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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub Sep 13, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-89 

Artigos

O reposicionamento político do Barão de Abiahy nos debates educacionais do fim do Império e início da República

El reposicionamiento político del Barão de Abiahy en los debates educativos del final del Imperio y comienzo de la República

Suenya do Nascimento Costa1 
http://orcid.org/0000-0002-0148-978X; lattes: 1514858267423866

Jean Carlo de Carvalho Costa2 
http://orcid.org/0000-0002-6930-8607; lattes: 7279526897191463

1Universidade Federal da Paraíba (Brasil). suenyacosta@outlook.com

2Universidade Federal da Paraíba (Brasil). jeanccosta@yahoo.com.br


Resumo

Este artigo demonstra como Silvino Elvídio Carneiro da Cunha - o barão do Abiahy, figura atuante da elite política na Paraíba e representante do partido conservador, permaneceu monarquista até as vésperas da proclamação republicana, aderindo ao novo regime estabelecido e ajustando seu discurso envolvendo as reformas educacionais para continuar em condições de controle político. Com a República, alguns sujeitos do final do século XIX reposicionaram suas ideias sobre elementos centrais da instrução. Estas discussões, como parte das concorrências políticas, encontravam-se, sobretudo, nos jornais e nos relatórios presidenciais. Percebe-se uma concepção adesista e liberal em vários momentos como: defesa da instrução para os ingênuos, ideário do Ensino Livre e criação de aulas noturnas para o público adulto trabalhador. Assim, constata-se o caráter adesista na atuação do barão de Abiahy, que representava a redefinição do jogo político em período caracterizado pela coexistência de posicionamentos diante do ordenamento educacional, político e social.

Palavras-chave: Debates educacionais; Adesismo; Cultura política

Resumen

Este artículo demuestra cómo Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, el barão de Abiahy, una figura activa de la élite política en Paraíba y representante del partido conservador, siguió siendo monárquico hasta la víspera de la proclamación republicana y tuvo que adherirse al nuevo régimen establecido, ajustando su discurso e ideas que implican reformas educativas para permanecer en condiciones de control político. Con la República, algunos sujetos de finales del siglo XIX reubicaron sus ideas sobre elementos centrales de la instrucción. Estas discusiones, como parte de las competencias políticas, se encontraron principalmente en periódicos e informes presidenciales. Se percibe una concepción adherente y liberal en varios momentos como: defensa de la instrucción para el ingenuo, ideal de educación gratuita y creación de clases nocturnas para el público adulto trabajador. De este modo, se verifica el carácter adherente en la actuación del barão de Abiahy, que representó la redefinición del juego político en un período caracterizado por la coexistencia de posiciones en relación con el orden educativo, político y social.

Palabras clave: Debates educativos; Adherencia; Cultura política

Abstract

This article demonstrates how Silvino Elvídio Carneiro da Cunha - the baron of Abiahy, an active figure of the political elite in Paraíba and representative of the conservative party, remained a monarchist until the eve of the republican proclamation and had to adhere to the new established regime, adjusting his speech involving educational reforms to remain in conditions of political control. With the Republic, some subjects from the late 19th century repositioned their ideas on central elements of instruction. These discussions, as part of the political competitions, were mainly found in newspapers and presidential reports. It is perceived an adherent and liberal conception in several moments as: defense of the instruction for the naive, ideal of Free Education and creation of night classes for the working adult public. Thus, the adherent character in the performance of the baron of Abiahy is verified, which represented the redefinition of the political game in a period characterized by the coexistence of positions in relation to the educational, political and social order.

Keywords: Educational debates; Adherence; Political culture

Introdução

No Brasil da segunda metade do século XIX um vasto cenário de alterações sociais, culturais, econômicas e políticas se alastravam por todo território nacional. O país adequava-se a uma demanda de “ideias novas”, nos termos de Sílvio Romero, que já havia sido repercutida na Europa e nos Estados Unidos e espalhavam-se para o restante do ocidente, chegando no Brasil Império.

Dentre essas mudanças destacam-se a expansão do liberalismo e do capitalismo que traziam consigo aspectos, considerados pelas elites políticas e intelectuais, modernizantes para o país, a saber, a troca da mão de obra escrava pela livre, o republicanismo, a urbanização, a expansão cafeeira, reformas educacionais, a ampliação de linhas férreas etc. Um conjunto de alterações sociais, culturais, econômicas e políticas que se alastravam por todo território nacional, cujo processo de alteração do regime foi marcado por um gradual desgaste da monarquia.

Em fins do Império e início da República era possível identificar dois grupos de pensamento sobre a nova forma de governo e as ideias que circulavam derivadas dessas transformações do final do oitocentos. No primeiro grupo identificam-se os chamados republicanos históricos, os quais ansiavam pela queda do regime monárquico e, ao instaurar o novo modelo político, esses sujeitos teriam voz e espaço no novo governo. O outro grupo, que nos interessa e nos debruçaremos nesse texto, remete aos adesistas, um grupo que permaneceu monarquista até as vésperas da proclamação republicana e que, ao aderir ao novo regime, tiveram que ajustar seu discurso e suas ideias para continuar no poder. Dessa forma, vislumbraram maiores opções políticas e estratégias para participar efetivamente do novo governo que se instaurava.

Diante do novo sistema de governo estabelecido a 15 de novembro de 1889, os atores políticos do final do século XIX que se viram, então, diante do novo regime constituído, tiveram um reposicionamento de suas ideias em torno de elementos centrais desse período e a instrução estava na pauta dessas discussões como parte das concorrências políticas, principalmente nas páginas dos periódicos, nos pronunciamentos parlamentares e relatórios de presidentes de província.

Assim, com o respaldo teórico metodológico da história intelectual entrelaçando com o campo da História da Educação, pretende-se nesse artigo, destacar a atuação de Silvino Elvídio Carneiro da Cunha - o barão de Abiahy1 - pertencente do partido Conservador e uma figura influente na província da Paraíba durante a segunda metade do XIX e primeiros anos da república. Analisando, assim, a partir de uma concepção adesista e liberal do ponto de vista de suas ideias em torno da instrução pública, o discurso e suas ideias envolvendo as reformas educacionais para continuar em condições de mando e controle político.

Dentre essas características, adesista e liberal, dos debates trazidos por Carneiro da Cunha, destacam-se vários momentos como na defesa da propagação da instrução para o povo, instrução para os ingênuos após a Lei do Ventre Livre, instrução destinada aos libertos após o fim da escravidão, o ideário do Ensino Livre, criação de aulas noturnas para o público adulto trabalhador. Essas e outras medidas defendidas por Carneiro da Cunha, eram consideradas à época primordiais para a inserção do Brasil na modernidade, nos moldes liberais e com vistas ao novo sistema de governo que se desenhava.

Breve trajetória e atuação do Barão de Abiahy

Nas últimas décadas, muitas produções acadêmicas têm enfatizado a relação entre o campo da História da Educação e alguns dos sujeitos partícipes da tensa transição do Império à República. A historiografia vem passando por significativas mudanças no constante movimento que é o lugar do sujeito na história.

Dessa forma, o campo da História Intelectual e da Nova História Política se inserem nessas mudanças. As análises destas correntes historiográficas se debruçam sobre os elementos que envolvem o posicionamento das ideias e das culturas políticas de determinados sujeitos situando-as em seu contexto (intelectual e histórico) de produção. Por muito tempo foram alvos de críticas que auxiliaram na renovação, e assim, mudanças no modo de sua abordagem contribuíram para uma nova maneira de enxergar determinados sujeitos dentro da historiografia.

É nesse contexto de mudanças na historiografia que História encontramos respaldo para situar o barão de Abiahy, o Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, entendendo seu contexto, sua trajetória e as ideias que permearam sua atuação política como um sujeito que proporcionou a circulação, a mediação e o debate em torno de ideias que atravessam o século XIX e adentram o XX. Sendo assim, a

investigação das estruturas elementares de sociabilidade desses sujeitos, ou seja, o que produziram, em que lugares trabalharam e publicaram os seus escritos, com quem dialogavam, o que liam, enfim, procurando apreender de que modo certos tipos de inserção (microclimas) possibilitam a ascensão e a queda de ideias produzidas por determinados conjuntos sociais e, por outro, de que forma esses indivíduos, partícipes de uma elite cultural, produziram e mediaram cultura em seus respectivos contextos. (COSTA, 2015, p. 89)

Helenice Rodrigues da Silva (2002) aponta uma possibilidade de biografias intelectuais em que é preciso que “a narração de uma vida seja circunscrita no interior de um espaço social preciso e/ou de um contexto histórico determinado”. (SILVA, 2002, p. 23). Para a autora, esse modo de narrar um sujeito, “evidencia a trajetória de um indivíduo, as relações que ele estabelece com seus pares, as visões de mundo, os esquemas de pensamento (ou o habitus) de um determinado meio intelectual, responsável pela configuração de uma trajetória[...]”. (SILVA, 2002, p. 23).

Portanto, vemos necessidade de situar esses sujeitos em contextos mais específicos, que nos façam compreender seus projetos, as suas práticas sociais, suas redes de pertencimento e seus lugares de enunciação.

Silvino Elvídio Carneiro da Cunha nasceu em 31 de agosto de 1831 e faleceu em 8 de abril de 1892. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco. Em 1868 assumiu o cargo de diretor de Instrução Pública do Lyceu Parahybano - instituição de ensino secundário que desempenhou um papel fundamental na formação da intelectualidade na província paraibana. (FERRONATO, 2012).

Pelo partido Conservador, fundado por sua família, elegeu-se deputado provincial para as legislaturas de 1856-1857 e de 1862. Foi presidente das províncias da Parahyba do Norte (1874 -1875), do Rio Grande do Norte (1870-1871), de Alagoas (1873) e do Maranhão (1873). Atuou como advogado, também foi inspetor da alfândega das províncias paraibanas, do Amazonas e do Maranhão. Além de Delegado de Polícia e promotor público.

Carneiro da Cunha formou-se em 1853 pela Faculdade de Direito de Olinda e nesse período as faculdades de direito eram pensadas como espaços de sociabilidade relevantes. A formação superior na área jurídica contribuiu para a elite intelectual do período, com a manutenção de um caráter ideológico homogêneo e um treinamento profissional que serviu, portanto, para a manutenção do Império. (CARVALHO, 2010).

Dentre os membros da família Carneiro da Cunha oriundos da Faculdade de Direito de Olinda, e, posteriormente, com a transferência desta para Recife em 1854, identificamos cerca de doze nomes de bacharéis. Vindo de uma família que, com sua influência política, atuou em diversos setores da província da Parahyba do Norte, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha se insere no rol da política local dominada por grupos familiares.

Confirmando, assim, as estratégias de união e de formação das redes familiares que se desenvolveram a partir do século XVIII, tornando-se mais comuns durante o século XIX, e atingindo seu ápice em fins do Oitocentos. Nesse sentido, as redes familiares se formaram e solidificaram seus laços na organização política local. (MARIANO, 2011).

A família Carneiro da Cunha dominava a política no litoral açucareiro desde o final do século XVIII, passando por todo o século XIX, sempre com algum integrante ocupando cargos de destaque na política e administração, seja no cenário local ou nacional. (MARIANO, 2011). Era, então, uma das famílias de liderança que se destacaram no Partido Conservador. Para Mariano (2011, 2015), esses grupos de parentesco vão sendo incorporados estruturalmente à política, e, é na atuação dessas elites nos cargos públicos que compreendemos melhor os partidos políticos no Império e especialmente nas províncias. Além de compreender, de maneira especial, o porquê de determinados posicionamentos e discursos a respeito de questões que envolviam os debates políticos do período.

Assim, a família Carneiro da Cunha teve atuação durante o império, sobretudo no que se refere à instrução pública na tentativa de suprir uma demanda educacional de determinados grupos oligárquicos na província paraibana, bem como subsidiar a sua própria formação e manutenção de privilégios junto as suas localidades. E foi tentando ganhar espaço também na república, como será abordado mais adiante.

Carneiro da Cunha foi um dos quatro barões da Paraíba. Estava inserido em um grupo restrito da elite paraibana formado por cinco homens que receberam títulos nobiliárquicos no transcorrer do Segundo Reinado (1840-1889).2 Conforme (SEAGAL, 2014), no curto período entre 1888 e 1889 foram concedidos 173 títulos de Barão. Os títulos de barão eram “tradicionalmente reservados para os grandes proprietários rurais, sobretudo para aqueles que se distinguiam por seu poder e riqueza, mas não por sua projeção na vida política, isto é, por seu pertencimento à elite política.” (CARVALHO, 2010, p. 258).

O elevado número de títulos concedidos em um curto espaço de tempo se explica pela intenção de sustentar a monarquia que se encontrava abalada pela mudança de regime que se vislumbrava. A concessão de títulos, sobretudo de barão, foi a forma encontrada pela Coroa para cooptar os proprietários de terra prezando por uma relação de interesses entre ambos, e, também, como compensação após as leis abolicionistas (Lei do Ventre Livre - 1871, Lei dos Sexagenários - 1885 e da Lei Áurea-1888), na tentativa de “devolver em símbolo de status o que retirava em interesse material”. (CARVALHO, 2010, p. 258).

Outras narrativas sobre a questão dos títulos de nobreza no Brasil podem ser encontradas em Sérgio Buarque de Holanda (1982) e Raymundo Faoro (2001), em obras clássicas dedicadas à política e à sociedade imperial. Para Holanda (1982) a concessão de títulos foi empregada para constituir um grupo de pessoas que apoiavam o imperador, além de aproximar a monarquia brasileira das monarquias europeias. Enquanto Faoro (2001), defendia a tese que o título nobiliárquico, mesmo não garantindo a formação de um estamento burocrático, estabelecia um vínculo entre a pessoa que recebia o título e o monarca. Configurando, assim, um caráter político, já que as concessões desses títulos asseguravam por parte do Imperador um certo controle sobre os titulados. (COSTA, 2017).

Segal (2014, p.45) identifica alguns critérios que fundamentam a distribuição diferenciada dos títulos nas províncias. Para a autora, eram consideradas a “força econômica e a representatividade política”. A província da Parahyba do Norte ocupava uma posição à frente de outras províncias da mesma região, como o Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará. (SEGAL, 2014). Dessa forma, as elites políticas regionais contribuíam com o projeto político nacional na construção do Estado. Esta relação entre centro e periferia era primordial para uma organização institucional garantindo a articulação de todo território nacional. Míriam Dolhnikoff afirma que

Tanto conservadores como liberais defendiam modelos cujas diferenças não impediam a existência de pontos comuns, entre eles a defesa de que o centro deveria estar aparelhado para promover a articulação do todo e, ao mesmo tempo, deveria conviver com a autonomia das partes, de forma que integrasse ao Estado os grupos nelas dominantes. O que consideravam ser imprescindível para a viabilização do próprio Estado. (DOLHNIKOFF, 2003, p. 433).

Nesse sentido, apesar de monarquista, o barão de Abiahy assumiu como vice-presidente o Governo do Estado, aderindo ao novo regime, a República. Com isso, diante do exposto até aqui, após situar o leitor sobre o sujeito em questão, compreende-se os posicionamentos a partir da descrição de biografia e trajetória. Fazer uso das filiações partidárias e dessa trajetória biográfica para analisar personagens da elite política imperial e compreender os posicionamentos desses sujeitos a partir dos partidos políticos pelos quais defendiam, ajuda a elucidar questões em relação às posturas adesistas e à temas centrais da formação do Estado como a instrução e o progresso. Temas que são encontrados no debate político envolvendo Carneiro da Cunha e que será melhor abordado nas próximas sessões desse texto.

Ideias, embates e adesismo em Silvino Elvídio Carneiro da Cunha

Na trajetória de nosso personagem, sua relação com espaços de socialização política se deu, por exemplo, de suas experiências vivenciadas em grupos e instituições, sua formação acadêmica na Faculdade de Direito de Recife, o contato com a política paraibana, a participação jornalística, dentre outros espaços. Para considerar a importância desses contatos, é preciso mencionar o que Serge Berstein constatou sobre os trabalhos de historiadores que se debruçaram na cultura política:

Por meio de seus estudos empíricos, eles constatam a existência, num dado momento da história, de vários sistemas de representações coerentes, rivais entre si, que determinam a visão que os homens que deles participam têm da sociedade, de sua organização, do lugar que aí eles ocupam, dos problemas de transmissão do poder, sistemas que motivam e explicam seus comportamentos políticos (BERSTEIN, 2009, p.32).

A atividade política constituiu as elites provinciais em elites políticas, isso tanto no âmbito provincial, quanto no governo central, como aponta Dolhnikoff (2003) no caso das elites paulistas. Para a autora, coube às elites provinciais o papel decisivo na construção do novo Estado e apesar de diferenças pessoais, esses sujeitos conseguiam manter uma coerência no pensamento político, que tinha como base o liberalismo. Uma das teses centrais de O pacto Imperial é a de que a consolidação da monarquia brasileira não abriu mão do poder e da autonomia das elites provinciais, mas foi na negociação da elite política imperial com as elites provinciais que a monarquia pôde firmar-se como modelo de governo da nação independente.

Na segunda metade do século XIX, sobretudo nas três últimas décadas do Império, o aumento das fileiras republicanas levou os líderes partidários e parlamentares à cogitarem sobre a necessidade de reformas. Foi no início do terceiro e último gabinete Zacarias, em 1867, que o problema da escravidão foi colocado pela primeira vez em uma Fala do Trono, o que causou bastante rebuliço. (SALLES, 2014).

Neste momento, o Brasil sentia todos os efeitos trazidos pela Guerra do Paraguai em curso. O abalo moral e político causado pelo papel decisivo desempenhado por negros e mestiços livres na vitória sobre o Paraguai abriu uma frente de disputa e negociação social entre os setores populares da sociedade, especialmente os escravos, e o Estado imperial e a classe senhorial dominante. Além de questões de cunho de relações internacionais no que diz respeito ao impacto da abolição da escravidão nos Estados Unidos e a pressão dos interesses ingleses.

A escravidão enquanto sustentação da ordem imperial era questionada, as reformas educacionais nos moldes liberais eram reivindicadas, redefinições político-partidárias aconteciam a todo momento, entre outras questões que efervesciam naquele período. Enfim, constituiu-se uma conjuntura delicada para a ordem imperial.

O fato era que a hegemonia saquarema estava em declínio. Havia uma ruptura no quadro de direção que os próprios conservadores consolidaram dentro da monarquia. Sobre isto, discorre Ângela Alonso:

O debate sobre a reforma da ordem sociopolítica colonial, assentada na escravidão e na monarquia, cindiu a elite política imperial. A ala favorável à modernização da economia e do sistema política queria mudanças lentas e graduais, no sentido da abolição da escravidão, da laicização do Estado e da democratização das instituições políticas, de modo a garantir a representação das minorias. Desse lado estavam membros moderados do Partido Conservador e a maior parte do Partido Liberal. Outros, sobretudo os conservadores “emperrados”, temiam que quaisquer reformas solapassem as instituições políticas e a hierarquia social. (ALONSO, 2014, p.89).

Tais disputas e negociações foram fincadas na esfera parlamentar e no próprio sistema político do Império e as demandas reformistas das décadas de 1870 e 1880 seguiam um rumo direcionado para a mudança do regime de trabalho. Parlamentares de diversas províncias apresentaram projetos para a Câmara dos deputados defendendo a causa abolicionista, libertação de nascituros, a proibição de separar cônjuges escravos, dentre inúmeros outros projetos que não obtiveram êxito nas votações das seções da Câmara. (SALLES, 2014).

O Ministro de Império, do gabinete conservador, Visconde do Rio Branco, reconheceu que, apesar da situação internacional ter tornado a escravidão insustentável, a abolição atingiria a estrutura da economia e todas as instituições do país. Tais propostas, salientando que partia de um governo conservador, ao mesmo tempo em que enfraquecia os liberais, também afetou os conservadores, ocasionando a divisão entre eles.

A lei do Ventre Livre de 1871, por exemplo, de atuação reformista, ainda mais em assunto ligado às elites agrárias conservadoras, levou à progressiva perda de legitimidade política, contribuindo ainda mais para a fissura dos partidos, iniciada na década de 1860. Para alguns, a referida lei foi um reflexo do caráter abolicionista do reinado de Dom Pedro II. Já para outros, foi uma forma encontrada pelo Império para agradar os abolicionistas e garantir segurança aos proprietários de escravos por pelo menos uma geração. (COSTA, 2017).

Naquele momento, os conservadores, na resistência às práticas reformistas que assumiam certos gabinetes, entraram em descordo. Os liberais também ficavam enfraquecidos, uma vez que suas bandeiras de luta acabaram sendo esvaziadas ao serem debatidas e aprovadas em gabinete do partido rival. Como bem resumiu Joaquim Nabuco a respeito da rivalidade e do clima que se formou entre (e nos) partidos com a metáfora de que aos conservadores cabia o papel “de incubar no poder os ovos, que são as reformas, depositadas em seu ninho pelo Partido Liberal”. (NABUCO, 1884, p. 39).

A aproximação entre republicanos e monarquistas, que acontecia em vária outras províncias teve “[...] um papel estratégico na implantação da ordem republicana” (FERREIRA, 1989, p. 52). Os últimos anos do Império e primeiros anos da República assinalava um período de acirrada disputa entre grupos concorrentes que buscavam a hegemonia na condução do processo político brasileiro. É nesse contexto que Marta Lúcia Lopes Fittipaldi (2017), mostra “o largo uso dos termos “adesistas” e “históricos” nas páginas dos periódicos e nos pronunciamentos parlamentares como parte das ocorrências políticas em torno de projetos republicanos distintos.” (FITTIPALDI, 2017, p. 41).

Nos primeiros dias da República foram tempos marcados por intensa disputa política. “Tal disputa, ao contrário do que se poderia esperar, não resultou de um confronto entre partidários de projetos conflitantes ou de rivalidades políticas datadas do regime deposto” (FERREIRA, 1989, p. 43). A autora também aponta para os discursos parlamentares inclusive de Rui Barbosa, então senador da República, em 1897, que “rebatia as criticas que recebia pela sua posição contrária à repressão a Canudos, apropriando-se dos termos “adesistas” e “históricos” que anos antes começaram a ser utilizados”. (FITTIPALDI, 2017, p. 44. Aspas do original).

No caso do Rio de Janeiro, Marieta Ferreira (1989) demonstra que mesmo contando com certo crescimento dos republicanos, eles não dispunham de uma estrutura partidária para a instauração da nova ordem em terras fluminenses: “Na busca do controle político do estado iriam suceder-se disputas e alianças entre antigos monarquistas, republicanos históricos, e adesistas do 13 de maio e do 15 de novembro.” (FERREIRA, 1989, p. 46).

Já no caso da província paraibana, vemos ações nesse sentido proposto pelas autoras acima mencionadas em relação ao nosso personagem, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha - o Barão de Abiahy, visto que em diversas ocasiões, ele apreendeu as interações com diferentes grupos que manifestam práticas e representações divergentes ou não e que pôde fornecer elementos para a compreensão de sua atuação política. Considerando, assim, que a aquisição de uma cultura política é feita através de uma escolha, e que “pô-la em prática com um dado facto implica análise ou, pelo menos, a adesão a uma análise proposta e que, se o compromisso é um acto do ser profundo, ele não é nem impulsivo, nem irreflectido” (BERSTEIN, 1998, p. 360 - 361).

Diante do exposto, após essa breve explanação do que seria considerado adesismo político no final do XIX e início do XX pela historiografia, é possível compreender os tentames que o barão de Abiahy mobilizou para ajustar suas ações diante daquela conjuntura que culminou com o fim da Monarquia e início de uma nova ordem.

Comecemos pela relação feita por nosso sujeito, então presidente da província alagoana, sobre a instrução pública através de aula noturna destinada aos ingênuos após a promulgação da Lei do Ventre Livre na província de Alagoas. Percebe-se o caráter adesista em seu pensamento educacional, pois se adequou ao discurso dos grupos liberais a favor da emancipação dos escravos defendendo uma escolarização para os filhos dos escravizados. Para ele,

As aulas nocturnas por toda parte têm produzido tão benéficos resultados, que dispenso-me d’encarecer-vos tão importante melhoramento. Ellas têm até sido inauguradas com enthusiasmo. Com efeito, esta generosa idéa virá preencher uma grande lacuna no ensino primário, e principalmente depois da reforma do estado servil. (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p. 23).

Na citação observa-se que a educação noturna não era tida como um direito, mas um favor ou ato de caridade dos seus idealizadores. Naquela ocasião haveria uma demanda de libertos sem instrução e as aulas noturnas entrariam como alternativa para essa parcela da população associada ao processo de civilização dessas pessoas. Carneiro da Cunha afirmou que os órgãos de imprensa divulgaram essas notícias a fim de propagar suas ações diante da Lei do Ventre Livre:

Tenho a satisfação de communicar-vos (e será esta a chave do presente artigo) que a provincia de Alagôas, acompanhando o sentimento geral do paiz acerca da civilisadora lei da emancipação do estado servil, manifestou-se pelos órgãos da imprensa, por algumas de suas primeiras corporações, e diversos funccionarios públicos, de modo superior a todo elogio. (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p.7).

Uma leitura pouco profunda da citação, poderia levar-nos a ponderar que a postura de Carneiro da Cunha era de defesa ao fim da escravidão e que estava preocupado com o que seria dos filhos dessa população e. por isso. pensou uma proposta de instrução a partir de aulas noturnas e construção de uma escola destinada à formação de primeiras letras para os ingênuos, os filhos dos escravizados beneficiados com a Lei do Ventre Livre.

Contudo, se tomarmos essa citação como reflexo das ideias sobre a escravidão e seu fim que circulava, entre a elite conservadora ou entre as pessoas que integravam em grupos de movimento abolicionistas, poderíamos imaginar que, parte da elite paraibana possuíam um ideário emancipacionista. Afinal, muitos senhores alforriaram seus escravos e os jornais noticiaram citando nomes tanto dos senhores quanto dos escravizados. (SILVA, 2016).

O que vemos, na realidade, é a postura de Carneiro da Cunha que corroborou o paradoxo da sociedade escravista do século XIX, no qual esbarrava na relação entre o fim da escravidão e as razões morais, religiosas e humanitárias, como podemos perceber na citação a seguir:

A lei n. 2.040 de 28 de Setembro do anno próximo passado, satisfazendo á uma das vivas e ardentes aspirações do paiz, já em relação aos sentimentos elevados e generosos dos brasileiros, e já em relação ao espirito do século, que não tolera a perpetuidade da escravidão á par do christianismo, vein pôr em contribuição a prudencia e sabedoria do governo, a abnegação e patriotismo do paiz. A prudencia e sabedoria do governo; porque é preciso não despertar de qualquer modo da parte dos escravos outros sentimentos, que não sejam de muito amor e de muita obediência á seus senhores. A abnegação e patriotismo do paiz; porque é preciso que de qualquer modo não seja perturbada a obra muito gloriosa da regeneração social, embaraçando-se os seus benéficos effeitos. Sendo a idéa capital desta lei a emancipação do ventre, as vistas do governo e do paiz devem volver-se para a geração nascente, preparando-lhe estabelecimentos d’educação. (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p.5).

Como podemos observar na citação acima é nítido o apelo religioso na crítica à escravidão e de fato houve libertações coletivas e individuais, sobretudo na década de 1880, sendo estes atos sempre noticiados nos periódicos, tanto liberais quanto conservadores. (SILVA, 2016).

No caso da província da Parahyba do Norte pudemos constatar nos jornais felicitações aos senhores que concediam cartas de alforria aos seus escravizados. Em fevereiro de 1885, o então presidente da província, Antônio Sabino do Monte, visitou à Vila de Independência, atual cidade de Guarabira e os jornais relataram muitos senhores que, naquela ocasião da visita do presidente, concederam cartas de alforria. Entre eles é citado Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, que tinha se comprometido de também alforriar uma escrava:

O nosso ilustre correligionário abolicionista e estimável amigo Dr. Amaro Beltrão, para solenizar a visita do Exm. Sr. Dr. Monte concedeu carta de liberdade sem ônus algum, a três de seus melhores escravos, passando incontinente as notas do tabelião público aquele humanitário ato. O digno juiz de direito da comarca Manoel da Fonseca, inspirado nos sentimentos filantrópicos de seu belo caráter de abolicionista, libertou dez de seus escravos com isenção de condições cujas cartas tomou em notas o tabelião. O sr. Tenente coronel José Maria da Cruz Marques, libertou também nessa ocasião dois escravos sem condição alguma apenas guiado pela nobreza d’alma que possue. O sr. Capitão Manoel Laurentino Pereira de Lyra em ato contínuo, manumitiu nas mesmas condições dois escravos João e Marcolino. O exm. Sr. Comendador Silvino Elvidio Carneiro da Cunha imitando aqueles cavalheiros comprometeu-se solenemente a libertar logo que chegasse a capital sua escrava Januária (DIÁRIO DA PARAHYBA, 1885).

Observamos nesse trecho do periódico que lideranças políticas e militares concederam as alforrias aos seus escravizados, certamente, isso ocorreu em meio a uma cerimônia política para recepcionar o então presidente Antônio Monte. Entre as pessoas que concederam as cartas de alforria havia Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, que tinha se comprometido de também alforriar uma escrava. Inferimos, com isso, os interesses políticos por trás dos atos tidos como filantrópicos e humanitários recorrentes naquele período, já mencionados anteriormente.

Segundo o censo de 1872, um dado importante a destacar é que havia 61 pessoas escravizadas que sabiam ler, esse número é pequeno em relação ao total da população escravizada da província, mas o número de pessoas livres que sabiam ler era bem reduzido. Esses dados sobre a instrução nos ajudam a imaginar a atuação de pessoas escravizadas e alfabetizadas em uma sociedade analfabeta e escravagista. (SILVA, 2016).

Portanto, podemos entender esses dados como um indicativo de que pessoas escravizadas construíam estratégias para sua alfabetização, apesar de leis que proibiam a escolarização dessas pessoas. Pelo menos, no que se refere à instrução dos filhos desses escravizados, podemos inferir que locais como os que fora pensado por Carneiro da Cunha para educação dos libertos do Ventre Livre, seriam uma das estratégias utilizadas para a instrução dessa população.

Compenetrado deste elevado pensamento, e interpretando fielmente as vistas magnanimas do Governo Imperial, tomei a resolução de reunir no dia 2 de Dezembro proximo findo neste paço o maior numero de cidadãos de todas as opiniões politicas, afim de, entre outros nobres commettimentos, desperta-los no da construção de asylos apropriados á criação e educação dos libertos da nova lei. Para isto nomeei uma comissão de cinco membros em cada comarca, encarregada de organisar a respectiva associação, que deverá conter um duplo fim: Emancipação dos escravos, criação e educação dos libertos. (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p.5).

A respeito do posicionamento a favor da emancipação e o fim do trabalho escravo é interessante analisarmos considerando que Carneiro da Cunha era um monarquista e representante do partido conservador. Observamos que ele tinha um projeto para a província de Alagoas voltado para instrução e emancipação para os ingênuos. Este projeto pretendia a construção de um espaço próprio para instrução e contou com uma comissão composta por cinco membros de cada comarca alagoana para efetivar a criação destes locais que iriam servir para educar as crianças nascidas livres.

Carneiro da Cunha segue o relatório citando os nomes dos responsáveis pela organização dessa associação que deveria reunir-se para planejar a criação dos estabelecimentos. Contando com o apoio do Governo Imperial, Carneiro da Cunha apela para a Assembleia Provincial a fim de conseguir recursos financeiros para prosseguir com seu projeto:

Conquanto o Governo Imperial esteja prompto á prestar o máximo auxilio á associações desta ordem, parece-me que a Assembléa Provincial não póde ser indiferente á semelhante movimento. Assim, pois, espero e conto que esta corporação, dando mais uma prova de seu patriotismo e dedicação pela causa publica, autorisará a presidencia á despender até a quantia de 20:000$000 rs. com a emancipação e construção d’asylos para a criação e educação dos libertos pela nova lei. (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p.7. Grifos nossos.).

Diante de um contexto de gradual extinção da escravidão, bem como de inserção do Estado nas relações de trabalho, a preocupação passou a ser a substituição do trabalho escravo para o livre e manutenção de braços para a lavoura. E essa apreensão também passava na ordem do dia do presidente Carneiro da Cunha, para ele, a lei abolicionista do Ventre Livre

trouxe, senão no presente, ao menos em um futuro, que não está muito distante, a necessidade imperiosa de braços, que substituam os dos libertos pela lei e pelas repetidas e multiplicadas liberalidades, que dia á dia se reproduzem por todo paiz, servindo até de realce obrigado em todas as festas publicas e domesticas. E’ precido, pois, que sem perda de tempo encaminhemos para o nosso paiz a colonização. (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p.7. Grifos nossos).

Ao considerar a necessidade de troca da mão de obra escrava para a livre, Carneiro da Cunha propôs uma comissão que ficasse responsável de obter trabalhadores livres através da colonização para garantir o funcionamento das lavouras e funcionários para os agricultores que perderiam seus escravos.

Compenetrado desta necessidade, sentida por todos, e especialmente pelo governo Imperial, que não poupa esforços, afim de satisfazer semelhante exigencia d’actualidade, na reunião do dia 2 de Dezembro nomeei uma comissão, composta dos disticntos cidadãos commendador Manoel Sobral Pinto, commendador Joaquim Serapião de Carvalho, Commendador Rodrigo Antonio Brasileiro Maceió, e commerciantes Manoel de Vasconcellos e Manoel Joaquim da Silva Leão, afim de organisar uma associação ou companhia de colonisação, pela qual possam os agricultores da provincia obter os braços livres, de que precisarem, mediante condições estabelecidas, em vista d’estatutos approvados pelo Governo. (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p.7. Grifos nossos).

Contando mais uma vez com o auxílio do Governo Imperial, coube à Assembleia Legislativa dispor da quantia de quantia de 10:000$000 (dez contos de réis) para os custos necessários para essa comissão e, deste modo, a assembleia daria “uma prova evidente de seu interesse pela realização deste importante benefício à agricultura da província, que tanto precisa da proteção dos cofres públicos.” (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p.7).

Considerando a conjuntura da sociedade e a defesa de Silvino Elvídio Carneiro da Cunha por uma instrução destinada aos filhos dos escravizados, a importância das aulas noturnas nesse contexto se insere como uma alternativa de instrução para camadas da população que se encontravam a margem do ideal educacional e de civilização almejados nesse período do século XIX, no caso alagoano pensando os ingênuos, após a lei do ventre livre, e, no caso paraibano, aos pobres livres.

O gabinete Rio Branco efetuou muitas outras reformas além da Lei do Ventre Livre, tais como: reforma judiciária, que ampliou o habeas corpus e regulamentou a prisão preventiva; reforma do código comercial e reforma educacional, introdução do sistema métrico que padronizou pesos e medidas3; modernização da infraestrutura do país, com expansão da rede ferroviária; essas duas últimas teve participação efetiva do Carneiro da Cunha, na década de 1870 enquanto presidiu a província da Paraíba.

Sobre a padronização dos pesos e medidas, coube a ele implementar na província e disso originou o Movimento de Quebra Quilos contra a implementação do decreto imperial. Foi durante o governo de Silvino Elvídio Carneiro da Cunha na presidência da Província da Parahyba do Norte (1874 - 1876) que a revolta dos quebra-quilos deflagrou. Nesse contexto, a atuação de Carneiro da Cunha diante dessas revoltas nos fornece subsídios para entender melhor a postura desse sujeito frente a esses movimentos populares.

Em relatório enviado à Assembleia Legislativa, Carneiro da Cunha afirma seu interesse em punir com “a mais severa punição das autoridades superiores, hei de manter o máximo rigor em sua repressão.” (PARAHYBA DO NORTE, Província da, Relatório, 1874, p. 11).

Obrigou-me a outra linha de conducta, mantendo a máxima severidade neste serviço; visto como a falta de trabalho e ocupação honesta é que a população ignara procura atentar contra aquelles tão apreciáveis direitos na sociedade. (PARAHYBA DO NORTE, Província da, Relatório, 1874, p.11).

A imprensa noticiava os acontecimentos do movimento, sobretudo os jornais O Despertador e A Província - ambos de cunho liberal e conhecidos por posturas de embates e de fartos comentários políticos contra o Jornal da Parahyba, órgão do partido conservador, cujo fundador/diretor chefe era Carneiro da Cunha. Em suas páginas, os periódicos não poupavam críticas às condutas do presidente paraibano:

Não afirmava e ainda não afirma o governo, que tem o decidido apoio da Nação? Pois já chegou a vez de se confessarem fracos e repelidos pelo povo. É pena que só tão tarde o Sr. Silvino se reconhecesse nulidade, sem meios para perseguir as vítimas dos impostos criados por ele, e mais por esse governo patoteiro, que flagela o país para gozar de abundancia, dos confortos, do luxo e de todos os meios de corrupção. [...] Impotentes, fracos e repelidos pela opinião pública tremem nos seus covis, e pedem tropa, mais tropa - único recurso dos déspotas. (A PROVÍNCIA, 1874).

O trecho acima transcrito de uma notícia publicada no jornal de oposição A Província mostra seu posicionamento a respeito do modo por meio do qual Carneiro da Cunha conduziu a revolta dos Quebra - Quilos. No impresso, apresentam o presidente paraibano como um “fraco” que se esconde da opinião pública e como um “déspota” por ter enviado tropas contra os manifestantes, tendo agido de forma violenta para conter a revolta. Constatamos, portanto, que a atuação de Carneiro da Cunha nesse momento, reflete a postura de um político do partido conservador preocupado em manter a ordem e o controle social.

No âmbito das reformas educacionais, destacamos o Ensino Livre como objeto de grandes debates e discussões das elites políticas e intelectuais da segunda metade do século XIX. Conforme afirma Costa (2015):

Essa profícua abordagem de pensar a escola moderna como momento de instituição de uma nova forma de sociabilidade entre os indivíduos sugere a necessidade de tratar de forma interdependente esses elementos, a produção intelectual dos atores que nesse período transitam - e aqui situamos jornalistas, escritores, políticos etc. - e a própria formação do Estado- nação no Brasil. (COSTA, 2015, p. 90).

Instituída em 1879 por decreto pelo então ministro Leôncio de Carvalho, essa reforma educacional continha vinte e nove artigos, e, dentre suas determinações, definia a instrução primária como um ensino obrigatório e livre. Cinco anos antes da promulgação do decreto, Carneiro da Cunha expôs seu posicionamento contrário e um argumento que embasado na fragilidade que, para ele, o ensino livre apresentava:

Reconheço que nos primeiros dias de nossa existência política seria um erro, até um perigo, o ensino livre, quando os princípios de ordem e liberdade, o amor ao trabalho, e o incentivo pelos grandes commettimentos não se achavam ainda bem radicados no espirito público, podendo ser facilmente abalado pelas falsas e perigosas douctrinas. PARAHYBA DO NORTE, Província da, Relatório, 1874, p.27. Grifos nossos).

A questão referente ao ensino livre não foi, de todo modo, aceita pelo presidente em seu início. Sua postura contra esta reforma pôde ser identificada também quando presidiu outras províncias. Em relatório para a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, em 5 de Outubro de 1970, Carneiro da Cunha demonstrou sua posição contrária a liberdade de ensino naquela província. Vejamos:

Dever-se-há estabelecer a liberdade do ensino? É minha opinião, que em nosso paiz actualmente não é conveniente, ou antes é ella susceptível de perigos sociaes. Conquanto, saiba que o coração do menino se forma primeiramente no seio da família, dos conselhos, dos exemplos, das virtudes de seus pais, força é confessar que ou pela fraqueza da infância, ou pela força do ensino, póde modificar-se, senão degenerar. (RIO GRANDE DO NORTE, Província do. Relatório, 1870, p. 28. Grifos nossos).

Vemos, portanto, que sua preocupação naquele momento estava relacionada com o modo por meio do qual esse ensino livre transmitiria doutrinas que seriam maléficas para a construção de um modelo de sociedade. Além disso, o Estado não apresentava as devidas condições de sustentar tal modo de ensino, visto que, se exigia dele uma prática de liberdade num país marcado pela centralização, estrutura senhorial, escravidão e patriarcalismo que impediam a implementação de uma ordem liberal.

Ou seja, de início, para Carneiro da Cunha, a fragilidade que o ensino livre apresentava para o país era um problema visto que,

As ideias subversivas, falsas, inexactas acerca dos verdadeiros princípios sociaes; incutidas inepta ou malevolamente no animo do menino em tao tenra idade poderão ser das mais fataes consequências, senão o germen do mal incutido em seu animo desprevenido. Encaremos ainda esta questão por outro lado. O que é actualmente em nosso paiz a iniciativa individual? Infelizmente nada! Seja pela nossa infância social, seja pela falta de opinião, de recursos, de hábitos, de costumes, de longa e experimentada pratica do regimen de liberdade, o que é verdade, e não póde ser contestado com vantagem, é que entre nós tudo espera-se do governo e pelo governo. A iniciativa individual é nulla e de nenhum resultado: O próprio espirito de associação, que se origina muitas de um interesse imediato e material, é ainda tão fraco, que mesmo se pode reputar nullo. (RIO GRANDE DO NORTE, Província do. Relatório, 1870, p. 28. Grifos nossos).

Podemos, assim, observar elementos que perpassam inúmeras discussões relativas ao papel do indivíduo e a sua relação com as estruturas sociais em um universo no qual o Estado, de fato, sobrepõe-se ao sujeito e esse sempre espera do próprio Estado respostas sobre como se deve viver. Com isso, se por um lado o Ensino Livre carregava as ideias do liberalismo no que diz respeito a ação individual e que para se tornar determinante é preciso que exista a liberdade dessa ação, por outro lado, na fala de Carneiro da Cunha, é perceptível naquele momento o posicionamento conservador, cuja visão do ser humano e da condição do indivíduo é relativamente pessimista. (PEIXOTO, 2013)

O que chama a atenção é o fato da mudança de posicionamento de ideias que Carneiro da Cunha teve poucos anos depois sobre o Ensino Livre, o que faz com que sua mudança de opinião o insira nas fileiras de sujeitos adesistas do período. Alguns anos depois, em 1874, Carneiro da Cunha mudou o discurso acerca do ensino livre passando a ser amplamente defendido:

Hoje, porém, que todos os partidos, todas as opiniões disputam entre si a primazia no amor por estes bons princípios, hoje que todos, sem excepção de classes e condições, procuram illustrar-se para melhor servirem à causa publica: será um grande erro não deixar largar ás nossas aspirações. Quem souber ensinar que ensine; quem quiser aprender que procure o seu melhor preceptor. O Governo dê a instrucção pública, á que é obrigado: mas aprenda cada um onde quiser, e com quem julgar mais apto. O correctivo do mau professor estará no abandono dos discípulos. (PARAHYBA DO NORTE, Província da, Relatório, 1874, p.27. Grifos nossos).

Essa mudança de opinião de Carneiro da Cunha pode ser compreendida pelo fato de que o dever de ofertar o ensino e de frequentá-lo são transferidos para a sociedade, a iniciativa educacional não é mais do Estado, o que torna um discurso característico dos grupos liberais do século XIX e não do partido conservador de Carneiro da Cunha. O ensino livre, seria, deste modo, a expressão ideológica de um liberalismo formal nas elites intelectuais e políticas daquele período, destacando-se alguns posicionamentos de sujeitos como Liberato Barroso, Tavares Bastos e Rui Barbosa, defensores de uma reforma para a instrução que nela perpassasse o Ensino Livre.

Liberato Barroso que foi ministro do Império (1864) e deputado geral (1864 e 1878) defendia a instrução gratuita para todos os cidadãos, o ensino obrigatório, livre e descentralizado, onde fosse possível para as câmaras municipais criarem e fiscalizarem cadeiras. Ele defendia que:

O ensino obrigatório sem a liberdade de ensino é o pior de todos os despotismos, porque é o despotismo sobre a inteligência; mas a liberdade do ensino sem o ensino obrigatório é a liberdade da ignorância e das trevas, a base mais forte do despotismo. (BARROSO, 1867, p. 7).

O posicionamento de Liberato Barroso encontra o ponto central do argumento liberal de que o indivíduo determina suas ações, mas para que isso de fato ocorra é preciso que este individuo seja livre, ou seja, o fator determinante da ação humana se desenvolve quando o indivíduo é livre para decidir seu caminho. (PEIXOTO, 2013). Assim, para Liberato Barroso, o Governo Imperial havia “cometido em matéria de ensino primário um erro duplo. O Estado, cuidando pouco de generalizar e derramar o ensino, cria ao mesmo tempo embaraços à iniciativa individual e à liberdade” (BARROSO, 1867, p. 10.).

Tavares Bastos (1839 - 1875) no livro A Província, define seu projeto de monarquia federalista para o país. O intelectual alagoano defendia a autonomia das províncias e uma instrução que fosse gratuita, pública e livre. Ou seja, em Tavares Bastos, “o tema da liberdade do ensino é defendido sob a denúncia de ser arbitrária qualquer manifestação contrária; isso porque, do seu ponto de vista, é a mais liberal das profissões” (COSTA, 2015, p.99).

Rui Barbosa (1849 - 1923) também defendia o ensino livre alegando que o monopólio exercido pelo Estado era algo danoso (STEPHANOU & BASTOS, 2004). Para ele, o Estado deveria manter as escolas para que houvesse liberdade para todas as crenças, concebendo que o ensino oficial não deveria atrapalhar o ensino livre.

Segundo Maria Cristina Gomes Machado (2010), a liberdade de ensino foi postulada como forma de incentivar a criação de estabelecimentos de ensino e, com, isso, estimulava a livre concorrência em proveito dos alunos e da sociedade, impelindo os professores a se dedicarem em suas competências docentes, como de fato percebemos na fala de Carneiro da Cunha, quando este se referiu ao “corretivo do mal professor”.

Na província de Alagoas, Carneiro da Cunha presidiu de fevereiro à dezembro de 1872. Em seus relatórios enfatiza a defesa destas reformas na instrução afirmando que

sobreleva, antes de tudo, a magna e sempre importante questão do ensino livre e ensino obrigatório. Parece que em um paiz de governo liberal, como o nosso, livre deveria ser o ensino.” (PROVÍNCIA DAS ALAGOAS, Relatório, 1872, p. 21).

Já enquanto presidente da província do Rio Grande do Norte, ressaltou: “Será permissível que em um paiz livre, como este Imperio, não seja livre a instrucção? Eis a pergunta, que se me poderá fazer. Responderei - Sim. (RIO GRANDE DO NORTE, Província do. Relatório, 1870, p. 29).”

Assim, observamos que dois princípios norteiam o Decreto Leôncio de Carvalho são o da liberdade de ensino e o da liberdade de consciência, sendo assim, concordamos com Machado (2010) ao inferir que tal medida, formalizada em forma de decreto, poderia ter vários significados como por exemplo os de

liberdade de abrir escolas, como liberdade de pensamento ou ainda como não interferência do Estado em matéria educacional. Em outro plano, também poderia ser entendida como a defesa dos princípios liberais nos negócios brasileiros, caracterizados por uma política ainda conservadora, e a preparação para uma nova sociedade assentada sobre a liberdade individual, na medida em que a escravidão estava as vias de extinção.” (MACHADO, 2010, p. 95).

Logo, a defesa do ensino livre trouxe consigo a ideia de que os ‘conhecimentos úteis formariam o cidadão útil’ sobretudo para o trabalho e educado moralmente. Ou seja, com um programa de ensino que estivesse direcionado às necessidades brasileiras e à preparação de uma nação que se encaminhava para nova forma de governo e de trabalho, rumo a um projeto de civilidade. (COSTA, 2015).

Com a abolição da escravidão, os jornais paraibanos noticiaram como a promulgação da lei áurea repercutiu pelas vilas e cidades levando a população às ruas para celebrar. Em matéria intitulada “As festas da liberdade”, o periódico Arauto Parahybano, publicou em 20 de maio de 1888:

Grande massa popular estava em frente à typografia da “Gazeta” quando chegou a tribuna o dr. Bernardino que, com sua palavra fácil e poderosa, falou em nome da mesma folha[...] dahi seguiu a passeata para o palácio d apresidencia, onde o comendador Silvino, em nome do sr. Presidente que não se fazia aparecer por guardar o leito a sua consorte, brindou ao Brazil livre e ao parlamaneto brasileiro. [...] (ARAUTO PARAHYBANO, 1888)

Carneiro da Cunha (que meses mais tarde receberia o título de Barão de Abiahy), enquanto 1º vice-presidente da província, substituiu a presença do próprio presidente de província, o que ressalta os mecanismos de estratégias utilizadas para sempre estar nos holofotes da vida pública, manter sua influência e poder. O jornal relatou as festas de abolição na capital paraibana que se prolongou por vários dias:

Para o dia seguinte (2ª feira) fora convidado por boletins o publico parahybano para a festa promovida pela redação do Despertador. A copiosa chuva que cahio no correr do dia mencionado, não permitiu o sahimento da passeata realisando-se porém no dia imediato (3ª feira). O comendador Silvino, em seu palacete, tratando igualmente da grande questão, disse que ella não era de nenhum dos partidos políticos, e lembrou o Visconde de rio Branco e conselheiro Dantas, Saraiva e João Alfredo, cooperadores fortes da realização da questão do elemento servil. (ARAUTO PARAHYBANO, 1888).

Percebe-se, assim, que o controle político acabou refletindo, nesse sentido, nas honras que o poder imperial, reconhecendo a predomínio sobre a província, concedeu e reforçou tal poderio ao mesmo tempo legitimou a própria monarquia, reforçando suas instituições, sujeitos, valores e revigorando o seu discurso.

Com a chegada de República, Carneiro da Cunha, já como barão de Abiahy, viu-se em meio a reorganização das forças políticas e partidárias e dessa forma observava um meio de emergir ao novo regime. Em um esforço de legitimação ou desqualificação dos opositores ou colaboradores dos vários projetos republicanos, integrantes ou não do novo sistema governamental tentou figurar-se nesse movimento.

É interessante apontar, ainda que de forma breve, a tentativa do barão de Abiahy permanecer no poder e como nos jornais ele continuou sendo o centro das discussões políticas no início do novo regime.

Segundo Gomes (2017), eram bastante conhecidas as relações particulares e partidárias entre o novo representante da república, o governador Venâncio Neiva, e o chefe do Partido Conservador do antigo regime monárquico, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha - o barão de Abiahy. O governador Venâncio Neiva não era muito conhecido na Paraíba e se tornou um político recrutado no meio da antiga ordem dominante do Partido Conservador na Paraíba.

Gomes (2017) aponta que Venâncio tentou fazer um governo de coalisão, na tentativa de harmonizar os grupos divergentes. Para o historiador, a postura de Venâncio Neiva desagradou a muitos correligionários e a situação agravou-se ainda mais quando o governador tentou uma aproximação com os partidários conservadores, principalmente com o barão de Abiahy. Com isso, acentuou-se uma forte oposição aos adesistas, principalmente contra os monarquistas. Para muitos, “o barão não ocultava os seus sentimentos de monarquista, conservava as hostes do império” (GOMES, 2017, p.2).

Linda Lewin (1993, p. 208) afirma que Venâncio Neiva era um ‘Conservador Silvinista’- remetendo à Silvino Carneiro da Cunha, o barão de Abiahy - um membro da corrente daquele partido e leal ao barão de Abiahy. O governo deparou-se diante da tarefa de legitimar-se, o que seria uma condição necessária para sua sobrevivência política. Dessa forma, enfrentar o desafio da legitimação era imperativo quando a própria república precisava ser legitimada também no meio do povo. (GOMES, 2017).

O Barão de Abiahy já havia, antes de Venâncio, se aproximado da junta governista que que foi instaurada na Paraíba dias após a proclamação da República de forma provisória. De maneira estratégica, o então secretário de Estado, Epitácio Pessoa, teve um papel efetivo na tentativa de resolver a crise de legitimidade que Venâncio Neiva enfrentava logo nos primeiros meses de governo. A ideia era afastar Venâncio Neiva de Carneiro da Cunha rompendo com o Jornal da Paraíba, do qual o barão era editor chefe.

Recorrendo ao jornal Gazeta da Parahyba, Venâncio Neiva tentou suprir a falta de um periódico que representasse o seu governo. O referido impresso passou a funcionar como um importante instrumento de defesa contra as críticas lançadas pelo Jornal da Paraíba, assim como serviu para atacar o barão de Abiahy através de uma série de artigos assinados por Epitácio Pessoa. Em publicação de 1890, o periódico destilava suas críticas a Carneiro da Cunha:

Pode o Sr de Abiahy ser o único representante anachronico dos partidos viciados da monarchia, pelo atraso em que se acha, mas não o homem de que se precisa no actual regime para a reconstrução social. E para prova disto basta ler-se o seu órgão nacional, que não se ocupa de outra coisa cousa senão em proclamar aos quatro ventos, urbi et arbi,4 que o seu redactor-chefe é o nec plus ultra5 dos fidalgos, a gloria única d’este torrão, o gigante dispensador das graças a gregos e troyanos, que debaixo de seos pés e a centenas de léguas de distância de sua sagrada pessoa o reconhecem e admiram, balbuciando aquelle grito angustioso dos luctadores: - ave, cesar, morituri te salutant !6 Si o Sr. Barão de Abiahy não sofresse de megalomania havia de reconhecer o ridículo, a que o espoem constantemente os seus atrasados escrevinhadores, pois tudo isso é hoje irrisório e carnavalesco perante a Republica.” (GAZETA DA PARAÍBA, 1890).

Nesse sentido, Epitácio Pessoa emprenhou-se em separar a imagem de Venâncio Neiva da representação que se tinha de Abiahy e empenhou-se em construir uma imagem do governo e do próprio Venâncio Neiva como legítimos representantes dos valores e princípios republicanos.

Taes partidos já não existem e pensar ainda na influência, que poderiam hoje exercer em plena Republica, seria uma cousa impossível e até mesmo anachronica; visto como não podem mais ser considerados senão como antigos restos de um grande exército vencido e aniquilado, que se debandou sob a mão demolidora do tempo para dar passagem as novas legiões da democracia que caminham desassombradas para o futuro cheio de resultados práticos em benefício da santa causa da humanidade. (GAZETA DA PARAÍBA, 1890).

O periódico ressaltava a inabilidade de Carneiro da Cunha diante do novo cenário, atacando-o de forma que seu prestígio e atuação política durante o antigo regime fossem lembrados de forma negativa:

Amestrado nas luctas partidárias, tendo feito da política especial profissão, requisitos que, no dizer do Jornal, são imprescindíveis a um bom administrador, o Sr. De Abiahy, admitindo que reúna a soutras qualidades apontadas pelo órgão nacional, estaria talhado para dirigir os destinos de um Estado. Imaginemol-o em palácio, em substituição ao Dr. Venancio Neiva [...] e, modelando o governo provável do Sr. De Abiahy pela ultima administração provincial que lhe foi confiada, vejamos o que razoavelmente sucederia: O chefe politico , atendendo as exigências dos seus amigos e correligionários de outrora; empenhando-se em conservar o prestigio que supõe ter, á despeito da transformação radical que operou-se no paiz e que, a datar de 15 de Novembro, desorganizou os antigos partidos; aferrado aos vícios e velharias do systema decaído de que não soube desprender-se ainda; sem forças para acabar de vez com as celebres conveniências politicas, que outrora determinavam os mais revoltantes atentados contra a justiça e o direito; o homem idealizado pelo Jornal faria inevitavelmente uma administração partidária e desastrada, uma vez que, na própria folha que redige e que é órgão do seu pensamento, sustentou e sustenta, mesmo depois do advento da República, ideias atrazadas e absolutamente incompatíveis com a nova ordem das coisas. [...] O que fica dito em relação ao typo idealizado pelo Jornal estende-se a todos aquelles que transportassem para a República essas credenciaes de quem viveu da política e pela política viciada da monarchia e assumissem com semelhante cabedal a direção de um dos nossos estados confederados. (GAZETA DA PARAÍBA, 1890).

Gomes (2017) explica que o então secretário, Epitácio Pessoa, sabia como o jogo político poderia configurar-se favorável à sujeitos como o do barão de Abiahy, por isso, através do jornais, utilizou-se da importância que recaia sobre o prestígio pessoal e político desses personagens que, ligados a monarquia, aderiam de última hora à situação dominante. Ou seja, segundo sugere Gomes (2017), para Epitácio Pessoa, não era suficiente apenas afastar o barão do governo, era preciso derrubar seu prestígio.

Considerações finais

A atuação política de Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, o barão de Abiahy, coincidiu ser no mesmo momento em que ocorria em todo Império a radicalização do reformismo da segunda metade do século XIX. O cenário político liberal daquele período encontrava-se marcado pela urgência de reformas em todos os âmbitos da administração pública e neste contexto as ideias de Carneiro da Cunha começaram a se adequar aos novos rumos que se encontravam todas as províncias nesse contexto nacional.

Vimos que a medida em que a própria campanha abolicionista tomava corpo, Carneiro da Cunha dilatava seu reformismo para inserir-se naquela nova realidade sociopolítica. E apesar de sua imagem associada, até um certo ponto, à um esforço de auto definição, ao longo das últimas décadas do século XIX ele se notabilizou como um adesista. Suas propostas foram sendo buriladas em seu conjunto de ideias, conforme o intelectual e o político amadureciam.

Sendo assim, o enfoque de suas ideias ajudou a compreender como percebia a realidade daquele contexto vivido e a partir daí, de acordo com seus interesses, ao aderir ou não determinadas ideias, lutava por uma mudança ou conservação.

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1Silvino Elvídio Carneiro da Cunha recebeu o título nobiliárquico de barão de Abiahy em 1888, por essa razão iremos tratar dele em alguns momentos como Carneiro da Cunha, quando ele ainda não tem o título de barão, e outros momentos como barão de Abiahy.

2Os cinco que receberam os títulos foram: Flávio Clementino da Silva Freire (Barão de Mamanguape - em 1860), José Teixeira de Vasconcelos (Barão de Maraú - 1860), Estevam José da Rocha (Barão de Araruna - em 1871), Silvino Elvídio Carneiro da Cunha (Barão de Abiahy - em 1888) e Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque (Visconde de Cavalcanti - em 1888). Todos pertencentes ao Partido Conservador com títulos concedidos nos anos em que a Assembleia Legislativa Geral era composta, em sua maioria, por conservadores. (SEGAL, 2014; CARVALHO, 2010).

3Sobre a forma como Carneiro da Cunha atuou e como os periódicos relataram os acontecimentos do Movimento de Quebra Quilos ver Costa (2017).

4Em tradução livre: à cidade e ao mundo

5Em tradução livre: o que há de melhor

6Em tradução livre: Salve César, os que vão morrer te saúdam. Palavras dirigidas pelos gladiadores ao imperador, antes de entrarem em luta.

Recebido: 21 de Setembro de 2021; Aceito: 14 de Novembro de 2021

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