SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21La presencia del método intuitivo en la instrucción pública en Paraná: diálogos con la Revista A Escola (1906-1910)Barroco y educación en Portugal en el Siglo XVII: Josefa de Óbidos índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub 13-Sep-2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-122 

Artigos

Revisitando a controvérsia sobre raça, eugenia e Educação Física na obra de Fernando de Azevedo: uma nova visão sobre miscigenação e seu papel na construção de uma nação

Revisitando la controversia sobre raza, eugenesia y Cultura Física en la obra de Fernando de Azevedo: una nueva visión sobre el mestizaje y su rol en la construcción de una nación

Alexandre Machado Rosa1 
http://orcid.org/0000-0002-0709-9619; lattes: 1271845937335077

Everardo Duarte Nunes2 
http://orcid.org/0000-0002-2285-7473; lattes: 0889393786079735

1Universidade Estadual de Campinas (Brasil). alexandre.rosa@ifsp.edu.br

2Universidade Estadual de Campinas (Brasil). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. evernunes@uol.com.br


Resumo

Dentro da leitura polêmica sobre a relação entre Fernando de Azevedo, a eugenia, raça, miscigenação e a institucionalização da Educação Física, este artigo revisita e analisa se suas ideias são, de fato, associadas a um projeto eugênico e racista de nação, buscando compreender as relações entre o mito da regeneração social por meio da Educação Física, da educação escolar e da higiene sanitária. Para isso, foi utilizada a revisão bibliográfica, investigando-se como o tema raça é abordado principalmente nas obras Da Educação Física (primeira edição de 1920 e terceira edição de 1964) e A cultura brasileira (1943; 1960), escritas por Fernando de Azevedo em tempos distintos e contextos políticos contraditórios que estão situados em fases que denotam embates, aproximações e distanciamentos entre os intelectuais ligados ao pensamento social e científico na Primeira República (1889-1930).

Palavras-chave: Educação; Educação Física; Eugenia

Resumen

Dentro de la controvertida lectura sobre la relación entre Fernando de Azevedo, la raza, el mestizaje, la eugenesia y la institucionalización de la Educación Física, este artículo revisita y analiza si sus ideas están, de hecho, asociadas a un proyecto de nación eugenésica y racista, buscando comprender el Relación entre el mito de la regeneración social a través de la Educación Física, la educación escolar y la higiene sanitaria. Así, utilicé una revisión bibliográfica para investigar cómo se aborda la carrera temática principalmente en las obras Sobre educación física (primera edición de 1920 y tercera edición de 1964) y A cultura Brasileira (1943; 1960), escritas por Fernando de Azevedo en diferentes tiempos y contextos políticos contradictorios que se sitúan en fases que denotan enfrentamientos, aproximaciones y distancias entre intelectuales vinculados al pensamiento social y científico en la Primera República Brasileña (1889-1930).

Palabras claves: Educación; Cultura Física; Eugenesia

Abstract

Within the controversial reading on the relationship between Fernando de Azevedo, eugenics, and the institutionalization of Physical Education, this article revisits and analyzes whether his ideas are associated with a eugenic and racist nation project, seeking to understand the relationship between the myth of social regeneration through Physical Education, school education and sanitary hygiene. Thus, I used a bibliographic review to investigate how the theme race is approached mainly in the works On Physical Education (first edition of 1920 and third edition of 1964) and A Cultura Brasileira (1960), written by Fernando de Azevedo in different times and contradictory political contexts that are situated in phases that denote clashes, approximations, and distances between intellectuals linked to the social and scientific thoughts in the First Brazilian Republic (1889-1930).

Keywords: Education; Physical Education; Eugenics

Introdução

O propósito deste artigo é demonstrar que Fernando de Azevedo (1894-1974) foi um artificie, ao longo de sua obra intelectual, da construção de uma teoria relacionada à evolução cultural e à educação como os meios para efetivar uma mudança social no Brasil. Para além do termo eugenista, atribuído a ele por alguns autores como forma de acusação, a obra de Azevedo mostra-se relevante no processo de institucionalização da Educação Física, da Sociologia e da educação brasileira, sendo a questão da raça e da eugenia temas secundarizados pelo autor no processo de sua maturidade intelectual. Foi utilizada a revisão bibliográfica, investigando-se como o tema raça é abordado principalmente nas obras Da Educação Física (primeira edição de 1920 e terceira edição de 1964) e A cultura brasileira (1943; 1960), escritas por Fernando de Azevedo em tempos distintos e contextos políticos contraditórios que estão situados em fases que denotam embates, aproximações e distanciamentos entre os intelectuais ligados ao pensamento social e científico na Primeira República (1889-1930).

Em certa medida, foi a pseudociência denominada eugenia que possibilitou a imersão do sociólogo e reformador Fernando de Azevedo no ambiente intelectual nas três primeiras décadas do século XX, quando a eugenia era “a ciência” que seduzia muitos intelectuais brasileiros preocupados em interpretar o Brasil. Essa trilha também o levou a descobrir a Sociologia, movimento que o conduziu às ideias sociológicas de David Émile Durkheim (1858-1917), um dos mais importantes sociólogos - e também antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo -, pioneiro da corrente sociológica positivista. Foi Durkheim que, formalmente, tornou a Sociologia uma ciência positiva e que, ao lado de Karl Marx e Max Weber, é comumente citado como o principal arquiteto da ciência social moderna e pai da Sociologia. Suas ideias influenciaram decisivamente Fernando de Azevedo, levando-o a se tornar um destacado adepto e defensor das ideias do positivismo durkheimiano, das teorias sociais vinculadas ao evolucionismo e um dos mais importantes sociólogos ligados à educação brasileira, como será demonstrado a seguir.

Primeiros passos

Nascido em São Gonçalo do Sapucaí (MG), em 1894, o menino Fernando de Azevedo nutria o desejo de se tornar padre, o que o levou a ingressar, em 1903, no ginásio jesuíta do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro. No internato para meninos e rapazes, dirigido por padres jesuítas, para além dos estudos obrigatórios, Azevedo destaca-se também na esgrima, época em que sua saúde precária e a difícil situação financeira de sua família tornam-se uma ameaça para a sua vida escolar, conforme ele próprio relata em suas memórias no livro História de minha vida (1971), citado por Penna (2010, p.27). Na mesma instituição, concluiu o ensino ginasial e, depois, seguiu os estudos por mais cinco anos no seminário da mesma ordem, só que na cidade de Campanha, Minas Gerais. Seu gosto pela atividade intelectual e pela educação começam a aflorar nessa época, conforme destaca Penna, lembrando que “ele aprendeu letras clássicas, língua, literatura grega e latina” (PENNA, 2010, p.15). Também aprendeu poética e retórica até abandonar a ideia de ser padre, e, em 1914, decidir renunciar à vida religiosa. Mais tarde, após a crise de consciência, descobriu sua “verdadeira vocação”: o magistério.

O envolvimento com as questões sociais, com a educação e com a ciência o levaram a se aproximar das chamadas “ciências da melhoria da raça”, a eugenia, pseudociência que seduziu vários outros intelectuais no início do século XX. Esse caminho levou, inevitavelmente, Fernando de Azevedo ao encontro da Sociedade Eugênica de São Paulo. Stepan (2005, p. 55) recorda que, nas primeiras décadas dos anos 1900, “[p]ara as elites brasileiras, a eugenia era um símbolo de modernidade, uma ferramenta científica capaz de colocar o Brasil no trilho do progresso e do tão sonhado ‘concerto das nações’".

Assim, no mesmo ano em que concluiu o curso de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo (SP), entre bacteriologistas, microbiologistas, médicos, psiquiatras, literatos, professores e intelectuais, Fernando de Azevedo, então com 24 anos, tornou-se uma das 140 personalidades ligadas às ciências da época e que se converteram nos primeiros membros da Sociedade Eugênica de São Paulo, fundada em 15 de janeiro de 1918, no salão nobre da Santa Casa de Misericórdia, como recordam Gualtiere (2018) e Kern (2016). Como presidente, foi eleito Arnaldo Vieira de Carvalho (1867-1920), então diretor da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, fundada seis anos antes, em 1912 e que se tornaria nos anos seguintes uma das mais prestigiadas escolas de medicina do país.

Na Sociedade Eugênica, Fernando de Azevedo se tornaria uma figura conhecida entre os destacados personagens que atuavam na intelligentsia1 brasileira. Já nesse período, Azevedo era um dos maiores entusiastas e defensores da inclusão da Educação Física no currículo obrigatório das escolas. Castro (1994, p. 217) recorda que ele proferiu na Sociedade Eugênica, em 1919, a conferência “O segredo da maratona”. A Educação Física foi a primeira disciplina à qual dedicou estudos sistemáticos, materializados na obra A poesia do corpo produzida no ano de 1915 e que, em 1920, ganharia o nome de Da Educação Física: o que ela é, o que tem sido e o que deveria ser após ser editada para ser publicada em forma de livro.

A primeira edição de A poesia do corpo foi organizada em três partes. A primeira parte é um estudo sistemático sobre as questões que envolviam os exercícios físicos, a ginástica e os desportos; a segunda parte destaca as escolas e métodos voltados para as práticas da Educação Física; e a terceira é relativa à importância do problema da Educação Física no Brasil, apresentando propostas com o objetivo de auxiliar na superação de tais problemas e, ao mesmo tempo, apontando caminhos para solucioná-los. Nessa obra, Azevedo dedica um capítulo para abordar o tema sobre a Regeneração étnico racial, no qual delineia ideias evolucionistas que o aproximam das teorias eugênicas. Já na terceira edição revisada da obra, publicada em 1960, esse capítulo foi substituído por um novo, denominado Organização Nacional e Educação Física, no qual Azevedo já demonstra estar buscando um certo distanciamento dos conceitos polêmicos sobre eugenia e a “regeneração da raça”, que pode ser definida como uma fase de busca pela diferenciação das teses centrais da eugenia galtoniana e a afirmação de uma visão evolucionista influenciada pelas ideias do neolamarckismo.

O neolamarckismo é o desdobramento de teses atribuídas ao zoólogo francês Jean Baptiste de Lamarck (1744- 1829) responsável pela elaboração da primeira teoria evolucionista com viés biológico/científico, apontando a transformação das condições de vida impostas pelo ambiente e pelos usos e desusos como importantes nesta perspectiva. Essa ideia existia desde a Antiguidade e Lamarck foi o primeiro a apresentá-la de maneira fundamentada cientificamente, acrescentando-lhe um importante elemento: a ideia de que houve espécies que existiram e se extinguiram, senão abruptamente, mas transmutaram-se a ponto de tornarem-se novas espécies. Stepan (2004, p. 345) lembra que “[o]s fundamentos neolamarckianos da visão eugênica de Kehl e muitos de seus colegas brasileiros eram frequentemente disfarçados por sua constante referência a Galton, como pai da eugenia, e a Mendel, e pela ausência de referências diretas a Lamarck”.

A eugenia não foi um evento histórico específico dos países anglo-saxônicos, mas um movimento de ideias que se desenvolveu em várias partes do mundo, adaptando-se aos diferentes contextos nacionais. Em 1869 com a publicação da obra Hereditary Genius2 escrita pelo cientista inglês Francis Galton (1822-1911) a eugenia ganha uma teoria mais robusta. A obra falava de uma suposta “herança genética da inteligência” tema que possibilitou a organização das teorias eugenistas que reivindicava, ao mesmo tempo, a biologia genética como seu argumento legitimador e estatuto teórico, como recorda Nancy Stepan (2005, p.30). Hereditary Genius é considerado o texto seminal da eugenia. Galton em sua obra versa acerca de duas formas de eugenia: uma positiva, que consistiria na procriação “entre pessoas aptas”, por meio do controle de matrimônios, com o apoio de incentivos fiscais e auxílios ao parto; e uma eugenia negativa, a qual defendia a não procriação aos que denominava de “inaptos”, no caso eram aqueles considerados doentes mentais, as prostitutas, os alcoólatras e miseráveis. O objetivo era o de “impedir a propagação de sua ‘mancha hereditária” como lembra Carvalho (2017, p.10). Até a virada do século XIX as ideias de Galton se disseminaram pelo mundo. Nessa época, começou a enraizar-se com força nos Estados Unidos, onde seus apoiadores tinham uma tendência de pertencerem à classe média, serem brancos e “bem-educados”.

Já no Brasil, foi Renato Ferraz Kehl (1889-1974) que em 1917 “organizou uma reunião de médicos para discutir a nova ciência eugênica de sir Francis Galton” e para expor o que seriam “os exames pré-nupciais e a proposta de revisão da legislação matrimonial que permitia casamentos consanguíneos (aos quais a maioria dos médicos se opunha, alguns fundamentados na eugenia)” (STEPAN, 2004, p.339).

Os adeptos da eugenia buscaram embasamento nas teorias raciais constituídas no século XIX, período que nasce o chamado racismo científico. Os brancos europeus eram representantes, nessa lógica, de uma “superioridade biológica”. Já os negros e amarelos eram considerados, nessa hierarquia, inferiores. A miscigenação era vista com maus olhos pelos eugenistas. Para eles, a miscigenação seria a responsável por danos irreversíveis na “descendência”. Logo, o movimento eugenista se converte em campanha nacionalista contra negros e a miscigenação e questiona, também, o lugar dos imigrantes na sociedade. Nesse contexto, a miscigenação ganha destaque nos debates sobre a sociedade brasileira.

O primeiro cargo público de Azevedo vem após a ascensão na Sociedade Eugênica

No final dos anos 1920, a atuação de Azevedo como intelectual o levou à indicação e posterior aceitação do cargo de diretor geral da Instrução Pública do Rio de Janeiro, então capital federal do país. Foi nesse período que ele teve a oportunidade de colocar em prática suas ideias e ideais acerca não só da Educação Física, mas da Educação Nova, movimento que se converteria na mais importante ação por reformas no ensino no Brasil sob a bandeira do escolanovismo, com o qual Azevedo se envolveu e se engajou de maneira intensa nos anos 1920/30, projetando a sua atuação e reconhecimento nacionalmente. O marco do movimento foi a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), que deu publicidade aos ideais reformadores do ensino, incentivando, também, o agrupamento de vários intelectuais ligados à educação e às ciências, e que abrigou, de forma simultânea, os intelectuais que nutriam simpatias pelos ideais da eugenia.

Sua experiência como gestor público impulsionou a elaboração e publicação do livro Novos caminhos e novos fins (1932). Nele, Azevedo apresenta, além de suas experiências reformistas como diretor da instrução pública no Rio de Janeiro, um delineamento de suas concepções sobre a importância da educação pública e as tarefas que então precisavam ser cumpridas para torná-la acessível às massas populares, percorrendo minuciosas análises que vão desde as reformas educacionais implementadas até então, como a Reforma Sampaio Dória3, em São Paulo, além de outras ocorridas em localidades fora do Rio de Janeiro. Suas críticas e contribuições abordaram desde a arquitetura e a higiene escolar passando pela higiene física dos alunos e a formação dos professores. A obra enfatiza também as suas influências higienistas e sanitaristas descritas nas preocupações com o ambiente limpo e arejado voltado à produção de saúde nas escolas. No livro, ele ainda aponta o espaço social como a finalidade de suas concepções filosóficas sobre o papel social da escola:

[e]u falo em nome dessas crianças enfezadas e anêmicas, quase maltrapilhas que enchem grande número de escolas públicas, bem perto do bulicío e do fausto dos grandes centros da cidade, e trazem, na tristeza apática, nas olheiras fundas e no olhar sem brilho, quando não nas escolioses, e em toda espécie de estigmas, a marca do meio social em que definham, e todos os sinais de uma debilidade congênita agravada pelas taras hereditárias e pela penúria de meios malsãos, e oferecida como presa fácil à contaminação ambiente. (AZEVEDO, 1958, p.50).

Se inicialmente a Educação Física aparece como principal vetor de suas ideias, o autor amplia o escopo de suas análises para a integralidade da educação, buscando diferenciar o que seria uma prática escolanovista em relação aos antigos métodos utilizados na educação brasileira que tinham como marca a forte presença da igreja católica em suas formulações, desde a chegada dos jesuítas, como lembra Saviani (2013, p.58). Azevedo também criticou duramente as condições precárias para o ato de lecionar. Denunciou a situação das salas de aula que eram destinadas às massas populares, às quais ele definia como “meros espaços de terra batida ou galpões adaptados para o uso didático com apoio de caixotes e tocos de madeira em forma de assentos para os alunos” (AZEVEDO, 1958, p. 51).

Ao fazer a defesa enfática da educação obrigatória, laica e gratuita para a maioria do povo, ele condenava a elitização da educação e defendia sua extensão para as massas populares. Ao mesmo tempo, fazia propaganda de um higienismo sanitário, discurso este que era próximo dos ideais médicos e eugênicos, apontando que “a educação popular, para ser “a mais poderosa das forças econômicas”, como a qualificava justamente Rui Barbosa, tem de começar pela proteção higiênica e formação física da população escolar” (AZEVEDO, 1958, p.50).

Ao mesmo tempo que apontava a questão da saúde como um tema capital para a organização educativa, trazia em seu discurso os argumentos sobre os dilemas da “raça”, assunto preferido dos eugenistas mais engajados, mas que, na abordagem de Azevedo, já demonstra certa precaução ao não hierarquizar ou definir raça como critério de superioridade ou inferioridade na composição social da civilização brasileira. Ao falar de crianças franzinas, de aspecto doentio ele criticava a aglomeração das crianças em pequeninas salas, onde tudo conspirava contra a saúde, defendendo que “[é] preciso certamente tornar obrigatória em todas as escolas do Distrito, a ginástica pedagógica, que deverá encontrar sempre nas escolas espaço suficiente, em que seja ministrada com critério científico, em cursos sistematizados” (AZEVEDO, 1958, p.33).

Os apontamentos citados anteriormente foram incluídos por Azevedo nos anais da Sociedade Eugênica de São Paulo, os quais ajudara a redigir. Gualtiere (2018) lembra uma destas passagens, ao relatar que:

[a]ssim , no final dos anos 1910 e início dos anos 1920, tomando por referência os Annaes de Eugenia (1919), publicação da Sociedade Eugênica de São Paulo, na qual Fernando de Azevedo foi 1º secretário, verificamos que, a despeito das especificidades encontradas entre os autores, está extensamente presente a concepção de que eugenia, ou a ciência da melhoria da espécie pela seleção humana, deveria ter entre seus fins, a eliminação dos fatores que causavam degeneração da espécie (GUALTIERE, 2018, p.484).

“Degeneração da raça” é um dos lemas que os então eugenistas descreviam como sendo uma das metas fundamentais a serem atacadas para que o desenvolvimento da sociedade brasileira ocorresse de forma plena. Estas concepções serão alvo, nos anos seguintes, de contradições e de divergências entre os “modernistas”, na qual se somará o próprio Fernando de Azevedo.

Somente onze anos após a fundação da Sociedade Eugênica, foi convocado o I Congresso Brasileiro de Eugenia, ocorrido de 01 a 06 de julho de 1929, no Rio de Janeiro. O responsável por presidir o congresso foi Edgard Roquette Pinto4 (1884-1954), um intelectual que se notabilizou, não pela eugenia, mas por ser considerado o pai da radiodifusão no Brasil e pela criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Ele teve, também, importante atuação no movimento escolanovista como signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Ele considerava o rádio "uma máquina importante para educar nosso povo" conforme destacou Azevedo (1964, p.234). A presença de Roquete Pinto demonstra a variedade de áreas de atuação dos membros que vieram a compor a Sociedade Eugênica de São Paulo, o que reforça a percepção de que havia um movimento de adesão por parte dos intelectuais às ideias da eugenia como a expressão da “ciência” no início do século XX.

O mesmo período em que os ideais eugênicos seduziam os intelectuais do país, também é marcado pelo crescimento e aumento populacional nas metrópoles brasileiras após a Proclamação da República, em 1889, seguida pelo desencadeamento de um processo de industrialização e de crescimento dos serviços e do comércio urbanos, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. A concentração de pessoas em grande número, vivendo em moradias insalubres, estimulava o aumento da pobreza e favoreciam a concentração de sujeira pelas cidades, numa combinação perfeita para a proliferação de doenças e violências. Ao mesmo tempo, o interior do país, o chamado “sertão” permanecia isolado. Em meio à onda de ideias eugênicas, nasce e ganha força o movimento sanitarista, que tinha como alvo a solução dos problemas sanitários e de saúde pública nos centros urbanos e no interior do Brasil. O movimento sanitarista provocaria uma certa divisão entre os adeptos das ideias eugenistas: havia aqueles que pretendiam higienizar o país e os que queriam “melhorar a raça”. Dessa contradição brotará uma visão positiva sobre a formação da “raça brasileira” marcada pela miscigenação, vertente à qual Azevedo irá demonstrar adesão em suas obras seguintes, buscando formular análises calcadas nas ciências sociais e no método sociológico de Durkheim, ao mesmo tempo que tenta atuar na formulação de políticas públicas, principalmente para a educação e a cultura como estratégias para a superação dos desafios modernistas.

A eugenia e o nacionalismo se encontram

O historiador Eric Hobsbawm (1917-2012) na obra Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade (1990), descreve que o sentimento nacional foi difundido pela Europa a partir do movimento revolucionário francês e das guerras napoleônicas no final do século XVIII. Tais eventos capilarizaram as ideias iluministas francesas para o interior da Europa, promovendo a ascensão do sentimento nacionalista seja por boa aceitação ou como uma resposta dos seus oponentes. O autor mostra que “a caracterização de uma nação ocorre a partir de critérios que costumam ser claros: a língua, etnia, território comum, cultura etc. Porém, tais critérios são ambíguos, mutáveis e opacos e servem nada mais que para fins propagandísticos e pragmáticos” (HOBSBAWM, 1990, p.15).

O autor recorda que os movimentos nacionais, na segunda metade do século XIX, começam a destacar os elementos étnicos como parte da inserção de elementos etnolinguísticos que irão marcar o nacionalismo deste período: “[n]a segunda metade do século XIX o nacionalismo étnico recebeu reforços enormes; em termos práticos através da crescente e maciça migração geográfica; na teoria, pela transformação da “raça” em conceito central das ciências sociais do século XIX” (HOBSBAWM, 1990, p. 123). Como razão para o triunfo do princípio de nacionalidade o autor aponta o “colapso de grandes impérios multinacionais da Europa central e oriental e a Revolução Russa”, episódios que redefiniram o mapa europeu, transformando o continente em um território com Estados definidos. (HOBSBAWM, 1990, p.149). Hobsbawm (1990) conclui que, tanto na definição objetiva quanto na definição subjetiva de nação, ambas não seriam suficientes para que um grupo de pessoas a autodetermine. A explicação objetiva, que utiliza critérios simples de caracterização, apesar de conseguirem defini-la a priori, não condizem com a variedade de nações no mundo real. Já a explicação subjetiva, segundo a qual, para ser uma nação, basta considerar-se tal, é muito vaga, impossibilitando uma definição plena, sendo, portanto, nenhuma das duas definições plenamente satisfatórias.

Já no Brasil, o nacionalismo pode ser descrito como um processo complexo. Ao contrário do que ocorreu na Europa, o modelo que inspirou o processo brasileiro não se desenvolveu em período histórico marcado por uma transição da sociedade agrária para uma sociedade industrial, como lembram Carone (1978), Carvalho (1987) e Fausto (1995). Oliveira (1990, p. 145) lembra que “[a] Primeira Guerra Mundial trouxe a questão nacional à ordem do dia, transformando o significado anterior do nacionalismo. Não era mais suficiente o sentimento natural de amor à pátria, calcado na grandeza territorial e nas qualidades das raças que formaram o homem brasileiro”, como já havia identificado Hobsbawm (1990) sobre a transformação do antigo nacionalismo na Europa. O “novo nacionalismo” envolveu, além da busca por uma nova identidade, o reforço do pensamento que negava os modelos biológicos que embasavam o pensamento racista, recorda Oliveira (1990, p.148). A autora ainda aponta que “[o] nacionalismo, enquanto bandeira a guiar os intelectuais preocupados em construir um projeto de salvação nacional, teve de lidar com a questão econômica ligada à industrialização e com sua companheira, a questão operária” (OLIVEIRA, 1990, p.148). É esse contexto que irá aguçar as contradições sobre os ideais da eugenia, enquanto projeto nacionalista, e sua incapacidade de responder os desafios postos.

Vários autores (CARONE, 1978; CARVALHO, 2008; FAUSTO, 2001; GORENDER, 1998; IANNI, 2004; OLIVEIRA, 1990 e LESSA, 2008)) identificam muitas peculiaridades e especificidades no nacionalismo que se formou no Brasil. Lessa (2008) lembra que

[o] Estado Nacional é quem condensa, explicita e formata a nacionalidade brasileira, não sendo, nesse particular, uma originalidade. O traço específico é não tratar do povo. Sob esses ângulos, a experiência brasileira fornece um exemplo pedagógico, pois entre a institucionalização do Estado Nacional e o delineamento da nação como território e povo, transcorreu-se quase um século. (LESSA, 2008, p.238)

O modo de produção escravista como herança talvez tenha sido o principal elemento a delinear os parâmetros singulares do nacionalismo brasileiro, que viu no povo um elemento descartável para a construção de uma identidade nacional, idealizando a possibilidade de uma nação manipulada geneticamente para atender uma projeção de um povo diferente da realidade objetiva na qual se formou, por meio da miscigenação entre culturas e etnias. Desse pensamento excludente, irá brotar a simpatia e o acolhimento das ideias biologizantes da eugenia galtoniana acerca da “raça” e da nacionalidade.

A eugenia é um termo que vem do grego e significa bem-nascido. A eugenia surgiu para validar a política de segregação hierárquica entre grupos humanos. A ideia foi disseminada a partir de Francis Galton, o responsável por criar o termo, em 1883. Ele imaginava que o conceito de seleção natural de Charles Darwin (1809-1882) que, por sinal, era seu primo, também se aplicava aos seres humanos. Stepan (2005, p. 30) recorda que a eugenia foi dividida, por Galton, em

eugenia positiva, que busca o aprimoramento da raça humana através da seleção individual por meio de casamentos convenientes, para se produzir indivíduos "melhores" geneticamente; e a “eugenia negativa”, que prega que a melhoria da raça só pode acontecer eliminando-se os indivíduos geneticamente "inferiores" ou impedindo-os que se reproduzam. (STEPAN, 2005, p. 30).

Tendo a eugenia positiva se mostrado quase impraticável como forma de controle social, a maioria dos eugenistas ao redor do mundo nutria simpatias pela adoção da eugenia negativa. A humanidade viu os efeitos da adoção da eugenia negativa na Alemanha nazista, que misturava eugenia com nacionalismo autoritário e pregava a eliminação dos “inferiores” (STEPAN, 2005, p.30).

No Brasil, o nacionalismo e a eugenia se encontraram e se misturaram no início do século XX. Conforme salienta Oliveira (1990, p.13) “o nacionalismo é uma categoria que privilegia uma totalidade e, consequentemente, não enfatiza as diferenças internas, nem trabalha com aquilo que distingue os homens no espaço social”. Nas primeiras décadas do século XX, muitos intelectuais se engajaram na vida política e nas lutas sociais, reproduzindo, reforçando e ou ressignificando as teses no entorno do nacionalismo, muitos deles eram parte do movimento eugenista.

É nesse contexto que o intelectual reformador Fernando de Azevedo se soma e vai, paulatinamente, se destacando, tendo a educação e a transmissão cultura como principais objetos em seu discurso sobre a construção da nação e da identidade cultural do país. Ao mesmo tempo, as contradições se afloravam, resgatando o alerta de Oliveira (1990, p.13) de que “[t]entar apreender a mentalidade de gerações de intelectuais frente aos dilemas do Brasil e do mundo no período que compreende a Primeira República significa compreender a complexidade e a ambiguidade do pensamento social brasileiro desse período.”

Ao revisitar a história e as ideias polêmicas contidas nas teorias eugenistas, como a tese de “regeneração racial” no Brasil, abre-se a possibilidade de, mais que um simples encontro com o pensamento social brasileiro, acessar, também, os dilemas que cercavam a ideia de identidade e raça brasileira. Ao analisar o papel desempenhado por alguns intelectuais desse período como intérpretes desses temas, surgem algumas contradições. Fernando de Azevedo foi um dos intelectuais que assumiram para si o papel de intérprete do Brasil na Primeira República, o que levou posteriormente o autor a ser analisado por alguns pesquisadores como um enfático defensor do racismo eugenista, dando a esse tema uma centralidade até maior que a própria obra de Azevedo, deixando de lado até sua importante atuação como membro do grupo de intelectuais reformadores da educação e do movimento escolanovista, conforme enfatizam as obras de Soares (2012) e Vechia e Lorenz (2009). Esse movimento revela, ao mesmo tempo, o fato de que a eugenia não se constituiu exclusivamente como um movimento racista, mas foi, também, pautada por preocupações e intervenções nas políticas sociais mais amplas, como a educação e a saúde, o que exige uma amplitude nos estudos sobre a eugenia.

É notório que Azevedo, assim como outros intelectuais brasileiros, se ocupou dos temas que compuseram de forma concomitante a agenda do movimento eugenista, com ênfase aos temas relacionados com a educação, a cultura e a formação da “nação” e da “nacionalidade”, durante o período que compreende a Primeira República (1889-1930). É inegável que a temática “identidade nacional” era um assunto significativo para as ciências sociais daquele período. Azevedo, como cientista social, não poderia deixar de abordar o mesmo roteiro que mobilizou o pensamento social. Nesse contexto, a saúde, a educação e a cultura são objetos presentes no discurso que busca definir, ao mesmo tempo, um projeto nacional para a construção da identidade nacional. A temática raça compôs o roteiro das ciências sociais no país na virada do século XIX e início do século XX. Resende lembra que, para

Fernando de Azevedo refletir a mudança social como resultado não somente de modificações no campo da materialidade, mas também dos valores e da mentalidade. O processo de renovação da organização social brasileira fundava-se no desenvolvimento da indústria, da ciência, do conhecimento, da educação, do ideário de liberdade etc. (RESENDE, 2004/2005, p.180).

O tema raça e nacionalidade, portanto, ocupavam lugar de destaque na agenda teórica nacional e, inevitavelmente, ocorreu o encontro com as teses da então pseudociência denominada eugenia.

Já o nacionalismo também tinha algumas vertentes. Uma delas brotou do pensamento positivista de vertente autoritária. Fausto (2001, p. 38) lembra que “um traço comum aos nacionalistas autoritários foi o papel por eles atribuído à chamada questão racial”. Conforme recorda Stepan (2005, p. 29) “a eugenia foi um conceito criado na Inglaterra em 1883 que se difundiu em diversos países no começo do século vinte”.

Especialmente nos Estados Unidos e na Alemanha, a eugenia ganhou força e difusão. Apesar da falsa aparência científica em torno do termo raça, o movimento eugenista foi essencialmente político e social e se ancorou em uma abordagem biológica como modelo teórico para explicar as questões e dilemas sociais, dando ênfase às estratégias de exclusão dos, por eles denominados, “elementos indesejados” da sociedade a fim de "melhorar" geneticamente a população. No Brasil, os indesejados ganharam também status de “classes perigosas”, conforme destaca Chalhoub (1996, p. 9), reforçando a campanha mais radical da eugenia de que era necessário "cruzar" pessoas com boas características genéticas.

Já autores como Gomes, Wegner e Souza (2017) destacam o lugar que as teorias biológicas ocuparam no pensamento social e como, nesse cenário, a questão de raça ganhou destaque, a partir de pesquisas genéticas em sementes de milho especialmente nos EUA, e que, pelos seus resultados, buscaram associar e dar estatuto científico às teorias racistas. Isso demonstra o quão “[i]mportante também foi a influência dos estudos sociais e de viés cultural, que tencionaram os discursos eugênicos e raciais, pautados no determinismo biológico” (GOMES; WEGNER; SOUZA, 2017, p. 3).

Aparentemente inofensivo, o discurso de melhoria da espécie humana trouxe consequências perversas ao longo da história, conforme lembram Gomes, Wegner e Souza (2017). Nos Estados Unidos, a teoria influenciou de modo significativo as relações sociais na história e na cultura norte-americana, a partir do século XIX. A eugenia emprestou argumentos para a criação de leis proibindo a miscigenação, criminalizando casamentos interraciais e chegando até à esterilização compulsória de mulheres latinas, negras e indígenas. Wegner (2017, p.81) lembra que, no Brasil, “a eugenia se instaura aliando-se ao sanitarismo”, sendo encampada por médicos, cientistas, jornalistas e intelectuais. A defesa de um saneamento por meio do higienismo forneceu a tese da “melhoria da raça”. As correntes eugenistas defendiam uma série de práticas sociais para "melhorar" a nação brasileira, entre as quais a extensão da Educação Física a toda a população como forma de melhorar as condições físicas das massas populares.

Sobre o conceito de raça, Kern (2016, p.33) afirma que o termo surge na modernidade “[c]om diferentes sentidos, essa palavra foi utilizada desde a Idade Média, já indicando seu uso para demarcar as fronteiras entre ‘nós e os outros’”. O autor ainda lembra que

[n]o âmbito da história natural, portanto, a raça seria um conceito duplamente artificial: em primeiro lugar, por não ter surgido da originária vontade divina, mas da posterior ação humana sobre a Terra; em segundo lugar, por ser a raça apenas mais uma entre as categorias classificatórias de sua taxonomia dos seres vivos, assumidamente criadas de forma arbitrária pelo autor da representação ― nesse caso, o naturalista (KERN, 2016, p.35).

Fernando de Azevedo e a eugenia

Sendo um projeto político, os eugenistas brasileiros buscaram intervir e influenciar a elaboração das políticas de Estado na Primeira República, com destaque para a medicina sanitarista e a educação. Schwarcz (2000, p. 142) lembra que “a eugenia oficialmente veio ao país em 1914, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com uma tese orientada por Miguel Couto, que publicou diversos livros sobre educação e saúde pública no país”. Outro aspecto salientado por Stepan (2004) é o de que a eugenia no Brasil se diferenciou de sua versão similar na Europa e nos EUA, por uma vertente teórica baseada em uma interpretação neolamarckista, ou seja, “O neolamarckismo prevalecia, particularmente, nos círculos médicos. A continuada confiança dos médicos dessas décadas nas ideias lamarckianas cientificamente refinadas não reflete estupidez ou ignorância, mas a aparente impossibilidade de tratarem certos problemas da patologia humana” (STEPAN, 2004, p.347). Ganha espaço neste contexto, as teorias evolucionistas.

A questão da hereditariedade, por exemplo, ocupava o centro das teorias desenvolvidas por Galton, sendo o controle das heranças genéticas e biológicas o centro e os meios para se obter as respostas aos problemas sociais. A hereditariedade seria, portanto, a principal responsável pela formação nacional, fosse ela boa ou ruim. Stepan (2004, p.346) afirma que “As novidades do lamarckismo do início do século XX eram o desafio apresentado pela genética mendeliana e a associação da hereditariedade com a nova meta de aprimoramento humano”. A autora recorda, ainda, que a eugenia no Brasil, a exemplo das ciências sociais sofreu grande influência do pensamento francês e, por conseguinte, dos eugenistas/evolucionistas franceses.

Fernando de Azevedo além de adepto do pensamento francês de Durkheim, sofreu influências significativas de outros pensadores da sociologia francesa e que contribuíram profundamente em suas perspectivas teóricas. Notadamente, eram teóricos evolucionistas e que conduziram, em boa medida, para as interpretações metodológicas no pensamento de Azevedo sobre as mudanças sociais desejadas para o Brasil. Um deles foi Herbert Spencer (1820-1903), considerado por muitos um dos teóricos liberais mais influentes do século XIX. Ele também foi um dos fundadores da sociologia moderna, um pioneiro na teoria da evolução e importante filósofo cujos trabalhos chamaram a atenção de Fernando de Azevedo, que é citado por ele em vários momentos incluindo a obra Da Educação Física. Resende (2004/2005, p.173) lembra que “[a]inda que em menor grau, é detectável uma influência direta de Herbert Spencer (1820-1903) na primeira parte da obra A cultura brasileira”. Já na obra Da Educação Física, Spencer aparece nas duas edições, de 1920 e 1960, respectivamente, como referência bibliográfica nos capítulos que fazem menção à eugenia, notadamente sob o título Regeneração ethnico-social pela educação physica publicado na 1ª edição e alterado o título na 3ª edição para Organização Nacional da Educação Física. Nessa perspectiva, Resende (2004/2005) chama a atenção para o fato de que

[a] teoria de Spencer que, a rigor, influenciou Durkheim e Fernando de Azevedo, entre inúmeros outros pensadores sociais do século XX, funda-se no pressuposto de que a evolução das sociedades dá-se em vista de um amplo processo de diferenciação que se estabelece continuamente entre indivíduos e instituições sociais (RESENDE., 2004/2005, p.178).

Em Da Educação Física (1920 e 1960) conforme descreve Piletti (1994, p.84) a bibliografia utilizada por Azevedo mostra que das 87 obras citadas, 65 eram francesas e 12 alemãs, apenas uma em língua portuguesa e as outras em inglês. A influência francesa nas referências de Azevedo sobre a Educação Física, são evidentes, por exemplo, quando ele cita Georges Demeny (1850-1917). Sua tentativa de incorporação das ideias francesas sobre Educação Física aparece fortemente em suas críticas ao método inglês, que, segundo ele, estava baseado exclusivamente em jogos e esportes, sem valorizar a ginástica. O autor enfatiza que

[a]ssim, não nos pode servir de paradigma uma educação em que a prática intensiva de exercícios físicos seja simultânea com a aplicação de um programa pletórico, ou em que, por uma preparação exagerada de preparo atlético, como na educação inglesa, se relegue para segundo plano a organização de um ensino, não árido e formalista, mas orientado de maneira a formar o espírito do aluno, armá-lo para a vida e prepará-lo para a carreira que escolheu, por uma cultura mais sólida do que variada, mais técnica do que decorativa (AZEVEDO, 1920, 1960, p.27).

Stepan (2004, p.347) lembra que “[p]or tradição cultural, os cientistas brasileiros aprendiam sua ciência com a França” e que “[n]o caso da eugenia não foi exceção, como ficou claro quando, em sua primeira reunião, a Sociedade Eugênica de São Paulo tomou a sociedade francesa de eugenia como modelo de organização, reproduzindo seus estatutos palavra por palavra”. A autora ainda recorda que a leitura sobre os princípios galtonianos acerca da herança genética foi pouco absorvida entre os eugenistas brasileiros, com destaque para Renato Kehl, o que, para a autora, “refletia o fato de que poucos médicos brasileiros haviam estudado genética na faculdade de medicina ou estavam, então, envolvidos em pesquisa genética” (STEPAN, 2004a, p.347).

Essa predileção em relação aos franceses aponta para uma abordagem sobre as ideias eugenistas que se diferencia, em parte, da visão médica, que prevalecia entre os intelectuais ligados à medicina sanitarista na Sociedade Eugênica. Azevedo via na educação o meio para aprimorar “a raça” brasileira produzindo, assim, uma sociedade “robusta e saudável”. O autor afirmava que “[u]ma vez introduzida pela educação nos hábitos do país, a prática desta cultura física, sustentada durante uma larga série de gerações, depuraria a nossa gente de diáteses mórbidas, fortificando-a e enriquecendo-a, progressivamente pela criação incessante de indivíduos robustos” (AZEVEDO, 1960, p. 216), o que denota sua visão evolucionista sobre o desenvolvimento das gerações futuras por meio da prática de uma Educação Física científica e voltada à produção de saúde e “robustez”. Sobre esta ideia, Soares (2012, p.125) afirma que “Fernando de Azevedo, assim como Rui Barbosa, em conjunturas especificas, acreditava ser possível viabilizar o progresso e o desenvolvimento do país através de um rígido controle da saúde e de uma ampla campanha de educação do povo, campanha esta que se traduziu no movimento escolanovista”.

A partir dessas afirmações, é possível apontar que Azevedo não partia de concepções que incluíam depurações genéticas de matrizes galtonianas para a constituição de um povo saudável. Ele afirma que [...] as gerações de amanhã apuradas por sistema, pela Educação Física - afinadora da raça e colaboradora do progresso - imprimiriam assim nas que Ihes sucedessem, e submetidas ao mesmo tratamento, o cunho de seu caráter, para que pudessem, dentro dos limites do patrimônio biológico hereditário, aperfeiçoar ainda mais a natureza Humana [...] (AZEVEDO, 1960, p.216).

É notório que o autor estabelece, assim como apontado por Soares (2012), uma estreita relação entre Educação Física e Medicina, mas não se trata de propor manipulações genéticas senão pela introdução da cultura física na educação como mecanismo de “melhoria da raça” pela evolução e adaptação.

Nas duas obras de Azevedo analisadas aqui, - Da Educação Física (1920 e 1960) e em A cultura brasileira (1964) -, o termo raça aparece muitas vezes como sinônimo de povo brasileiro. O livro A cultura brasileira foi organizado em três volumes, sendo a obra dividida em três partes, e nelas o sentido e o uso do termo “raça” fica muito evidente, como na primeira parte, quando o autor analisa a formação do Brasil e do povo, sob o título O país e a raça, afirmando que

[c]ertamente, se não se podem determinar com precisão os elementos de cuja mistura, em cada uma das regiões, resultou o povo brasileiro e discernir com nitidez, nessa população, todas as diferenças étnicas, já se distingue no brasileiro,- um mediterrâneo, de sangue misturado, na variedade de seus subtipos, - um tipo nacional único a que imprimiram caracteres próprios, vigorosamente marcados os agrupamentos primitivos, fundados sobre o parentesco material e desenvolvidos pela longa coabitação do mesmo território, pela comunidade de língua e pelas crenças comuns que se seguiram e caracterizam a nossa civilização (AZEVEDO, 1964, p. 35).

Ele fecha o capítulo dedicado à formação do Brasil dizendo que “o facho da civilização ocidental a que os brasileiros emprestarão uma luz nova e intensa, é a da atmosfera de sua própria civilização” (AZEVEDO, 1964, p. 35), o que demonstra que, a ideia de raça contida em suas interpretações, se referem à formação da identidade nacional a partir das condições materiais em que se amalgamou a formação da população brasileira.

Diante de tal constatação, é possível levantar a hipótese, no caso de Fernando de Azevedo, de que sua leitura sobre a eugenia pode ter sido uma maneira de adaptar sua visão sobre a hereditariedade emprestada dos neolamarckistas/evolucionistas franceses, associando a abordagem ao contexto do tempo em que eugenia era sinônimo de ciência da saúde física e social, e que colaboraria para o desenvolvimento de um projeto civilizatório nacional. Ao afirmar “[q]ue este povo é um amálgama de várias raças, elas mesmas cruzadas e recruzadas, como o português que se tornou pela sua atividade genésica, mobilidade e adaptabilidade ao clima tropical, o núcleo de formação nacional” (AZEVEDO, 1964, p.33), ele demonstra dois entendimentos: i) de que o encontro de etnias “[...] que, por esse caldeamento incessante, o país se constituiu, na expressão de Mendes Correia, um dos maiores campos de assimilação étnica e social que já existiram, não há sombra de dúvida” (AZEVEDO, 1964, p.33), denotando, assim, o evolucionismo como causa e efeito; e ii) de que as causas naturais não explicavam as diferenças sociais do país.

Ao refutar as teses racistas defendidas por Oliveira Viana5 (1883-1951), baseado em teorias desenvolvidas por Joseph Arthur de Gobineau, por exemplo, Azevedo se distancia do racismo eugenista hierarquizante e demonstra isso ao dizer que

[n]a obra de conquista e do descobrimento, pensa Oliveira Viana ter tomado a dianteira na emigração para o novo mundo, o homem dólico-louro (homo europeus, de Lapouge) preponderante na classe aristocrática e essencialmente migrador, enquanto o homem braquicéfalo e de pequena estatura (homo alpinus, de Linneu) que formava a base das classes médias e populares, teria afluído mais tarde, em correntes copiosas de colonos, sobretudo depois da descoberta das minas. A hipótese não tem, porém, a apoiá-la uma suficiente documentação de base nem foi confirmada pelos estudos e pesquisas ulteriores (AZEVEDO, 1964, p. 30).

Portanto, ao contrário de Oliveira Viana que não escondia sua simpatia pelas imigrações europeias, especialmente a dos alemães como forma de “melhorar a raça” brasileira, as imigrações encontraram no Brasil uma cultura e uma população já consolidadas, tendo no negro, no indígena e nos portugueses sua base formada: “Assim, quando já no século XIX, pouco antes da abolição da escravatura, começou a intensificar-se o movimento de imigração de origem mediterrânea e germânica (portugueses, italianos, espanhóis, alemães e outros) já estava constituído o núcleo nacional” (AZEVEDO, 1964, p.32).

Entre os intelectuais, Sousa (2013, p. 4) lembra que “havia uma corrente que enxergava a miscigenação ocorrida no Brasil como a responsável pelos problemas no desenvolvimento nacional”. O motivo seria uma predisposição genética favorável em determinados povos para o progresso, o que não era o caso do Brasil, pois as características herdadas pelo povo brasileiro em função da miscigenação o tornava incapaz de alcançar um desenvolvimento semelhante aos das nações europeias e norte-americana. “Assim, se explicavam as diferenças sociais das nações inferiores frente às nações européias. A raça passou a ser uma noção discutida em obras que previam um futuro nebuloso para o Brasil” (SOUSA, 2013, p.4).

No caso de Azevedo, ele mostra nitidamente que prefere seguir a linha proposta por Gilberto Freyre (1900-1987) ao analisar a formação brasileira. Ele expressa um entendimento que reconhece na miscigenação um evento positivo, sendo este fenômeno a síntese da identidade nacional. Em A cultura brasileira, ele afirma que

[s]e, como se vê, as origens brasileiras estão claramente determinadas na mistura das três raças ou na assimilação progressiva, nos primeiros séculos, das raças vermelha e negra, pela raça branca europeia, numa larga transfusão de sangue, ainda estão por se esclarecer completamente as questões relativas a diversos tipos étnicos, portugueses e negros, que se canalizaram para o Brasil, aos seus respectivos caracteres antropológicos, à distribuição geográfica dos negros e dos índios e às proporções em que se produziram os cruzamentos com os colonizadores brancos (AZEVEDO, 1964, p. 29).

Mais à frente o autor afirma que

[a] esse fato, de grande importância para a formação nacional, de ter permanecido relativamente fraco o número dos estrangeiros em relação ao núcleo primitivo, é preciso acrescentar, para compreender o fenômeno brasileiro, a mobilidade da população, cujo movimento, agindo como instrumento de assimilação, concorreu para a interpenetração e assimilação de raças e culturas diversas (AZEVEDO, 1964, p.31).

Em sua obra, o autor busca transitar entre a biologia, a sociologia, a história, a psicologia e a antropologia para identificar a formação das “raças” no Brasil. Em algumas passagens é perceptível ainda localizar algumas contradições do autor, conforme já alertara Candido (1994). Isso fica nítido no modo como ele utiliza-se do método de tradição etnográfica6 da antropologia física do início do século XX para adotar uma perspectiva estratigráfica e, ao mesmo tempo, lamentar a impossibilidade de hierarquizar as culturas dos povos africanos trazidos como escravos para ao Brasil. A ausência de documentação seria a principal causa desta impossibilidade. Apoiando-se nos estudos de Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), a quem tece elogios pelos estudos antropológicos sobre raça, e Gilberto Freyre a quem devota maior relevância pelos estudos sociológicos, ele afirma que eles

ao se ocuparem do tráfico africano, já demonstraram a variedade de "nações" e de áreas de cultura, de que foram transportados os escravos negros, que vão desde os elementos colhidos nas tribos mais selvagens dos cafres até os negros sudaneses, de cultura adiantada, predominantes na formação baiana. (AZEVEDO, 1964, p. 32).

Fernando de Azevedo era parte orgânica7 do campo intelectual que, no contexto da Primeira República, tinha a eugenia como referência de ciência, tese que percorreu a primeira metade do século vinte. Nesse período, a ciência exerceu papel instrumental para a construção de concepções adotadas nas estruturas do Estado brasileiro, além de ser o pano de fundo para a interpretação dos grandes problemas nacionais, incluindo a educação e a Educação Física, conforme afirmam Castellani Filho (1988), Soares (2012), Ghiraldelli Júnior (2003), Schwarcz (2000), Santana e Santos (2016), Góis Junior (2009), Kern (2016) e Gualtieri (2018).

Muitos desses autores se apoiam na obra Da Educação Física, que teve a primeira edição escrita em 1915, sendo depois revisada e republicada em forma de livro em 1920 e 1960, para apontar o uso do termo “melhoria da raça” como a tese eugenista que teria assim a centralidade no pensamento de Azevedo acerca da ginástica e da Educação Física e que seriam, por consequência, o principal estatuto teórico na concepção azevediana na formação da área de Educação Física. A crítica de Soares (2012) por exemplo, recai sobre o que ela define como “as bases para a elaboração de uma concepção biológica e médica de Educação Física, tendo, portanto, como objeto de trabalho, um corpo biológico destituído de historicidade” (SOARES, 2012, p.127).

Sobre esse aspecto descrito por Soares, é preciso, contudo, tecer algumas considerações acerca das ciências sociais no tempo histórico em que Azevedo escreve a sua obra. Assim como a Educação Física, a Sociologia também estava buscando seu lugar e seu estatuto científico no Brasil. Nesse sentido, vale recordar que a Sociologia só seria incluída como disciplinas escolar nos anos 1930, período que coincide com a escolarização, institucionalização e profissionalização de ambas as áreas no contexto brasileiro.

A busca por respostas teóricas acerca da formação do Brasil, revela em Azevedo um intelectual que tenta escapar das explicações racialistas e naturalistas que falam do clima e da raça. Candido (1994) citado por Resende (2004/2005, p. 174) afirma que “[d]esde as primeiras páginas do texto A cultura brasileira, ele empreendia uma luta obstinada com os escritos de Durkheim para formular um percurso que lhe permitisse desvencilhar-se das explicações fundadas na raça e no meio físico”. Fica evidente entre uma obra da juventude - Da Educação Física - e outra que pode ser classificada como da maturidade intelectual, como - A cultura brasileira -, que ele “[e]stava colocando em questão a necessidade de formular uma interpretação do país que refutasse as teses de uma condenação natural ao não-progresso, à não-evolução” (RESENDE, 2004/2005, p.174).

Na sua obra, Azevedo mostra ter sensíveis preocupações com as condições de vida da população pobre, formada em sua maioria por negros e mestiços, e se esforça em formular teses de como estender o acesso à escola às massas populares. Para o autor, a democratização do acesso à educação pública, gratuita e laica era o caminho para combater as desigualdades sociais já tão latentes nas cidades inchadas por aglomerações precárias, que serviam de moradias no início do século vinte; as desigualdades estavam concentradas na massa de proletários que ia se formando, composta por negros, mestiços e brancos pobres. Para Azevedo, a educação seria o meio para melhorar “a raça brasileira” num processo constante que permitisse a “evolução” das condições de vida e reduzisse a distância entre o ensino das elites e o oferecido às massas populares.

Em uma passagem na obra Da Educação Física com o subtítulo O problema da higiene social pela Educação Física, Azevedo lembra da exclusão das massas operárias e seus filhos das práticas esportivas trazidas da Europa nas primeiras décadas do século XX, afirmando que, “[o]ra, os operários - os meninos e rapazes pobres são, em geral, em completa minoria nas sociedades esportivas. Não há de falar em Educação Física escolar para meninos ou meninas, a que as dificuldades de suas famílias ou a iniciação prematura no trabalho deixam fechadas as escolas” (AZEVEDO, 1960b, p. 206). A concepção de higiene social que autor apresenta é diferente da tradição que enxerga na eliminação física dos pobres, o que seria, portanto, um problema de polícia, expressa pela famosa ideia contida na frase lembrada por Chalhoub (1996, p. 57) de que “A questão social é um caso de polícia”, o famoso bordão é atribuído a Washington Luís8 (1869-1957) presidente deposto em 1930 e que encerrou a chamada “República Velha”. Em outra passagem, Azevedo ao expressar sua concepção sobre a Educação Física a associa à defesa e à democratização do acesso à educação para todos, defendendo que “A Educação Física não se destina, apenas à classe rica, que degenera por inação, pela sedentariedade e pela vida extravagante e desgregada, destina-se também igualmente à classe pobre, que deprime e estiola pelo excesso de trabalho, pela falta de meio saudável e de alimentação adequada” (AZEVEDO, 1960, p. 207).

Gualtieri (2018, p.484) recorda que havia um discurso que apontava que “[o] problema da educação nacional só estará a caminho de ser resolvido no dia em que possuirmos uma ‘elite’ esclarecida e consciente, capaz de compreender sua importância e de empreender sua solução. Preparar uma ‘elite’ é, pois, o primeiro passo a realizar” (Boletim da Associação Brasileira de Educação - ABE, julho de 1927, apud BRASILIANA 4)” (GUALTIERE, 2018, p. 485). Essas preocupações constam nos apontamentos feitos nos documentos redigidos pelos então membros da sociedade dos eugenistas, conforme ressalta Gualtiere (2018), o que reforça também que o projeto eugenista se estendia para amplos setores e áreas da sociedade.

Azevedo além de um escritor foi um pesquisador preocupado com as questões nacionais acima de tudo. Além de dezenas de artigos e livros, não se eximia em redigir documentos relacionados com estudos sobre o Brasil, como foi o caso de A cultura brasileira, encomendada pelo governo de Getúlio Vargas (1882-1954) como texto de introdução ao censo demográfico de 1940, organizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Somam-se ao rol de seus escritos a redação de atas e manifestos, como foi o caso do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), assinado por outros 26 educadores e intelectuais, com o título A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. O manifesto circulou em âmbito nacional com a finalidade de oferecer diretrizes para uma política de educação que deveria ser reformulada. Ele também escrevia para o jornal O Estado de São Paulo uma coluna de críticas literárias.

Ao contrário da visão negativa sobre a miscigenação, Azevedo acreditava que na história humana foi a miscigenação que propiciou o aparecimento de grandes civilizações e que contribuíram para o progresso e a prosperidade de suas “raças”. Portanto, se a civilização brasileira surgiu

[f]oi graças a esse cruzamento, processo biológico de seleção natural, facilitado em parte pelos deslocamentos das populações e pela ausência de preconceitos raciais, que no Brasil se caldearam as raças, branca, africana e ameríndia, e se foi formando o povo brasileiro, resultante de vârios elementos étnicos, indígenas e forasteiros, assimilados pelo branco (AZEVEDO, 1964, p. 33).

O autor segue com uma visão que transita entre a positivação otimista e um certo idealismo ingênuo ao citar uma suposta “ausência de preconceitos” quando busca valorizar a mestiçagem característica da formação do Brasil e cita autores que exaltam a mestiçagem como responsável pelo sucesso de algumas civilizaçãoes: “[m]as, de um lado, não é menos certo que "todos os povos que marcham à frente da civilização, como lembra Jean Finot, possuem o sangue mais rico em elementos heterogêneos” (AZEVEDO, 1964, p.33). Aliás, ao citar o sociólogo francês Jean Finot (1856-1922), autor do livro Le Préjugé des races9 (1906), um dos poucos teóricos franceses que se mostrou contrários à teoria das raças no período, Azevedo demonstra um disntanciamento teórico cada vez mais nítido dos teóricos racistas.

Em A cultura brasileira, ele demonstra posições muito firmes entorno de uma visão sobre raça que busca deixar de lado o olhar racista negativo sobre a miscigenação, movimento presente nas obras de outros intelectuais que aderiram às ideias da eugenia. Góis Junior (2009, p. 09) vê um movimento de afastamento de Azevedo das teses negativas sobre raça, lembrando que “[c]om isso, os deterministas raciais passam a ser alvo de uma crítica bem elaborada por intelectuais brasileiros como Gilberto Freyre e Fernando de Azevedo, intelectuais modernistas que se tornaram seguidores de uma tradição antirracista, inaugurada por Alberto Torres”. O autor ao fazer uma leitura mais atenta à abordagem do tema raça na obra de Azevedo percebe que ele vai traçando um percurso oposto ao racismo e que na busca por desviar-se das análises propostas pelos racistas mais fervorosos, aponta nas teses sobre “melhoramento da raça” uma outra perspectiva, que vê nos fatores econômicos e sociais as causas do enfraquecimento moral do povo brasileiro. Góis Junior (2009, p.10) destaca o papel de Azevedo como intelectual preocupado com as questões nacionais. Escritor modernista, publicou uma vasta obra em que analisou a sociedade brasileira como um todo, por exemplo, em A cultura brasileira. Azevedo também foi um militante, que mesmo participando ativamente das discussões e dos Congressos de Eugenia e de Higiene (PAGNI, 1994), foi um dos educadores responsáveis e mais engajados no movimento escolanovista. Azevedo ainda teve atuações de destaque como gestor público à frente de secretarias de educação de São Paulo e Rio de Janeiro sempre buscando na educação a superação das desigualdades sociais e nunca na afirmação da superioridade de raças e ou negativando a miscigenação ocorrida no Brasil.

Considerações finais

Ao utilizar o termo eugenista em forma de acusação a Fernando de Azevedo e, ao mesmo tempo, não analisar a sua obra inserida no contexto histórico no qual a eugenia era considerada uma “ciência”, muitos autores têm reduzido a análise sobre a eugenia exclusivamente como um movimento político e não como um movimento que, nos séculos XIX e XX, tinha status de ciência e que contou com a adesão de muitos pensadores. A partir da obra Da Educação Física e das atas do I Congresso de Eugenia, muitos autores têm extraído do pensamento de Azevedo algo anacrônico e estanque, oriundo dos anos 1920. É crucial observar que as obras de Azevedo, em sua evolução temporal, optam por um caminho teórico que restabelece uma compreensão positiva acerca do tema raça, miscigenação e educação.

Há uma inflexão na obra azevediana que vê no racismo eugenista uma forma contraditória às características que a civilização brasileira adquiriu a partir do encontro das três etnias básicas - índios, portugueses e negros -, o que se revela pela sua aproximação às teses defendidas por Gilberto Freyre. Isto fica ainda mais evidente quando Azevedo faz críticas ao pensamento de Oliveira Viana, autor profundamente identificado com as teorias sobre raça. Conforme destaca Gualtiere (2018, p. 482), “[o] movimento eugenista ganhou força nas primeiras décadas do século XX e [...] não foi algo unitário, mas uma população complexa de ideias, profissionais e instituições que se modificou nos contextos em que se desenvolveu”. Sendo assim, é preciso abrir uma nova perspectiva para os estudos acerca da relação da Educação Física com as teses relativas à eugenia. Os estudos superficiais precisam dar lugar a abordagens mais profundas e atentas ao seu devir no Brasil. O termo eugenia tem sido adotado muito mais como uma forma de acusação, em detrimento de uma análise sobre os caminhos percorridos pelas ciências sociais e da saúde, na configuração do estatuto teórico que permitiu e influenciou, também, a institucionalização da Educação Física no Brasil.

As obras de Fernando de Azevedo são, nessa linha, recheadas de dados e referências à formação do povo brasileiro, incluindo o tema raça, mostrando que o autor discorda de teorias racialistas, enquanto há referências de maior destaque para os estudos de Gilberto Freyre, a quem Azevedo devota extrema deferência, evidente especialmente no livro A Cultura brasileira: a transmissão da cultura.

Referências

AZEVEDO, F. Da Educação Física: o que ela é, o que tem sido e o que deveria ser. 1ª. ed. São Paulo: Weiszflog Irmãos, 1920. [ Links ]

AZEVEDO, F. Da Educação Física: o que ela é, o que tem sido e o que deveria ser. 3ª. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, v. 1, 1960. [ Links ]

AZEVEDO, F. Na batalha do humanismo. São Paulo: Melhoramentos, 1952. [ Links ]

AZEVEDO, F. Novos caminhos e novos fins. 3ª. ed. São Paulo: Melhoramentos, v. 1, 1958. [ Links ]

AZEVEDO, F. A cultura brasileira: a transmissão da cultura. 4ª. ed. São Paulo: Melhoramentos, v. 6, 1964. 803 páginas. [ Links ]

AZEVEDO, F. Manifestos dos pioneiros da Educação Nova (1932) e dos educadores 1959. Recife: Fundação Joaquim Nabuco - Editora Massangana, 2010. [ Links ]

CANDIDO, A. Um reformador. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, nº 12 dezembro 1994. páginas 11-17. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i37p11-17Links ]

CAPONI, G. O neolamarckismo de Spencer. Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia - 14º SNHCT. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. 2014. [ Links ]

CARONE, E. A República Velha I: Instituições e Classes Sociais. 4ª ed. Rio de Janeiro: DIFEL, v. I, 1978. [ Links ]

CARVALHO, J. M. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. [ Links ]

CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil- o longo caminho. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. [ Links ]

CARVALHO, L. D. A trajetória de Francis Galton e sua perspectiva eugênica no primeiro trimestral de The eugenics review (1909). Fênix - Revista de História e Estudos Culturais, Rio de Janeiro, v.14, n.2, páginas 1-18, dezembro 2017. [ Links ]

CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. 18ª. ed. Campinas: Papirus, 1988. [ Links ]

CASTRO, M.C.F.C.D. O arquivo Fernando de Azevedo: cronologia e biografia. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n.37, p.213-245, 1994. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i37p213-245Links ]

CHALHOUB, S. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. [ Links ]

DAOLIO, J. Educação Física brasileira: autores e atores da década de 1980. Campinas: Papirus, 1998. [ Links ]

FAGUNDES, A. L. O. Cartas pedagógicas de John Locke à modernidade. Cartas pedagógicas de John Locke à modernidade. Florianópolis: Anped. 2014. páginas 1-19. [ Links ]

FAUSTO, B. História do Brasil. 2ª. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995. [ Links ]

FAUSTO, B. O pensamento nacionalista autoritário: 1920/1940. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. [ Links ]

FAUSTO, B. Trabalho urbano e conflito social: 1890-1920. 2ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. [ Links ]

FILHO. BRÍCIO O GLOBO, 2. Na Instrução Municipal. A poesia do corpo. O Globo, Rio de Janeiro, 27 abr. 1929. 183. [ Links ]

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. - Rio de Janeiro, LTC, 2008. [ Links ]

GHIRALDELLI JR, P. Filosofia e história da educação brasileira. Barueri: Manole, 2003. [ Links ]

GÓIS JUNIOR, E. Modernismo, raça e corpo: Fernando de Azevedo e a questão da saúde no Brasil (1920-1930). Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 30, nº 2, p. 39-56, janeiro 2009. [ Links ]

GORENDER, J. A burguesia brasileira. 2ª reimpressão. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998. [ Links ]

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. [ Links ]

GUALTIERE, R. C. E. Da regeneração social ao direito biológico: um ponto de inflexão nas propostas educacionais de Fernando de Azevedo. Revista Eletrônica de Educação, São Paulo, maio/agosto 2018. páginas 483-500. DOI: https://doi.org/10.14244/198271992094Links ]

HOBSBAWM, E. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Tradução de Maria Celia PAOLI e Anna Maria QUIRINO. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. [ Links ]

IANNI, O. A ideia de Brasil moderno. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. [ Links ]

KERN, G.D.S. “Educar é eugenizar” racialismo, eugenia e educação no Brasil (1870-1940). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, p. 208. 2016. [ Links ]

LESSA, C. Nação e nacionalismo a partir da experiência brasileira. Estudos Avançados - USP, São Paulo, v. 22, n. 62, páginas 237-256, 2008. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-40142008000100016Links ]

MANNHEIM, K. Sociologia da cultura. 2ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. [ Links ]

NASCIMENTO, A.S. Fernando de Azevedo: dilemas na institucionalização da Sociologia no Brasil. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. [ Links ]

OLIVEIRA, L.L. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. [ Links ]

PENNA, M.L. Fernando de Azevedo - Coleção Educadores. Recife: Fundação Joaquim Nabuco - Massangana, 2010. páginas 162. [ Links ]

PILETTI, N. Da Educação Física às Ciências Sociais. Revista Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n.37, p.81-98, 1994. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i37p81-98Links ]

RESENDE, M.J.D. Diferenciação, evolução e mudança social em Fernando de Azevedo. Cronos, Natal, v. 5/6, n. 1/2, p. 173-192, janeiro/dezembro 2004/2005. [ Links ]

SANTANA, N.M.C.; AUGUSTO DOS SANTOS, R. Projetos de modernidade: autoritarismo, eugenia e racismo no Brasil do século XX. Revista de Estudios Sociales, Universidade de los Andes, Colômbia, julio 2016. páginas 28-38. DOI: https://doi.org/10.7440/res58.2016.02Links ]

SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4ª. ed. Campinas: Autores Associados, 2013. [ Links ]

SCHWARCZ, L.M. O Espetáculo das Raças. Cientistas, Instituições e questão racial no Brasil. 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. [ Links ]

SOARES, C.L. Educação Física: raízes européias e Brasil. 5ª. ed. Campinas: Autores Associados, 2012. [ Links ]

SOUSA, R.A.S.D. A extinção dos brasileiros segundo o conde Gobineau. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, janeiro de 2013. páginas 21-34. DOI: https://doi.org/10.53727/rbhc.v6i1.249Links ]

STEPAN, N.L. Eugenia no Brasil, 1917-1940. In: HOCHMAN, G., and ARMUS, D., orgs. Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe [online]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004. História e Saúde collection, páginas. 330-391 p. Disponível em: ISBN 978-85-7541-311-1. Avaliable from SciELO Books. http://books.scielo.org. [ Links ]

STEPAN, N.L. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005b. [ Links ]

VECHIA, A.; LORENZ, K. M. Fernando de Azevedo e a questão da “raça brasileira”: sua regeneração pela Educação Física. Cadernos de História da Educação, Uberlândia, 8, junho 2009. páginas 57-70. [ Links ]

VIANNA, O. Evolução do povo brasileiro. 3. ed. Sã Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. [ Links ]

VIMIEIRO GOMES, A.C.; WEGNER, R.; DE SOUZA, V. Ciência, raça e eugenia na segunda metade do século XX: novos objetos e nova temporalidade em um panorama internacional. Varia História, Belo Horizonte, 33, janeiro-abril 2017. páginas 15-19. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-87752017000100002Links ]

WEGNER, R. Dois geneticistas e a miscigenação. Varia História, Belo Horizonte, 33, 2017. páginas 79-107. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-87752017000100005Links ]

1“O surgimento da intelligentsia marca a última fase do crescimento da consciência social. A intelligentsia foi o último grupo a adotar o ponto de vista sociológico, pois sua posição na divisão social do trabalho não lhe propicia acesso direto a nenhum segmento vital e ativo da sociedade. O gabinete recluso e a dependência livresca só permitem uma visão derivada do processo social. Não é por acaso que essa camada ignorou por tanto tempo o caráter social da mudança. E os que finalmente se mostraram sensíveis ao pulso social de seu tempo encontraram o caminho para uma apreciação sociológica de sua própria posição bloqueado pelo proletariado” (MANNHEIM, 2001, p.77-78).

2Gênio hereditário, em tradução livre dos autores.

3Como relata Dermeval Saviani no livro História das Ideias Pedagógicas no Brasil (SAVIANI, 2013, p. 175) “O estopim das mudanças foi a Reforma Sampaio Dória, em São Paulo, em 1920, que leva o nome do então diretor-geral da Instrução Pública do estado, Antonio de Sampaio Dória (1883-1964). Preocupado com o fato de metade da população de 7 a 12 anos estar fora da escola e com um baixo orçamento, ele propôs uma etapa inicial de dois anos (equivalente ao começo do Ensino Fundamental atual), gratuita e obrigatória”.

4A radiodifusão que, de fato, se iniciou no Brasil em 1919 com a primeira estação, a Rádio clube de Pernambuco, e tomou impulso em 1923 com a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada, com intuitos puramente culturais, por Roquette Pinto, - o pioneiro da rádio-cultura no país-, e Henrique Morize, e transferida mais tarde para o governo federal, só se desenvolveu, na realidade, e de maneira surpreendente, depois da revolução de 1930 e, sobretudo, da de São Paulo em 1932, em que o rádio exerceu papel proeminente na propaganda da revolução. (AZEVEDO, 1964, p. 418)

5A prosperidade do Sul seria fruto dos contingentes alemães e de outras etnias estrangeiras, que deram impulso à vida naquelas regiões. O progresso lento do extremo Norte estaria ligado ao fato de não ter havido ali a presença daqueles stocks étnico-culturais, sendo operações de nordestinos, que ele considerou, por certos aspectos, sem os requisitos para operações de tão alto significado civilizador. (VIANNA, 1938)

6Conforme Clifford Geertz, todas ou virtualmente todas as correntes teóricas que tentaram localizar o homem no conjunto de seus costumes adotaram uma tática de relacionar os fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais entre si, denominada por ele como concepção estratigráfica. A estratigrafia compreenderia o homem como a sobreposição desses incontestáveis fatores, em camadas completas e irredutíveis. Os fatores culturais, neste conceito de estratificação hierárquica, não se misturam com os demais fatores, pressupondo uma relação de independência, criando a imagem de um homem que, embora racional, estaria nu em relação aos seus costumes (GEERTZ, 2008).

7Os intelectuais de tipo orgânico, ao se desenvolverem, deparam-se com os de tipo "tradicional", herdados de formações histórico-sociais anteriores: clérigos, filósofos, juristas, escritores, entre outros. Estes intelectuais tradicionais têm um forte sentimento de continuidade através do tempo e veem-se como independentes em relação às classes sociais em luta. De um certo modo, estas últimas tentam capturar para si estes intelectuais tradicionais no processo da luta pela hegemonia. No caso da classe operária, para Gramsci, a luta seria no sentido de afirmar um novo intelectual, não mais afastado do mundo produtivo ou encharcado de retórica abstrata, mas capaz de ser, simultaneamente, especialista e político. Em outras palavras, capaz de exercer uma função dirigente no novo bloco histórico (GRAMSCI, 1989).

8Foi deposto em 24 de outubro de 1930, vinte e um dias antes do término do seu mandato como presidente da república, por um golpe militar liderado pelo general Tasso Fragoso, que passou o poder, em 3 de novembro, às forças político-militares comandadas por Getúlio Vargas, na denominada Revolução de 1930. Foi o criador do primeiro serviço de Inteligência do Brasil em 1928.

9Em tradução livre Preconceito de Raça

Recebido: 25 de Agosto de 2021; Aceito: 09 de Dezembro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons