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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub 13-Sep-2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-103 

Dossiê 2 - Museus Pedagógicos: diálogos ibero-americanos

O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa (Portugal, 1883-1933): Percurso e significado de uma instituição renovadora1

El Museo Pedagógico Municipal de Lisboa (Portugal, 1883-1933): Itinerario y significado de una institución renovadora

1Universidade de Lisboa (Portugal). mjmogarro@ie.ulisboa.pt


Resumo

O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa foi inaugurado em 1 de julho de 1883, inscrevendo-se num movimento internacional de afirmação de instituições semelhantes. Adolfo Coelho dirigiu o Museu e teve um papel fundamental na sua organização; ele concebeu a sua estrutura e selecionou e comprou os seus materiais e livros. O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa, a partir de 1892 designado Museu Pedagógico de Lisboa, ilustrava bem as conceções pedagógicas e as orientações para uma renovação do ensino que marcavam o discurso pedagógico da época. Ele integrava-se na corrente internacional da moderna pedagogia, que considerava os museus pedagógicos como dispositivos fundamentais para o estudo da educação e do ensino e para a formação profissional dos professores. A reconstituição da sua biblioteca confirma o lugar do Museu na rede transnacional de circulação das ideias, nela se encontrando obras de autores de referência da pedagogia mundial, publicadas em diversas línguas.

Palavras-chave: Museu pedagógico; Circulação de modelos pedagógicos; Cultura material escolar

Resumen

El Museo Pedagógico Municipal de Lisboa fue inaugurado el 1 de julio de 1883, como parte de un movimiento internacional de afirmación de instituciones similares. Adolfo Coelho dirigió el Museo y jugó un papel clave en su organización; elle diseñó su estructura y seleccionó y compró sus materiales y libros. El Museo Pedagógico Municipal de Lisboa, designado desde 1892 Museo Pedagógico de Lisboa, ilustra bien las concepciones pedagógicas y las orientaciones para una renovación de la enseñanza que marcó el discurso pedagógico de la época. Formaba parte de la corriente internacional de la pedagogía moderna, que consideraba a los museos pedagógicos como dispositivos fundamentales para el estudio de la educación y la docencia y para la formación profesional de los docentes. La reconstitución de su biblioteca confirma el lugar del Museo en la red transnacional de circulación de ideas, en la que se encuentran obras de autores de referencia de la pedagogía mundial, publicadas en varios idiomas.

Palabras-clave: Museo pedagógico; Circulación de modelos pedagógicos; Cultura material escolar

Abstract

The Museu Pedagógico Municipal de Lisboa [Municipal Educational Museum of Lisbon] was inaugurated on 1 July, 1883, as part of an international affirming movement of similar institutions. Adolfo Coelho directed the Museum and played a key role in its organization; he designed its structure and selected and purchased its materials and books. As of 1892, the Museu Pedagógico Municipal de Lisboa, renamed the Museu Pedagógico de Lisboa [Educational Museum of Lisbon] clearly illustrated the educational conceptions and orientations for a renewal of education that marked the pedagogical discourse of the time. It was part of the international modern education trend, which considered educational museums as fundamental mechanisms for the study of education and teaching and for the professional training of teachers. The reconstitution of its library confirms the Museum's place in the transnational network of idea circulation, containing works by renowned educational authors around the world and published in several languages.

Keywords: Educational museum; Circulation of education models; School culture

Introdução

O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa foi inaugurado em 1 de julho de 1883 e constituiu um dispositivo fundamental para a promoção do ensino ativo, inscrevendo-se a sua criação no processo de renovação educativa que uma geração de pedagogos defendia e na qual sobressaiu Francisco Adolfo Coelho. No contexto da época, a criação deste museu tem também de ser perspetivada no processo de emergência e afirmação da ciência da educação e na difusão de uma cultura pedagógica moderna. Estas ideias constituíam uma bandeira para os dirigentes do município de Lisboa, que vivia na década de 80 do século XIX um período de descentralização em matéria educativa e teve a possibilidade de tomar um conjunto notável de iniciativas ao serviço da educação - além do museu pedagógico, destacam-se a revista Froebel, o jardim infantil de inspiração froebeliana, as escolas primárias centrais e profissionais, etc. Neste processo, o Museu Pedagógico desempenhava um papel estratégico e de significativa importância.

Adolfo Coelho dirigiu e organizou o Museu Pedagógico, desde o seu início, tendo sido ele que fez a escolha de muitos materiais, de todos os livros que compuseram a sua biblioteca pedagógica e das restantes coleções do acervo. O plano organizativo e as secções que constituíam o Museu foram também concebidos por Francisco Adolfo Coelho.

O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa, a partir de 1892 designado Museu Pedagógico de Lisboa, ilustrava bem as conceções pedagógicas e as orientações para uma renovação do ensino que marcavam o discurso pedagógico da época, no universo internacional. O Museu foi uma instituição de formação, destinada aos professores e ao serviço da sua atualização profissional. Nele se realizaram cursos e adquiriu-se o material pedagógico e didático adequado aos contextos em que seria utilizado. Deste modo, o Museu Pedagógico Municipal de Lisboa integrava-se na corrente internacional da moderna pedagogia, que considerava os museus pedagógicos como instituições fundamentais para o estudo dos assuntos relacionados com a educação e o ensino e para a formação profissional dos professores. Com este museu, Lisboa colocava-se a par de outras cidades de referência, como Londres, Toronto, S. Petersburgo, Washington, Roma, Viena, Zurique, Amesterdão, Bruxelas e Paris, que tinham já os seus museus pedagógicos; por seu lado, relacionava-se mais diretamente com os museus similares de Madrid e do Rio de Janeiro. A reconstituição da sua biblioteca confirma o lugar do Museu na rede transnacional de circulação das ideias, nela se encontrando os nomes de referência da pedagogia mundial com as suas obras publicadas em várias línguas (francês, português, inglês, alemão, castelhano).

1. O papel de Francisco Adolfo Coelho no processo de construção da modernidade pedagógica

A identidade do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa está indissociavelmente marcada pela personalidade que esteve na sua origem, Francisco Adolfo Coelho, que nasceu em Coimbra, em 1847, e faleceu em Carcavelos, perto de Lisboa, em 1919. Ele foi um nome de grande relevo na cultura portuguesa, durante o último quartel de oitocentos e as primeiras décadas do século XX. No entanto, a sua ação educativa mantem-se relativamente desconhecida, pois os raros estudos existentes sobre este campo da sua atividade centram-se no pensamento pedagógico que desenvolveu em obras publicadas sobre os temas de educação e ensino (Fernandes, 1973).

O lugar alcançado por Adolfo Coelho no panorama cultural português afirmou-se, principalmente, pelos seus estudos de literatura e de glotologia, das tradições populares, de antropologia, de etnografia e etnologia, campos em que era especialista e para cujo desenvolvimento contribuiu de forma decisiva. Ele introduziu em Portugal as novas ciências sociais e foi a partir da perspectiva antropológica que abordou alguns dos problemas da educação nacional,2 assumindo também um papel pioneiro na introdução das novas ideias pedagógicas no país. O reconhecimento da sua importância pelos contemporâneos é evidente. De entre os seus pares, destaca-se as palavras de Marques Leitão que escreveu, por volta de 1920:

não se torna necessário sair de casa procurando opiniões de estranhos. Os princípios que modernamente se divulgam, já foram tratados entre nós com proficiência e criteriosa investigação pelo erudito professor Dr. Francisco Adolfo Coelho (…) [e reflectiram-se na] feição organizadora da antiga escola Rodrigues Sampaio, à qual o mencionado professor deu a exemplificação prática (…) O distinto filólogo, Dr. Francisco Adolfo Coelho, faleceu a 9 de Fevereiro de 1919. O país perdeu um dos mais eruditos professores, que legou valiosíssimos estudos, que louvores mereceram de sábios estrangeiros. (pp. 27 e 30)

Ele esteve, com outros seus conterrâneos, na origem das célebres Conferências do Casino e participou com a conferência A questão do Ensino (1872). Francisco Adolfo Coelho viveu anteriormente uma infância marcada pelas dificuldades, após a morte do pai. Fez os seus estudos no liceu de Coimbra e matriculou-se em matemática, na universidade da mesma cidade. Desiludido com o ambiente académico, o ar inquisitorial de alguns professores, o ensino oratório e de “ornato” (a que viria a contrapor criticamente o ensino objectivo e científico da universidade alemã), abandonou os estudos universitários e definiu para si próprio um programa de formação centrado fundamentalmente em autores germânicos, tendo, para tal, aprendido a língua alemã.

Decide-se (…) pela difícil empresa de formar-se a si próprio, explorando uma atmosfera marcada pelo espírito positivo da ciência, pela inquietação intelectual e por grandes movimentos de síntese e de ecletismo a partir de Comte, de Spencer e do romantismo alemão. Regressa com frequência ao nacionalismo de finais de Setecentos como ponto de partida para a compreensão do século XIX, nomeadamente para a interpretação da crescente influência do germanismo. Racionalista, intelectualista, ao enveredar pelo autodidactismo, Adolfo Coelho adopta uma ‘educação intelectual feita ao acaso, quase sem método, além do que a própria experiência do mau êxito ensina, às apalpadelas, numa palavra.’ (Magalhães & Machado, 2003, p. 345)

As vertentes de filólogo, etnógrafo e pedagogo condensam a sua obra, vasta e multifacetada, que teve o seu suporte na busca sistemática por informação atualizada e cientificamente consolidada. Nestes três domínios, procura encontrar a explicação para a decadência nacional, assim como um caminho para o ressurgimento do país, que passava por “uma reforma das mentalidades operada a partir da acção pedagógica” (Magalhães & Machado, 2003, p. 345). É ainda neste sentido que se compreendem as suas posições sobre a total separação entre o Estado e a Igreja (combatendo a submissão do ensino às ideias religiosas) e a defesa e promoção da liberdade de pensamento.

Fonte: Adolfo Coelho, Gravura, Alberto, in O Occidente, Lisboa 1880, vol. III, p. 184.

Figura 1: Francisco Adolfo Coelho 

Francisco Adolfo Coelho foi professor no curso superior de Letras, onde ensinou Filologia Românica Comparada e Filologia Portuguesa e assistiu à sua transformação em Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Exerceu ainda actividades docentes na Escola Normal Superior de Lisboa e participou em várias comissões do ensino médio e superior. Nos intensos debates pedagógicos que ocorreram durante a sua vida, ele surgiu como um participante sempre presente, informado, crítico e cáustico, numa atividade veemente que também se refletiu nos numerosos artigos de jornal que publicou na época e nas polémicas em que se envolveu. Contudo, são as suas funções de diretor do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa e da Escola Primária Superior Rodrigues Sampaio (ambas as instituições criadas com o seu decisivo contributo e que ele manteve fortemente interligadas), que aqui destacamos.

Adolfo Coelho impôs-se na academia pelos estudos que realizou, principalmente nas áreas da filologia e da etnografia, sendo por isso proposto por um grande conjunto de intelectuais para leccionar no curso superior de Letras, apesar de não possuir um diploma universitário. O seu mérito era reconhecido pelos seus pares (com destaque para Carolina Michaelis de Vasconcelos e seu marido, Joaquim de Vasconcelos, que sempre o apoiaram) e culminaria na atribuição do diploma de doutor honoris causa pela Universidade de Gottingen (Alemanha), em 1888.

António Sérgio escreveu numa dedicatória de 1914, em livro que ofereceu a Adolfo Coelho, que ele era “um dos raríssimos homens de verdadeiro saber e alta honestidade intelectual que encontrou num país de charlatães” (Sá, 1978, p. 57).

2. O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa (1883-1892) e a modernização pedagógica num período de descentralização educativa

O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa foi um dispositivo importante para o processo de modernização educativa em Portugal, conjuntamente com a Escola Rodrigues Sampaio, sendo as duas instituições dirigidas por Adolfo Coelho. Ambas as instituições foram criadas no âmbito da política educativa do município de Lisboa, nos anos 80 do século XIX, no âmbito da descentralização do ensino (Mogarro, 2010, pp. 89-114).

Assumiu então maior protagonismo um projeto de desenvolvimento educativo de Teófilo Ferreira, quando este ocupou o pelouro da educação na Câmara Municipal de Lisboa e desenvolveu, com um grupo em que se destacava a figura de Adolfo Coelho, um conjunto notável de iniciativas: a Froebel. Revista de Instrução Primária (quinzenário publicado em Lisboa, 24 números, entre 21 de abril de 1882 e 1884 [sem mês]); o jardim de infância da Estrela (o primeiro em Portugal, de inspiração froebeliana); a Escola Central Municipal n.º 1, uma escola graduada; o Museu Pedagógico Municipal de Lisboa; a escola primária superior Rodrigues Sampaio (masculina, de natureza profissional); e a escola Maria Pia (feminina). Estes dispositivos pedagógicos, na sua diversidade e complementaridade, foram essenciais para o processo de renovação e inovação pedagógica desenvolvida pelo município de Lisboa.

A revista Froebel exprime nas suas páginas as preocupações, a acção e o pensamento deste grupo de pedagogos, tendo Adolfo Coelho publicado alguns dos mais importantes textos da revista, nomeadamente artigos sobre: Vida e obras de Frederico Froebel, Caixas económicas escolares, A instrucção primária em França, O trabalho manual na escola primária e A educação technica e a educação geral. Os textos publicados por Adolfo Coelho revelam a filiação do seu pensamento pedagógico e dos seus pares, inscrevendo-o no movimento renovador internacional e elegendo Froebel como a sua grande referência, embora salvaguardando as necessárias adaptações ao caso português. Aliás, Froebel tinha acompanhado grande parte do percurso formativo de Adolfo Coelho, pois já na década de 1870, no Porto, havia recebido de “Carolina Michaelis indicações sobre a prática dos exercícios pedagógicos de Froebel, que o habilitaram à defesa e propagação da sua obra e dos jardins de infância” (Sá, 1978, p. 52).

O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa foi inaugurado em 1 de julho de 1883 (Froebel. 1883, p. 127) como o próprio Adolfo Coelho anunciou, um mês antes, no relatório que apresentou à Junta Departamental do Sul no Congresso das associações portuguesas: “O museu será aberto ao publico no 1.º do proximo mez de julho, em condições muito modestas e n’uma casa provisoria, pouco adequada, aproveitada na escola municipal n.º 6” (Coelho, 1883, p. 74), em Santa Isabel. O número acima referido da revista Froebel sublinha esta inauguração, incluindo também um artigo pormenorizado de Feio Terenas sobre o Museu (Terenas, 1883, pp. 121-123). A imprensa também noticiou a abertura do Museu:

Efectuou-se hontem a abertura do museu pedagogico municipal […] Presidiu o sr. Rosa Araujo, tendo á direita o sr. Theophilo Ferreira, vereador do pelouro da instrucção e á esquerda o sr. Adolpho Coelho, director do referido museu. Aberta a sessão deu o sr. presidente a palavra ao illustre pedagogista sr. Adolpho Coelho, que n’um eloquentissimo discurso expoz os fins e a utilidade d’aquella sympathica instituição. A sua palavra autorisada foi ouvida com o maior interesse pelo numeroso publico que enchia a sala e coroada com uma calorosa salva de palmas. Grande numero de senhoras assistiu a esta brilhante e civilisadora festa, e entre os cavalheiros vimos os srs. Henrique Midosi, Silva Amado, Oliveira Feijão, Estrella Braga, Sousa Telles, Feio Terenas, Ferreira Mendes, Caetano Pinto, Branco Rodrigues, Eduardo Dias, delegado da junta escolar; Pedro Monteiro, Martins da Fonseca, Costa e Sousa, José Antonio Dias, José Miguel dos Santos, o director d’aquella escola, professores muncipaes, etc. Visitaram as salas do museu centenares de pessoas que eram unanimes em manifestar a sua admiração pela escolha e boa disposição dos productos expostos. Na sala principal do museu viam-se o material para a educação e ensino na familia, na creche, no jardim da infancia, na escola primaria elementar, complementar, nas escolas profissionaes, nos cursos de adultos e de aperfeiçoamento geral ou industrial e nas escolas normaes; a biblioteca pedagogica, a primeira que se estabelece em Portugal, e o arquivo comprehendendo trabalhos dos alumnos das escolas primarias, documentos relativos ao ensino no nosso paiz, etc. Em outra sala estavam expostos modelos de mobilia escolar, mandados vir expressamente do estrangeiro e escolhidos dos melhores catalogos dos Estados-Unidos e da Europa. Fez a guarda de honra o batalhão dos alumnos municipaes (…). A entrada é publica. (Diário de Notícias, 1883, p. 1)

Para Adolfo Coelho, o museu pedagógico constituía um suporte fundamental do ensino activo, inscrevendo-se a sua criação no processo de renovação educativa que ele defendia. A fundação do museu tem também de ser perspectivada no contexto da época, quando ocorria a emergência e afirmação da ciência da educação e se pretendia difundir uma cultura pedagógica moderna. Estas ideias constituíam uma bandeira para o município de Lisboa, que propugnava por uma educação popular. Neste processo, o museu desempenhava um papel instrumental de significativa importância, ao serviço da educação.

Adolfo Coelho dirigiu e organizou o museu, desde inícios de 1883, tendo sido ele que “fez escolha de muitos apparelhos, todos os livros de que se compõe a bibliotheca pedagogica, annexa ao museu” (Terenas, 1883, pp. 121-122) e restante recheio da instituição. Nas palavras de Rogério Fernandes, “destinava-se [o Museu] a apoiar os estudos educacionais e foi o primeiro estabelecimento do género a existir no país” (1973, p. 215). O plano organizativo e as secções que constituíam o Museu foram também concebidos por Francisco Adolfo Coelho.

A Secção A era dedicada à construção e mobília, devendo esta secção possuir plantas arquitectónicas, alçados e modelos de creches, jardins de infância e escolas maternais, de asilos e respectivas salas, de escolas primárias elementares e superiores, de escolas profissionais, salas de conferências populares, bibliotecas populares e escolares, museus escolares, populares e pedagógicos. Relativamente ao mobiliário, consideravam-se os modelos para a primeira infância e, genericamente, as «mobílias escolares». A organização científica deste sector reflectia a preocupação de adequar os tipos de construção e mobiliário às novas concepções sobre o ensino, que pressupunham técnicas pedagógicas e didácticas inovadoras, devendo o espaço arquitectónico e as mobílias corresponder, de forma lógica e harmoniosa, às preocupações educativas mais avançadas.

A Secção B integrava o material para a educação e o ensino. Dando atenção ao desenvolvimento ontogénico da criança, iniciava-se um verdadeiro roteiro da sua formação com a «educação e ensino antes da escola»: educação na família, na creche, no asilo, no jardim de infância. Depois, passava-se à documentação referente à educação e ao ensino especificamente escolares - na escola primária elementar e superior, ou complementar, escolas profissionais populares, cursos de adultos e de aperfeiçoamento, geral ou industrial, de ambos os sexos, Escolas Normais, contemplando neste campo objectivos didácticos especiais, tais como: leitura e escrita, ensino instrutivo geral, matemáticas, cosmografia, geografia, história natural, física e química, fisiologia e higiene, história social, tecnologia, desenho, aguarela e modelação, música, horticultura e agricultura, trabalhos manuais de ambos os sexos, ginástica e jogos de movimento. Nesta secção encontrava-se ainda documentação relativa a cursos e conferências públicas, assim como à educação e ensino de alunos portadores de deficiência (que na época surgem com a designação de gagos, surdos-mudos e idiotas, para as pessoas que se encontravam diminuídas nas suas capacidades de inteligência).

A biblioteca ocupava a Secção C e apresentava uma estrutura relacionada com os estudos educacionais. O primeiro campo, o da Pedagogia, iniciava-se com a sua história: os fundamentos corporizados nas obras dos clássicos da pedagogia (originais e traduções), seguindo-se depois as histórias, gerais ou especiais, da educação e ensino, as monografias referentes a pedagogistas e professores notáveis, assim como a história de instituições escolares (universidades, colégios e escolas). Os fundos bibliográficos deviam ainda compreender as bases científicas da pedagogia, incluindo obras sobre fisiologia, psicologia humana e comparada (livros dos principais psicólogos e história da psicologia), ética (obras representando as principais escolas antigas e modernas) e economia social, expressando uma perspetiva verdadeiramente inovadora de inclusão desta disciplina no campo das ciências educacionais. A biblioteca comportava também um conjunto de obras relativas à pedagogia sistemática, geral e especial, teórica e prática, assim como obras contemporâneas (não sistemáticas) sobre a educação e o ensino; era ainda contemplada a organização do ensino e da educação, na época e em todos os países considerados civilizados, registando-se de forma clara a necessidade de existirem na biblioteca a legislação, os planos e os programas de estudo, assim como dados estatísticos. A biblioteca possuía também colecções mistas, revistas de educação e ensino, documentação relativa a arquitectura e higiene escolares, livros infantis, livros elementares e auxiliares de classe para os estabelecimentos de ensino referenciados, assim como espécimes de livros para bibliotecas escolares e populares.

Finalmente, a Secção D comportava o arquivo, no qual eram recolhidos os documentos relativos aos diversos graus de ensino, no sistema educativo português, com especial destaque para o ensino primário, assim como documentos relativos a bibliotecas populares, escolares e municipais, associações para a propaganda da instrução e, ainda, trabalhos dos alunos das escolas primárias de Portugal e, especialmente, das do município de Lisboa.

O plano que Adolfo Coelho concebeu para o Museu Pedagógico Municipal de Lisboa foi apresentado por Feio Terenas na Revista Froebel e ilustrava bem as concepções pedagógicas e as orientações para uma renovação do ensino que o seu autor defendia. Com a sua criação pretendia-se facultar:

uma exposição de factos destinada ao estudo da pedagogia comparada... [que permitisse a compreensão dos] meios e processos de ensino e educação em uso ou remotos, quer sejam de um quer de muitos países, de um determinado período ou de uma extensa época, o mesmo é que dispor de factos a que aplicar a observação, ler nas observações dos outros, e, por consequência, reunir os melhores elementos de estudo. (Terenas, 1883, p. 122)

O Museu tinha também a missão de contribuir para a formação dos professores e outros profissionais da educação. Neste sentido, uma das iniciativas que Francisco Adolfo Coelho tomou foi:

fazer no Museu pedagogico municipal um curso de pedagogia froebeliana ás segundas e sextas feiras das 3 ás 4 horas da tarde, destinado exclusivamente ao pessoal da escola Froebel e ás classes infantis (…) e algumas alumnas dos cursos dominicaes, que tenham a necessaria proporção, e desejem dedicar-se ao professorado. (Lisboa, Câmara Municipal. Ofício do director do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa, Francisco Adolfo Coelho, para o vereador… Teófilo Ferreira, datado de 8 de outubro de 1883, Ofício n.º 19)

O Jardim de Infância de Lisboa foi a primeira Escola Infantil froebeliana em Portugal e outro símbolo da política municipal lisboeta nesta década. Solenemente inaugurado no Passeio da Estrela no dia 21 de abril de 1882, constituiu o ponto alto das comemorações do centenário do nascimento de Frederico Froebel, a par da revista com o nome do pedagogo alemão. O município de Lisboa tinha a aspiração de criar um jardim de infância de matriz froebeliana, que exprimira na altura da celebração do tricentenário da morte de Camões, em 1880 (Câmara Municipal de Lisboa, 1880, p. 315). Um novo impulso seria dado a este assunto por Teófilo Ferreira, logo que assumiu o pelouro da instrução da Câmara Municipal de Lisboa. A primeira escola infantil ficou instalada num sóbrio e elegante chalet, construído em madeira, pintado de verde e composto por salas de aula e espaços exteriores cobertos. O edifício foi projectado pela repartição técnica da Câmara Municipal de Lisboa e a autoria pertenceu ao arquiteto José Luís Monteiro.

A escola Froebel inspirava-se no sistema de educação concebido pelo pedagogo alemão, visando o desenvolvimento simultâneo das faculdades físicas e intelectuais das crianças. O entusiasmo e persistência que Teófilo Ferreira e o seu grupo colocaram na edificação da escola Froebel de Lisboa não podem deixar de se compreender à luz dos conhecimentos que adquiriram nos circuitos internacionais. Teófilo Ferreira participou, em 1880, do Congresso Internacional de Pedagogia, realizado em Bruxelas, tendo continuado a sua estadia no estrangeiro com visitas a escolas na Bélgica, Holanda, Alemanha, Áustria, Suíça e França. Ele tinha a convicção de que eram necessárias instituições do tipo froebeliano em Portugal e esta sua iniciativa inseria-se na realidade educativa europeia (Ferreira, 1883, pp. 141-142 e 256). Esta aspiração estava em consonância com os interesses de Adolfo Coelho, como a sua ação formativa demonstrou.

Fonte: Froebel. Revista de Instrução Primária, n. 1, de 21/4/1882.

Figura 2: Alçado do chalé para a Escola Froebel, mandado construir pela Câmara Municipal de Lisboa no Jardim da Estrela 

No Congresso Pedagógico Hispano-Português-Americano, realizado em Madrid, em 1892, foi apresentada uma comunicação sobre esta escola infantil, a qual não estava assinada. Contudo, Bernardino Machado, responsável pela secção portuguesa, atribuiu a sua autoria a Carlota Sofia de Brito Freire, directora do jardim da Estrela (Machado, 1898, p. 279). O ensino infantil era apresentado, uma década após o seu início em Portugal, como um dos aspectos mais significativos da modernização pedagógica do país e da sua capital.

O edifício desta escola ainda hoje existe. No seu início, era constituído por quatro salas de classe e um salão para exercícios escolares, recreio e refeitório, pois aí se faziam as refeições das crianças, estando mobilado com duas longas mesas, muito baixas e apropriadas à pequena estatura infantil. Estava ainda equipado com um chafariz para que as crianças lavassem as mãos quando comiam. As instalações de apoio incluíam o vestíbulo, sala de arrumações, 2 gabinetes, retretes e espaço exterior cercado (Figueira, 2004, p. 43).

Na missão pedagógica que realizou à Europa, nomeadamente a Portugal, nos finais do século XIX, o brasileiro Luiz Augusto dos Reis visitou a Escola Froebel de Lisboa e descreveu-a entusiasticamente, realçando que as salas “são muito alegres e de um asseio admirável”, bastante arejadas - a própria casa parece ser “toda de vidro, tal é a abundância de portas e de janelas rasgadas até quase ao solo, que nela existem” (Reis, 1892, p. 82). A sua apreciação confirma a adequação das opções tomadas quanto à localização e edificação da escola infantil, dez anos antes. Também o equipamento mereceu o seu elogio, sublinhando a uniformidade da mobília escolar, com bancos-carteiras do sistema Froebel, baixos e apropriados à idade dos alunos, tal como as mesas destinadas às refeições, assim como os mapas e os objectos necessários ao ensino que existiam nesta escola. Este material certamente fazia parte daquele que fora encomendado por Adolfo Coelho em 1883, estabelecendo-se assim uma ponte com a acção do pedagogo a favor do ensino infantil froebeliano. É por isso particularmente feliz a avaliação que Luiz Augusto dos Reis (1892) faz, sublinhando que:

Não vi, na Espanha, na França e na Bélgica, um jardim infantil superior ao jardim Froebel da Estrela em Lisboa, quer pelo prédio, quer pelo asseio, quer pela ordem e regularidade nos trabalhos. É o que se pode desejar de útil, de elegante e de belo. É isto o que francamente me compete dizer. (pp. 83-84)

Augusto dos Reis regista ainda que enviou o alçado e planta deste jardim infantil de Lisboa para o Pedagogium, o museu pedagógico do Rio de Janeiro, assim como alguns trabalhos das crianças que lhe haviam sido oferecidos pela diretora.

Adolfo Coelho preparou também a inauguração da Escola Primária Superior Rodrigues Sampaio, que se enquadrava da mesma forma no seu quadro conceptual e que ele havia devidamente explicitado nesse ano de 1883.

Todos os paizes que se occupam de reformar a sua instrucção publica teem comprehendido que a chave das reformas está na creação ou organisação de escolas modelos, onde se possam estudar na pratica os bons methodos de ensino. Projecta o município a creação d’uma escola popular superior com trabalho manual como preparação para a aprendizagem e não pode deixar-se de ver n’esse projecto, realisado em boas condições, um passo importante para resolver o problema da educação technica. (Coelho, 1883, p. 74)

A Escola Primária Superior Rodrigues Sampaio (que iria mudar várias vezes de designação, ao longo dos anos) foi inaugurada em 16 de outubro desse ano, tendo como director e professor Francisco Adolfo Coelho, que se manteve no cargo até 1915. Na organização desta escola de formação profissional, Francisco Adolfo Coelho teve um papel fundamental, nomeadamente na definição dos objectivos e do plano curricular.

A Câmara Municipal de Lisboa criou também, em 1885, a Escola Maria Pia, destinada ao género feminino. Esta escola ocupou um edifício no Largo do Contador-Mor, em Alfama, e tinha como objetivo principal a emancipação da mulher pela instrução, como se refere no seu primeiro relatório; com uma natureza eminentemente prática, visava “iniciar no país o ensino de carreiras produtivas que podem e devem pôr a mulher (...) ao abrigo das necessidades, habilitando-a a ganhar honestamente os meios de subsistência” (como se pode ler no relatório da Escola Maria Pia relativo ao ano letivo de 1885-1886). Com estes objetivos, ministrava 4 cursos: lavores, tipografia, telegrafia e escrituração comercial.

Por seu lado, a Escola Rodrigues Sampaio ficou instalada no edifício da escola central municipal n.º 6, conjuntamente com o museu municipal. Contudo, esta casa, situada na Rua de Santa Isabel, n.º 25, não tinha condições adequadas para o funcionamento do Museu Pedagógico Municipal e da escola Rodrigues Sampaio, sendo estas instituições transferidas, em setembro de 1884, para um outro edifício, mais apropriado e alugado pela Câmara, na Rua do Sacramento à Lapa, n.º 25 e 27. As obras que então se realizaram, de adaptação e restauro, obrigaram ao encerramento do Museu durante um ano, tendo este voltado a reabrir em agosto de 1885.

A escola e o museu, apesar de serem instituições distintas, tinham sido criadas e inauguradas com poucos meses de diferença, tiveram o mesmo director e estiveram instaladas, até 1892, no mesmo edifício - nesta coexistência, certamente que muitos recursos eram partilhados e também se confundiam, de forma natural, atividades, funções e meios humanos e materiais.

O Livro de visitantes do Museu (que terá sido também da escola) recebeu a assinatura, na sua primeira página, de Francisco Giner de Los Rios e de Manuel Bartolomé Cossío, quando eles visitaram Adolfo Coelho em setembro de 1883. A partir de então, mantiveram uma colaboração próxima entre eles, envolvendo também Bernardino Machado (Otero Urtaza, 2004, pp. 9-37).

Na qualidade de diretor da Escola Rodrigues Sampaio, Adolfo Coelho desenvolveu uma actividade pedagógica persistente e continuada, expressando muitas das suas preocupações e ideias educativas. O contributo da cultura pedagógica alemã esteve sempre subjacente à sua actividade. Esta influência pode ser exemplificada em dois casos paradigmáticos. Assim, em 1894, dizia relativamente à gestão dos programas e organização dos horários:

É mister alem disso [reforma dos programas de mathematica e ás sciencias naturaes] fazer modificações geraes nos programmas das diversas disciplinas para que elles se correspondam. Os horarios redusiram o numero das lições da maior parte das disciplinas, obrigando a dar algumas d’hora e meia, o que com relação ás materias litterarias e scientificas é muito inconveniente, como está reconhecido na pratica do ensino das nações mais adeantadas. Assim na Allemanha, no ensino primario e secundario, nemhuma lição, excepto as de desenho ou os exercicios manuaes, jamais dura mais de 50 - 60 minutos. (ANTT, 1894, Carta do director da Escola Rodrigues Sampaio, Francisco Adolfo Coelho, [ao inspector das Escolas Industriais da Circunscrição do Sul, Fonseca Benevides] datada de 25 de agosto de 1894, NP 1436, n.º 20)

Também a situação dos manuais escolares lhe merecia uma forte crítica, pela sua inexistência ou pela deficiente qualidade.

Um outro inconveniente com que luctámos no ultimo anno, com que luctamos desde que a escola foi creada, é o da falta de livros adequados que facilitem a repetição aos alumnos, mas sobretudo que sirvam de guia para os professores, acabando com o vago dos programmas (…)

12. Livros. Deixo para o ultimo logar este ponto importantissimo. Faltam livros adequados para o ensino como elle deve ser feito numa escola da natureza da desta e bem difficil será faze-los, ainda quando o que se ablance á empresa tenha os conhecimentos scientificos necessarios, senão tiver estudado o problema pelo lado pedagogico. (…) Tenho, traduzido quasi por completo do original allemão, um livro excellente, cujo plano e methodo constituem uma verdadeira revolução pedagogica, e que é destinado ao ensino dos principios elementares de chimica, physica e physiologia, do que os allemães chamam Naturlehre, e está-se completando essa traducção para melhor se adaptar o livro ao nosso ensino. Essa obra serviu de guia durante dez annos ao ensino a que se refere, nesta escola, e a experiencia foi em extrema satisfatoria e mais o seria se a tivessemos traduzida e impressa, com as necesssarias modificações e addições e se tivessemos todo o material necessario para a execução. (ANTT, 1894, Carta do director da Escola Rodrigues Sampaio, Francisco Adolfo Coelho, [ao inspector das Escolas Industriais da Circunscrição do Sul, Fonseca Benevides] datada de 25 de agosto de 1894, NP 1436, n.º 20)

Adolfo Coelho tinha uma elevada noção da sua responsabilidade e apresentava um plano para edição e distribuição dos manuais que se encontrava a traduzir; este plano não terá avançado, pois não se encontram mais notícias sobre este projeto. Um aspecto que se reforça nesta carta de sua autoria é o facto de a cultura e da pedagogia alemãs continuarem a ser a sua grande referência para as questões educativas.

A compreensão do significado da Escola Rodrigues Sampaio é novamente transmitida pelo Relatório de Luiz Augusto dos Reis que, em 1892, a descreveu como uma instituição modelo para o ensino profissional, “uma escola especial (…) criada pela Câmara Municipal em 1883” e que era “dirigida pelo notável professor e distinto escritor e filólogo Dr. Adolfo Coelho” (Reis, 1892, pp.73-74). No retrato que traça das escolas de Lisboa, esta é contemplada com uma descrição pormenorizada e elogiosa das instalações, programas e outras dimensões da vida escolar, incidindo especialmente nas oficinas. F. Adolfo Coelho ofereceu a Luiz Augusto dos Reis uma colecção de trabalhos manuais feitos pelos alunos, que este designou como “magnífica”:

É magnífica a colecção de trabalhos manuais feitos pelos alunos dessa escola … Nessa colecção encontram-se exercícios da oficina de obras de ferro; figuras de chapa do mesmo metal; peças polidas de ferro e de aço; ligações de chapas de ferro; exercícios da oficina de madeira; objectos de uso comum; exercícios preliminares de torno de madeira; ferramentas e objectos de uso comum feitos ao torno.

Alguns desses trabalhos são feitos com o maior cuidado revelando grande habilidade nas crianças que neles trabalharam e fazem muita honra á utilíssima e bem dirigida Escola Rodrigues Sampaio. (Reis, 1892, p.81)

Luiz Augusto dos Reis enviou estes trabalhos manuais para o Pedagogium, o museu pedagógico brasileiro, tal como a colecção de trabalhos que lhe haviam dado na escola Froebel. No mesmo Relatório, Luiz Augusto dos Reis refere-se ao Museu Pedagógico de Lisboa (de cuja designação já tinha desaparecido a palavra municipal) como sendo anexo à Escola Rodrigues Sampaio, “da qual faz parte integrante”. Descreve-o como «bom, mas pequeno, muito pequeno, por enquanto (…) Entretanto, tem algumas colecções boas e são regularmente providos os gabinetes de física e química”. Segundo ele, Adolfo Coelho dissera-lhe que “há pouco começara ele a funcionar e que podia considerar-se apenas como um ensaio” (Reis, 1892, p. 75). Em 1887, o Museu fora considerado pela Câmara como “parte integrante” da Escola Rodrigues Sampaio e “a sua direcção sujeita ao Director da mesma escola” (Sanches, 2010, p. 32). Por seu lado, Adolfo Coelho escreveu em 1892 que “conquanto [o museu] não possa manter-se com o título que tem, por suas colecções não corresponderem a tal título, possui já muito valiosos materiais para o ensino escolar.” (Coelho, 1892, p. 24)

Importa enfatizar que o Museu Pedagógico expressa de forma clara as conceções pedagógicas de F. Adolfo Coelho, que ultrapassavam o meio restrito de uma elite intelectual e burguesa, esclarecida e empenhada, que, no entanto, lutava pelo progresso e desenvolvimento do país e pela elevação educacional e cultural da população portuguesa. Com este museu, Lisboa colocava-se a par de outras cidades de referência, que tinham já os seus museus pedagógicos, e podia manter, através dele, um diálogo “fraterno” com instituições similares, como os museus pedagógicos de Madrid (via Francisco Giner de Los Rios e de Manuel Bartolomé Cossío) e do Rio de Janeiro (através de Luiz Augusto dos Reis).

3. Modernidade pedagógica e cultura material nas escolas portuguesas: o caso de Lisboa

A atualidade dos conhecimentos de F. Adolfo Coelho também se revelou nos equipamentos e materiais auxiliares do ensino, demonstrando estar ele a par do que de mais recente aparecia nas exposições universais e era editado por empresas europeias da especialidade.

Por exemplo, F. Adolfo Coelho promoveu e controlou a aquisição de material froebeliano. Simultaneamente com as atividades de formação de professores, F. Adolfo Coelho diligenciou a aquisição de material didático adequado, nomeadamente os dons e ocupações de Froebel, que ele conhecia, desde 1875. A correspondência com o vereador do pelouro da instrução ilustra este processo: “Envio a V. Ex.ª uma nota do material, que convem adquirir com a possivel brevidade para a escola Froebel, classes infantis e classes elementares das escolas centraes.” (Lisboa, Câmara Municipal. Ofício do director do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa, Francisco Adolfo Coelho, para o vereador … Teófilo Ferreira, datado de 8 de outubro de 1883, Ofício n.º 19). Sublinhe-se de novo que Adolfo Coelho assegurava cursos de pedagogia destinados aos professores do concelho de Lisboa (nomeadamente às jardineiras do jardim infantil da Estrela), uma prática formativa que privilegiava na sua ação.

Mais tarde, surgem registos dos materiais adquiridos e do envolvimento e controle que Adolfo Coelho tinha neste processo de aquisição: “Na data d’este envio para a Escola Froebel os objectos, que tinham sido encommendados para Paris por intermedio da casa Cruz e Companhia. Sirva-se V. Ex.ª verificar se vieram todos os objectos pedidos e enviar-me o recibo dos mesmos, para se archivar n’esta repartição” (Lisboa, Câmara Municipal. Ofício (cópia) do Provedor da Instrução da Câmara Municipal de Lisboa, João José de Sousa Teles, para Francisco Adolfo Coelho, datado de 26 de novembro de 1883, Ofício n.º 574). A cumplicidade de F. Adolfo Coelho com a escola Froebel é evidente nestas suas preocupações.

Ainda nesse ano, Adolfo Coelho afirmava que as escolas que visitara, em Lisboa, começavam a ter bons núcleos de museus escolares, sem os quais não seria possível uma reforma do ensino. Estas escolas possuíam as coleções dos materiais necessários para o ensino do sistema métrico, das formas geométricas, bem como cartas parietais. Algumas delas já estavam equipadas com gabinete de física. Nas escolas havia também os «excelentes Museus escolares de Saffray, e de Deyrolle, estampas de história natural» (Coelho, 1883, p. 73).

Fonte: Educar - Educação para Todos. Ensino na I República. O ensino primário (Proença, 2011, p. 33).

Figura 3: Conjunto de quadros parietais existentes em escolas portuguesas, nomeadamente do Musée scolaire Deyrolle (Exposição “Educar - Educação para Todos”, 2011). 

Na revista Froebel também se refletiram as preocupações desta geração de educadores com a aplicação das ideias pedagógicas e higienistas que dominavam o debate do campo educativo. Assim, são apresentados modelos de carteiras que deviam equipar as escolas de Lisboa, pois eram consideradas adequadas á anatomia dos alunos.

Fonte: Froebel, n.º 2, 15/5/1882

Fonte: Froebel , n.º 3, 1/6/1882

Figura 4 e Figur 5 Carteiras escolares (banco inglês e carteira do sistema Lenoir) 

Luiz Augusto dos Reis descreveu, no seu Relatório de 1892, os materiais de ensino que encontrou nas escolas de Lisboa e que ilustram também as preocupações por um ensino ativo, experimental e suportado por materiais didáticos modernos, cientificamente elaborados:

  • Escola Central n.º 1: gabinete de física; Museu de Saffray para as lições de cousas; 1 piano para os exercícios de canto; trapézios, barras, paralelos e outros utensílios para o ensino da ginástica; 40 espingardas com baionetas (para o batalhão escolar); e anexa à escola, havia uma biblioteca pública;

  • Escola Central n.º 2: biblioteca; gabinete de física;

  • Escola Central n.º 5 e Escola Maria Pia: biblioteca; gabinete de física; laboratório de química; museu de história natural; museu escolar; magníficos trabalhos escolares de desenho e bordado;

  • Escola Central n.º 6: instrumentos musicais; peças de artilharia, espingardas, baionetas, cornetas, etc;

  • Escola paroquial: livros, penas, canetas, papel para desenhos, tinta, lápis, etc.

As evidências da inserção de Portugal no processo de produção, circulação e apropriação de modelos culturais e pedagógicos estão corporizadas nestes materiais educativos que já equipavam as escolas de Lisboa nos finais de oitocentos e nas primeiras décadas do século XX e que se queriam modernas e com metodologias ativas.

4. O rumo do Museu Pedagógico de Lisboa e a dispersão das suas coleções: a busca por uma biblioteca perdida

Produto das políticas educativas locais da Câmara Municipal de Lisboa, o Museu Pedagógico Municipal sofreu as consequências negativas da transferência dos assuntos da instrução pública de novo para a tutela do estado central, em 1892. Perdeu a sua dimensão municipal e transformou-se, nesse ano, em Museu Pedagógico de Lisboa. Seguiram-se anos de chumbo, debatendo-se com o desinteresse dos poderes públicos, tendo dificuldades em fixar o seu quadro de pessoal e arrastando-se ao longo de um período irreversível de decadência. Os seus materiais foram dispersos por várias instituições, no decurso de um processo lento, que se arrastou por anos, como a investigação exemplarmente desenvolvida por Isabel Sanches (2010, 2016) revela. No entanto, os livros guardam as marcas de pertença à Biblioteca original, como os carimbos do Museu comprovam.

Fonte: Carimbos em livros dos Museu Pedagógico pertencentes à Biblioteca Histórica da Educação da Secretaria Geral do Ministério da Educação.

Figura 6 e Figura 7 Carimbos do Museu Pedagógico 

A coleção inicial do museu, constituída e organizada por Adolfo Coelho, sofreu uma separação física nesse ano de 1892: uma parte constituiu o Museu Pedagógico de Lisboa, que se transferiu para as instalações (já anteriormente ocupadas) na Escola Central n. 6, na Rua de Santa Isabel; outra parte integrou-se na escola Rodrigues Sampaio, que no final desse ano também foi transferida para outro edifício, no Largo do Poço Novo, n.º 1. No final da década de 1890, Adolfo Coelho, que mantinha a direcção das duas instituições, consegue que o museu volte a ser anexo da Escola Rodrigues Sampaio, assim surgindo em vários materiais de divulgação e informação (Sanches, 2010, pp. 54-56). Adolfo Coelho voltava a ter as duas instituições no mesmo espaço, facilitando assim a utilização dos materiais, nas atividades pedagógicas que desenvolvia.

Posteriormente, em 1919, as colecções do Museu Pedagógico de Lisboa foram transferidas para a Escola Normal Primária de Lisboa (situada em Benfica), no âmbito do projecto de criação de um museu pedagógico, o qual não se viria a concretizar. Adolfo Lima a elas se refere, como “restos de exemplares, mal conservados” (Lima, 1932, pp. 118-119), que ocupavam três salas. Quando, em 1933, é criada a Biblioteca Museu do Ensino Primário, dirigida pelo próprio Adolfo Lima, os materiais que tinham sobrevivido dessas colecções e permaneciam na Escola Normal de Lisboa foram incorporados na nova Biblioteca Museu, que ficou instalada no mesmo edifício da escola de formação de professores. Na década de 1980, as escolas do magistério foram substituídas pelas escolas superiores de educação e, em Lisboa, este processo foi acompanhado de obras de beneficiação do antigo edifício de Benfica, tendo-se então transferido as coleções da Biblioteca e Museu do Ensino Primário para as instalações da Direcção Geral do Ensino Básico, no Ministério da Educação. Algumas obras com o carimbo do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa ficaram na biblioteca da Escola do Magistério Primário de Lisboa, pertencendo atualmente aos fundos de reservados da Escola Superior de Educação de Lisboa (Toledo & Mogarro, 2011, pp.161-183).

O Instituto Histórico da Educação, criado em 1998, tratou parcialmente este espólio e procedeu à sua organização e divulgação, entre os investigadores. No entanto, o Instituto Histórico de Educação teve vida curta, sendo extinto em 2002. O espólio da antiga Biblioteca Museu do Ensino Primário está, desde essa data, à guarda da Secretaria-Geral do Ministério da Educação, que tem a tutela destas coleções históricas.

Por seu lado, uma parte significativa das coleções do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa que, em 1892, foram integradas na Escola Rodrigues Sampaio ficaram nesta instituição, acompanhando o seu percurso até 1997, ano em que esta escola foi encerrada; nessa data, ocorre a doação da antiga biblioteca da Escola Rodrigues Sampaio à Secretaria-Geral do Ministério da Educação. Há apenas a notar a cedência de 24 livros à Academia Portuguesa de História, por solicitação desta, em 1938. A estabilidade desta coleção (bem mais numerosa que a do Museu Pedagógico de Lisboa…) contrasta com as sucessivas viagens que os livros do Museu Pedagógico de Lisboa tiveram de fazer, ao longo do tempo, migrando por várias instituições. Este percurso acidentado terá provocado mais perdas do que as que se registaram com o espólio da Escola Rodrigues Sampaio e reflectiu-se também no estado de conservação das obras, que se apresentam mais degradadas (Sanches, 2010, pp. 98-99).

A história custodial da Biblioteca do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa reflete-se na localização atual dos documentos bibliográficos, estabelecida por Isabel Sanches em 2010 e atualizada pela mesma autora em 2016. Hoje temos a seguinte situação: Biblioteca Histórica da Educação da Secretaria Geral do Ministério da Educação e Ciência (MECSGBHE) - 855 obras oriundas da Escola Rodrigues Sampaio + 197 obras oriundas da Biblioteca e Museu do Ensino Primário, num total de 1052 obras; 32 obras na Escola Superior de Educação de Lisboa; 25 obras na Academia Portuguesa de História; e 315 obras não localizadas. Estamos assim a considerar um universo de 1424 obras (Sanches, 2016, pp. 15-20).

De realçar que a Biblioteca Histórica da Educação da Secretaria Geral do Ministério da Educação e Ciência (MECSGBHE) é a instituição que detém a maioria dos livros e das revistas que pertenceram ao Museu Pedagógico Municipal de Lisboa, embora em coleções distintas. Como já se havia referido, os documentos que transitaram para a Escola Rodrigues Sampaio, e que chegaram até nós integrados na biblioteca da referida escola, com exceção dos 25 livros que transitaram para a Academia Portuguesa da História em 1938, foram os que menos danos sofreram ao longo destes 130 anos. De facto, a quase totalidade dos documentos “Não localizados” diz respeito às obras que, tendo ficado no Museu Pedagógico de Lisboa, tiveram um percurso muito mais acidentado, por terem “viajado” entre mais instituições, o que originou, eventualmente, mais perdas e também se refletiu negativamente no seu estado de conservação. (Sanches, 2016, p. 18)

5. A biblioteca pedagógica de Adolfo Coelho no Museu Pedagógico Municipal de Lisboa: identidade e significado

A coleção inicial da Biblioteca do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa foi constituída por Adolfo Coelho em função dos seus interesses pedagógicos e traduz o seu pensamento crítico e as suas prioridades relativamente à atividade educativa e docente. A “identidade desta coleção” (Walker, 2009) encontra-se indissoluvelmente ligada à personalidade deste intelectual, que foi um dos pedagogos mais informados e produtivos da sua geração e que desenvolveu uma notável ação pedagógica na transição do século XIX para o século XX.

A investigação que reconstituiu o catálogo da biblioteca do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa trouxe uma nova luz sobre esta colecção dispersa e sobre o significado do pensamento e da ação de Adolfo Coelho (Sanches, 2010, 2016; ver também Raven, 2004). Na reconstituição desta Biblioteca, Isabel Sanches cruzou dados e desenvolveu procedimentos que envolveram os catálogos originais, as bases de dados bibliográficas e as técnicas de catalogação, numa sistemática procura dos livros dispersos (muitas vezes recorrendo a marcas de pertença que eles apresentavam, como os carimbos). Além disso, utilizou a pesquisa online em catálogos de referência internacionais, quando a ausência física das obras obrigava a procurar os dados dos livros em outras bibliotecas, em que ainda existiam exemplares da mesma obra. Deste modo, foi possível ter uma visão clara sobre a primeira biblioteca pedagógica portuguesa.

A biblioteca foi constituída por livros de autores de várias nacionalidades, nela se encontrando os nomes de referência da pedagogia mundial, a par de outros textos de natureza educativa. Os idiomas dos 1.418 títulos analisados são marcados pelo predomínio da língua francesa (436), seguida do português (374) e depois do alemão (262), do inglês (253) e do castelhano (82); o latim (9) e o dinamarquês (2) são residuais (Sanches, 2016, pp. 14-15).

A composição da Biblioteca destaca a importância dos “países civilizados”, a expressão que Adolfo Coelho usou para referir os países mais evoluídos, que deviam constituir uma referência e cuja organização dos sistemas educativos e métodos de ensino mereciam ser estudados e implementados em Portugal, seguindo um processo adaptativo. Esta era uma reforma que ele propugnava como fundamental para o progresso e desenvolvimento do país. Na constituição da sua primeira biblioteca pedagógica, ele privilegiou os nomes mais conhecidos da pedagogia do seu tempo e os temas que considerava mais adequados, conferindo-lhe um forte tom de modernidade - uma marca genética do seu pensamento, da sua ação educativa e da natureza desta primeira biblioteca pedagógica portuguesa.

A maior parte das obras desta colecção tem as suas datas de publicação entre 1870 e 1883 (cerca de 1.110 títulos), concentrando-se de forma significativa nos anos de 1880 a 1883 (cerca de 646 títulos; note-se também o número de livros sem data de publicação, cerca de 132 títulos). Estes dados confirmam a forma como Adolfo Coelho se mantinha actualizado sobre o que mais recentemente se publicava, tanto em Portugal como no estrangeiro (Sanches, 2010, pp. 96-106; 2016, p. 15). Considerando a estrutura da biblioteca apresentada na revista Froebel, em 1883, foi possível estabelecer um roteiro das obras que constituíam a colecção e sintetizavam os temas e problemas que os professores portugueses deviam dominar e mobilizar para as situações educativas. Neste sentido, sobressai a presença de obras que se inserem nas áreas de “educação e ensino antes da escola”, “música”, “desenho, aguarela e modelação”, “horticultura e agricultura”, “trabalhos manuais de ambos os sexos”, “ginástica e jogos de movimento”, assim como a “história da pedagogia”, em que avulta a leitura dos grandes pedagogos e professores “notáveis”, a par do conhecimento das instituições de referência. As áreas com “obras contemporâneas diversas, não sistemáticas, de educação e ensino” estão bem representadas (cerca de nove dezenas de títulos), assim como a “organização do ensino e da educação em o nosso tempo, em todos os países civilizados, compreendendo a legislação, planos e programas de estudos e estatística” (mais de 110 títulos) e os “cursos e conferências públicas” (quase 40 títulos). Os relatórios produzidos no âmbito de diferentes Exposições Universais marcavam presença nesta colecção, dando testemunho da importância que Adolfo Coelho lhes atribuía, como espelho do desenvolvimento das nações e excelentes fontes de informação sobre o progresso tecnológico em várias áreas, em particular no campo da educação e do ensino e da produção de materiais didáticos (como os museus escolares). As principais coleções editoriais identificadas por Isabel Sanches (2016, pp. 15-17) nesta biblioteca expressam a natureza dos temas e conteúdos que a compunham.

Conclusão

O Museu Pedagógico Municipal de Lisboa desempenhou um papel fundamental na modernização educativa do país, assumindo a sua natureza renovadora do ensino e da formação de professores. Este estatuto é indissolúvel do pensamento e da ação de Adolfo Coelho, que o concebeu, organizou e dirigiu. Na realidade, as suas realizações ganham sentido no contexto de uma geração de notáveis pedagogos que o acompanharam, mas o seu lugar assume grande centralidade e singularidade em todo este processo. Não foi um percurso pacífico; pelo contrário, ele foi marcado por conflitos, confrontos de ideias, compromissos e acordos possíveis. No entanto, esta conflitualidade permitiu a afirmação do Museu como instituição pedagógica de referência na época, em articulação com as outras instituições que, com ele, faziam parte desse processo de renovação e modernização.

A reconstituição da Biblioteca do Museu Pedagógico Municipal de Lisboa (Sanches, 2010, 2016) permite compreender de forma mais profunda a natureza do Museu e o seu itinerário, marcado pela dispersão dos livros que viajaram por várias instituições após o encerramento do Museu. O mesmo terá acontecido com os restantes materiais das suas coleções, embora não tenha sido possível ainda estabelecer as suas “viagens” ao longo do tempo. O conteúdo da Biblioteca revela uma sintonia estreita com os critérios e a organização que Francisco Adolfo Coelho havia definido para a mesma, em 1883, e em linha com as funções que estavam atribuídas a este museu. Esta coerência entre a concepção e a concretização surpreende, quer pela solidez das correlações que se podem estabelecer, quer também pelo leque vasto de temas e abordagens que o conjunto bibliográfico contempla e que confirma a enorme erudição e capacidade de actualização de Francisco Adolfo Coelho. Um dos aspetos mais evidentes é a influência da Alemanha no pensamento e na obra de Adolfo Coelho e está claramente reflectida no universo bibliográfico e arquivístico mobilizado para este estudo. É como se parte de uma biblioteca alemã e um conjunto de materiais didácticos produzidos na Alemanha ou em França (como em outros países de referência) tivessem viajado até nós, condensando aqueles que eram os principais conhecimentos da época.

Na pessoa de Adolfo Coelho materializou-se a capacidade de colocar Portugal no circuito de produção, circulação e apropriação dos modelos culturais e pedagógicos que então eram produzidos nos centros civilizacionais, transportando-os para as instituições portuguesas que dirigiu. Foi nestas instituições que ele realizou uma apropriação pessoal desses conhecimentos, para os colocar ao serviço da sua actividade como professor e pedagogo. Assim, o conceito de “traveling library” (Popkewitz, 2005, pp. 3-36) ganha todo o sentido. No entanto, a apropriação dessa matriz pedagógica não é feita de forma solitária, mas no contexto de uma rede de sociabilidades a que Adolfo Coelho pertencia, interagindo com outros pedagogos da época que, como ele, eram portadores de um projecto de modernização pedagógica para o país. No entanto, nesta rede ele ocupa um lugar singular.

Francisco Adolfo Coelho encontrou, na cultura alemã, os principais fundamentos científicos para construir, no seu percurso autodidata, um quadro conceptual marcado pelos estudos filológicos, etnográficos e pedagógicos, mas foi no campo educativo que desenvolveu as suas realizações práticas (Mogarro & Sanches, 2009). Na realidade, ele defendia que Portugal não era fatalmente decadente, irremediavelmente pobre e necessariamente atrasado e que, pelo contrário, se poderia regenerar através da reforma da instrução pública. Esta convicção positiva, que, contudo, não era partilhada por todos os intelectuais da sua geração, assentava na base científica dos seus trabalhos e é indissociável do lugar de charneira que ele ocupou no processo de introdução das ciências sociais em Portugal e de modernização educativa do país.

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Toledo, M. R. A. & Mogarro, M. J. (2011). Circulação e apropriação de modelos de leitura para professores no Brasil e em Portugal: Edições pedagógicas da Companhia Editora Nacional nas bibliotecas portuguesas. In M. M. C. Carvalho & J. Pintassilgo (Orgs.). Modelos culturais, saberes pedagógicos, instituições educacionais: Portugal e Brasil, histórias conectadas (pp.161-183). S. Paulo: Edusp/Fapesp. [ Links ]

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1No presente texto, atualizamos publicações anteriores que desenvolvemos sobre o tema, nomeadamente em colaboração com outros autores (Mogarro, 2003, 2010, 2013a, 2013b, 2020; Mogarro & Namora, 2013; Mogarro & Sanches, 2009; Toledo & Mogarro, 2011; Sanches, 2010). Particularmente o texto retoma, em grande parte, as ideias apresentadas em Mogarro, M. J. (2020). O Museu pedagógico de Lisboa num tempo de modernização educativa e de circulação transnacional de ideias. In A. Barausse, T. F. Ermel, V. Viola (Ed.). Prospettive incrociate sul Patrimonio Storico Educativo / Perspectivas cruzadas sobre o Patrimonio Histórico Educativo / Perspectivas entralazadas en el Patrimonio Histórico Educativo (pp. 151-178). Lecce, Rovato: Pensa MultiMedia Editore. Trata-se de coletânea publicada na Itália na forma de livro.

2Ver, por exemplo, F. A. Coelho, Os elementos tradicionais da educação, 1883; F. A. Coelho, A pedagogia do povo português, 1898; e F. A. Coelho, Cultura e analfabetismo, 1916.

Recebido: 09 de Setembro de 2021; Aceito: 11 de Novembro de 2021

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