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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub 13-Sep-2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-85 

Artigos

Instituições públicas de formação da juventude campinense (1950-1960): democratização ou elitização?

Instituciones públicas de formación de la juventud de Campina Grande (1950-1960): democratización o elitización?

Melânia Mendonça Rodrigues1 
http://orcid.org/0000-0002-3894-1514; lattes: 6786946916201689

Niédja Maria Ferreira de Lima2 
http://orcid.org/0000-0003-1289-2002; lattes: 1022078411182508

Vívia de Melo Silva3 
http://orcid.org/0000-0002-5476-2938; lattes: 1129744927667502

1Universidade Federal de Campina Grande (Brasil). melaniarodrigues@gmail.com

2Universidade Federal de Campina Grande (Brasil). niedjafl@yahoo.com.br

3Universidade Federal da Paraíba (Brasil). viviafag@gmail.com


Resumo

Tratando de duas instituições públicas de ensino secundário de Campina Grande-PB, o Colégio Estadual da Prata (1953) e a Escola Normal Estadual (1960), o artigo discute o prestígio social das duas instituições, destacando as solenidades de inauguração dos prédios e o alunado de cada uma delas, nas respectivas primeiras décadas de funcionamento. Os achados provêm de matérias veiculadas em jornais do estado, bem como das fichas individuais dos alunos, disponíveis nos arquivos das instituições. A cobertura jornalística e a dimensão política das solenidades de inauguração dos prédios constituem forte indício do prestígio social do Colégio Estadual e da Escola Normal. Já o seu alunado foi constituído de jovens (rapazes e moças) oriundos de família tradicionais da elite campinense e regiões circunvizinhas. Tais achados permitem considerar que a trajetória das instituições, no período aqui analisado, evidencia a tensão entre elitização e democratização do ensino secundário campinense, nas décadas de 1950-1960.

Palavras-chave: Ensino secundário em Campina Grande (1950-1960); Colégio Estadual da Prata; Escola Normal Estadual de Campina Grande

Resumen

Abordando dos instituciones públicas de enseñanza secundaria de Campina Grande, Paraíba, el Colegio Estadual de la Prata (1953) y la Escuela Normal Estadual (1960), el artículo discute el prestigio social de las dos instituciones, destacando las solemnidades de inauguración de los edificios y el alumnado de cada una de ellas, en las respectivas primeras décadas de funcionamiento. Los hallazgos provienen de materias de periódicos del estado, así como de fichas individuales de los alumnos, disponibles en los archivos de las instituciones. La cobertura periodística y la dimensión política de las solemnidades de inauguración de los edificios constituyen fuertes indicios del prestigio social del Colegio Estadual y de la Escuela Normal. Su alumnado fue constituido de chicos y chicas originarios de familias tradicionales de la elite de Campina Grande y regiones circundantes. Tales hallazgos hacen posible considerar que la trayectoria de las instituciones, en el periodo aquí analizado, evidencia la tensión entre la elitización y democratización de la enseñanza secundaria en Campina Grande, en las décadas de 1950-1960.

Palabras-clave: Enseñanza secundaria en Campina Grande (1950-1960); Colegio Estadual de Prata; Escuela Normal de Campina Grande

Abstract

By approaching the Colégio Estadual da Prata (Prata State College) (1953) and the Escola Normal Estadual (State Teachers' College) (1960), two public secondary education institutions from Campina Grande, Paraíba, the article discusses the social prestige of both institutions, highlighting opening ceremonies and the scholars in their first decades of operation. The findings originate from articles by local newspapers and students files, available at the institutions' archive. The news coverage and political dimension of the opening ceremonies constitute strong indication of the social prestige given to the Colégio Estadual da Prata and the Escola Normal Estadual. About its students, they were young boys and girls from traditional families of the elite of the city and surrounding communities. Such findings allow us to consider that the trajectory of the institutions, during the analyzed period, emphasizes the tension between elitism and democratization of secondary education in the city during the decades from 1950 to 1960.

Keywords: Secondary education in Campina Grande (1950-1960); Colégio Estadual da Prata; Escola Normal de Campina Grande

Introdução

O final da Segunda Guerra, o desabrochar dos anos gloriosos do capitalismo, no âmbito mundial, assim como, na esfera nacional, o restabelecimento - com o fim do Estado Novo - do Estado democrático, emblemado na Constituição de 1946, concorrem para forjar uma conjuntura em que recrudesce a ideologia desenvolvimentista, articulada à compreensão da necessidade da educação para o processo de modernização do país. Em que pesem a falácia e as distorções dessas concepções, sua difusão e a concomitante tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reacendem a mobilização, encetada por intelectuais progressistas, em defesa da escola pública, como dever do Estado, visando a sua efetiva democratização, de modo que se tornasse acessível a toda a população.

Nesse contexto, as décadas de 1950-1960 constituem um marco na educação secundária no município de Campina Grande - PB: a próspera cidade paraibana passa a contar, ainda que tardiamente1, com duas instituições públicas desse nível de escolarização, como sejam, o Colégio Estadual dr. Elpídio de Almeida (1953) - popularmente, Estadual da Prata, denominação adotada neste trabalho - e a Escola Normal de Campina Grande (1960), denominada, a partir de 1981, Escola Normal Padre Emídio Viana Correia - conhecida como Escola Normal Estadual de Campina Grande (ENECG), designação aqui adotada.

Criadas em resposta a pressões de forças sociais e políticas campinenses, tais instituições constituem-se como referência de educação de qualidade, que - consoante com a característica de município-polo assumida por Campina Grande - atraem estudantes originários, em expressivos percentuais, de número significativo de municípios paraibanos, como ainda, em percentuais mais modestos, de outros estados da Região e do país.

Com efeito, desde o início de sua povoação (ano de 1697), o município desempenha a função de importante entreposto comercial, em virtude de sua localização estratégica na ligação do litoral ao sertão, tornando-se o segundo polo econômico-político do Estado da Paraíba, suplantado, apenas, pelo município da capital.

Nas quatro primeiras décadas do século XX, a cultura algodoeira faz de Campina Grande a segunda maior exportadora de algodão do mundo, apenas suplantada por Liverpool - Inglaterra, razão pela qual o município é, então, cognominado de "Liverpool brasileira". Principal responsável pelo crescimento da cidade, o algodão enseja a instalação de indústrias de processamento, atrai comerciantes das demais regiões da Paraíba e de todo o Nordeste, engendra a instalação de estabelecimentos bancários, provocando um surto de crescimento demográfico, estimado, por alguns estudiosos, em mais de 600%, no período 1907-1939.

A última década do período ora referido, em especial, é marcada por um período de desenvolvimento econômico, pela reforma urbana, por conflitos políticos e por tensões sociais, em que o processo de modernização da cidade - principalmente no que diz respeito ao aspecto urbanístico - ocupa lugar de relevo.

Em contraposição à prosperidade econômica, a educação pública no município apresenta debilidades, uma vez que, no ano de 1932, enquanto a rede de ensino particular contava com 17 estabelecimentos, a rede pública constituía-se, quase exclusivamente, de cadeiras isoladas, havendo, apenas, um Grupo Escolar Estadual na cidade, além de que, aproximadamente, 87% da população não era alfabetizada (ALMANACH, 1932).

Já no início da década de 1960, como polo comercial e industrial no âmbito do estado, o município responde por uma arrecadação de impostos maior que a da própria capital paraibana, João Pessoa. O crescimento urbano implica uma significativa ampliação da rede escolar, de modo que, na referida década, Campina Grande contava com 156 escolas primárias municipais, 48 escolas primárias estaduais, 13 escolas primárias particulares, cinco estabelecimentos de ensino secundário e uma escola de aprendizagem industrial (SILVA, 2005). Ratificando a debilidade das redes públicas, dos referidos estabelecimentos de ensino secundário, apenas o Colégio Estadual de Campina Grande - criado em 1952 - pertence à rede estadual.

Ainda nesse nível de escolarização, no tocante à formação de professores para o ensino primário, duas instituições privadas campinenses - o Instituto Pedagógico e o Colégio Imaculada Conceição - haviam sido equiparadas, ainda na década de 1930, à Escola Normal da Paraíba, localizada na capital do estado, enquanto a Escola Normal de Campina Grande somente é criada no ano de 1960.

A rápida contextualização que acabamos de fazer, simultaneamente, esclarece o parágrafo inicial deste artigo e demonstra a relevância, para a história da educação pública de Campina Grande, da criação das duas instituições escolares aqui consideradas, sobre as quais, paradoxalmente, há - ainda - uma sensível carência de bibliografia e de pesquisas mais aprofundadas.

Visando a contribuir para minimizar essa carência, as autoras desenvolveram pesquisas que baseiam este trabalho, para o qual foram escolhidos alguns achados que permitem discutir o prestígio social das duas instituições públicas, na tensão entre elitização e democratização do ensino secundário nas décadas de 1950-1960, no município de Campina Grande.

Pautado por esse objetivo, e atentando para a extensão do texto, o presente artigo destaca dois aspectos considerados, pelas autoras, como fortes indícios2 desse prestígio, como sejam: as solenidades de inauguração dos prédios e os dados do alunado das duas instituições, relativos à primeira década de funcionamento de cada uma delas - anos de 1952-1962, para o Colégio Estadual da Prata, e de 1960-1970, para a Escola Normal.

Para tratar das solenidades de inauguração, lançamos mão das matérias veiculadas em dois importantes veículos da imprensa paraibana: A União, jornal estatal, e o Diário da Borborema, único jornal da cidade de Campina Grande, integrante dos Diários Associados3.

Quanto ao alunado das instituições estudadas, os achados aqui apresentados provêm do levantamento de dados realizados no arquivo da Escola Estadual de Ensino Médio Elpídio de Almeida (atual denominação oficial do Colégio Estadual dr. Elpídio de Almeida) e no Arquivo Governador João Agripino, da Escola Normal Estadual de Campina Grande. Importante é esclarecer que as precárias condições desses arquivos, assim como as inadequadas formas de acondicionamento, ocasionaram perdas ou acarretaram danos em muitos documentos, tornando bastante difícil e demorado o trabalho de garimpar as informações.

O presente texto compreende, após esta introdução, seções específicas para cada uma das instituições estudadas, às quais se seguem nossas considerações, apresentando as sínteses mais relevantes a que chegamos.

O Estadual da Prata

A criação, no início dos anos 1950, de uma grande escola pública de ensino médio em Campina Grande integra um conjunto de empreendimentos realizados nos campos cultural e educacional4, objetivando ratificar a imagem de modernidade e progresso da cidade, construída nas décadas iniciais do século XX. Tal iniciativa reveste-se de maior significado por se tratar da primeira instituição pública de ensino secundário do interior do estado, criada mais de um século após o pioneiro - e, até então, único - Liceu Paraibano (1836), sediado na capital do estado, João Pessoa.

A construção do seu prédio, iniciada em 1948, antecede a criação mesma do Colégio Estadual dr. Elpídio de Almeida, oficializada por meio do Decreto nº. 456, de 18 de julho de 1952, em que lhe é atribuída a finalidade de “ministrar, em regime de externato para ambos os sexos, o ensino secundário, de acordo com a respectiva legislação federal”. (ESTADO DA PARAIBA, 1952).

Já na sua inauguração, ocorrida a 31 de janeiro de 1953 (seis meses após sua criação oficial), evidenciam-se elementos do prestígio social que o Colégio desfrutaria, ao longo dos anos 1950-1960. Integrando as comemorações do segundo ano de gestão do governador José Américo de Almeida e coincidente com a instalação do I Congresso de Professores Secundários do Nordeste, essa inauguração recebe ampla cobertura pelos jornais de grande circulação no Estado, em matérias bastante elogiosas aos dois eventos.

No que concerne ao Congresso, as matérias ressaltam a adesão dos “meios intelectuais do Nordeste” (JORNAL DE CAMPINA, 30/11/1952, p. 06), bem como a presença de delegações de outros Estados - do Nordeste e de outras regiões do país - e de representação do Ministério da Educação ao evento. Comentam, ainda, que a pauta desse Congresso atenderia a reivindicações de melhoria do ensino secundário, com destaque à necessidade de reformulação da legislação vigente, no tocante à organização curricular e à situação do professorado desse nível de ensino.

Em se tratando, especificamente, do Colégio, o foco das notícias recai sobre o “excelente prédio” (Jornal A UNIÃO, 28/01/1953, p. 03) construído para o funcionamento do educandário. Desse modo, merecem destaque: a área total ocupada (19.397m2); o custo financeiro da construção (Cr$ 8.000,000,00); a capacidade de atendimento (3.000 alunos), bem como o detalhamento do projeto arquitetônico:

O projeto de autoria do arquiteto Hugo Azevedo Marques, está de acordo com todas as exigências técnicas, indispensáveis à construção de um edifício para aquela finalidade.

Todos os detalhes de orientação, aeração, iluminação, relação entre a área da construção e superfície dos campos de esportes e recreio, relação entre o numero total de alunos e área todas das salas de aulas, dimensionamento do Ginasium e do Auditorium, das quadras de bola ao cesto, tênis e volebol, das pistas de corrida e demais esportes atléticos, foram devidamente apreciados pelo referido arquiteto, cujas realizações na sua especialidade são uma garantia da excelência do projeto. (Jornal A UNIÃO, 04/12/1948, p. 03)

Mesmo relativizando o tom ufanista e propagandístico das matérias veiculadas, cabe reconhecer que, para a cidade de Campina Grande do início da década de 1950, se tratava de uma imponente obra, razão pela qual o colégio tornou-se popularmente conhecido pelo epíteto de Gigantão da Prata. A foto a seguir fornece uma visão panorâmica da edificação.

Fonte: Blog Retalhos Históricos de Campina Grande

Foto 1: Fachada do prédio do Estadual da Prata 

Para além da arquitetura, também a localização escolhida para o Colégio pode ser apontada como indício não apenas do prestígio dessa instituição, mas também da origem social dos alunos que a frequentariam, já que o bairro da Prata se configura, desde o seu início, como uma área urbana, próxima ao centro da cidade, ocupada por famílias de poder aquisitivo mais elevado (CABRAL FILHO, 2007).

Ao entrar em funcionamento e ao longo do período estudado, o Estadual da Prata justifica as expectativas acerca da criação de uma instituição pública de ensino secundário no interior do estado. Conforme já anunciado na introdução deste texto, esse Colégio atrai alunos oriundos das outras regiões do Estado, notadamente do Sertão - a mais distanciada da capital - e de outros estados nordestinos, como Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Residualmente, encontram-se alunos originários do estado de São Paulo e do exterior - Itália.

Em se tratando dos alunos residentes em Campina Grande, um dado relevante diz respeito às escolas em que cursaram o primeiro ciclo do ensino secundário. No ano inaugural do Estadual da Prata, a totalidade dos alunos ingressantes provinha de escolas particulares, destacando-se os colégios Diocesano Pio XI e Alfredo Dantas, das quais advinham 93% dos alunos. Cumpre esclarecer que essas duas tradicionais instituições de ensino - o Ginásio Alfredo Dantas é a mais antiga escola do município, fundado com o nome de Instituto Pedagógico (ANDRADE, 2014) - também ofereciam cursos do segundo ciclo do ensino secundário, o clássico e o científico, os mesmos ofertados pelo nascente colégio estadual.

A escolarização anterior em escolas particulares, embora esmaecida, permanece no primeiro quinquênio desse Colégio, visto que, embora a maioria dos ingressantes (62% do total) no colegial, no ano de 1958, tenha cursado o ginasial no próprio Estadual da Prata, os 38% restantes advêm daquelas duas escolas particulares (28%), às quais se acresce uma escola exclusivamente feminina, o Colégio Imaculada Conceição (10%), mantido pela ordem religiosa Associação das Religiosas da Instrução Cristã.

Ainda que discutir esse último dado ultrapasse nossa proposta para o presente artigo, consideramos importante registrá-lo, pelas importantes questões que levanta. Com efeito, o incipiente trânsito de alunas do Imaculada Conceição para o curso colegial do Estadual da Prata, em lugar de sua permanência naquela escola, cursando o Normal, constitui, a nosso ver, um indício do amplo movimento pela emancipação feminina, que vai marcar os anos 1960, no âmbito do qual se inscreve a entrada de mulheres em profissões antes consideradas como estritamente masculinas, nas áreas médica e tecnológica.

Por agora, limitamo-nos a comentar o movimento do alunado, em geral, do ginásio na escola particular para o colegial em uma escola rede pública. Longe de qualquer contingência, tratava-se de uma escolha de famílias abastadas, dado o prestígio desfrutado pelo Estadual da Prata, ao longo da década de 1950 e que se mantém nos seguintes anos de 1960. Efetivamente, esse colégio entra para a história de Campina Grande não apenas pela qualidade da formação acadêmica ministrada, mas como verdadeiro celeiro de pessoas bem sucedidas socialmente, como atesta o registro a seguir transcrito.

Ao longo da história, [o Colégio Estadual da Prata] alçou próceres cidadãos da terra às mais premiadas carreiras, como Ronaldo Cunha Lima, Benedito Luciano, Agnelo Amorim, Vespaziano Quintans, Elizabeth Marinheiro, Juarez Farias, Humberto de Campos, Luizmar Resende, Virgílio Brasileiro, Teócrito Maciel, Lamir Motta, João Fernandes Mariz, Ney Suassuna, José Nêumane Pinto, Elba Ramalho, Hermano José, Luíza Erundina, Capilé e os autores deste livro, além de muitos outros. (LACERDA JUNIOR; LIRA, 2012, p.466)

Podemos, portanto, considerar a entrada de jovens das classes sociais mais elevadas no colégio estadual como uma sequência de sua formação para promissoras carreiras profissionais, mantendo a convivência com colegas do mesmo círculo social, o que indica o caráter elitista dessa escola pública na sua primeira década de funcionamento.

A elitização social imbrica-se à seletividade acadêmica, expressa já nos resultados do primeiro exame de admissão ao Curso Ginasial, realizado pelo Estadual da Prata, no ano de 1953, no qual obtiveram aprovação apenas 38,4% dos inscritos (SILVA, 2014).

Cabe registrar que, além dos requisitos acadêmicos, o Estadual exigia, para a matrícula dos alunos, a apresentação de atestado de saúde e comprovante de vacinação contra varíola e tifo, reflexo, conforme destaca Silva (2014), das concepções higienistas arraigadas no campo educacional brasileiro, desde os últimos anos do século XIX.

Mais além dos aspectos acadêmicos, o Estadual da Prata também se constituiu - até o desmantelamento das entidades representativas dos estudantes, pela ditadura civil-militar instaurada em 1964 - como uma referência para o movimento estudantil secundarista de Campina Grande. Nessa direção, já nos seus primeiros anos de funcionamento, é constituído o Diretório Estudantil do Colégio Estadual de Campina Grande ou Grêmio Machado de Assis que, dentre outras atividades, edita o Jornal O Grêmio.

Ademais, há registros da intensa participação de alunos do Centro Estudantal Campinense, entidade fundada em meados da década de 1930 e considerada

como um núcleo ativo de estudantes que, através de uma forte atuação política na cidade, conduziu o movimento estudantil, através de lutas e discussões relativas aos problemas dos estudantes. Estes, através das experiências com a escrita periódica, vivenciaram da efervescência política ao qual passava a cidade e o país, em que, através das discussões na imprensa, discutindo sobre educação, como: livros didáticos; corpo docente; e abertura e funcionamento de bibliotecas existentes na cidade (SANTANA; MACHADO, 2017, p.3668-69).

Essa, em traços gerais, a trajetória da primeira escola pública de ensino secundário de Campina Grande, em sua década inicial.

A Escola Normal Estadual de Campina Grande

Somente na segunda metade dos anos 1950, a educação primária e a formação de professores para esse nível de ensino passam a constar da pauta de governantes e políticos de Campina Grande (AGRA DO Ó, 2006; CAMPINA GRANDE, 1958; DIÁRIO DA BORBOREMA, 1958), o que nos permite cogitar a emergência, nesse momento histórico, de demandas sociais nessa direção, a que se agrega o propósito de criação de uma Escola Normal em Campina Grande, manifesto pelo governador Pedro Gondim (1958-1960).

Tal propósito se materializa no Anteprojeto de Lei nº 543, de outubro de 1959, aprovado em janeiro de 1960, pela Assembleia Legislativa, dando origem à Lei n° 2.229, homologada pelo governador José Fernandes de Lima, em 31 de março de 1960, e publicada no Diário Oficial do Estado em oito de abril do mesmo ano, pela qual é “criada a Escola Normal Estadual de Campina Grande, destinada à formação de professoras primárias, através do curso pedagógico (ensino normal de 2º ciclo5)” (ESTADO DA PARAÍBA, 1960, p. 1).

Contrariamente ao Estadual da Prata, a Escola Normal Estadual de Campina Grande (ENECG) é criada e inicia seu funcionamento sem prédio próprio ou específico, sendo instalada, segundo o disposto no artigo 6º da Lei n° 2.229/1960, nas dependências do Colégio Estadual de Campina Grande, que, para essa finalidade, “[receberá] as adaptações necessárias” (LIMA, p. 21, 1960).

Tais adaptações, no entanto, não foram efetivadas, sendo a precariedade a marca das condições de funcionamento da ENECG nos seus primeiros anos, uma vez que as “instalações por empréstimo se resumiam a duas salas, sendo uma para sala de aula [...] e outra para a direção, secretaria e arquivo” (ESCOLA NORMAL..., 2008, p.1).

Na segunda metade da década de 1960, a Escola passou a funcionar nas dependências do Colégio Anita Cabral, onde permaneceu até a inauguração do seu prédio próprio, em maio de 1970, no qual funciona até o momento (SOUSA; LIMA, 2016),

Talvez em decorrência da precariedade do espaço físico, anteriormente aludida, o número de ingressantes quase não se altera nos três primeiros anos (1960 a 1962) de funcionamento da Escola, apresentando uma discreta variação de 27 a 31 matrículas no ano inicial do Curso Normal.

Superando o tímido triênio inicial, a Escola assegura seu lugar como instituição formadora de professoras primárias em Campina Grande, de modo que, ao final de sua primeira década de funcionamento, supera a marca de uma centena de matrículas no primeiro ano do Curso Normal (111 ingressantes).

Tal como o Estadual da Prata, o corpo discente da Escola Normal provém de municípios de todas as mesorregiões paraibanas - majoritariamente do Agreste, da Borborema e do Sertão -, dos demais Estados do Nordeste, à exceção do Piauí e, residualmente, de dois Estados do Sudeste brasileiro - Rio de Janeiro e São Paulo - assim como de dois outros países - Portugal e Egito.

Mais especificamente, a leitura dos dados referentes aos locais de origem do corpo discente demonstra que a abrangência da Escola Normal ultrapassa os limites municipais, uma vez que, no período considerado, menos da metade dos ingressantes - 34,8%, em média - advém de Campina Grande. O percentual mais elevado de campinenses é o observado no primeiro ano de funcionamento da Escola, correspondendo a 46,4% dos ingressantes.

A primeira e mais evidente constatação acerca do corpo discente da Escola, no período considerado, concerne ao fato de ele ser constituído, exclusivamente, de alunas, conforme já explicitado no texto - trecho anteriormente citado - da lei de sua criação, o que ratifica o processo de feminização do magistério, sobejamente constatado na literatura da área (a exemplo de ALMEIDA, 2004 e CHAMON, 2007).

Ademais, confirmando o epíteto, atribuído por um jornal local, de instituição de “formação da juventude feminina” (DIÁRIO DA BORBOREMA, 1958, p.2), a maioria das ingressantes - 52,0% - situa-se na faixa etária de 16 a 19 anos, seguida pela faixa dos 20 aos 24 anos, com 38,7% das ingressantes. Nos restantes 9,3% de ingressantes, o maior percentual de ingressantes situa-se na faixa etária de 25-29 anos (6,53%), sendo pouco expressivo o ingresso de alunas com idades entre 30-39 anos (1,78%) e superiores a 40 anos (0,25%), assim como o percentual de matrículas de novas alunas com 15 anos (0,77%).

As matrículas de alunas com idades superiores aos 25 anos, embora pouco expressiva, levanta uma questão não elucidada pelas fontes disponíveis à pesquisa, como seja, qual a razão para a flexibilização, na normatização legal paraibana, da idade máxima de ingresso no curso Normal, fixada nacionalmente? De fato, a Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-Lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946), em seu artigo 21, estabelece que, para a inscrição nos exames de admissão aos cursos de segundo ciclo do ensino normal, “será exigida do candidato [...] idade mínima de quinze anos” (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1946, p. 1), acrescendo, em parágrafo único:Não serão admitidos em qualquer dos dois cursos candidatos maiores de vinte e cinco anos” (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1946, p. 1).

Em contrapartida, a Lei nº 850, de 6 de dezembro de 1952, que organiza o ensino normal no Estado da Paraíba, ao tratar da inscrição dos alunos nos exames de admissão aos cursos de ensino normal, define, no tocante à idade, apenas a exigência da “idade mínima de quinze (15) anos” (ESTADO DA PARAÍBA, 1952, p. 1), sem limitar uma idade máxima para tal inscrição.

Na documentação de uma das alunas cuja idade ultrapassa o máximo admitido nacionalmente, foi encontrado um documento que nos parece um indício de uma explicação provável para esse desacordo da legislação estadual com a nacional: uma declaração da prefeitura municipal, atestando o exercício do magistério, pela referida aluna, em uma escola da rede pública do município. Tal declaração levou-nos a cogitar a possibilidade de a Escola Normal Estadual de Campina Grande haver adotado alguma medida direcionada, especificamente, à formação de professoras leigas em efetivo exercício no ensino primário das redes públicas. No entanto, trata-se de uma possibilidade cuja possível comprovação demanda uma investigação mais apurada, vez que não encontramos qualquer referência a essa questão nas fontes de que dispomos até o momento.

Assim como o ocorrido com as faixas etárias, ao longo do período estudado, também se diversifica a configuração institucional das escolas em que as alunas cursaram o ginasial6, notadamente em se tratando das escolas dos outros municípios paraibanos ou Estados da federação, nas quais constatamos uma ampla diversidade institucional, no que tange à:

  • vinculação administrativa, pela coexistência de escolas públicas e privadas;

  • variedade de instituições particulares, compreendendo desde uma escola de renome nacional - o Colégio Bandeirantes, de São Paulo - a um conjunto de pequenas escolas - como o Colégio São José, em São José de Piranhas-PB;

  • diversificação das escolas públicas, segundo os cursos ministrado - ginasial (secundário propedêutico), comercial, agrícola, industrial (médio profissional) e normal de primeiro ciclo ou curso normal regional (Escolas Normais Regionais ou Escolas Normais Ginasiais).

À diferença do identificado quando do levantamento das escolas dos demais municípios paraibanos ou Estados da federação, as escolas campinenses de que as ingressantes na ENECG provêm, públicas ou privadas, ministram o secundário propedêutico. Quando consideramos o grupo das escolas públicas, ressalta-se a predominância do Colégio Estadual de Campina Grande, instituição que, até os primeiros anos da década de 1970, se caracterizou como uma instituição formadora da elite política e intelectual do município, conforme apresentado no item anterior (SILVA, 2014).

Já no grupo das instituições particulares, predominam, ao longo de todo o período, duas escolas de grande porte, tradicionais e que atendem às famílias mais abastadas de Campina Grande e municípios próximos: os já referidos - quando se tratou do Estadual da Prata - Ginásio da Imaculada Conceição e Ginásio Alfredo Dantas. Ainda no grupo das instituições particulares, as outras duas escolas das quais provêm as alunas da ENECG - o Ginásio Diocesano Pio XI e o Ginásio Nossa Senhora de Lourdes - também são escolas destinadas à mesma clientela.

Ante o exposto, parece-nos pertinente afirmar que, ao ser criada e na sua primeira década de funcionamento, a ENECG assemelha-se à Escola Normal da Paraíba quando da sua criação, a qual, segundo Kulesza (2008, p.270), mais que pelo interesse na instrução pública de qualidade, se caracterizava por se constituir como “uma escola do sexo feminino destinada às elites”. A partir da metade da década, o aumento do ingresso de alunas oriundas, principalmente, dos demais municípios paraibanos, parece-nos indicar o início de um processo de democratização do acesso à Escola, ocorrido nos anos 19707.

Além da conclusão do primeiro ciclo do ensino secundário, a admissão na primeira série - conforme regulamentação nacional e estadual (Decreto-Lei nº 8.530/1946 e Lei nº 850/1952, respectivamente) exigia o cumprimento, pela candidata, dos seguintes requisitos: a) nacionalidade brasileira; b) sanidade física e mental; c) ausência de defeito físico ou distúrbio funcional que contraindique o exercício da função docente; d) bom comportamento social; e) habilitação nos exames de admissão.

Em cumprimento às exigências estabelecidas das letras “a” até “d”, da documentação das alunas, por nós consultada, constavam:

  • certidão de nascimento, acrescida, quando pertinente da certidão de casamento;

  • atestado de boa conduta ou de bons antecedentes ou de idoneidade moral, emitido pela direção da escola frequentada anteriormente pela aluna, ou por autoridade municipal, ou ainda, pela delegacia de polícia;

  • atestado de imunização e atestado médico de saúde física e mental;

  • ficha de educação física, contendo dados de exame biométrico.

Mais uma vez, tal como exigido para a matrícula dos alunos no Estadual da Prata, requisitos das concepções higienistas predominam entre as exigências a serem atendidas pelas candidatas ao Curso Normal. Ademais, as futuras normalistas ainda devem atestar idoneidade moral, o que reflete a permanência do ideário que concebe, como virtudes da professora de crianças, a docilidade, a meiguice e a pureza, assemelhando-a à figura materna ou, conforme asseverou Almeida (2004, p.68), associando-a à “figura da mulher santa, feita à imagem de Maria, à pureza de corpo e espírito”. Esse modelo normativo de mulher que, segundo a autora, perpassa a vida social do século XIX e estende-se ao século XX, inspirou-se nos arquétipos do cristianismo, e

espelhava a cultura vigente instituindo formas de comportamento em que se exaltavam virtudes femininas como castidade e abnegação, forjando uma representação simbólica de mulher por meio de uma ideologia imposta pela religião e pela sociedade [...] A linguagem mística para qualificar o papel feminino era utilizada pela ideologia cultural, que buscava na religião as metáforas e analogias para definir a mulher-mãe com atributos de santa, anjo de bondade e pureza, qualidades que todas deveriam possuir[...] (ALMEIDA,2004,p.68).

No concernente ao exame de admissão, cuja regulamentação competia à instância subnacional, a lei estadual definiu, como exigências para a inscrição, “certificado de conclusão do primeiro ciclo [do curso Normal], ou certificado de conclusão do curso ginasial, conclusão do curso comercial básico convenientemente adaptado ao curso ginasial, e idade mínima de quinze (15) anos” (ESTADO DA PARAÍBA, 1952, p. 2). Assim, também compõem a documentação das alunas o pertinente certificado de conclusão do curso, acrescido do respectivo histórico escolar.

A mesma lei estabeleceu, ainda, a dispensa da exigência do exame de admissão para “os candidatos à matrícula na primeira série [...], aprovados com média global igual ou superior a sete (7) na primeira, ou na segunda série, dos cursos científico, ou clássico” (ESTADO DA PARAÍBA, 1952, p. 2).

Cumprindo essa disposição legal, as fichas das alunas registram o resultado obtido no exame de admissão, denominando-o de exame vestibular, até o ano de 1962, a partir de quando deixam de existir informações sobre sua realização. Constam das documentações das alunas ingressantes nos anos de 1962 e 1963, requerimentos de inscrição como “candidato ao concurso de habilitação à matrícula inicial”, mas não há dados desse concurso, nem esclarecimento acerca da forma de ingresso adotada.

A partir do ano de 1964, constatamos a ocorrência de matrículas de novas alunas, por transferência, em um percentual médio de 27,9%. Em alguns anos, como 1966, 1969 e 1970, trata-se de um percentual expressivo que, no último ano considerado, responde por mais da metade dos ingressantes.

Em sua grande maioria (74,5%), essas matrículas decorrem de transferências que, efetivamente, implicam, apenas, a mudança de escola, porquanto as alunas já frequentavam o curso Normal na instituição de origem. Merece destaque o fato de que, ao contrário dos anos anteriores, nos quais há uma grande dispersão das escolas anteriores, no ano de 1970, 25,8% das alunas transferidas provêm da Escola Normal Municipal Anita Cabral/Fundação Instituto Campinense de Educação, o que merece uma investigação específica, por não se encontrarem registros acerca dessa escola nos documentos consultados, relativos à educação municipal em Campina Grande.

Os restantes 21,8% das ingressantes por transferência correspondem a, egressas dos cursos científico (16%) e clássico (5,8%), do segundo ciclo do ensino secundário. Diferentemente do quadro encontrado nas transferências de alunas do curso Normal, constatamos, durante o período analisado, um predomínio - média de 47,35% - do Colégio Estadual de Campina Grande como escola de origem das alunas, ao qual se segue, em percentual bastante inferior (8,15%), o Ginásio Alfredo Dantas.

Enquanto demonstram, à semelhança do observado relativamente às concluintes do ginasial, um movimento entre escolas consideradas como de elite e a ENECG, essa migração de alunas dos cursos científico e clássico constitui um instigante tema para investigações posteriores, dado que consideramos a possibilidade de ser ela mais uma expressão da segmentação de gênero observada no ensino secundário em Campina Grande, na década aqui considerada.

Expressando tal segmentação, e se afirmando como instituição de formação da juventude feminina, a ENECG forma 610 professoras primárias ao longo de sua primeira década de funcionamento (DIÁRIO DA BORBOREMA, 1970a, p.8).

E, conforme já antecipamos, é somente no último ano do período estudado, no décimo aniversário da Escola, em maio de 1970, que o prédio próprio da Escola é inaugurado, em um evento de grande repercussão no estado, conforme atestam as matérias veiculadas nos dois jornais por nós consultados.

Em unânime consenso, as publicações de ambos os periódicos - Diário da Borborema e A União - enaltecem a inauguração da “Milésima”8, embora com distintas ênfases: o jornal A União destaca a atuação do governador, lançando mão, inclusive, de trechos do discurso de congratulações, proferido pelo vereador José Alves Costa em sessão da Câmara Municipal de Campina Grande, segundo o qual “as realizações do sr. João Agripino [...] estão a mostrar ao Brasil que na Paraíba se constrói em cinco anos o progresso de um século” (A UNIÃO, 1970b, p. 10).

Já a cobertura do Diário da Borborema - edições de 06, 10 e 12/05/1970 - trata, mais detidamente, da inauguração do prédio da ENECG, destacando a

intensa movimentação [na cidade], com a chegada de dezenas de visitantes, autoridades, imprensa e pessoas convidadas pelo Govêrno do Estado para as solenidades programadas para hoje. O grande interesse continua sendo a milésima obra do Govêrno João Agripino (DIÁRIO DA BORBOREMA, 1970b, p.10).

Embora o Diário da Borborema destaque os preparativos para a referida inauguração, o detalhamento da solenidade é relatado pelo jornal A União, como transcrito a seguir.

Desde as primeiras horas da noite começaram a chegar autoridades (os prefeitos Paz de Lima [Campina Grande] e Damásio Franca [João Pessoa] chegaram quase simultaneamente, professores, estudantes e o povo [...] . Foi o diretor da Escola, sr. Estácio Tavares, que iniciou os discursos [...]

No pátio, pelotões formados por alunas da Escola Normal executaram evoluções, oferecendo ao Governador um “corbeille” de flores e aos prefeitos presentes a bandeira de seus respectivos municípios. O Secretário da Educação, sr. Antônio Mariz demonstrou em seu discurso a importância da obra para a cultura campinense.

Um espetáculo pirotécnico que durante aproximadamente 20 minutos iluminou o habitual “fog” campinense, encerrou as festividades. (A UNIÃO, 1970, p.1, parênteses do original).

Não foi somente nos principais veículos de comunicação escritos da Paraíba que a festa de inauguração da milésima obra do governo foi noticiada e registrada. Ela foi também filmada por uma empresa cinematográfica: a Atlântida Empresa Cinematográfica do Brasil S.A., sediada no Rio de Janeiro. Essa informação foi prestada pelo professor Estácio Tavares Wanderley, então diretor da ENECG, ao jornal Diário da Borborema, em 18 de janeiro de 1970, na matéria intitulada “Atlântida filmará inauguração do Instituto de Educação: maio”. No trecho da reportagem que se segue, o diretor relata que:

a Atlântida Cinematográfica, companhia nacional de cinema filmará todos os atos inaugurais da instituição, [...] “sem qualquer ônus para o Estado da Paraíba, numa contribuição espontânea da cinematografia nacional na divulgação da obra do mais atuante chefe do executivo do nosso país (DIÁRIO DA BORBOREMA, 1970c, p. 1).

Em se tratando do prédio, os periódicos - Diário da Borborema e A União - divergem quanto ao estilo da construção, o qual é definido, pelo A União, como de “estilo arrojado e simples” (A UNIÃO, 1970, p.1) e, pelo Diário da Borborema, como “estilo medieval” (DIÁRIO DA BORBOREMA, 1970ª, p.8). Superada essa divergência, a leitura das informações trazidas nos dois veículos possibilita-nos uma descrição bem detalhada das novas instalações da ENECG: terreno com mais de 8.000m2 de área, dos quais 2.506 m2 ocupados pela área coberta e cerca de 6.200 m2, por um pátio com duas quadras de esporte.

A área coberta é formada por dois blocos, cada um com dois pavimentos, em um dos quais “será instalada a escola de formação de professôras e no [outro], a escola de aplicação às crianças de seis a doze anos” (DIÁRIO DA BORBOREMA, 1970a, p. 08). O primeiro bloco compreende 10 salas de aula, dependências administrativas, secretaria, salas de ciências e de trabalhos manuais, biblioteca, cantina, auditório, sala de reuniões de professores, grêmio e almoxarifado (A UNIÃO, 1970; DIÁRIO DA BORBOREMA, 1970a). Na fotografia que segue, temos uma visão da fachada do prédio da ENECG e seu estilo de construção.

Fonte: DB, 6 de maio de 1970; Ano XIII, N.4063

Foto 2: Fachada do prédio da ENECG 

Após a descrição da estrutura física, o Diário da Borborema, em coerência com sua perspectiva de abordagem, ressalta que “[a] ENE será a primeira no Nordeste a dispor de dois amplos conjuntos interligados para melhor formação e aproveitamento das futuras professôras” (DIÁRIO DA BORBOREMA, 1970a, p. 8).

Conforme pode ser observado, as matérias do jornal local, ao enaltecerem a festa de inauguração e a estrutura do prédio, objetivam, subliminarmente, fortalecer as imagens de Campina Grande como a cidade mais importante do interior do Nordeste, capital do trabalho e outros tantos epítetos que, segundo Gaudêncio (FECHINE, 2018), forjam a narrativa de grandeza da cidade, o denominado “campinismo”9.

Independente desse viés, a dimensão tomada pela solenidade de inauguração do prédio próprio da ENECG e o relevo a ela concedido pelos dois mais importantes jornais do estado da Paraíba, a nosso ver, constituem indícios do prestígio social dessa primeira instituição pública formadora de professoras primárias na cidade de Campina Grande, nos primeiros anos da década de 1970. Ademais, como apresentado anteriormente, o perfil do seu alunado ratifica o processo de feminização no magistério e indica ser uma instituição destinada a formar a juventude da elite campinense.

Considerações

Na história da educação pública de Campina Grande-PB, as décadas de 1950-1960 registram a criação de duas instituições de ensino secundário destinadas à juventude campinense e de cidades circunvizinhas: o Colégio Estadual da Prata (1953) e a Escola Normal Estadual de Campina Grande (1960). A instauração dessas Escolas vem atender aos anseios da população campinense por instituições oficiais públicas de ensino para o nível secundário e foi fruto de pressões de forças sociais e políticas campinenses. Tais reivindicações na área educacional coincidem com a ascensão da cidade de Campina Grande como importante polo econômico e cultural do interior do Nordeste.

Conquanto legitimadas, em sua criação, como expressões do atendimento governamental às demandas populares, as escolas estudadas voltaram-se, concretamente, ao ensino da elite campinense. Com efeito, em nossos achados, socializados neste artigo, foi possível reconhecer o prestígio e o papel social das duas instituições públicas em matérias jornalísticas veiculadas em importantes veículos da imprensa paraibana, a exemplo das solenidades de inauguração dos prédios, com estilos arquitetônicos modernos e da localização privilegiada, edificados em bairros próximos ao centro da cidade. Vemos aqui, indícios também da origem social dos alunos que frequentariam estas instituições.

Aspectos desses vestígios são ilustrados no perfil do alunado do Colégio Estadual da Prata quanto da Escola Normal Estadual de Campina Grande, nas suas primeiras décadas de funcionamento, identificados nas fontes documentais. Ambas instituições foram marcadas pela entrada de jovens (rapazes e moças) oriundos de família tradicionais da elite campinense e regiões circunvizinhas em seu quadro discente. No Estadual da Prata, registrou-se a matrícula de jovens, predominantemente do gênero masculino, admitidos por meio de aprovação no exame de admissão, que almejavam integrar a elite política e intelectual do município. Muitos dos seus egressos exerceram funções de prestígio, eram líderes políticos, médicos, advogados, professores universitários, etc., vistos como intelectuais renomados na sociedade local, estadual e nacional.

Na ENECG encontramos um alunado exclusivamente feminino constituído, principalmente, de moças (normalistas) que provinham de instituições particulares de Campina Grande e buscavam se instruir e seguir um curso profissionalizante para o magistério primário, fato que demonstra a elitização do curso. Para as mulheres, como afirma Almeida (2004), no momento histórico inicial, foi a única forma encontrada para se inserirem no campo profissional e a possibilidade de liberação econômica, mesmo que isso representasse a aceitação da profissão envolta na aura da maternagem e da missão. Diferentemente do Estadual da Prata, no período investigado, não encontramos nos documentos analisados referência a egressas da ENECG ocupando cargos de prestígio seja na própria instituição (diretor-secretário e bibliotecário-arquivista) ou em setores da sociedade campinense.

No exposto, é possível visualizar indícios da crença na destinação da mulher- mãe-professora para atuar no magistério, da desvalorização profissional e da hegemonia masculina ocupando cargos públicos da sociedade, aprofundando a diferença no segmento de gênero e sua ascensão social.

Por fim, consideramos que a trajetória aqui apresentada do segundo estabelecimento de educação secundária pública do estado, o Estadual da Prata, e da primeira instituição pública de formação de professoras de Campina Grande, a Escola Normal, ambas destinadas à formação da juventude, permite-nos identificar um traço comum, qual seja, a tensão entre elitização e democratização do ensino secundário nas décadas de 1950-1960. Mesmo com essa limitação, ressaltamos, como positiva, a criação dessas duas escolas que representam um marco na institucionalização do ensino secundário público no Agreste da Paraíba.

Referências

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1Assim considerado tendo em vista que, ainda no século XIX, são criados o Lyceu Paraibano (1836) e a Escola Normal da Parahyba do Norte (1884), na capital da província.

2Na perspectiva do Paradigma Indiciário apresentado por Ginzburg (1989), cuja característica parte de sinais, pistas, resquícios e da “[...] capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente [...]” (GINZBURG, 1989, p.152).

3Fundado em fevereiro de 1893, e também desempenhando, até 1940, o papel de Diário Oficial do Estado, o jornal A União ainda é editado na capital do estado da Paraíba (João Pessoa). O Diário da Borborema circulou de 2/10/1957 a 1º/02/2012.

4Na década de 1950, além do Estadual da Prata, são criadas as seguintes instituições de ensino, em Campina Grande: Escola Politécnica (1952) e Faculdade de Ciências Econômicas (1955), embriões da atual Universidade Federal de Campina Grande; Escola Técnica de Comércio de Campina Grande (1952); Faculdade Católica de Filosofia de Campina Grande (1954); Faculdade de Serviço Social de Campina Grande (1957).

5A Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-Lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946) define dois ciclos para o ensino normal: o de regentes de ensino primário, com duração de quatro anos, articulado com o ensino primário, e o de formação de professores primários, com três anos, articulado com o curso ginasial.

6Conforme a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942), primeiro ciclo desse nível de ensino.

7A segunda década de funcionamento da ENECG (1970-1980) é o período estudado pela pesquisa que ora desenvolvemos.

8Como é cognominado o prédio da ENECG, com o qual o governador João Agripino completou mil obras realizadas na sua gestão (31/01/1966 a 15/03/1971).

9Segundo Gaudêncio (FECHINE, 2018), a perda de vitalidade da economia campinense, nos anos 1960, propiciou a construção do conceito do “campinismo”, apropriado, por parte comemoração do centenário da cidade, em 1964. O termo traz a ideia da superioridade da cidade, “um certo bairrismo e até uma certa megalomania” (GAUDÊNCIO, apud FECHINE, 2018, p.1).

Recebido: 28 de Maio de 2021; Aceito: 09 de Setembro de 2021

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