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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub 13-Sep-2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-112 

Dossiê 3 - A pedagogia personalizada e comunitária no espaço ibero-americano (1950-1970)

A Pedagogia com Personalidade de Pierre Faure: receção em Portugal e estudo de caso

Pedagogía con personalidad de Pierre Faure: recepción en Portugal y estudio de caso

1Universidade de Lisboa (Portugal). japintassilgo@ie.ulisboa.pt

2Universidade Aberta (Portugal). eduardofranco.cidh@gmail.com

3Universidade de Lisboa (Portugal). pinho.balsa.rita@gmail.com


Resumo

O presente artigo tem como principal finalidade refletir sobre a receção da pedagogia personalizada e comunitária de Pierre Faure em Portugal a partir dos anos 60 do século XX. Usaremos para tal o caso do colégio de S. Miguel, fundado em Fátima em 1962, e a trajetória do seu primeiro diretor, o padre Joaquim Rodrigues Ventura. Foi o ideário pedagógico de Faure que serviu de fonte de inspiração à construção do projeto educativo do colégio, possibilitando a sua afirmação como paradigma de “escola católica” e como referência de inovação no panorama educativo português.

Palavras-chave: Pedagogia personalizada e comunitária; Pierre Faure; Receção em Portugal

Resumen

El objetivo principal de este artículo es reflexionar sobre la acogida de la pedagogía personalizada y comunitaria de Pierre Faure en Portugal desde la década de 1960 en adelante. Utilizaremos el caso del colegio de S. Miguel, fundado en Fátima en 1962, y la trayectoria de su primer director, el padre Joaquim Rodrigues Ventura. Fueron las ideas pedagógicas de Faure las que sirvieron de inspiración para la construcción del proyecto educativo del colegio, permitiendo afirmarlo como paradigma de “escuela católica” y como referente de innovación en el panorama educativo portugués.

Palabras clave: Pedagogía personalizada y comunitária; Pierre Faure; Recepción en Portugal

Abstract

The main purpose of this article is to reflect on the reception of Pierre Faure's personalized and community pedagogy in Portugal from the 1960s onwards. We will use the case of the College of S. Miguel, founded in Fátima in 1962, and the trajectory of its first director, Father Joaquim Rodrigues Ventura. It was Faure's pedagogical principles that served as a source of inspiration for the construction of the educational project of this school, making possible its affirmation as a paradigm of “Catholic school” and as a reference for innovation in the Portuguese educational context.

Keywords: Personalized and community pedagogy; Pierre Faure; Reception in Portugal

Introdução

O presente artigo tem como principal finalidade refletir sobre a receção da pedagogia personalizada e comunitária de Pierre Faure em Portugal a partir dos anos 60 do século XX. Usaremos para tal, em particular, o caso do colégio de S. Miguel, fundado em Fátima em 1962, e a trajetória do seu primeiro diretor, o padre Joaquim Rodrigues Ventura, que frequentou um curso no Instituto Superior de Pedagogia de Paris, entre os anos de 1962 e 1965, onde foi aluno de Pierre Faure. Foi o ideário pedagógico do seu mestre parisiense que serviu de fonte de inspiração tendo em vista a construção do projeto educativo do colégio, possibilitando a sua afirmação como paradigma de “escola católica” e como referência de inovação no panorama educativo português.

Analisaremos, preliminarmente, o contexto internacional que tornou possível a criação de condições para o desenvolvimento, no interior do campo educativo católico pós-Concílio Vaticano II, de um movimento plural de renovação pedagógica, com forte expressão no seio da Companhia de Jesus, do qual emergiram as propostas pedagógicas de Pierre Faure, ele próprio jesuíta. Esse espírito de renovação cultural e educativa teve como figura de referência, no caso português, o também jesuíta padre Manuel Antunes.

Finalmente, antes do estudo de caso, consubstanciado em Joaquim Ventura e no colégio de S. Miguel, e como condição necessária para compreender a apropriação que aí é feita do ideário de Pierre Faure, sistematizamos as principais traves-mestras da pedagogia personalizada e comunitária.

Teremos em conta, no que se refere à delimitação temporal deste estudo, o período que decorre entre a fundação do colégio de S. Miguel e o final do mandato de Joaquim Ventura como seu diretor (1962-2012). Usaremos como fontes, entre outras, obras de Pierre Faure, documentação e publicações do colégio, um livro autobiográfico de Joaquim Ventura e entrevistas por ele concedidas.

Processos de renovação pedagógica no contexto católico

Se o século XIX foi o século da utopia da educação total como meio de regeneração da sociedade, o século XX foi o século pedagógico, o século de todas as pedagogias desenvolvidas na perspetiva das mais diferentes correntes ideológicas, religiosas, políticas, antropológicas, sociais, exacerbando a ideia germinada, no Século de Oitocentos, da formação do homem novo como alicerce edificador de um projeto de sociedade nova.

Desde as correntes de fundo ideológico marxista até aos movimentos pedagógicos de inspiração religiosa, nomeadamente de matriz católica e de origem protestante, observou-se um proliferar de vias, métodos e ideários no século das duas Guerras mundiais em que se assistiu ao acréscimo da massificação escolar para atender, especialmente nas sociedades estruturadas por regimes democráticos, ao programa de ensino para todos.

Se a democratização total da educação era o cumprimento de uma utopia almejada no século anterior, as consequências decorrentes do processo de massificação do ensino acarretaram efeitos menos positivos, em particular a despersonalização da grande massa de discentes que era instruída de forma uniforme com os mesmos métodos, conteúdos, estratégias e metas sem atender a uma mais humanizada diferenciação de caracteres, ritmos, inteligências. Praticamente, todas as correntes renovadoras da pedagogia contemporânea tinham como horizonte combater os efeitos nefastos da massificação do ensino e propor uma atenção à individualidade de cada aluno.

O desnível de resultados, os graus de insucesso escolar, a marginalização dos menos preparados para singrar no sistema de educação massificada e o abandono escolar acentuaram uma fronteira distópica entre o ideal de ensino generalizado e a desejável uniformidade dos seus efeitos bem-sucedidos. A isto acresce que a educação era um campo muito apetecível para a intervenção ideológica, religiosa e política, pois sabia-se do seu potencial para construir projetos novos de sociedades. Por tudo isto, surgiram propostas diversas dos mais diferentes quadrantes para responder às possibilidades e dificuldades do campo educativo que se tinha tornado a prioridade das preocupações políticas das sociedades contemporâneas.

No seio da Igreja Católica e das suas múltiplas instituições de ensino com tradição secular de dedicação à causa educativa, algumas delas detendo verdadeiras redes globais de ensino como é caso da Companhia de Jesus e de outras Ordens Religiosas, verificou-se o surgimento, ao longo do século XX, de correntes de atualização pedagógica, algumas delas intimamente inspiradas por pedagogos carismáticos. Estas correntes de renovação pedagógica ganharam um especial impulso e abrangência renovadora na sequência do Concílio Vaticano II e do movimento que gerou de aggiornamento da Igreja Católica no seu todo marcado pela abertura às correntes pedagógicas e de pensamento contemporâneo. Com efeito, pela primeira vez na história das assembleias magnas da Igreja Católica, definidoras de doutrina atualizada, que são os concílios, emite-se um documento exclusivamente dedicado à questão da educação, afirmando a sua centralidade e prioridade para a Igreja como estava a ser cada vez mais para as sociedades contemporâneas mais progressivas. Assim comenta o Concílio na sua Gravissimum educationis - Declaração sobre a educação cristã dos jovens:

O sagrado Concílio Ecuménico considerou atentamente a gravíssima importância da educação na vida do homem e sua influência cada vez maior no progresso social do nosso tempo. Na verdade, a educação dos jovens, e até uma certa formação continuada dos adultos torna-se, nas circunstâncias atuais, não só mais fácil mas também mais urgente. Com efeito, os homens, mais plenamente conscientes da própria dignidade e do próprio dever, anseiam por tomar parte cada vez mais ativamente na vida social, sobretudo na vida económica e política; os admiráveis progressos da técnica e da investigação científica e os novos meios de comunicação social dão aos homens a oportunidade, gozando por vezes de mais tempo livre, conseguirem mais facilmente a cultura intelectual e moral e de mutuamente se aperfeiçoarem, mercê dos laços de união mais estreitos quer com os grupos quer mesmo com os povos. (Concílio Ecuménico Vaticano II, 1987, p. 203).

Se o Concílio Vaticano II foi uma espécie de epicentro que, ao mais alto nível, coloca a educação na dianteira das prioridades da renovação da Igreja, importa recordar que, no plano oficial, tinha sido emanado anteriormente, na primeira metade do século XX, um documento pontifício que estabeleceu orientações educativas para a Igreja universal e que vigorou como doutrina pedagógica até aos anos 60. Trata-se da muito marcante encíclica do Papa Pio XI publicada a 31 de Dezembro de 1929, com o título Divini Illius Magistri (Aquele Divino Mestre), inteiramente dedicada à problemática educativa. Esta encíclica pode ser considerada como o documento do Magistério da Igreja que possui, até então, um panorama mais completo e uma formulação mais clara em matéria educativa. Até aos dias do Concílio Vaticano II, este documento condensava a doutrina oficial da Igreja sobre a Educação. Contém elementos de grande interesse para enquadrar o entendimento católico da problemática educativa que vai condicionar profundamente o pensamento pedagógico da Igreja durante as três primeiras décadas da vigência do regime político do Estado Novo em Portugal, quer também a nível internacional, noutros países de influência católica. Este documento pontifício constitui realmente um ponto de chegada, um trabalho de síntese sobre o debate católico acerca da educação. Ali define-se que a educação não é um processo espontâneo, nem fruto de uma imposição despótica; antes situa-se e elabora-se no cruzamento da liberdade da criança e do ambiente existencial criado pela família, pela Igreja ou pela escola. Reforça-se a necessidade de promover uma educação em consonância estreita com a doutrina da Igreja no que respeito aos vários planos da formação do indivíduo: físico, intelectual e religioso

A um primeiro momento teórico caracterizado pela apologia dos direitos primaciais da Igreja e da família na educação frente ao Estado e a outras instâncias de ordenação educativa bem representada na referida encíclica de Pio XI, assiste-se, nesta configuração temática, a um segundo momento bastante fecundo e inovador entre as linhas mais avançadas do pensamento católico e particularmente entre Jesuítas, de que é bem representativa em Portugal a figura central de Manuel Antunes.

De facto, o Padre Manuel Antunes, Diretor da influente Revista Brotéria, pertencente à Companhia de Jesus e Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, legou-nos, nos anos imediatamente a seguir ao Concílio Vaticano II, uma reflexão que se sintoniza com o espírito renovador da Igreja e, em especial, da Ordem de Santo Inácio, que estava a repensar o seu ideário, métodos e objetivos pedagógicos à luz de uma ideia matricial de educação assente numa paideia, que liga intimamente um projeto de cultura com um projeto pedagógico, de que a passagem que passaremos a transcrever é bem significativa relativamente ao entendimento da educação como projeto total, na medida em que:

concerne ‘o homem todo e todo o homem’. O homem todo: da matriz ao túmulo e em todas as dimensões da sua personalidade realmente humana, desde o físico ao mental e englobando o afetivo, o profissional (ou técnico), o científico, o estético, o moral e o religioso. O homem todo é aquele a quem assiste a capacidade de se relacionar com o todo, o único ser da natureza dotado de tal capacidade. O homem todo é um ser a quem foi aberta a possibilidade de apreender o todo, de visar o todo, de ‘intencionar’ o todo, de ‘sentir o todo’, de ter horizontes tão largos como o próprio Universo e tão profundos como o próprio Infinito. [...] Todo o homem: ninguém pode nem deve ser excluído. Não há́ razões, válidas, nem de idade, nem de sexo, nem de fortuna, nem de condição intrínseca bastante para negarem ao homem esse direito fundamental. Porque ele lhe advém do próprio facto de ser homem, de ele ser homem, de ele fazer parte de um mundo histórico em renovação contínua, de ele ser e dever ser corresponsável pela ‘aventura comum’ do género humano. (Franco, 2008, pp. 110-111)

Manuel Antunes ensaia uma teorização dos fundamentos justificativos e avança uma definição da Educação que deve ser sempre, na sua visão, permanente e inacabada, depois de proceder a uma análise crítica das propostas teóricas de alguns dos seus principais teorizadores1.

Com efeito, as novas vias pedagógicas municiadas pelos pedagogos católicos no período conciliar e pós-conciliar apostaram fortemente em projetos educativos focados na formação do aluno em perspetiva integral, personalizada e centrada nos valores humanos e cristãos, bem como sendo perspetivada como projeto ao longo da vida. Cumpre aqui lembrar que esta viragem pedagógica que representa a pedagogia personalista já tinha caminho feito pelo lastro deixado pelo pensamento filosófico de pensadores que se tornaram referência para esta aplicação no campo educativo, como escreve o historiador da educação Franco Cambi:

no esforço mais importante e orgânico, para afirmar-se como caracterizada por uma forte autonomia teórica e com vistas a uma síntese superior em relação às correntes da pedagogia contemporânea, foi realizado pela pedagogia cristã com o ‘personalismo’. Essa orientação pedagógica pretende desenvolver uma ‘conceção total’ da experiência educativa, colocando em seu centro a dimensão dos ‘valores’, objetivos e transcendentes, e vendo operar-se a unidade concreta entre experiência e valor no âmbito da ‘pessoa’. (Cambi, 1999, p. 568)2

Esta teorização marca uma viragem radicalmente humanista na educação, fundada numa teoria da cultura centrada na dignidade da pessoa e na plenificação dos seus direitos em vista de uma realização humana individual e coletiva. O pensamento pedagógico de base personalista perfilhado por Antunes é, pois, nesta linha conceptualizado com base numa reflexão de tipo antro-pedagógico de matriz humanizante e de referencial cristão. Nesta linha, a renovação das estruturas educativas deve orientar-se para a formação do homem integral e integrado numa sociedade que, no limite, deverá idealmente ser toda ela educativa. Nesta linha, poderíamos lembrar muitos outros autores que em Portugal fizeram de órgãos de imprensa cultural, como foi o caso referido da Revista Brotéria da Companhia de Jesus, o seu veículo de promoção de uma nova visão pedagógica, de que são exemplos Hervé Carrier e António Simões que assumem a defesa de uma educação desenvolvimentista pautada pela humanização e interdisciplinaridade contra o especialismo e o tecnicismo despersonalizante. Uma educação que paute pela abertura à reflexão sobre os problemas e necessidades educativas na sociedade hodierna e atenta aos anseios dos homens deste tempo novo e interrogante. Protagonizando uma reflexão prospetiva da educação universitária, estes intelectuais valorizavam uma pedagogia personalista e personalizada, capaz de promover o desenvolvimento do homem integral contra a degeneração da sociedade pós-moderna dominada pelo império do consumismo.

Estamos aqui diante de um pensamento educativo novo representado por teóricos da educação de que Manuel Antunes se tornou uma referência no meio católico em diálogo franco com os meios laicos: uma teoria da educação que assenta numa antropologia, ou melhor numa antropopedagogia de pendor universal e comunitarizante, justificada no reconhecimento do estatuto pedagógico radicado na condição contingencial do devir histórico-existencial do ser humano (Patrício, 1985, pp. 540-554)

Esta é uma teoria da educação a que subjaz uma noção transformista e progressista do homem, cujo dinamismo deve ser orientado educativamente de forma permanente, como direito axial da pessoa, decisivo para a sua realização no mundo. É um pensamento pedagógico de contornos utópicos que o próprio autor reconhece constituir um longo caminho, uma “meta jamais atingível, um projeto de mundo - uma sociedade educativa, uma utopia”. (Franco, 2008, p.112)

É este espírito renovador que se vê insuflado em intelectuais católicos em Portugal que perspetivam uma revolução no campo educativo com sabor a utopia. O certo é que isto ilustra que nos anos sessenta e nos anos setenta em Portugal já tinha sido semeada reflexão crítica nos meios católicos que fermentou terreno para uma renovação pedagógica que se tornou muito permeável à influência de correntes internacionais, abertura essa estimulada, por seu lado, pelas mudanças políticas também revolucionárias que se estavam a operar na sociedade portuguesa.

A Pedagogia Personalizada e Comunitária de Pierre Faure

No final da década de 40, no pós-guerra, o jesuíta francês Pierre Faure (1904-1988) demonstrava um grande desalento face às iniciativas, dos diversos países europeus, de reorganização dos seus sistemas de educação impondo um único modelo escolar, o qual na opinião do pedagogo era expressão de um abismo entre a escola e a vida, pois os objetivos da renovação pedagógica3que tanto ansiava “não se podem restringir a meras reformulações de programas de conhecimento a serem transmitidos à criança, mas sim visar os meios para ajudá-la a atingi-los e assim construir-se a si mesma” (Klein, 1998, p.1).

Não existia, assim, a preocupação com a formação integral dos alunos, algo que vai ser muito expressivo na abordagem fauriana. Deste modo, Faure incitou os seus alunos do curso de Pedagogia e no seu Centro de Estudos Pedagógicos a utilizar métodos ativos de ensino e aprendizagem. E com esse propósito criou em 1947 uma pequena escola em Paris. Estas propostas de renovação pedagógica constituíram-se como matéria de reflexão em três centros de formação de professores dinamizados por Faure; este foram o primeiro meio de difusão destas ideias, ao qual se seguiu a publicação de artigos nas revistas Pédagogie e Recherche et Animation Pédagogiques e as sessões pedagógicas, realizadas em diferentes países. Foi neste contexto que surgiu e se disseminou um movimento renovação pedagógica, dentro e fora de França, baseado na Pedagogia Personalizada e Comunitária, que teve uma grande expressão na Espanha, no Brasil e em alguns países da América Latina.

No espólio bibliográfico deixado por Pierre Faure, nomeadamente cerca de dez livros e mais de uma centena de artigos, é possível identificar três pressupostos do enfoque pedagógico proposto pelo jesuíta. Em primeiro lugar a base antropológica-religiosa que é sustentada pelos documentos da Igreja Católica, designadamente do Concílio Vaticano II, pela espiritualidade inaciana dos Exercícios Espirituais4 e pelo pensamento de Emmanuel Mounier5, de Hélène Lubienska de Lenval6 e de Maria Montessori7. Por outro lado, a sustentação do pressuposto biopsicológico, que é corroborado pelo trabalho de investigação de pedagogos científicos, tais como Jean Itard, Désiré-Magloire Bourneville, Édouard Séguin8 e Jean Piaget9. E, por fim, no âmbito pedagógico, Faure foi inspirado pelos autores clássicos, pelo “código” pedagógico da Companhia de Jesus intitulado Ratio Studiorum, pelo movimento da Escola Nova e seus pedagogos10, nomeadamente Célestin Freinet11, e pelo Plano Dalton12 (Klein, 1997).

A Pedagogia Personalizada e Comunitária constitui-se como um enfoque pedagógico, como o seu idealizador o Padre Pierre Faure a preferiu designar 13, que se opunha ao ensino tradicional, massivo e padronizado. Deste modo, o primeiro princípio defendido na concepção do seu modelo de ensino foi o de “personalização”14. Nos seus escritos Faure salienta que a opção por uma educação personalizada foi motivada pela espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, nomeadamente no que diz respeito à interioridade (Faure, 1972). Contudo, Faure considerava que uma educação, apenas personalista, poderia conduzir os alunos ao isolamento, então introduziu uma vertente comunitária ao processo de ensino-aprendizagem. Explicitando que

é uma questão de pedagogia cuja regra essencial não pode mais ser o silêncio e as filas, o mutismo no trabalho, a predominância do escrito sobre oral, das exposições dos professores sobre a dos alunos […], Se se quer uma educação social, aprendizagens de vida comunitária sob variadas formas, outras técnicas devem ser aplicadas. (Klein, 1988, p.4)

Segundo Klein (2014) “o enfoque pedagógico faureano baseia-se em seis princípios, como elementos ´inegociáveis´ que devem iluminar o caminho pedagógico” (p.11). O primeiro, e o que dá o nome à proposta, é a personalização que implica por um lado o trabalho do aluno com vista à consciencialização e identificação dos apelos para ser mais15 e se definir e situar de modo próprio no mundo. E, por outro lado, o trabalho do professor para que o ensino fosse “centralizado no aluno e programado a partir das suas necessidades educacionais” (Faure, 1993, p.19). O segundo princípio envolvia a autonomia e a liberdade, que se materializavam num exercício do aluno para recusar as ações e contextos que corrompessem a sua dignidade, assumindo tudo o que a promovesse e exercitasse as suas potencialidades. O seguinte é a atividade, que surge do interior da pessoa, seja de forma espontânea ou por sugestão de alguém, e cuja importância na aprendizagem é reconhecida pela autogénese16. O princípio da criatividade tinha subjacente a capacidade dos alunos em inovar ou alterar caminhos, soluções ou respostas e resolver problemas. Como quinto princípio é referida a sociabilidade, que conduz o aluno a envolver-se em situações de interação com os seus pares, dado tratar-se de um aspeto inato ao ser humano e indispensável para o enriquecimento pessoal. Por último o princípio da transcendência/espiritualidade, através do qual o exercício da inteligência espiritual

teria a dimensão de alcançar a liberdade e a autodisciplina, com o objetivo de […] dar resposta à aspiração profunda da pessoa que, por instinto, quer progredir sempre mais em suas explicações e na sua descoberta do mundo, pois com seu espírito, suas iniciativas mentais, tende a querer tudo aprender, tudo compreender, ilimitadamente. Esta é a característica do espírito.” (Faure, 1993, p.48)

Na sua obra Ensino Personalizado e Comunitário (1993) Pierre Faure destaca que a conjugação destes princípios na prática educativa é desafio, pois implica colocar os alunos em redes de cooperação. Assim, a personalização e a formação comunitária não seriam iguais, mas interdependentes, “vão de par como se prestam mútuo apoio. Não se pode aspirar a uma sem apoiar-se na outra. Eis um dos segredos capitais da educação” (Faure, 1993, p.19).

Apesar de Faure não ter delineado elementos didáticos subjacentes à sua proposta pedagógica, Luiz Fernando Klein, na sua tese de doutoramento intitulada Educação Personalizada. Desafios e Perspectivas (1998), afirma que mediante a análise da produção científica e dos conteúdos das palestras e das sessões pedagógicas realizadas pelo Pe. Pierre Faure é possível antever uma “uma ordem, uma moldura com instrumentos e recursos pedagógicos e momentos didáticos com sete etapas” (p.90). Assim, na perspetiva de Klein (2014), os momentos didáticos podem subdividir-se do seguinte modo: 1) Trabalho Independente do aluno a partir da Programação, do Plano de Trabalho e das Orientações de Trabalho; 2) Trabalho em Grupo, programado ou espontâneo, a realizar por toda a turma ou por pequenos grupos; 3) Partilha em grande grupo sobre conhecimentos e/ou sentimentos inerentes à situação de aprendizagem; 4) Síntese pessoal do aluno recorrendo à memorização, a registos, à elaboração de documentos, à visão de conjunto, entre outros; 5) Exposição Oral e Escrita resultante da apresentação dos trabalhos realizados, quer à própria turma, a outras turmas ou à comunidade educativa; 6) Avaliação do processo percorrido através de momentos auto e/ou heteroavaliação, pessoais e coletivos, e autocorreção; 7) Tomada de consciência de toda a turma ou em grupos de animação sobre os avanços, desafios e impasses para o aperfeiçoamento do processo de aprendizagem (p.14).

O Trabalho Independente17, também conhecido como Trabalho Pessoal, possibilitava a personalização da aprendizagem. Faure supunha que o aluno necessitaria, para assimilar o conhecimento, de momentos de silêncio, de interiorização e, frente a esse conhecimento, poderia saboreá-lo e interiorizá-lo. O aluno chegava diariamente à escola sabendo ao que se iria dedicar, conforme o Plano de Trabalho18 que elaborara no dia anterior, com base na Programação19 do curso e nas Orientações de Trabalho sugeridas pelo professor. Desta forma, o aluno exercitava a autonomia, atualizava a sua motivação para aprender, demonstrando a capacidade de análise das unidades didáticas, de organização das tarefas, da hierarquia dos meios. Para cada tema ou assunto da Programação os alunos mais velhos dispunham de períodos de hora e meia a duas horas, apoiados pelo material disponível. Nas salas de aula encontrava-se uma ficha20 ou um guia21 de trabalho para que o aluno pudesse empreender o seu processo de aprendizagem de modo autónomo; realizam não só trabalhos escritos, mas também pesquisas, experiências e consultas de livros.

Considerando a importância da dimensão comunitária, o esquema personalizador tratava de assegurar os Trabalhos em Grupo a partir de um tema oferecido a todos ou à sua escolha. No entanto, era fundamental que esses momentos fossem sempre precedidos de um tempo de reflexão pessoal, a fim de permitir a cada aluno elaborar, sobre o assunto, um pensamento e posição próprios que confrontaria com o grupo.

De entre os elementos originais de Faure destaca-se o da Partilha, em que os alunos no final de uma seção ou unidade de trabalho poderiam apresentar os seus conhecimentos sobre os conteúdos pesquisados aos professores e colegas. Para tal marcariam uma data no Plano de Trabalho e estes momentos eram tão significativos que poderiam substituir as avaliações formais. Faure questionava que “ao manifestar o aprendido, precisariam fazer provas?” (Faure, 1993, p.30). Também poderia ser utilizada para manifestar sentimentos face ao que estavam a estudar, assim como podiam conversar sobre aspetos da sua vida. Trata-se de uma experiência de aprendizagem de escuta do outro, de valorização do trabalho dos colegas, de articulação mental e verbal, de argumentação. Este momento encontra a sua raiz nos Exercícios Espirituais, quando o exercitante contacta o orientador para prestar-lhe contas do trabalho diário, sobre como se sentiu nos exercícios realizados, sobre os pontos em que experimentou mais ou menos luz e consolação, ou perturbação e desolação. É um momento por excelência de envolvimento social e comunitário.

A Ratio Studiorum também tem expressão na proposta de Faure, nomeadamente nos momentos como a Síntese e o Registo Pessoal. Esses momentos permitiam ao aluno consolidar a apropriação pessoal do seu trabalho para localizá-lo em quadros de referência com os conhecimentos anteriores, para evitar um conhecimento fragmentário. O aluno adquire uma visão de conjunto do que estudou quando elabora a síntese e as anotações próprias e busca a memorização. Os trabalhos são armazenados em arquivos ou dossiês para testemunhar a trajetória dos alunos e recordar-lhes a importância do esforço realizado.

A Expressão Oral e Escrita é outro momento didático de grande importância na proposta pedagógica faureana. Trata-se de o aluno socializar o conhecimento construído, o trabalho pesquisado, partilhando-o com os colegas e com o professor; isto poderia ser feito em sessões internas ou públicas, exposições, declamações, apresentações artísticas, entre outras.

Faure insistia na autocorreção22 e na autoavaliação como instrumentos educativos da autonomia. O método de avaliação que se mostrava em maior sintonia com o ensino personalizado era a avaliação contínua, mediante a observação constante e atenta do processo e o resultado do trabalho do aluno por parte do professor. Desta forma, era possível detetar aqueles alunos que evidenciavam dificuldades em cumprir uma programação e oferecer-lhes a participação, a curto prazo, em uma aula de aperfeiçoamento. No contexto da implementação da sua proposta, Faure rejeita a repetência escolar, que considera “indício da incapacidade da escola para adaptar-se às necessidades dos alunos” (Faure, 1973, p. 24).

A Tomada de Consciência, conhecida também por Grupo de Animação, era um momento específico em que os alunos eram convidados a refletir sobre a sua jornada de aprendizagem, identificando os seus obstáculos e reforçando os seus avanços. Este momento era utilizado para chamar a atenção dos alunos com dificuldades quanto à normalização23, à ausência de momentos de estudo, assim como para estabelecer regras e discutir problemas que afetassem a turma. Segundo Faure, este encontro - outro momento de socialização - mostrava-se necessário para reunir os alunos que, por seguirem o seu Plano de Trabalho, normalmente estavam dispersos em bibliotecas, laboratórios e salas de aula temáticas. Neste espaço tinham oportunidade de falar e serem ouvidos pelos seus professores. Este momento também era marcado no Plano de Trabalho para que os alunos se pudessem preparar. O enfoque personalizador advém, também, do material autocorretivo porque desenvolvia a autonomia do aluno, a reflexão, a verificação pessoal dos seus próprios acertos e erros e a apreciação global do trabalho realizado.

Inspirado em diversos autores e fontes pedagógicas, os momentos didáticos, segundo Faure, não eram lineares nem tinham que se verificar integralmente no decorrer de uma aula, pois podiam ser alternados conforme o desempenho dos alunos. A sua conceção de uma sala de aula personalizada e comunitária apresenta momentos didáticos promotores de uma aprendizagem significativa, adequada, autónoma, criativa e interativa, sendo para tal imprescindível o papel do professor. Pierre Faure, salienta que “a atitude requerida aos professores é a atitude fundamental de confiança na capacidade de desenvolvimento pessoal do aluno, semelhante ao conceito rogeriano de ´empatia´, é acreditar na dignidade, na capacidade e na atividade do aluno” (Faure, 1987, p. 50). Trata-se, sobretudo, de um professor-tutor, um conselheiro, um acompanhante, sendo o seu papel orientar as aprendizagens do aluno, observar o seu desempenho, indicar-lhe o melhor caminho, elaborar instrumentos de trabalho apropriados aos tipos, ritmos e necessidades específicas dos diferentes alunos; e, por último, familiarizar-se com a sua história e contexto de vida. “O papel do educador é o de quem abre os horizontes, em vez de transmitir conteúdos'' (Silva & Dallabrida, 2020, p. 3) empenhando-se em ajudá-lo a atingir o seu pleno desenvolvimento.

O Padre Joaquim Ventura e a receção da pedagogia personalizada e comunitária de Pierre Faure no Colégio de S. Miguel (Fátima, Portugal)

A criação do colégio de S. Miguel, em 1962, deveu-se à iniciativa do bispo de Leiria, D. João Pereira Venâncio, que resolveu dar continuidade a uma modesta experiência educativa anterior do pároco de Fátima, padre Manuel António Henriques, perspetivada, a partir de então, como embrião de um projeto educativo muito mais ambicioso. Para dirigir o novo colégio diocesano foi indigitado o padre Joaquim Rodrigues Ventura, o qual deveria preparar-se para essa missão frequentando um curso no estrangeiro24. O aconselhamento de Émile Planchard foi decisivo para a escolha do Instituto Superior de Pedagogia, pertencente ao Instituto Católico de Paris, que oferecia “uma preparação específica para os diretores de escolas católicas” (Ventura, 2016, p. 87).

Joaquim Ventura viajou para Paris em novembro de 1962 com o intuito de frequentar a licenciatura em Pedagogia do referido Instituto. Pierre Faure - “o grande professor” (Cotovio, 2011, II, p. 217), tal como ele o definiu em entrevista - foi a figura do Instituto cuja influência parece ter sido mais marcante na sua formação pedagógica. No final do segundo ano em Paris, para conclusão da licenciatura, Joaquim Ventura elaborou uma tese intitulada “A escola católica no mundo de hoje” onde terá sistematizado o pensamento que o iria guiar na direção do colégio de S. Miguel. O terceiro ano foi dedicado à preparação do seu projeto de doutoramento em pedagogia. A tese seria orientada por outro distinto pedagogo do Instituto, Antoine de La Garanderie, e teria como tema “a escola secundária em Portugal em tempos de planificação da ação educativa”. Joaquim Ventura obteve o certificado de habilitação ao doutoramento, mas não prosseguiu a pesquisa pois teve de regressar a Portugal, em outubro de 1965, por pressão do bispo de Leiria, como ele próprio confessa, para assumir finalmente a direção do colégio, até aí assegurada interinamente pelo já referido pároco de Fátima. O colégio tinha obtido uma autorização provisória em 1962, sendo aprovado definitivamente o seu funcionamento pelo Ministério da Educação em 1966. Da localização original, num prédio próximo à igreja paroquial, o colégio passara para instalações pertencentes ao antigo seminário diocesano, em ambos os casos espaços precários (Livro comemorativo do cinquentenário do colégio de S. Miguel, 2012).

Os três anos vividos em Paris, a frequência do Instituto Pedagógico e o contacto com Pierre Faure deixaram marcas visíveis no pensamento pedagógico de Joaquim Ventura. Em entrevistas realizadas entre 2007 e 2009, no âmbito da tese de doutoramento de Jorge Cotovio, ao dar conta das suas convicções relativas à “Escola Católica”, o padre afirma que elas vieram “desse grande mundo” e acrescenta o seguinte: “Portanto a minha convicção da escola Católica vem sobretudo da minha estada, prolongada, de três anos em França, onde nada perdi do contacto com os mestres, professores e colegas” (Cotovio, 2011, II, p. 217). Noutro momento, o então estudante relata como Pierre Faure o desafiava regularmente para visitar as escolas que seguiam as suas propostas pedagógicas para ele ver, em termos práticos, como funcionavam. Curiosamente, outra das instituições por ele visitadas foi a mais mítica das escolas novas francesas, a “École des Roches”, o que dá conta da sua preocupação em conhecer uma das principais raízes do pensamento renovador. Essas visitas, segundo Joaquim Ventura, ter-lhe-ão permitido aceder a “uma quantidade de informação, verificação e testemunhos” que o terão convencido de que valeria a pena, nas suas próprias palavras, “entregar a minha vida à Escola Católica” (Cotovio, 2011, II, p. 217). A experiência de Paris surge assim, a seus olhos, como uma verdadeira revelação que o conduz à adesão a uma certa interpretação do cristianismo: “Uma das minhas conquistas de Paris foi a integração dos valores, o humanismo cristão” (Cotovio, 2011, II, p. 222).

É essa identidade de “Escola Católica” que o diretor vai procurar insuflar no projeto educativo do colégio de S. Miguel. Joaquim Ventura mostra-se cético em relação à maioria das escolas então existentes que se reclamavam do catolicismo, tanto congregacionistas como diocesanas, mas que não teriam, na sua opinião, “um programa de vida” e um “conteúdo de ensino” impregnados de “cultura religiosa” (Cotovio, 2011, II, pp. 216-217). A diferença para com o seu colégio é que este “era ‘católico’ desde o início”, usando o diretor esta expressão para dar conta do espírito que inspirava toda a sua organização e funcionamento, “um espírito cristão de serviço”, um verdadeiro “humanismo cristão”, o que fazia com que ele fosse uma “Escola Católica na sua essência fundamental”, o que lhe permitiria, no que se refere aos seus alunos, “construir personalidades com um pendor cristão”. Esse catolicismo manifestava-se nas práticas do colégio mais sob a forma de “reflexões” ou de “retiros” do que de “celebrações” (Cotovio, 2011, II, p. 222). Embora tivesse um espaço destinado ao culto religioso, o colégio não tinha propriamente uma capela, o que causava alguma estranheza. Para o seu diretor, significativamente, “todo o colégio é uma capela” e “a Igreja são pessoas vivas” (Cotovio, 2011, II, p. 222). Essa identidade é plenamente assumida pelo projeto educativo do colégio, formalmente sistematizado em documento no início dos anos 80: “O colégio de S. Miguel é uma escola confessional católica” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 6). A educação por ele proporcionada é “baseada no Evangelho e respeitadora de cada consciência” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 4), assenta numa “visão cristã do homem e do mundo” e procura promover uma “síntese entre a cultura e a fé” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 7).

Uma outra preocupação que está presente desde o início do projeto, nos anos 60, é a de que o colégio assumisse o caráter de uma escola diferente, inovadora, no panorama nacional. Na interpretação do seu diretor, era essa já a pretensão do bispo de Leiria quando decidiu a criação do colégio, o nomeou e o enviou para Paris. Segundo diz na sua obra autobiográfica: “Era muito mais do que um colégio tradicional o que estava na sua mente” (Ventura, 2016, p. 84). E em entrevista acrescenta: “O que ia fazer [a Paris] era encontrar convicções e caminhos para estabelecer em Fátima uma escola que fosse um paradigma para Portugal. E foi mesmo esse o objetivo: fazer uma escola nova, com métodos novos” (Cotovio, 2011, II, p. 216). Já com o colégio em funcionamento o diretor relata as visitas realizadas com professores a várias instituições espanholas congéneres “para detetar e treinar os melhores métodos, acompanhando e experimentando as inovações pedagógicas” (Ventura, 2016, p. 137). Ao acompanhar a elaboração do projeto arquitetónico do novo edifício, que provocou alguma polémica com a hierarquia da Igreja, e a sua construção, que ocorreu entre 1970 e 1972, e respetivo equipamento, Joaquim Ventura constata que esses eram espaços e equipamentos “adequados a uma nova pedagogia”. Era um edifício com pavilhões interligados, espaços abertos e iluminados, e mobiliário apropriado ao tamanho dos alunos e disposto de maneira não convencional, ou seja, “em forma de assembleia, não em fila indiana” (Ventura, 2016, p. 125). Essa “nova pedagogia” tinha uma fonte de inspiração clara como ele mesmo constata: “Tendo em vista uma nova pedagogia sobretudo a aplicada ao ensino personalizado” (Ventura, 2016, p. 136). Inquirido, em entrevista, sobre a preocupação em inovar que constituiria uma das imagens de marca do colégio, o padre responde: “Sim, houve essa preocupação durante anos e ainda hoje há esse espírito” (Cotovio, 2011, II, p. 232). O próprio projeto educativo apela a uma revisão contínua das “técnicas empregadas” e dos “métodos utilizados” de modo a “evitar a rotina” e a permitir o “progresso” do colégio (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 14).

A apropriação, por parte de Joaquim Ventura dos pressupostos da pedagogia de Pierre Faure parece-nos inequívoca, tendo em conta tanto as palavras do diretor como a forma como este a procurou concretizar no colégio. Na já referida entrevista afirma, por exemplo, o seguinte: “Recordo-me quando vim, em 1965, e quis fazer coisas diferentes naquele colégio. Trazia ideias novas. Eu já fazia um ensino personalizado” (Cotovio, 2011, II, p. 220). O projeto educativo está visivelmente impregnado pelos slogans associados a essa pedagogia. O capítulo dedicado ao “estilo de educação” começa por reafirmar a ideia de que a “educação personalizada” é uma das traves-mestras do seu ideário, considerando, nessa conformidade, que “a pessoa do aluno é o verdadeiro centro de toda a atividade educativa” (Colégio de S. Miguel. Projeto Educativo, 1982/83, p. 9). Na obra comemorativa dos 50 anos do colégio, essa mesma ideia está presente quando se afirma, por exemplo, que “a proposta educativa do Colégio assenta na tomada de consciência de si próprio como pessoa, obra-prima de toda a criação” (Livro comemorativo do cinquentenário do Colégio de S. Miguel, 2012, p, 28). Mas como era possível pôr em prática esse “ensino personalizado, à medida de cada aluno”, pergunta retoricamente Joaquim Ventura. A sua concretização, também ela inspirada nas propostas de Pierre Faure e na experiência de algumas das escolas visitadas, assentava na elaboração de um sistema de fichas de aprendizagem, de avaliação, de correção e outras que é assim explicado pelo diretor: “Tínhamos que elaborar fichas, umas para avaliação, outras com conteúdos, depois avaliar em momentos diferentes, sendo os alunos a dizer que querem ser avaliados” (Cotovio, 2011, II, p. 231). Depois da avaliação os alunos passavam para outra unidade de trabalho, a ser desenvolvida na quinzena subsequente, tudo isto tendo por base o trabalho autónomo e respeitando o ritmo de desenvolvimento de cada aluno.

Num outro tópico do projeto educativo, relativo às orientações pedagógicas, e respetiva concretização, considera-se que o colégio proporciona um “ensino ativo, personalizado e comunitário” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 19). A reivindicação de um ensino ativo remete para a apropriação que o próprio Pierre Faure faz da tradição da Educação Nova. Na mais conhecida obra de divulgação da sua proposta, o padre jesuíta francês elenca a pedagogia científica do século XIX, as escolas novas e Freinet entre os seus precursores. O projeto educativo do S. Miguel vai ao encontro dessa ideia quando, por exemplo, se afirma o seguinte: “Ensino ativo, isto é, inspirado no movimento renovador das escolas novas” (Colégio de S. Miguel. Projeto Educativo, 1982/83, p. 4). Igualmente muito presente está uma outra ideia que parece inspirada no lema da pedagogia Decroly - uma educação “para a vida pela vida” - e que é apresentada da seguinte forma: “é para viverem plenamente a sua vida atual e futura que ele [o colégio] prepara os seus alunos […]. Por outro lado, o colégio não esgota a vida dos alunos. Ela projeta-se para fora dele e para além dele” (Colégio de S. Miguel. Projeto Educativo, 1982/83, p. 11).

A ideia de ensino comunitário, anteriormente assinalada, é, em consonância com o que já ficou dito, o segundo dos slogans que integram a fórmula através da qual se popularizou esta proposta pedagógica. As referências à “comunidade educativa”, integrando alunos, pais, professores, pessoal não docente e antigos alunos, são abundantes ao longo do projeto educativo. Procurando dar-lhe substância, afirma-se, a dado passo: “toda a educação se realiza, pois, em relação com a comunidade, uma vez que só no seio da comunidade se pode exercer o dom pessoal”. E acrescenta-se: “O colégio fomentará ao máximo a dimensão comunitária, a abertura aos outros, o sentido da fraternidade, a generosidade, a prática da caridade” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 11). As sucessivas afirmações de que “o colégio é uma família” ou de que “a família do colégio de S. Miguel marcou a minha vida” (Livro comemorativo do cinquentenário do Colégio de S. Miguel, 2012, pp. 29 e 33), presentes, por exemplo, nos testemunhos de antigos alunos aí estão para corroborar essa mesma ideia. O colégio possui, pois, uma forte identidade que lhe é dada por um “feixe de convicções e disposições de alma” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 13) que é partilhado por todos os membros dessa comunidade simbólica.

Um outro ideal que impregna o projeto educativo do colégio é o que diz respeito à promoção de uma “educação integral” ou “global” entre os seus alunos, ideal esse que se enraíza, ainda que com sentidos relativamente diferentes, tanto nas tradições pedagógicas progressistas como nas tradições pedagógicas inspiradas pelo catolicismo. Como é dito no livro dos 50 anos, o colégio de S. Miguel “aposta na formação integral de cada aluno, não só a nível curricular como também a nível dos valores, sendo olhado como pessoa com características próprias” (Livro comemorativo do cinquentenário do Colégio de S. Miguel, 2012, p. 29). No projeto educativo do colégio essa finalidade atinente à “formação integral”, ao “desenvolvimento harmonioso de todas as capacidades e aptidões” dos seus jovens alunos é reafirmada em diversos momentos:

Ali se propõe e se defende uma educação global, tendo em conta o conjunto das potencialidades e das aspirações de todo o ser humano […]. A educação global que o Colégio reivindica e se propõe, far-se-á mediante a proposta e a aceitação vivencial de um conjunto de valores que, integrados na própria personalidade, distinguem e definem um certo tipo de homem. (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, pp. 4-6)

O perfil esboçado para esse “certo tipo de homem” implica a assunção de um quadro axiológico que o documento procura traçar e de que fazem parte, naturalmente, os “valores cristãos”, mas, também, um conjunto de valores que poderíamos associar a uma conceção humanista do mundo como, por exemplo, vida, liberdade, responsabilidade, justiça, solidariedade, respeito, amizade, amor, confiança, partilha, diálogo, perdão, verdade, trabalho, imaginação, sentido crítico, entre outros. Tratam-se, na interpretação do projeto educativo, de “valores globais que constituem o património cultural da Nação e da Humanidade” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 7).

O lema do colégio é, a esse propósito, muito significativo. O lema inicial, segundo nos informa Joaquim Ventura, era a afirmação “homens sede homens”, inspirada na visita do Papa Paulo VI a Fátima, e que procuraria reafirmar o humanismo cristão que seria a fonte inspiradora do projeto do colégio para além de nos remeter para uma das palavras-chave da pedagogia de Pierre Faure - educação personalizada. O lema que acabou por ficar consagrado, até aos dias de hoje, é o correspondente à trilogia “Amizade-Verdade-Exigência”, que desemboca no acrónimo AVE. Segundo o projeto educativo, estas três “virtudes” caracterizam muito bem “o estilo da comunidade educativa” que o colégio representa. A explicação que é dada remete-nos para a consideração da amizade, da verdade e da exigência como elementos essenciais para a construção de uma verdadeira comunidade, sendo a ideia de educação comunitária, como já vimos, a outra palavra-chave da pedagogia em que se inspira o projeto do colégio. Os jovens a serem formados neste contexto deveriam respeitar-se profundamente uns aos outros e serem fraternos; terem horror à mentira e à incoerência; e serem pessoas de caráter, possuidoras de autodomínio e cumpridoras dos seus deveres morais e sociais. Na tentativa de sintetizar os principais traços do projeto educativo, “de índole cristã e humanista”, do colégio de S. Miguel que temos vindo a percorrer, afirma-se o seguinte no livro do cinquentenário: “Falar do colégio de S. Miguel é falar de relações e métodos personalizados, ensino ativo, colaboração estreita com as famílias na criação do jovem integral e responsável, partindo da mensagem do Evangelho” (Livro comemorativo do cinquentenário do Colégio de S. Miguel, 2012, p. 7).

Um outro elemento que aproxima o ideário do colégio da sua principal fonte de inspiração é a defesa de uma pedagogia por objetivos, uma abordagem então muito em voga, relativamente à qual Pierre Faure reconhece muitas vantagens, apesar de alguns riscos, quando afirma que “não se deve, ao organizar pedagogias por objetivos, descurar os objetivos da pedagogia” (Faure, 1993, p. 43), uma posição que Joaquim Ventura claramente subscreve. Sobre a assunção desta proposta, após o seu regresso de Paris, o padre diretor admite que “queria pôr em prática aquilo que aprendi e observei, como, por exemplo, a pedagogia por objetivos. Consegui pôr em prática nos anos de 67/68/69” (Cotovio, 2011, II, pp. 220-221). Associada a esta necessidade de definir de forma precisa e concreta os objetivos da aprendizagem, de programar de forma lógica e coerente as sequências de atividades e de atribuir responsabilidades aos alunos no que se refere ao seu desenvolvimento está uma outra das estratégias educativas do colégio, os chamados “itinerários de aprendizagem” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 19).

Mas a presença de Pierre Faure faz-se sentir, acima de tudo, segundo Joaquim Ventura, no ambiente educativo que se vive no colégio e em que a harmonia dos espaços se articula coerentemente com a forma como se trabalha e como as pessoas se relacionam entre si. “Penso que estará aqui muito do espírito do P. Pierre Faure, que ele soube transmitir aos seus alunos. Tanto na arquitetura, como na pedagogia, designadamente na pedagogia do silêncio!” (Entrevista, 9 de outubro de 2020). Segundo os autores da obra evocativa dos 50 anos, “o silêncio é regra de ouro no colégio” (Livro comemorativo do cinquentenário do Colégio de S. Miguel, 2012, p. 30). Não se trata, no entanto, do silêncio imposto, como resultado de uma pedagogia autoritária, mas antes do “silêncio construtivo, fruto do autodomínio” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 15), algo que aproxima esta proposta do self-government defendido no âmbito da Educação Nova. Essa mesma fonte de inspiração está presente nas atividades que são entregues à responsabilidade dos alunos tanto no que se refere à limpeza das salas de aula como ao serviço de copa, em ambos os casos por escalas rotativas. O apelo à participação é enfatizado no projeto educativo: “A participação, alegre, voluntária e progressiva […] é exigência e ponto de honra de todos os membros da comunidade educativa” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 17).

No que diz respeito à sua organização pedagógica, podemos recensear várias outras experiências desenvolvidas pelo colégio e que contribuem para a imagem de escola inovadora que dele se procura construir: a importância do trabalho em equipa tanto entre os alunos como entre os professores; a realização de assembleias, designadamente as chamadas APPA’s - Assembleias de Pais, professores, Alunos e Antigos Alunos -, ou seja, a comunidade tal como o colégio a entende; a publicação de jornais como a Voz de S. Miguel ou a Espiral; a realização regular de caminhadas, designadas “Quem como Deus”; o cicloturismo; a importância assumida por atividades culturais como os concertos e as exposições. Merecem ainda destaque as tentativas de reorganização curricular (com a lecionação de menos disciplinas por ano e a sua concentração em anos específicos), a defesa que é feita da interdisciplinaridade, da avaliação contínua ou da coeducação no projeto educativo e, ainda, a importância que é atribuída, no âmbito da sua oferta educativa, aos cursos de formação profissional de que são exemplo os desenvolvidos nas áreas da contabilidade e da administração e do design, cerâmica e escultura.

A formação dos seus próprios professores, à semelhança do que acontece em muitas das escolas que se procuram apresentar como diferentes, não foi esquecida no colégio de S. Miguel. O diretor assume essa preocupação que surgia vinculada à tentativa de introduzir novidades no trabalho pedagógico: “sempre proporcionei muita formação aos professores, tanto a nível pedagógico como religioso”; e noutro passo: “havia encontros de formação para nos valorizarmos e merecermos a confiança” (Cotovio, 2011, II, pp. 222 e 231). O projeto educativo esboça o perfil desejável para o professor do colégio que corresponde ao ideal de um educador global, que se destaca pela sua exemplaridade e no qual a dimensão religiosa é parte importante. Nessa ótica o “professor católico” deve “ter sempre presente a sua qualidade de EDUCADOR, de alguém que, pelo seu exemplo, pelo conselho e pelo seu ensino ajude o aluno a crescer na sua tríplice dimensão: pessoal, social e religiosa” (Colégio de S. Miguel. Projeto educativo, 1982/83, p. 19).

Tendo iniciado a sua atividade em instalações precárias, o colégio passou, como já foi dito, no ano de 1972, para um edifício de grande qualidade arquitetónica e pedagógica, construído de raiz para o efeito e ao qual foram sendo acrescentados, nas décadas subsequentes, novos espaços e equipamentos como pavilhão gimnodesportivo, piscina, novos pavilhões para aulas, oficinas, etc. Essa expansão foi acompanhando o crescimento do número de alunos. No ano em que o padre Joaquim Ventura regressou de Paris e assumiu efetivamente a direção do colégio (1965) este tinha 84 alunos; no ano letivo de 1968/69 existiam 133 alunos. O novo edifício foi projetado para 360 alunos, mas em 1980 já eram em número de 600; em 1997 o contingente já atingia os 1100 alunos (Livro comemorativo…, 2012). Em 2012, coincidindo com a evocação dos 50 anos do colégio, o seu “líder carismático”, nas palavras do padre Querubim Silva, então presidente da Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC), passou o testemunho a um novo diretor. Uma nova fase se abria então na vida da instituição.

Conclusão

No final deste percurso é-nos possível concluir que a criação do colégio de S. Miguel ocorre no período de intensa renovação da educação católica subsequente ao Concílio Vaticano II. Esse ambiente favorece a própria renovação do modelo pedagógico da Companhia de Jesus. É esse o contexto em que as propostas pedagógicas de Pierre Faure são elaboradas, em diálogo com outras correntes alternativas, tendo conhecido uma ampla circulação internacional. A sua receção em Portugal tem como protagonista maior o padre Joaquim Rodrigues Ventura, discípulo de Faure em Paris e diretor do colégio de S. Miguel, criado em Fátima no início dos anos 60, por iniciativa da diocese de Leiria. Desde o início que o colégio se procura apresentar como paradigma do que deveria ser uma escola intrinsecamente católica e como instituição exemplar no campo da inovação pedagógica. O projeto educativo do colégio incorpora tanto os grandes princípios como as propostas didáticas do mestre francês. As suas traves-mestras são, em conformidade, as ideias complementares de “pedagogia personalizada” e de “pedagogia comunitária”. O colégio tem como ideal a formação integral, de inspiração simultaneamente católica e humanista, das crianças e jovens que o frequentam. A pedagogia aí praticada assume o aluno como figura central do processo educativo e elemento ativo da sua aprendizagem; propõe-se fomentar a sua participação, de forma responsável, na vida da comunidade. Procura-se construir um ambiente educativo, relativo aos espaços e às pessoas, marcado pelo silêncio e pela espiritualidade. São postos em prática instrumentos pedagógico-didáticos que têm em vista proporcionar um percurso de aprendizagem simultaneamente autónomo e colaborativo.

Embora não tenham lugar na economia deste artigo, estão documentados no nosso país outros pontos de contacto, para a história da educação em Portugal da segunda metade do século XX, com Pierre Faure e o seu pensamento pedagógico, a saber em jeito de apontamento sucinto: a participação de professoras da Congregação das Irmãs Doroteias em jornadas de formação pedagógica em Espanha orientadas por este pedagogo francês no princípio dos anos 70 e as três viagens episódicas de Faure ao Norte de Portugal nos anos de 1978 e 1979 para participar num congresso e em jornadas de educação, tendo feito conferências no extinto Colégio de Santa Mafalda. Estas referências documentadas historicamente poderão merecer aprofundamentos em outros estudos de caso que possam fazer-se em estudos futuros.

Referências Fontes escritas

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Fonte oral

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Estudos

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1São alguns dos documentos avocados e analisados criticamente pelo autor nos seus artigos sobre a problemática educativa: Documentos orientadores e relatórios do Conselho da Europa, da O.C.D.E e da UNESCO, particularmente o citado “Relatório Faure” da UNESCO, publicado em 1972, sob o título “Aprendre à Être”, a “Recurrent Education: A Strategy for Lifelong Learning” da O.C.D.E, de 1973. Alega ainda teoricamente Marschal Macluhan, crítica Ivan Illich e sua defesa da desescolarização, Henri Janne, B. Schwartz.

2Franco Cambi sublinha, no entanto, que, mesmo na sua matriz fundamental, a pedagogia personalista teve abordagens plurais e multiformes: “Ela caracterizou-se por uma orientação neokantiana, em Friedrich W. Forster (1869-1966) e Sergei Hessen (1887-1950); neotomista, em Jacques Maritain (1882-1973); existencialista, em Emmanuel Mounier (1905-1950); e, mais eclética, nos representantes italianos, de Stefanini a Catalfamo, de Casotti a Flores d’Arcais.” (Cambi, 1999, pp. 568-569)

3A pedagogia personalista e comunitária de Pierre Faure vai beneficiar do horizonte utópico cultivado em torno da educação e do movimento de renovação pedagógica em curso dentro da Igreja e comunga do ideário renovador da tradição pedagógica jesuíta.

4O espírito pedagógico de Pierre Faure comunga do ideário renovador da tradição pedagógica jesuíta centrado na formação da pessoa e do seu edifício identitário, procurando transformar integralmente o ser humano a partir da conversão interior na linha dos Exercícios Espirituais fixados pelo seu fundador Santo Inácio (Lopes, 2002).

5Concepção de pessoa, salientando o personalismo e a dimensão comunitária, de Emmanuel Mounier; Cfr nota de rodapé 10.

6Visão espiritual do ser humano de Lubienska de Lenval.

7Método ativo de aprendizagem de Maria Montessori.

8Édouard Séguin defendia que a criança, para aprender a ´vir a ser`, necessitava de silêncio interior e do domínio do corpo.

9Teoria construtivista de aprendizagem de Jean Piaget.

10O Movimento da Escola Nova defendia que o ensino tradicional estava desadequado ao momento em que se vivia.

11Da pedagogia de Freinet, Faure apenas valorizava os instrumentos de trabalho que colocavam a criança em atividade.

12Do Plano Dalton, Faure aproveita a programação, a modificação do horário escolar, a organização das turmas por disciplina, e não por idade e classes, e também o plano de trabalho.

13Faure resistiu a apresentar-se como o autor de um método pedagógico, preferindo denominar enfoque pedagógico à sua contribuição pedagógica (Klein, 1997, p. 16).

14Emmanuel Mounier filósofo francês que marcou os movimentos de jovens cristãos em prol da democracia da Igreja Católica na década de 1930, defende o conceito de Personalismo, do qual Pierre Faure se apropriou para caracterizar a sua proposta pedagógica.

15Refere-se ao conceito inaciano de magis; que remete para o domínio da excelência, contrariamente a qualquer atitude superficial e inconsistente.

16O conceito de autogéneas, remete para algo que é auto criado, criado pelo próprio. É neste sentido que a atividade, que vem do interior do aluno, o leva a realizar aprendizagens. Subjacente a esta ideia temos o construtivismo de Piaget, que defende que o aluno em interação com o meio e os objetos constrói as suas aprendizagens.

17Influência de Maria Montessori.

18O Plano de trabalho deveria ser realizado pelos alunos, acompanhados pelos tutores. Este Plano contemplava as disciplinas que os alunos já teriam escolhido previamente, as datas das Partilhas, da Tomada de Consciência, etc, assim como os conteúdos que precisariam aprofundar em prazos estabelecidos por eles mesmos.

19A programação era uma seleção e organização lógica e psicológica dos conteúdos. Faure inspira-se no Plano Dalton para criar uma programação que pudesse auxiliar os alunos na hora de estudarem autonomamente. Caberia aos professores explicitarem o que seria dado durante a semana, mês ou bimestre, para que os alunos pudessem caminhar ´sozinhos`, e apenas mediados pelos professores apenas nos momentos de dúvida ou de partilha de algum conhecimento. Esta programação seria entregue aos alunos anteriormente e, a partir dela, eles poderiam elaborar os seus planos de trabalho.

20As fichas poderiam ser compostas por exercícios para reforçar a aprendizagem e/ou aprofundar algum conhecimento. Poderiam ser divididas em cinco etapas ou mais, com graus de dificuldade diferentes.

21As guias eram instrumentos que os professores preparavam para que os alunos pudessem, com autonomia, irem aprofundando novos conhecimentos. Os professores iniciavam um assunto novo ou davam continuidade a um saber já explicitado e as guias tinham como objetivo indicar os caminhos e propor bibliografia.

22O Material Autocorretivo desenvolve a autonomia do aluno, a reflexão, a verificação pessoal dos acertos e erros, o rigor científico e a apreciação global do trabalho realizado.

23Normalização é a condição de o sujeito encontrar uma forma de se mover nos espaços da escola que não atrapalhasse o estudo de seus colegas. A normalização, pensava ele, era uma aprendizagem que a escola deveria proporcionar aos alunos, para que eles encontrassem o equilíbrio necessário para agir em sociedade. Faure define o aspecto pedagógico da normalização, descrevendo uma jornada escolar: “as crianças [estão] em atividade que vão e vêm na classe, segundo as necessidades do momento, quer dizer, segundo o que requerem seu trabalho e suas atividades... seja de manuseio de material educativo e escolar, pesquisas e documentação nos livros da biblioteca, consulta aos colegas ou ao professor, exercícios no quadro ou na mesa, manipulação no chão ou no corredor, classificação do que foi descoberto ou preparação de exposições... seja ainda em arrumações ou limpeza, cuidado das plantas ou dos animais... Os alunos... de qualquer idade... trabalham e agem sem constrangimento, sem apreensão... sem outra preocupação que a de fazer o que têm que fazer, do modo mais natural do mundo... Adquire-se também o hábito de falar baixo, de locomover-se sem barulho (Faure, 1976).

24Joaquim Rodrigues Ventura nasceu no Juncal, Porto de Mós, em 4 de fevereiro de 1929. Frequentou o Seminário de Leiria, onde concluiu os estudos filosóficos e teológicos. Foi ordenado sacerdote em 20 de junho de 1952. Iniciou a sua atividade sacerdotal na área da assistência a peregrinos no Santuário de Fátima. Exerceu as funções de pároco na recém-criada paróquia da Atouguia, Ourém, tornando-se, depois, o primeiro capelão da Base Aérea nº 5 em Monte Real. É então que o bispo de Leiria o indigita para a direção do projetado colégio de S. Miguel, que será o grande projeto da sua vida. Ocupa o cargo de diretor entre 1965 e 2012, dedicando-se a, a partir daí, às atividades da Fundação Arca da Aliança por ele criada (Ventura, 2016).

Recebido: 02 de Setembro de 2021; Aceito: 10 de Dezembro de 2021

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