que solo logró combatir gracias a la vida literaria de su hogar, lo Solar de Pascoaes, en un enfrentamiento directo entre cultura familiar, cultura escolar y una serie de atributos de su genio artístico (destino, infancia prodigiosa, talento).

Palabras-clave: Memorias autobiográficos; Escolarización; Formación de artista

Abstract

The discussion that this article seeks to establish around the mythical figure of the poet Teixeira de Pascoaes (1877-1952) - a writer who leads the literary saudosismo movement in Portugal and who is still known today through school textbooks - is related to the cultural theses that successively permeate in his work on the artist’s self-education. Particularly in his autobiographical writings, Livro de memórias [Book of Memoirs] (1928) and Uma fábula [A fable] (1952), the latter only published in 1978, Teixeira de Pascoaes describes a schooling incapable of ensuring a teaching-learning process for literary writing, in particular the Portuguese language discipline. He describes his trajectory as a ‘school ordeal’, which he only managed to fight thanks to the literary life of his home, the Solar de Pascoaes, in a direct confrontation between family culture, school culture and a series of attributes of his artistic genius (destination, prodigious childhood, talent).

Keywords: autobiographical memories; schooling; artist education

Introdução

Teixeira de Pascoaes, o Poeta do Marão, o Poeta da Saudade e outros epítetos referem-se ao escritor Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos (1877-1952), reconhecido nacional e internacionalmente por encabeçar em Portugal o movimento literário do saudosismo. Sob essa insígnia, Teixeira de Pascoaes (psedónimo usado desde 1896) marcou, durante décadas, presença obrigatória nos programas de Língua Portuguesa do ensino secundário. Alunos que como eu frequentaram a escola de finais do século XX, ficaram negativamente marcados pela imagem difusa de um poeta extremamente sombrio, que entristecia as páginas do manual escolar através de um ou dois poemas nostálgicos acompanhados de uma breve nota biográfica que enquadrava o movimento literário de inserção. Desde a década de 1920, Pascoaes igualava-se a Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro ou José Régio. Decorridos aproximadamente cem anos sobre os primeiros sucessos literários de Teixeira de Pascoaes, o governo português homologou as novas Aprendizagens Essenciais para o ensino secundário, nas quais já não se contempla a obrigatoriedade de estudar este escritor. Foi votado ao esquecimento nas paredes da escola.

Obnubilar Teixeira de Pascoaes do currículo de Língua Portuguesa é um gesto que, numa inusitada ironia, introduz um ajuste de contas com a história. Há como que uma inevitabilidade neste desfecho, para quem, como eu, ultrapassou a primeira imagem do autor de manual e descobriu um crítico acérrimo do mundo escolar, em particular do ensino secundário e superior. De facto, quem passar além do poeta da saudade de um qualquer manual escolar, em que se insistia na mitificação do asceta sombrio, descobre na totalidade da sua obra um autor muito mais rico e heteróclito, além de um personagem francamente libertino e ingovernável. Só muito dificilmente o Teixeira de Vasconcelos tornado de Pascoaes caberia num registo literato normalizador e normalizado, sempre às custas do seu pleito com a escola e com tudo o que a cultura escolar representa, incluindo o devir profissional.

Neste artigo, pretendo descrever e discutir o modo como Teixeira de Pascoaes se apresenta diante do mundo escolar, essencialmente pela recusa e repulsa, para criar o seu modus faciendi de aprendizagem literária, apelando a uma suposta autoformação e autodidatismo. Sobretudo na sua obra autobiográfica, que se assinala com ênfase na publicação do Livro de memórias (1928) e na redação de Uma fábula (1952), narra uma escolarização incapaz assegurar um processo de ensino-aprendizagem para a escrita literária, em particular a própria disciplina de Língua Portuguesa, em que aliás reprovou. Pascoaes interioriza na sua autobiografia um combate ao escolar e ao aluno que foi fazendo da sua vida literária uma vitória por sobre essa educação formal.

Porém, inscreve também o seu devir escritor numa tecnologia do génio, nomeadamente quando procura, nas duas peças autobiográficas, demonstrar a força do destino e a inevitabilidade de se tornar escritor. Conforme procuro discutir, a prosa biográfica autorreferenciada oferece inúmeros elementos de contextualização da vida escolar e cultural portuguesa do seu tempo - tornando-a uma fonte para a História da Educação. Ademais, também uma autobiografia é uma fonte privilegiada para prescrutar o modo como alguém se tornou escritor, sobretudo quando apresenta um contexto (aparentemente) desfavorável. Descobre-se no Poeta do Marão um falso autodidata, que utilizou a seu favor todas as possibilidades de se legitimar pelo seu desejo de ser legitimado enquanto poeta.

Pascoaes é, sem sombra de dúvida, um dos muitos escritores de inícios do século XX que fazem do génio artístico e seus atributos (destino, infância prodigiosa, talento) a justificativa para se legitimarem como escritores - veja-se, a título de exemplo, a vida burocrática de Fernando Pessoa, em contraste com a sua fervilhante vida literária. A escrita de si tem especial relevância na operacionalização dessa justificativa, e hoje, à distância de várias décadas, pode ser também ela usada como fonte que expõe as suas categorias de ação escolhidas dentro do que se disponibilizava no espaço dos possíveis.

Como se aprende a ser poeta? Quadro conceptual para uma autobiografia de um escritor

“Mais cenas da minha infância e mocidade”, começa assim a autobiografia final de Teixeira de Pascoaes, Uma fábula: O advogado e o poeta, assinada em outubro de 1952, dois meses antes do seu falecimento:

Não se trata de confissões, que ninguém se confessa. Como há-de confessar-se um desgraçado, que não faz de si a menor ideia? A sensação que temos de nós próprios é vaga e indefinível. E, se a intelectualizarmos, é já um produto artificial. Somos em nós, como os peixes na água. Que pensará do Atlântico uma faneca? Não o distingue das suas barbatanas (PASCOAES, 1978, p. 7)

Este peixe que se revisita a si mesmo, para retomar a metáfora de Pascoes, que por sua vez recorda a metáfora usada, mais tarde, entre Paul Veyne e Michel Foucault, para explicar o que faz o cientista social - descrito como se fosse um peixe que, sem deixar de ser o peixe, se consegue olhar por momentos de fora do aquário (VEYNE, 2008) -, enuncia o gesto de escrita e de pensamento de si a que Teixeira de Pascoes se entrega no seu escrito derradeiro. O gesto inaugurado pelo Livro de Memórias, editado no ano de 1928, cumpre assim o seu último movimento autobiográfico deliberado, embora só tenha sido dado à estampa volvidas que foram quase três décadas. O modo autobiográfico tem, para Teixeira de Pascoaes, laivos de uma narrativa de autoformação (NÓVOA & FINGER, 1988), na qual o sujeito da escrita enuncia o seu modo de pensar a sua profissionalidade, neste caso, a de escritor. Como identifica Philippe Lejeune (2008), é o próprio texto que produz a vida, e não o contrário, e Pascoaes não apenas reflecte sobre o devir escritor, como habilmente o constrói.

A pergunta sobre onde é que o escritor aprende a ser escritor, que aqui se subentende, faz emergir outra ainda mais relevante: como pode uma obra literária construir a vida do próprio escritor? Perante esta questão importa acionar um dispositivo de fontes autobiográficas que a permita inteligibilizar, mas para prescrutar esse manancial foi convocado um quadro de análise sociológica das atividades artísticas.

Parti essencialmente da identificação que Anne Lisa Tota (2000) realiza sobre os três padrões tipicamente presentes nas narrativas das profissões artísticas, em particular dos escritores. Em primeiro lugar, defende a autora, a escolha da profissão surge num esquema narrativo pré-iniciático, ao que se segue, em segundo lugar, a recriação de uma infância simbolicamente recriada como espaço privilegiado. Por último, verifica que a identidade do artista se constrói a partir da sua repetida diferenciação em relação aos demais. Todos estes elementos encaixam por completo na narrativa que o Poeta do Marão sobre si elabora, o que me levou a revisitar ainda a conceção de narrativa de vida e de trajetória que estão na base do modo como a autora, a partir de Pierre Bourdieu, se colocou criticamente em relação ao material biográfico emanado dos artistas. Deste modo, devem-se ao sociólogo francês os principais conceitos aqui gizados.

Não ignoro os embates que a sociologia crítica tem sofrido, quer no que respeita aos estudos sobre a escola, quer ainda no que se refere à investigação em arte e literatura, mas em que, apesar de tudo, se reconhece a sua importância e em que a própria dissidência se revela devedora e comprometida. Na sequência de outros discípulos de Bourdieu que enveredaram por diferentes caminhos conceptuais, Nathalie Heinich tem procurado desenvolver formas de compreensão da atividade artística, nomeadamente da pintura, colocando importantes questões ao modo de escolarização do aluno-artista (HEINICH, 1993) que a levaram a duvidar da utensilagem bourdesiana. A autora acabou por retroceder à tradição sociológica que Norbert Elias inaugurou com Mozart, sociologia de um génio, obra na qual a arte é tida por uma atividade dominada conscientemente pelos atores sociais, posição que considera mais conforme a uma sociologia das artes na contemporaneidade (HEINICH, 2008). Esta mesma crítica aos autores da dominação, em que Heinich acopla Marx, Bourdieu e Foucault, é fortemente mobilizada pela socióloga da música Tia DeNora, que, ao mesmo tempo, recupera a visão de Elias e de Theodor Adorno para conceber formas contemporâneas de compreender o mundo das artes (DENORA, 2003). Mas, apesar do seu complexo aparato crítico, refugia-se afinal no mesmo gesto de tentar compreender como os atores sociais (já não os sujeitos) “são apanhados numa teia de circunstâncias, incluindo o seu próprio entendimento sobre essas circunstâncias” (DENORA, 1995, p. 113). No que respeita a esta compreensão, muitos cientistas sociais, quais peixes que se procuram compreender na complexa vida do aquário de onde não mais poderão escapar, continuam a recorrer à sociologia crítica, criticamente. É também esse o meu intuito.

No âmbito da História da Educação, diversas análises de biografias continuam também a rever-se na obra de Pierre Bourdieu, ainda que devidamente pontuadas com tendências recentes de estudos autobiográficos como os trazidos por Lejeune (2008), Passeggi e Souza (2008) ou Delory-Momberger (2012). O mais das vezes, a acolhida do sociólogo crítico parte da argumentação de aí se acharem os indispensáveis conceitos e atributos para seguir numa “compreensão de sentidos” que afronte a “ilusão biográfica” (BOURDIEU, citado por VERAS; ORLANDO, 2018, p. 801)

Neste sentido, uma parte desta investigação procura mostrar exatamente quais as circunstâncias dos atores sociais, revelando as condições de produção que estão marcadas na obra pascoalina, sendo de sublinhar que, mesmo quando não são diretamente referidas, são facilmente recuperadas através de bibliografia coeva e dos inúmeros estudos sobre Teixeira de Pascoaes (FRANCO, 2000) e sobre o seu devir (auto)biográfico (CARVALHO; RITA; FRANCO, 2017).

Insisto, todavia, numa tentativa de ultrapassar o mero estado de diagnóstico do que foram as condições socioeconómicas de escrita do poeta amarantino, em direção a uma procura da inscrição destas condições num espaço simbólico. Recuperam-se, para esse efeito, os conceitos de espaço dos possíveis e de capital cultural para tentar analisar como essas condições de produção foram agenciadas em relação ao devir-artista do escritor e sua capitalização em poder simbólico, sendo o capital simbólico uma forma que aqui se pode traduzir por prestígio (BOURDIEU, 2013).

Entenda-se espaço de possíveis como as possibilidades disponíveis no campo cultural (de determinado espaço e tempo) que tendem a “orientar” a busca que os artistas realizam para definirem o seu “universo de problemas, de referências, de marcas intelectuais” (BOURDIEU, 2008, p.55). São o que o sociólogo francês procura resumir a um “sistema de referências comuns, marcas comuns” (BOURDIEU, 2008, p. 57), as quais definem uma escola, um movimento, em jogo com a idiossincrasia de cada autor.

Por seu turno, compreenda-se também que o campo cultural se pode definir como aquele onde o capital cultural tem maior peso, embora também aí vigorem os pesos relativos do capital económico e do capital social. Neste aspeto, o capital cultural deve aqui ser buscado na sua vertente de legitimação e das ações em torno dessa legitimação, que necessariamente nos deslocam para a aquisição de uma modalidade mais específica desta forma de poder: o capital escolar. Se a educação escolar aparece como geradora de um capital cultural, transporta ao mesmo tempo as marcas desvalorizantes da sua constituição, fazendo crer que escolar implica uma socialização tardia e, de algum modo, sucedânea. Como mostraram Bourdieu e Darbel, quem “não recebeu da família ou da escola os instrumentos que somente a familiaridade pode proporcionar, está condenado a uma perceção da obra de arte que toma de empréstimo as suas categorias à experiência quotidiana”, e que “termina no simples reconhecimento do objeto representado” (BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 79). É esta forma desvalorizada que Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, autor do seu próprio destino quando o domina pela pena de Teixeira de Pascoaes, combate ativamente. Mas a que se deve então a sua aprendizagem?

Numa leitura de toda a obra impressa, com especial atenção para a escrita autobiográfica, foram encontrados três grandes núcleos de sentidos de aprendizagem: a família, a escola (apesar de tudo) e os círculos de amigos e sociabilidade. Sobre estes três aspetos recairá esta análise das condições de produção da maior das obras pascoalinas: a criação e a legitimação do poeta.

Família

“A tarde em que nasci como um herói nimbou duma auréola triste a minha infância, e entranhou-se em mim para sempre” (PASCOAES, 2001, p. 54) - é assim que o poeta se apresenta no seu Livro de memórias, remetendo-se a um primeiro dia de vida num tempo indefinido e fora de um espaço concreto. Diz-se ainda que nasceu no dia de finados, a 2 de novembro de 1877, na grande casa senhorial de Pascoaes, aldeia de Gatão, perto da cidade Amarante - eis uma história possível, que os biógrafos desmentem. Estima-se que Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos terá nascido em Amarante, numa casa alugada que era contígua à dos seus avós (VASCONCELOS, 1993, p. 37) no dia 8 de novembro, de acordo com o seu assento de nascimento/batismo (BORGES, 2006).

A narrativa do nascimento inaugura a grande operação de ilusão biográfica em que “o abandono da estrutura de romance como linear” claramente “coincidiu com o questionamento da visão da vida como existência dotada de sentido no duplo sentido de significação e de direção” (BOURDIEU, 2008, p.76), que em Pascoaes se substituiu por um sentido de legitimação do lugar de escrita. Como veremos já de seguida, toda a história familiar dos Teixeira de Vasconcelos tem uma dupla face. Quando os seus escritos biográficos são analisados pelo crivo das condições de produção, a tão propalada melancolia e solidão do poeta deixa emergir as estruturas que comportam o seu “conatus”, isto é, a “tendência a perpetuar o seu ser social, com todos seus poderes e privilégios”, e serve como “base das estratégias de reprodução”, nas quais se incluem as estratégias “de fecundidade”, “de herança”, “econômicas” e “educativas” (BOURDIEU, 2008, p. 36-7).

Carlota Guedes Monteiro de Carvalho deu à luz do seu matrimónio com João Pereira Teixeira de Vasconcelos sete filhos, perpetuando assim uma estirpe de aristocratas rurais, pela seguinte ordem: António (1876-1878), Joaquim (1877-1952), Miquelina Rosa (?-1977), o segundo António (1880-1903), Maria da Glória (1881-1980), João (1882-1965) e, por fim, Álvaro (1884-1964).

Joaquim não nasceu, mas cresceu como o primogénito dos Teixeira de Vasconcelos, ocupando o lugar do irmão António, falecido aos dois anos de idade e de quem distava um ano. O casal batiza o filho seguinte com o mesmo nome, mas também o segundo António acabou por falecer precocemente, suicidando-se no ano de 1903, em circunstâncias que o poeta muito explorou na sua escrita memorialística e às quais se fará a devida circunscrição mais adiante. No Livro de memórias, estabelece um percurso em busca de um retrato, para aí apresentar a sua infância e a história da família:

E o meu retrato de criança? Debalde o procuro na memória. Onde ele existe é num antigo album de família. Lá estou, num grupo, cabisbaixo, sisudo, com uns olhos tristes, espantados. […]

Lá estou na fotografia, conforme a terra me criou e os contos da Lucrécia, também nascida destes montes… […]

Lá estou, ao lado de minha Mãe, tão nova ainda! e de meus irmãos. Lá está o João e as selvas de África a chamá-lo! Lá está o António e o espetro do suicídio a escurecer as frontes de criança. Lá estão o António, o João, o Álvaro, a Miquelina, a Maria e a minha Mãe, tão nova ainda! e, ao lado dela, eu - segundo reza uma crónica de tempos fabulosos (PASCOAES, 2001, p. 74-5)

Falta neste retrato o pai, João Pereira Teixeira de Vasconcelos, juiz e deputado às cortes, figura incontornável do destino intelectual do poeta. Defendi anteriormente que Pascoaes era filho de um pai desejante, ou seja, que se instaurou uma relação familiar na qual o progenitor - que dispõe de tempo e de outros recursos, como dinheiro ou influência - investiu tudo na educação de um dos filhos, incentivando-o a cumprir um desígnio que não teve oportunidade ou capacidade para cumprir. Este conceito de pai desejante foi estabelecido a partir da minha investigação em História da Educação sobre artistas musicais (PAZ, 2014) bebendo de uma visão da psicologia da música, a partir da qual Michael Howe (1999) procura compreender a importância do parentesco na educação de indivíduos considerados génios nas áreas das artes, ciências e técnicas. Enquanto pai desejante, João Teixeira de Vasconcelos desenvolveu com o filho mais velho uma relação de admiração e (in)dependência, contribuindo ativamente para o sucesso escolar e para o desabrochar profissional de Joaquim, primeiro como advogado e depois juiz, seguindo diretamente as suas pisadas. Maria da Glória Teixeira de Vasconcelos, a irmã mais nova, mostra como foi complexa esta relação entre o pai desejante e seu filho mais promissor, deixando nota de como, para o patriarca, “cada um seguia o seu caminho”, sendo que o próprio primogénito se distinguia por ser “cheio de personalidade e independência” (VASCONCELOS, 1971, p. 28).

A mesma testemunha privilegiada narra como o pai, mesmo sem acalentar esperanças nos outros filhos, se interessava pela educação de todos, ainda que sem “paciência nenhuma” (VASCONCELOS, 1971, p. 28-9). Foi com o mais velho que se desmultiplicou em esforços para obter os recursos necessários ao sucesso físico e intelectual, uma vez que “já muito esperava daquele filho”. Para combater a compleição frágil superintendeu que tomasse banhos gelados, sorvesse em abundância óleo de fígado de bacalhau e praticasse halteres e trapézio (p. 23-4). A garantia do seu sucesso escolar deveu-se à mudança para a sua casa na (então) vila de Amarante, de modo a que Joaquim prosseguisse estudos com maior facilidade, no sentido de “o poupar a tanto frio e a tanta maçada” (p. 30).

A memorialística de Teixeira de Pascoaes recupera esta transição para o perímetro urbano e para o universo escolar como uma situação adversa à sua natureza e, já em Uma fábula, redigida no ano de 1952, enfatiza a alegria de ver para trás os estudos e de regressar ao cenário rural: “Decorre o mês de Setembro de 1896. Concluí os [exames] preparatórios e estou, na aldeia, com minha avó materna a passar o resto dos dias das férias grandes. Entretinha-me a ler os Poetas; e a minha avó a colher couves, na horta e a rezar.” (PASCOAES, 1978, p. 105; sublinhado no original).

Este último cenário traz-nos de novo a figura da mãe, com quem Joaquim viveu até ao seu falecimento. Carlota Guedes Monteiro de Carvalho nasceu na aldeia de São João de Gatão (Casa do Outeiro). Herdou a casa de Travanca do Monte, uma propriedade fundamental na biografia da infância pascoalina. É a esta casa, situada na serra da Abobreira, constituindo um contraforte da serra do Marão, que o escritor constantemente se refere quando indica os momentos felizes, pois aí passava habitualmente o quente mês de agosto (VASCONCELOS, 1993, p. 29).

Por fim, esta família enquadrava-se no amplo solar da Casa de Pascoaes, uma propriedade envolvida pela serrania, recebida por via paterna, e onde a família nuclear viveu grande parte das suas vidas. Um espaço onde cada recanto, cada objeto, representa um discurso complexo, como dramatiza logo na abertura ao seu Livro de memórias, mostrando como os diferentes móveis o interpelavam para a escrita:

O meu escritório escureceu; e nesta paisagem a óleo de minha irmã, dir-se-á que as pereiras e as cerejeiras amarelecem também e deixam cair a folha. Velhos móveis enigmáticos revestem-se duma sombra dolorida, animam-se e falam-se de antigas pessoas que eu amei. […] Nesta cadeira de pau preto, minha avó desfia as contas dum rosário” (PASCOAES, 2001, p. 37).

Uma casa carregada de história e de histórias que o herdeiro escutou de sua avó e tias, nas quais se incluíam as Invasões Francesas, os ataques do famoso bandido Zé do Telhado e outras narrativas de assaltos e incêndios vividos pela sua linhagem e que o fascinaram até à idade adulta. Também uma casa apetrechada com uma biblioteca repleta de livros e com espaços apropriados para estudo e reflexão. Sobretudo após o restauro que, em 1916, D. Carlota Monteiro empreendeu e pessoalmente superintendeu (VASCONCELOS, 1993), o poeta passou a gozar de um ambiente privilegiado para a sua produção escrita, sendo conhecida a vista aberta para a serra do Marão e o mirante isolado e bucólico da propriedade, onde terá escrito parte do longo poema Marânus.

No clã Teixeira de Vasconcelos verifica-se que a “predisposição familiar a uma cultura erudita e literária era abundante, mas permanecia avessa à cultura escolar dominante” (PAZ, 2017, p. 151) e é neste sentido que podemos ver a conciliação que Joaquim teve de estabelecer para legitimar este capital cultural que adquiriu e consolidou a partir de fontes e de ethos antagónicos. Até porque não foi o único escritor desta família, embora somente ele tivesse abraçado esta atividade a tempo inteiro. Com efeito, entre seis irmãos, três publicaram obra em vida e os três manifestaram um forte pendor autobiográfico e memorialístico na escrita, isto quando, no Portugal desta época, raros foram os documentos desta natureza a ver a luz do dia (PALMA-FERREIRA, 1981).

Se Pascoaes tivesse um rival, ele seria sem dúvida João Teixeira de Vasconcelos. O autor de Memórias de um caçador de elefantes, fisicamente muito semelhante ao poeta, cumpriu um sonho que também Pascoaes acalentou desde criança e conheceu no idílio das férias liceais: o de se tornar caçador (PASCOAES, 1978, p. 26-ss e 136-ss). O irmão do meio partiu para Moçambique aos 19 anos para iniciar uma vida aventurosa, primeiro como empregado numa companhia inglesa de exploração de borracha, prosseguindo depois como pescador. Finalmente, no Congo Belga, tornou-se um reconhecido caçador de animais selvagens e especialista na extração de marfim, função hoje inteiramente condenável, mas que na época se considerava uma façanha árdua concretizada num espaço exótico. O reconhecimento do intrépido João de Vasconcelos situa-se também na esfera literária. Assina o prefácio da primeira edição, de 1924, o escritor português Raul Brandão, assíduo frequentador da Casa de Pascoaes. Legitima o caçador como detentor de grandes dotes para a escrita e testemunha a sua propensão para animar os serões como o narrador (e protagonista) das mais entusiasmantes histórias. Por sua vez, o escritor e jornalista Augusto Casimiro, de vida não menos atribulada enquanto herói português da I Guerra Mundial, dá nota da reedição, chegando a confessar inveja e a admiração por João Teixeira de Vasconcelos (CASIMIRO, 1957, p. xii-xiii, xix ). Com efeito, a baixa escolarização de João e a sua dedicação, durante décadas, a profissões sem demanda intelectual em nada o diminuiu nas suas considerações literárias sobre os povos africanos e acerca da vida na selva, sendo facilmente reconhecido o valor da obra além do preconceito que os valores do tempo possam suscitar ao leitor mais incauto.

Com relação aos Teixeira de Vasconcelos, podemos então falar de uma estratégia de autoformação em que a escrita se torna um capital específico. E se alguns dos membros se opõem embora careçam da escolarização e do diploma que objetiva e institucionaliza o exercício das suas profissões liberais (BOURDIEU, 1999), o capital específico é gestado independentemente, dentro das próprias estratégias de autoformação do círculo familiar. Há então que distinguir entre a escolarização e o capital escolar adquirido pelas vias comuns, e uma série de preceitos e procedimentos que se desvelam no seio familiar e no círculo de sociabilidades que garantem o manuseamento das técnicas de escrita e da disposição do gosto literário.

Embora a instrução primária fosse obrigatória em Portugal desde 1835 (PAIS, 2008), só em 1940 se conjugaram as possibilidades para efetivar esta escolarização há tanto decretada. Sobretudo no caso das raparigas, a displicência era totalmente passada em branco pelas autoridades, deixando até à segunda metade do século XX milhares de mulheres portuguesas no analfabetismo ou baixa escolarização (CANDEIAS, 2007). No caso das Teixeira de Vasconcelos, o pai teve o cuidado de garantir os seus estudos pelo menos até ao nível liceal, o máximo a que o género feminino aspiraria no final de oitocentos2. Maria da Glória Teixeira de Vasconcelos é, porém, tal como os dois irmãos mais velhos, também autora. Destaca-se nas suas publicações uma autobiografia encapotada de relato memorialístico do poeta e da vida familiar, que tem sido amplamente citada desde a primeira edição em 1971.

Num primeiro vislumbre, Olhando para trás vejo Pascoaes não passa do relato de uma irmã menor, mas logo se entrevê que também ela ousa aí plasmar as suas notas de viagem e de poesia. Não se cansa de elucidar sobre este lugar de fala, mostrando, quase à laia de desculpa, as suas fracas prestações escolares, apenas atenuadas por ser filha de um dos fundadores do Liceu. Mesmo tendo frequentado o nível secundário, declara somente ter aí aprendido a ler e a escrever. E é a partir desta fragilidade que se reposiciona como autodidata, situando-se exatamente na linha de fronteira que marca as mulheres no mundo da cultura e que lhe permite integrar esse grupo que Bourdieu designa como as “dominadas entre os dominantes” (1996, p. 185). Coloca-se entre os dominantes quando afirma a relevância cultural da sua linhagem, apresentando, entre outros exemplos, o caso do avô médico que encontrou sozinho uma cura para o tifo (VASCONCELOS, 1971, p. 32-4), lance em que se torna a si e ao poeta herdeiros de uma longa tradição familiar de eruditos, com estratégias próprias de estudo e de autoformação. Com efeito, considera que sobreviveu e superou amplamente a pobreza escolar: “Depois, o que me valeu foi o meu esforço; o interesse que tinha em saber e a grande escola em que vivi vinte e sete anos”. Essa grande escola foi justamente a Casa de Pascoaes e foi nela que também se firmou enquanto poetisa, como acaba por confessar e esclarecer: “Desde criança gostei sempre de poesia e quando via versos nos jornais recortava-os com uma tesoura, fossem bons ou maus” (VASCONCELOS, 1971, p. 101 e 27). De facto, muito antes de Olhando para trás, publicou em 1922 o poema “Horas de Deus”, mais tarde musicado pelo músico e musicógrafo de grande reconhecimento nacional Armando Leça.

Verifica-se que a família Teixeira de Vasconcelos garantiu ao poeta pelos menos três condições de possibilidade: um pai desejante que tomou a sua vida como um projeto próprio; o capital económico, verificado nos meios de propriedade e fortuna que lhe permitiram o desafogo para os estudos e erudição; e a pertença a uma estirpe onde o seu ethos de clã já garantia a aquisição e a transmissão de capital cultural avultado e permanentemente atualizado ao seu tempo, nomeadamente com as estratégias de escolarização, mas compensadas com a autoformação suportada pelo círculo familiar. Parece ainda ser viável encontrar neste ethos familiar uma predisposição a uma certa forma de escrita, nomeadamente memorialística, como seria apanágio de gerações de famílias de raiz aristocrática, que se difunde entre vários elementos de uma geração, independentemente da sua atividade profissional - o poeta, o caçador e a cuidadora. Podemos então, vistos os três escritores irmãos, considerar que o espaço dos possíveis se cria logo desde o conatus e que Pascoaes não desvirtuou a sua herança vertical e horizontal, antes pelo contrário, recebeu-a e ampliou-a a diferentes géneros estilísticos.

Escola

Vi a sombra antes de ver a luz. Há uma tarde de Novembro que ficou em mim para sempre. É num fundo roxo e doirado que o meu perfil de criança me aparece, ao longe, tão triste, mais um sentimento vago que uma forma definida. Nos primeiros tempos, vivemos, não existimos. Eu era então uma alma a esboçar um corpo; e tudo era a alma, diante dos meus olhos. Tínhamos sete anos, eu e o mundo. Pairava nas coisas e pessoas a virgindade dos primeiros dias, um íntimo encanto amanhecente que ainda hoje encontro em certos lugares misteriosos e em certas figuras que se me gravaram na lembrança (PASCOAES, 2001, p. 54-55).

Pascoaes relata aqui o momento simbólico da sua metamorfose de criança em aluno, embora sem ousar ainda referir-se à escola, uma “escola-presídio” que foi “capaz de roubar à infância o diamante da sua inocência” (FRANCO, 2001, p. 18). A rutura é tremenda, mas só se abalança a anunciá-la muitas páginas depois, já no terceiro capítulo do Livro de memórias, após recordar uma série de personagens importantes da sua vida e da infância doirada, na qual se misturam “jogos, medos, comoções, um tumultuar de forças virgens”, todas materializadas no seu “vulto”, de tal modo que “o modelaram, dia a dia”. E nesse cenário mágico, como uma primeira morte, anuncia: “a última cena é a minha ida para a escola” (PASCOAES, 2001, p. 83; sublinhado no original).

A carga dramática da narrativa sobre o percurso escolar, a que o poeta sempre se refere para mostrar como “morreu continuamente” (PAZ, 2017, p. 153), deve, porém, ser atenuada com a evidência de se tratar de uma “memória inexorável e criadora”, numa alquimia que “torna não só o presente passado, como acentua a sua realidade” (FRANCO, 2001, p. 30). Conforme argumenta António Cândido Franco, “nunca, como em 1928 ou 1952, foi tanto o triste da sua infância” (2001, p. 30). Na versão de Maria da Glória Teixeira de Vasconcelos, o irmão mais velho não passou de um aluno mediano que “pelo curso fora, estudou somente para passar e não para se distinguir” (1971, p. 31).

Pascoaes não nos deixou um retrato muito definido da escola primária, certamente porque cumpriu os primeiros anos de escolaridade sedeado ainda em Gatão. Já os diferentes relatos que nos deixa sobre o ensino secundário e superior são, como veremos já de seguida, de uma tristeza confrangedora.

No que toca ao ensino liceal, são abundantes os testemunhos da passagem “do natural para o artificial”, como se refere à sua escolarização (PASCOAES, 2001, p. 87). Recorda a ida para a vila, no ano de 1891, e de aí se sentir “abstrato e longe”. Para qualquer estudante desse tempo, “Amarante era o Liceu” (PASCOAES, 1978, p. 69). Da janela da casa que fora do avô paterno via como os habitantes “diferiam dos campónios de Gatão!”, causando-lhe perplexidade e incómodo (PASCOAES, 2001, p. 86). “Mas a lembrança da minha aldeia transfigurava tudo”, como também recordava. “Lá íamos, a caminho do liceu”, e com este plural fazia-se acompanhar dos seus entes queridos “a Lucrécia, o António, a viscondessa, o Nilo, o lódum, a eira velha, o pinheiro-manso…” (PASCOAES, 2001, p. 87; sublinhados no original). “Mas só me viam a mim, na rua estreita e lajeada” de Amarante a caminho das aulas e, aparentemente só, atravessa então o largo onde o ruído de “rapazes e uma sineta” tudo invadia (PASCOAES, 2001, p. 87), deitando por terra as ilusões que ainda restavam do retorno à natureza:

Neste meio académico e ruidoso, eu era um ser inverosímil. Não sabia as lições, nem traçar a capa, nem trilhar as ruas da vila. O estudante metera-se em mim, como um intruso. Nunca me conformei com ele, com essa capa e batina talhadas para outro corpo (PASCOAES, 2001, p. 87).

É assim, com enorme mágoa sobre “o fim da idade de oiro”, que Joaquim se revê a entrar no “ciclo tormentoso da mocidade”: “Vejo enfim o meu retrato. Sou eu, que tristeza” (PASCOAES, 2001, p. 30). Essa penúria vivida dentro da “capa lúgubre e fúnebre que sepulta em 1928 o jovem Pascoaes” (FRANCO, 2001, p. 30), onde vive uma “personalidade inferiorizada, limitada” e por isso “facilmente apropriável” (PASCOAES, 2001, p. 88), é acionada num movimento de contemplação de si e da escuta dos outros:

Lá vou na rua lajeada. A capa foge-me dos ombros, um cabelo hirsuto invade-me a testa ensombrada de atávicos medos ou espantos. Nos meus ouvidos soam estas palavras de desânimo: - É muito acanhado e não estuda…

Vivia oprimido e escondido numa sombra. Rasguei-a, cantando-a nos meus versos (PASCOAES, 2001, p. 88).

A relação com o meio escolar entranha-se, desta forma, num todo que vislumbra a mutação do corpo e a transição para a idade adulta, a mudança do meio rural para o ambiente urbano e a transformação da criança num aluno liceal. Aí onde o elemento escolarizado paulatinamente começa a entranhar-se, o sujeito rebela-se e o poeta desponta. A rotina matinal sintetiza esta lenta incorporação, nunca cumprida por inteiro:

Às sete horas da manhã, no inverno, já eu estava perante um livro aberto e um candeeiro de petróleo que espalhava, no meu quarto, uma luz mais triste que a duma vela de cera, à cabeceira dum defunto. Metia as mãos geladas nos bolsos e os pés num cobertor. Ou dormitava ou lia maquinalmente; e todo o meu ser se decompunha em aborrecimento: nuvens pardas e um peso vazio na cabeça (PASCOAES, 2001, p. 88).

Neste contexto, o poeta em devir ressentiu-se na prestação académica, obtendo avaliações medianas e, a culminar, uma negativa na disciplina de Português. Só em 1952 ousa descrever este episódio que o encheu de mágoa, indiciando que, afinal de contas, a escola não lhe era de todo indiferente. Situa esse episódio no tempo em que era “jovem e estudante do Liceu Amarantino”, quando vivia ainda “na Amarante de outrora, na vila, como se diz em São João de Gatão, nome simpático porque é ladrado e rima com Marão” (PASCOAES, 1978, p. 96). Nesse tempo, também o futuro poeta “rimava já”, “embrulhado numa ante-capa universitária” onde se sentia “estranho” a si mesmo, “a magicar além das nuvens, a compor versos maus, que um poeta principia a macaquear o Poeta que há de ser amanhã”. Recorda o seu estatuto de “simples estudante liceal”, quando “vivia numa região deserta”, onde apenas “avultava” a sua “sombra beduína ou de camelo”, e a da “moira encantada” da sua “fantasia”. “Inimigo da convivência, concentrava-me na minha intimidade”, numa confissão de que se iniciara no labor poético (PASCOAES, 1978, p. 96). E é nestas circunstâncias que, dramaticamente, obtém uma reprovação na disciplina de Português, ou como na época se dizia em gíria estudantil, uma raposa. Atribui essa falha, essencialmente, à sua incapacidade de socializar, mas trata-se mais de um eco da voz do pai desejante no seio do que era então socialmente considerado uma desgraça familiar:

Esse teu acanhamento… esse teu acanhamento, repetia, desgostoso, meu Pai, quando fiquei reprovado a Português. Fui nesse instante, a minha própria imagem negativa. Então, é que nós somos nós, despidos de qualquer sonho ou de névoa perturbante da nossa realidade. Surgimos, à luz do sol, qual estátua em pedra Ladária, essa rival do mármore Carrara.

Aqui há meio século, uma raposa era a morte dum estudante. Os pais vestiam-se moralmente de luto rigoroso, porque se tratava dum falecimento anímico, pior que o físico, pois se este mata o corpo, sem atingir a alma, aquele mata a alma, atingindo-nos o corpo.

E por isso, o luto abrangia irmãos, tios e primos até ao terceiro grau… E abrangia ainda os animais familiares. O gato, lúgubre, miava, o cão uivava, agoirento, a vaca mugia, na corte, como se lhe tivessem roubado a cria. Até, nas salas escurecidas, pairavam gemeabundas sombras misteriosas” (PASCOAES, 1978, p. 98-9; sublinhados no original).

Teixeira de Pascoaes situa aqui a manifestação do destino, que assim o tornou um poeta sem remissão. Perante a ‘tragédia’ familiar, o “avô paterno, apiedado e alquebrado pela doença” teve o gesto de misericórdia de o pegar pela mão e conduzir para a casa dos avós maternos, dirigindo-lhe “palavras carinhosas” (PASCOAES, 1978, p. 99). Foi no retorno à natureza, na companhia dos avós que o jovem ressuscitou desta segunda morte escolar. Nos primeiros dias, recordava em 1952, sentia-se ainda como o “estudante reprovado” e com essa marca identitária vivia numa tristeza sepulcral o verão:

Sentei-me num dos bancos de pedra, metidos no vão das duas janelas gradeadas, que ladeiam o portão de ferro do terreiro, fechado […]

Era uma noitinha de Agosto. A luz já enlutada de sombra e o canto dos sapos a imitar o brilho das primeiras estrelas agravavam o meu desgosto, essa íntima escuridade onde se escondia um demónio a rir-se de mim, sob a forma simbólica de raposa… […] Foi a primeira vez que senti a verdadeira solidão. Não era a da montanha, que nos eleva, nem a do mar, que nos espraia, nem a do deserto que nos queima para ardermos em luz profética: era a solidão que em nós principia e finda, e é a nossa própria pessoa consciente da sua nulidade (PASCOAES, 1978, p. 100).

Nessa noite, numa epifania silenciosa, separou-se, sem alarde, mas de modo definito, da capa do estudante reprovado, para abraçar sem mascarilha a vida que a aldeia lhe proporcionava:

Permaneci algum tempo naquele pequeno banco da janela gradeada, submerso na penumbra crepuscular, até que a minha angústia de réprobo ou reprovado se desvaneceu em mística tristeza, uma espécie de noiva espectral que ainda hoje me persegue, mas com o branco véu enodado…

No dia seguinte, o sol, as árvores, os pássaros, desanuviaram-me o espírito. Já ria e conversava com os campónios da minha simpatia. […] Ria, conversava, respirava o ar puro, bebia sol, que a luz divina cai, no mundo, como vinho doirado em brônzea taça (PASCOAES, 1978, p. 101-2).

Segundo a irmã, apenas para não desgostar o pai, prometeu provar que o professor se enganara a seu respeito. Repetiu o exame em outubro e obteve então a nota de distinção (VASCONCELOS, 1971, p. 31), mas não deixa qualquer rasto sobre os exames bem-sucedidos. De resto, em Uma fábula não se coíbe de traçar um retrato caricatural de todos os seus professores, pondo o mestre de Português à cabeça dessa inusitada galeria:

Estou a ver a aula de português e o dr. Brochado muito alto, e desconjuntado, de capote alentejano e tamancos enormes, durante o inverno. Punha-os, com os pés, é claro, em cima da mesa de professor; e o seu rosto, comprido e de bigodes castanhos, aparecia aos alunos entre duas sentinelas de pau e couro cordovês (PASCOAES, 1978, p. 43).

A descrição do “drama liceal” em que o professor tudo pode vai seguindo, sala por sala, no “palco” que era este “convento dominicano” transfigurado em instituição de ensino secundário, onde os docentes eram, na verdade, profissionais liberais que ali faziam as vezes de pedagogos: Matemática e Ciências Naturais estavam a cargo de um médico, História era ensinada por um advogado, Latim pelo padre local; por sua vez o inglês e o francês eram dados por um ainda jovem espirituoso “com atitudes de músico italiano” e, para finalizar, o “mais pitoresco de todos os mestres” era “o mestre de latinidade” (PASCOAES, 1978, p. 43-4). Com efeito, nestas memórias de 1952 é ainda mais acutilante na descrição da vida de colegial, e transpõe mesmo as barreiras de uma “colónia penal”, transformando o “deplorável pelintra estudante” do Livro de memórias num “encarcerado sem esperanças, condenado a prisão perpétua e trabalhos forçados” (FRANCO, 2001, p. 30). Para tanto, reconstrói a sua infância ao jeito de um fauno: “A minha índole de caçador, ou animal feroz, selvática, a denunciar-me nos meus queixos e orelhas; estas de asno e aqueles de rebeca, insurgiam-se contra o estudo oficial e consagrado. Detestava os livros escolares, mas adorava a Natureza naturalmente…” (PASCOAES, 1978, p. 54). Joaquim Teixeira de Vasconcelos reage com sublimação ao meio envolvente, com a escrita dos primeiros versos, publicados em 1895 - aos 17 anos, quando frequentava o último ano do liceu - no livro Embriões. Foi a primeira e última vez que o poeta assinou com o nome civil, embora tivesse levado mais de vinte anos a assumir a sua conversão à escrita a tempo inteiro, conforme dramatiza em O pobre tolo (PASCOAES, 1924) e relata nas memórias de 1952 (PASCOAES, 1978, p. 155-ss).

O ano de 1896 é fulcral na nova mudança de cenário e na trajetória escolar. No Livro de memórias refere de modo vago que “decorridos os meses estivais”, o “painel” de “ermas noites escuras” onde despontava um “rio, torvo e selvagem, a derivar, lá embaixo, entre penedos” mudou diante dos seus olhos para outro “painel” que se apresentava “suave e triste”. Como em muitos episódios da sua vida, é mais detalhado em Uma fábula. Aí afirma, como já antes se mencionou, que o seu desaire liceal teve um final feliz e concluiu, ainda nesse ano, “os preparatórios”, imbricando esse episódio no verão glorioso passado na aldeia, com os avós maternos, “a ler Poetas” (PASCOAES, 1978, p. 105; sublinhados no original). No outono, estava em Coimbra como estudante do primeiro ano, caloiro, segundo a gíria. A primeira impressão da “pequena e decantada cidade” fica bem descrita nas páginas de ambas as autobiografias. Mas é talvez o poeta envelhecido que recorda com mais detalhe o entrelaçar da cidade com a experiência estudantil, desde o momento da sua chegada à estação ferroviária, acompanhado do seu “amigo e primo” Mário Monterroso, que “frequentava já como urso [veterano] a faculdade de Medicina:

Chegámos à Estação Velha à meia-noite, onde esvoaçavam capas pretas, tão agoirentas para um caloiro, como eu, surdido dos pinhais de São João na Lusa Atenas [Coimbra], como Braga é a Lusa Roma.

Subimos a estreita e íngreme Rua do Loureiro, e alojámo-nos perto do Arco do Bispo, em casa do nosso conterrâneo António Coimbra, que passava os invernos no burgo de seu nome, como ex-secretário da Universidade ou vítima das suas ideias republicanas […]

No dia seguinte, de manhã, debrucei-me da janela do meu quarto, a contemplar, dum terceiro andar, o panorama da cidade. Impressionou-me, logo, a pedra calcária dos edifícios, lisa e da mesma cor dos ossos. Nunca vira tal pedra a não ser nos mausoléus de cemitério. Os estudantes que passavam na rua, de capa e batina, lembravam jovens sacerdotes de bigode” (PASCOAES, 1978, p. 118; sublinhados no original).

Narra o primeiro dia na cidade universitária, em excursão a todos os locais importantes do percurso escolar: a Baixa, o Convento de Santa Clara, a Fonte dos Amores. Simbolicamente, as águas do Tâmega afluíam ao “poético Mondego” (PASCOAES, 1978, p. 119), o rio que banha Coimbra. Acusava uma certa pacificação nesta paisagem e não entrava em conflito, pois verificava que “o Tâmega e o Mondego misturavam as suas águas” e na sua própria “fantasia” (PASCOAES, 1978, p.121).

Em Coimbra, única universidade portuguesa da época, o calvário escolar torna-se ainda mais penoso, mas apesar desta impressão de morte e melancolia, de certo modo, Joaquim reencontrou-se novamente com o seu destino poético nessa monotonia que a vida universitária e citadina lhe proporcionava, ao ritmo do acender e apagar das luzes e sempre ao toque da Cabra, o sino que cumeia a faculdade de Direito e que marcava as horas académicas: “Recolhia a casa ao toque da Cabra, o sino mais plangente de Portugal” (PASCOAES, 1978, p. 131) e iniciava a hora de estudo e contemplação:

Depois das aulas, metia-me no meu quarto. Lia, escrevia, ou debruçava-me na janela, sobre a Rua do Cabido, estreita e íngreme, que desagua no Largo da Sé Velha, um pântano de sombras mortas, ao luar. Em frente, muro caiado, onde um pobre candeeiro derrama pálidas nódoas de melancolia, às horas negras.

Nessas noites de D. Dinis e da minha mocidade, a iluminação das ruas concordava com a sua antiguidade tenebrosa. Existia um pacto espectral entre os candeeiros públicos e a penumbra das eras mortas (PASCOAES, 2001, p. 111).

A iluminação pública da cidade era, porém, insuficiente para despertar o espírito baquiano, que antes se movia sob o comando da luz lunar:

Quando havia luar, as almas desciam ao Purgatório, e o velho burgo sonhava alto um sonho de guitarras a gemer e cantigas a voar…

Mas essa vida nocturna concentrava-se na Baixa, atravessada por uma rua já moderna. Os estudantes passavam, banhados na claridade das vitrines. Eram altos-relevos, sucedendo-se, ao longo de uma frisa. Sucediam-se, em grupos característicos e animados (PASCOAES, 2001, p. 111; sublinhados no original).

As rotinas eram as mesmas, mas as suas noites não eram sempre iguais. Já não suspirava pelos montes, antes privava nas tabernas e círculos de alunos que eram, como ele, amantes de poesia (PASCOAES, 2001, p. 114-ss). Muitas vezes, “depois da Universidade” ia com os amigos para os cafés conimbricenses, o Lusitano e o “do Marques Pinto”, seguindo depois a fazer as suas refeições. As tascas do Julião das Iscas e da Tia Joaquina contam-se entre os estabelecimentos de boa memória (PASCOAES, 1978, p. 150). Como mais nudamente se descreve no final da sua vida: “Acompanhei a Boémia, algumas noites, até ao romper da alva, esse lívido espantalho, ou a Aurora, ainda defunta mas já em movimento para a vida. Então a Boémia desaparecia, envolta num véu doirado, na direção do Olimpo” (PASCOAES, 1978, p. 136).

“Não era a vida de estudante, em Coimbra, uma sucessão de transfigurações surpreendentes?” (PASCOAES, 1978, p. 152) - assim sinalizava o regresso a casa ao romper da aurora após mais um episódio de vida ébria. Apesar desta animação a que sem dúvida se entregou neste período “Católico-Pagão” ao qual alega ter sobrevivido, insiste na monotonia dos seus dias, na dedicação necessária ao estudo e na melancolia que daqui advinha. Como resultado desta mescla, o poeta insurge-se novamente:

À luz dum candeeiro de petróleo abandonava-me à triste meditação poética, evocadora de fantasmas. Vivia no meio deles, e vivo ainda. Quando morrer, não estranharei o Outro Mundo… Desta convivência fantástica, resultou o meu primeiro livro de versos, ou antes, de poesia (PASCOAES, 1978, p. 132).

Trata-se do livro Sempre, editado pessoalmente pelo hoje mítico editor França Amado e dado à estampa em 1898 (PASCOAES, 1898b). Tendo enviado um exemplar a Guerra Junqueiro, que muito admirava poética e politicamente, e recebido pouco tempo depois uma carta a incentivá-lo, Joaquim de Vasconcelos considerou-se legitimado para esta atividade. Nessa missiva, que esteve inédita até 1978 e que o próprio amarantino pretendia que ilustrasse as suas memórias, Junqueiro é contundente na avaliação do génio poético:

O meu amigo é naturalmente poeta. Sente o ideal, o amor, a dor, a piedade, o enigma das coisas, o mistério infinito. […] Na essência, a forma é caótica, emaranhada, embrionária. Além disso, o meu amigo é uma criança; e os seus versos estão cheios ainda de infatilidades risonhas e canduras pueris. Mas que lampejos sublimes, de quando em quando! […] Em conclusão: o seu livro é uma obra de arte infantil deixando adivinhar, a relâmpagos, um belo poeta predestinado (JUNQUEIRO citado por PASCOAES, 1978, p. 132-4).

Naturalmente, para Pascoaes, o julgamento do autor de A musa em férias, livro que fazia ainda furor na intelectualidade portuguesa desde o seu lançamento em 1879, seria na narrativa de 1952 o ponto de partida para sua afirmação como poeta. Tinha entretanto publicado também Belo em duas partes (PASCOAES, 1896-1897) e, no mesmo ano da coletânea de versos tão apreciada por Guerra Junqueiro, editou também À minha alma (PASCOAES, 1898), obras que desconsidera por completo nas memórias. Ainda no período de Coimbra publicou Terra proibida (PASCOAES, 1899) e integrou a coletânea estudantil Cantigas para o fado e para as “fogueiras” de São João (GIL; VIEIRA, 1899).

Pela sua própria pena, Teixeira de Pascoaes afasta-se do triste estudante de Amarante, para se transfigurar no jovem herdeiro que, em Coimbra, obtém um diploma legitimador do seu conhecimento e posição social de destino óbvio. É também no conforto económico de herdeiro que se pode dar ao luxo de recusar o “aprendizado escolar”, de “enquadramento estrito”. Esse capital socio-económico que se enlaçava num já avultado capital cultural permitiu ao amarantino negar-se a qualquer investimento que o obrigasse a ceder à nostalgia e a viver numa “atmosfera de urgência e de competição que impõe a docilidade”. Antes seguiu interessado no desinteresse típico das elites, em que, para abraçar a “vida estudantil” preferiu naturalmente reivindicar “a tradição da vida boémia”, a qual “implica muito menos disciplina e regulamentação, mesmo no tempo consagrado ao trabalho” (BOURDIEU, 2008, p. 38). O juvenil Pascoaes, nas cenas de Coimbra, já não encarna um modo de sobreviver como no Liceu de Amarante, mas é agora o protagonista de uma forma de vida.

As próprias memórias poéticas diluem o peso da vivência como estudante em ambiente de sala de aula. De facto, pouco nos conta sobre isso. Uma fábula limita-se a introduzir o primeiro dia de aulas, onde a impressão inicial se cinge aos rituais de iniciação - a chamada ‘praxe’ académica - e à relação com os pares:

A primeira aula! Faltam vinte minutos para a hora fatídica, as dez da manhã! O arruído terramótico da Porta Férra ouvia-se na Rua do Cabido. Queria almoçar, mas entalavam-se-me, na garganta, o bife e dois ovos fritos. Oh aqueles bifes de Coimbra, feitos de sola de molho, os da Nau Catrineta, entre dois olhos muito grandes, e abertos, e carregados de icterícia! Os meus companheiros veteranos olhavam-me ironicamente, de soslaio, gozavam a minha angústia de caloiro. […]

O Mário Monterroso acompanhou-me até à entrada naquele inferno, onde se reuniam todos os demónios de Portugal. A multidão de asas negras agitava-se num barulho ensurdecedor, mostrando mil caretas a rir lume e a berrar labaredas aos ouvidos dos novatos que passavam o Pórtico Tartárico, protegidos pelas […] fitas multicores. Depois, no Jardim e nos claustros do ciclópico convento da ciência, essas caretas endiabradas apenas me dirigiam chalaças inofensivas por falta de graça natural (PASCOAES, 1978, p. 124-5).

Só depois deste primeiro impacto o professor se torna visado: “na Cátedra: uma espécie de Superestudante, o estudante divinizado ou com maiúscula, que estava, para os outros estudantes, como o boi Ápis, no Egipto, para um bando negro de garraios” (PASCOAES, 1978, p. 125). Passa então a referir-se ao primeiro episódio em sala de aula que lhe ficou como o mais marcante:

O primeiro boi que afrontou, lá de cima, no seu púlpito, a minha timidez de garraio, era um espantalho, alto e ressequido, um sósia do Pedro Penedo mas sem pitoresco nem valor arqueológico, mas anatomicamente curioso - um esqueleto hiperbólico que se desconjuntava, ao andar, sob a batina e a capa de seda preta. De sinistra catadura, prelecionava sem articular a maior parte dos sons emitidos pela boca descarnada… apenas percebi que falava muito no Coelho da Rocha e num tal José Júlio, morto em duelo, a quem chamava esse grande filho da… Pátria! Tal frase, com reticências, provocava nos alunos uma tremenda gargalhada silenciosa ou abafada nas goelas à custa dum esforço verdadeiramente sobre-humano (PASCOAES, 1978, p.125-126).

O curso de Direito surge quase como uma mera razão para a vida em Coimbra, numa óbvia denegação do seu peso real. A formação jurídica e a vida coimbrã, embora deprimente, frutificou na escrita de versos e nas publicações que em nada ficam a dever à sua formação universitária, a não ser por contraste e pelo círculo de amigos que partilhavam das suas práticas de escrita. A experiência universitária para o poeta que desabrochava em Teixeira de Pascoaes fez-se, como vimos, essencialmente a partir de dois dispositivos de aculturamento: o primeiro, mais óbvio e menos importante na perspetiva do autor, a aprendizagem de uma cultura erudita, vinculada ao curso de Direito; o segundo, muito mais desenvolvido em todas as suas notas autobiográficas, a socialização e intimidade com os pares, com quem partilhou das mais consequentes experimentações poéticas.

Comparando as referências que deixou sobre o ensino secundário e o superior, verifica-se facilmente que a transição entre o jovem poeta macambúzio e o poeta que se sente cada vez mais seguro de si se opera também nesta transição de grau de escolaridade. Sem dúvida que Joaquim de Vasconcelos, ao transitar para este meio urbano e académico chegou a um espaço muito mais homogéneo, onde necessariamente se encontram pessoas cada vez menos diferenciadas e cada vez mais socialmente aparentadas (Ó, 2019). Diríamos que o espaço dos possíveis se abriu para esta vivência literária experimentalista e marcada pela boémia, onde sempre ensombrava a necessidade de estudar e alcançar um diploma em Direito. Em ambos os casos, da literatura e da jurisprudência, a aquisição de capital cultural legítimo e legitimado foi bem-sucedida, permitindo uma reconfiguração global do capital simbólico, que suportou o regresso à terra natal enquanto Dr. Joaquim Teixeira de Vasconcelos, homem de bem e de leis conquanto um tanto excêntrico. O herdeiro cumpria duplamente o seu desígnio.

Sociabilidade

A obra autobiográfica de Teixeira de Pascoaes faz de si um solitário que, excetuando os momentos em que foi arrancado à serra por razões de estudo e trabalho, viveu quase toda a sua vida adulta isolado no Solar de Pascoaes, em São João de Gatão, por um período de quatro décadas que transcorre desde 1913 até à sua morte, em 1952.

Em 1901 termina o curso superior de Direito e inicia-se na advocacia. Começa por se instalar em Amarante:

Ó cenas de Coimbra, revividas em Amarante! […] Mas como presente, e vivo, em Amarante, abri banca de advogado, para justificar o meu título de bacharel… aquele dr. que se agarrou, furioso, como se fosse uma alcunha, ao meu nome de Joaquim, o mesmo do meu padrinho e avô materno (1978, p. 155).

Uma fábula faz contrastar este período, novamente solitário, com o tempo da vida universitária, em que se permitia abraçar a Boémia. Criara laços fortes, que o levaram a conhecer o arquipélago dos Açores, numa viagem empreendida com um amigo de Coimbra, em 1899. Novamente só, a paisagem transportava-o até outros desejos:

O panorama da vila está cercado de outeiros e pinheiros, nos quais se reflecte, de longe, a tristeza do Marão. E introduziu-se, na minha alma, a combater, em nome da Poesia, a Jurispridência… Um duelo entre o Dias Ferreira do Código e o Luís de Camões dos Lusíadas. Assim eu hesitava entre um código e um poema. A favor do Código estava a opinião pública, e eu a favor dos Lusíadas, embora vivesse num meio provinciano, estagnado e monótono […]. A vida quotidiana é monotonia, sensaboria, aborrecimento. Mas é nesse estado incolor, insípido, inodoro que temos a sensação de tempo ou da existência. Suportamos a vida fingida, mas a vida a sério… que pesadelo! A vida terá justificação? Mas o nosso dever é justificá-la, por isso mesmo que vivemos, e somos o autor dos nossos dias” (PASCOAES, 1978, p. 157-158).

E à medida que a carreira de advogado se ia consolidando, também a de poeta se ia entranhando. Vão sendo dados à estampa a segunda edição de Sempre (PASCOAES, 1902), e a primeira de Jesus e Pã (PASCOAES, 1903). O seu afã foi entretanto interrompido com a amarga experiência académica do seu irmão António, o seguinte na hierarquia familiar e que marcou para sempre a relação de Pascoaes com a academia. Se o poeta reivindicou a dissemetria entre “o ethos culto explorado na família e o estritamente escolar” com óbvio sucesso a curto e a longo prazo (PAZ, 2017, p. 153), já o irmão mais novo, também estudante de Direito, tendo reprovado pela segunda vez numa cadeira, atentou contra a sua vida num ato público em pleno átrio da Universidade de Coimbra no ano de 1903 (PASCOAES, 2001, p. 137). No ano seguinte, sai Para a luz (PASCOAES, 1904) e marca-se entretanto a sua mudança política, abandonado as convicções republicanas.

Mais um par de anos volveu até que o novo livro de poemas, Vida etérea, com edição de França Amado (PASCOAES, 1906), fosse posto em circulação. Entretanto, João de Teixeira de Vasconcelos, ainda no ativo, ocupava o cargo de juiz desembargador e a carreira de Joaquim de Vasconcelos, de vento em popa, sofre uma alteração de rumo: o advogado, agora mais experiente, monta banca na cidade do Porto, para onde transfere residência. Esta mudança que aparentava dar mais força à Jurisprudência colocou o literato das horas livres novamente em contacto com pessoas de interesses similares. Edita-se Sombras (PASCOAES, 1907), livro na sequência do qual consta ter sido visitado pessoalmente por Miguel de Unamuno (1864-1936).

Ainda no Porto, e numa fase de aguda socialização, conhece Leonor Dagge, uma inglesa que estava de visita ao país. Conta tê-la visto pela primeira vez num elétrico, tornando-se desde então a sua musa, inspirando a Senhora da noite (PASCOAES, 1909). Uma fábula narra a viagem de cerca de um mês a Londres, acompanhado por um amigo, e o pedido de casamento recusado, situação vertida nos poemas escritos na companhia de Carlyle e Byron (PASCOAES, 1925). Pelo modo como descreve este episódio, de novo todos os acontecimentos concorrem para a inevitabilidade trágica do destino poético.

Na sequência da derrota amorosa, aceita o cargo de juiz substituto e regressa a Amarante. Torna-se uma voz extremamente interventiva da sociedade portuguesa, assumindo a revista literária A Águia até 1917 (criada em 1910) e fundando a sociedade Renascença Portuguesa, que viria a editar o órgão homónimo e de onde sairia o movimento poético do saudosismo, imagem de marca de Teixeira de Pascoaes. Neste período é publicado o primeiro livro de referência, Marânus (PASCOAES, 1911). Seguem-se diversas publicações da Renascença Portuguesa, onde desponta a diversidade de géneros, com a poesia de Regresso ao Paraíso (1912) e de Elegias (1912), o drama de O doido e a morte (1913) e a intervenção ensaística de O espírito lusitano e o saudosismo (1912).

A prolixidade da sua veia literária não deixa mais margem para dúvidas e, em 1914, o Sr. Dr. Juiz Joaquim Teixeira de Vasconcelos abandona a toga e assume-se poeta. Nos quase quarenta anos que se seguiram a esta tomada de decisão, Teixeira de Pascoaes garantiu para si uma aura de mistério, reputando-se de ascético e solitário. Neste sentido, ele assume de pleno a autoria da sua própria vida, pelo menos no plano literário, reconvertendo o que seria um capital cultural (incluindo o escolar), social e económico típicos do seu estrato social para a sua capitalização num poder simbólico. Joaquim Teixeira de Vasconcelos deixou de representar uma elite de cargos e funções que, dentro desse grupo de origem, eram comuns, para passar a ser alguém único e unívoco na sociedade e no campo cultural português, o poeta Pascoaes.

Uma fábula: O advogado e o poeta é como que um complemento ao Livro de memórias, e o subtítulo mostra bem como o sentido da sua vida é dado pela tensão entre a jurisprudência e a poesia, conforme se vinham digladiando interiormente desde os tempos de Coimbra. A trama desta segunda autobiografia é ainda mais evidente que a anterior, ao fazer da vida toda uma razão de ser para o devir literário e excluindo por completo toda a evidência de uma escolarização literata.

Diríamos que, ao ser autor da sua própria vida, Teixeira de Pascoaes se inscreveu na dramatização de si mesmo e das suas capacidades e competências. Muito ao jeito do seu tempo, fez da sociabilidade, dos diplomas e da herança familiar meros adornos de uma força maior do destino. Com este lance, inscreveu-se a si mesmo como génio, uma tecnologia que vinha sendo vivificada desde finais do século XIX e que cada vez mais explicava o devir artístico.

Na realidade, a decisão de abandonar a carreira de juiz pela de escritor a tempo inteiro só foi materialmente possível graças à sensata gestão de uma fortuna pessoal, herança dos avós paternos, como o próprio acabava por reconhecer, ao falar do avô, o médico António Pereira de Azevedo: “Devo-lhe esta independência económica, a que todas as almas têm direito, e me permite escrever o que vem à cabeça, não sei onde” (PASCOAES, 1978, p. 69).

Tão ou mais importante do que este suporte socio-económico que a família lhe garantia, acresce ainda o reduzido mas forte círculo de amigos. Com efeito, muito ao contrário do que a lenda mostra, o escritor não vivia em profundo isolamento. Desde logo, porque residia numa casa senhorial, com a presença constante ou intermitente de familiares e também de empregados. Além disso, mesmo quando já residia em Gatão, Pascoaes quebrava a solidão intelectual com viagens pelo país e para o exterior. De resto, era também frequentemente alvo de visitas. A irmã relata ainda que, com a morte do pai, portanto a partir de 1922, optou por passar os invernos em Lisboa, alojado num hotel onde privava também com outros escritores e artistas. A parceria com Raul Brandão foi a mais destacada e relevante da sua carreira (VASCONCELOS, 1971, p. 139). Brandão, por sua vez, passou também longas temporadas de trabalho - hoje chamaríamos de residências de escrita - na Casa de Pascoaes. De resto, os inúmeros tradutores que com ele trabalharam, desde a década de 1920 e, mais tarde, os académicos, estudiosos e literatos que acorriam - e acorrem, ainda hoje! - a conhecer Pascoaes, Gatão, Amarante, e todos os cenários onde a obra do Poeta da Saudade se produziu impediriam-no de estar continuamente só. Solitário, talvez interiormente, mas não objetivamente.

Concluindo: denegação e sublimação no espaço dos possíveis

Na obra autobiográfica, Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos despiu a toga de advogado e depois de juiz para se vestir de uma alma de poeta, função social em que muitas vezes se apresentava vestido como se fosse um simples jardineiro do Solar de Pascoaes. Na análise realizada ao todo da sua obra, com especial incidência em Livro de memórias, de 1928 e Uma fábula: O advogado e o poeta, texto assinado a 5 de outubro de 1952, verificamos que uma parte fundamental do seu argumentário passou por se justificar na vida como escritor, insistindo na tese de um destino e de uma enorme inevitabilidade, condições que o aparentam ao génio. Identificam-se também vários fatores de sustentação de uma carreira literária, que, mais uma vez, o autor desvaloriza: uma família com hábitos letrados, cachet cultural, económico e social; uma educação formal com alguns desaires, mas afinal bem-sucedida, a partir da qual obteve um cargo socialmente reconhecido, bem-remunerado e em que seria possível, paralelamente, prosseguir na senda das letras; uma sociabilidade estreita, mas intensa, onde se contam, desde a juventude, hábitos de experimentação artística.

Mas é, sem dúvida, a desvalorização do percurso escolar que mais marca este gesto de denegação e sublimação, permitindo reconstituir o destino a partir da tensão entre “a sua autoformação poética versus a deformação escolarizante” (PAZ, 2017, p. 148). Despontam neste destino poético dois momentos decisivos da sua vida íntima, aquele em que foi rejeitado no amor e, logo de seguida, o abandono definitivo das barras do tribunal. Como qualquer outro artista, Pascoaes, sobrevivendo aos maiores reveses, faz da escolha um destino; é esse destino (não escolhido) que confirma a sua aparência ao génio literário. Muitas referências e elementos apreendidos na escola foram incorporados, embora apenas se fale de inspiração. Por exemplo, o seu modo de escrita era profundamente disciplinar e incluía uma obstinada revisão dos textos, a que se refere frequentemente nas cartas. Apesar disso, na autobiografia descreve a escrita como inspiração, a ponto de o autor aparecer formado ex nihilo: “Lia, meditava, passeava pelos campos ou seguia, estrada fora até aos bancos de Tardinhade” (PASCOAES, 2001, p. 108).

Teixeira de Pascoaes, na sua aparição pública, em particular através da autobiografia, posiciona-se como um génio, alguém cuja infância prodigiosa, caráter excecional e destino trágico só lhe deixavam um caminho em aberto. Fez de si um exemplo individual e único dentro do grande conjunto de possibilidades em aberto pelo pequeno campo cultural português. Atravessou assim o esguio campo dos possíveis que também ele foi dilatando, à medida que as suas tomadas de posição em favor da escrita se tornaram mais e mais consequentes. Longe de se desvalorizar no campo literário, assume-se poeta e aceita ser sábio, confirma-se ele mesmo, na sua excentricidade e percurso autónomo, como o que designa de homem universal: “Quem não é poeta ou sábio, ou sábio e poeta, ao mesmo tempo? Pois não há peixes que voam?” (PASCOAES, 1937, p.175).

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1Este trabalho foi financiado pela FCT -Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito da UIDEF -Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação, referência UIDB/04107/2020.

2Apenas mulheres consideradas excecionais frequentaram o ensino técnico e superior, como sejam Domitila de Carvalho, a primeira universitária portuguesa, que ingressou na Universidade de Coimbra em 1891, onde concluiu os cursos de Matemática (1894), Filosofia (1895) e Medicina (1904), ou Carolina Beatriz Ângelo, que terminou o curso na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa em 1902 (VAQUINHAS, 2018).

Recebido: 23 de Junho de 2021; Aceito: 03 de Setembro de 2021

https://www.cienciavitae.pt/F112-D268-C2C3

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