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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub Sep 13, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-127 

Artigos

Juventude Estudantil e Autoritarismo aos olhos da Imprensa do Triângulo Mineiro (1964-1969)

Juventud Estudiantil y Autoritarismo a los Ojos de la Prensa Del Triângulo Mineiro (1964-1969)

Isaura Melo Franco1 
http://orcid.org/0000-0002-5735-3937; lattes: 3522475181706078

Sauloéber Tarsio de Souza2 
http://orcid.org/0000-0002-9797-341X; lattes: 8937954864858691

1Universidade Federal de Uberlândia (Brasil). isauramelo66@gmail.com

2Universidade Federal de Uberlândia (Brasil). sauloeber@gmail.com


Resumo

Este artigo tem como principal objetivo identificar as representações mais expressivas veiculadas pela imprensa do Triângulo Mineiro sobre as ações e ideários políticos existentes entre a juventude estudantil frente ao autoritarismo da década de 1960. Privilegiou-se o recorte temporal dos anos iniciais da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1969) por conta de terem sido marcados por grande efervescência política e sociocultural, acompanhada e registrada com proximidade pelos jornais de todo o país e, neste estudo em específico, enfocou-se os veículos Cidade de Ituiutaba e Correio do Triângulo (Ituiutaba); Correio de Uberlândia e Tribuna de Minas (Uberlândia) e Correio Católico e Lavoura e Comércio (Uberaba). Observaram-se mais aproximações do que diferenças na narrativa produzida por estes veículos em relação às representações construídas em torno dos estudantes, apresentados como cidadãos comprometidos com a “ordem e o progresso”, e não com a “baderna” que ameaçava o status quo vigente. Assim, os jornais atuaram entre dois polos indo da adesão imediata ao regime autoritário até a contestação discreta de suas ações violentas contra os estudantes, construindo narrativas e simbolismos da realidade local, visando manipulá-la e transformá-la de acordo com os interesses dos grupos mantenedores desta imprensa.

Palavras chaves: Juventude Estudantil; Representações de Imprensa; Ditadura civil-militar

Resumen

El objetivo principal de este artículo es identificar lãs representaciones más expresivas que transmite la prensa del Triângulo Mineiro sobre lãs acciones e ideas políticas existentes entre La juventud estudiantil ante el autoritarismo de los años sesenta en Brasil (1964-1969) porque estuvieron marcados por una gran efervescencia política y sociocultural, monitoreados de cerca y registrados por periódicos de todo el país y, en este estudio específico, fueron enfocados los vehículos Cidade de Ituiutaba y Correio do Triângulo (Ituiutaba); Correio de Uberlândia y Tribuna de Minas (Uberlândia) y Correio Católico y Lavoura e Comercio (Uberaba). Hubo más aproximaciones que diferencias em la narrativa producida por estos vehículos em relación a las representaciones construídas en torno a los estudiantes, presentados como ciudadanos comprometidos com el “orden y progreso”, y no com la “confusión” que amenaza el statu quo actual. Así, los periódicos actuaron entre dos polos que van desde la adhesión in mediata al regimen autoritario hasta el discreta observación de sus acciones violentas contra los estudiantes, construyendo narrativas y simbolismos de la realidad local, com el objetivo de manipularla y transformarla según los intereses de los grupos mantenedores de esta prensa.

Palabras clave: Juventud Estudiantil; Representaciones de la prensa; Dictadura cívico-militar

Abstract

The main objective of this article is to identify the most expressive representations aired by the Triângulo Mineiro press about the political actions and ideas existing among student youth in the face of the authoritarian in 1960s in Brazil (1964-1969) because they were marked by great political and sociocultural effervescence, close by monitored and recorded by newspapers across the country and, in this specific study, we focused in Cidade de Ituiutaba and Correio do Triângulo (Ituiutaba press); Correio de Uberlândia and Tribuna de Minas (Uberlândia press) and Correio Católico and Lavoura e Comércio (Uberaba press). There were more approximations than differences in the narrative produced by these vehicles of the press in relation to there presentations built around students, presented as citizens committed to "order and progress", and not to the "turmoil" that threatened the current status quo. Thus, newspapers acted between two poles ranging from immediate her acceptance to the authoritarian regime to the discreet challenge of their violent actions against students, building narratives and symbolisms of the local reality, aiming to manipulate and transform it according to the interests of the groups maintainers of this press.

Keywords: Student Youth; Press Representations; Civil-military dictatorship

Introdução

Neste trabalho são abordadas as representações sobre as ações e ideários referentes aos estudantes secundaristas e universitários presentes em seis jornais veiculados nos municípios mineiros de Ituiutaba, Uberlândia e Uberaba no período posterior ao golpe civil-militar de 1964 até o final da década de 1960.1 Assim foram eleitos para estudo os impressos Cidade de Ituiutaba e Correio do Triângulo publicados em Ituiutaba; Correio de Uberlândia e Tribuna de Minas, provenientes de Uberlândia; e Correio Católico e Lavoura e Comércio que circularam em Uberaba neste período.

Destaca-se que estes jornais produziram representações da juventude do Triângulo Mineiro em grande quantidade, num momento em que os estudantes se projetaram como fonte de resistência ao governo autoritário estabelecido no país em 1964, apresentando-se naquele contexto, enquanto um dos poucos canais que fizeram frente à ditadura civil-militar, por meio das ações de órgãos como os DCEs (Diretórios Centrais Estudantis), as UEEs (Uniões Estaduais dos Estudantes) e a UNE (União Nacional dos Estudantes) entre outros.

A reação da juventude estudantil brasileira buscava se opor ao golpe civil-militar que encerrara um período democrático de quase duas décadas após o fim do Estado Novo de Vargas (1945-1964), dando início a novo período autoritário prolongado com base em um aparato altamente repressivo junto a sociedade civil em geral. Em outras palavras:

O autoritarismo traduz-se, igualmente, pela tentativa de controlar e sufocar amplos setores da sociedade civil, intervindo em sindicatos, reprimindo fechando instituições representativas de trabalhadores e estudantes, extinguindo partidos políticos, bem como a exclusão do setor popular e dos seus aliados da arena política [...] O Estado militar caracteriza-se pelo aumento da intervenção na esfera econômica, concorrendo decisivamente para o crescimento das forças produtivas do país, sob a égide de um perverso processo de desenvolvimento capitalista que combinou crescimento econômico com uma brutal concentração de renda (GERMANO, 2005, p.55-56).

O movimento estudantil de caráter crítico e contestatório se constituiu em principal alvo da ditadura, dentre todas as categorias sociais perseguidas. Tal fato pode ser constatado pelo grande número de estudantes presos e mortos. Entre os anos de 1964 a 1974, representantes das camadas sociais intelectualizadas compuseram a maior parte dos grupos de oposição à ditadura, de forma que 57,8% do total de 2.112 processados pela Justiça Militar eram jovens, cuja maioria 51,8% tinha até vinte e cinco anos de idade, sendo destes 81,7% pertencentes ao sexo masculino (RIDENTI, 2010).

Mesmo considerando-se que a juventude estudantil brasileira foi um dos mais expressivos focos de luta contra o governo civil-militar, não se pode compreendê-la como um corpo homogêneo comprometido em sua integralidade com as transformações sociais. Havia grande diversidade de posições políticas nas diferentes entidades estudantis surgidas neste período, localizando-se em vários espectros até mesmo aqueles radicalmente de direita, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

É a partir desta perspectiva pluralista do movimento estudantil que se buscou estudá-lo tendo como base as representações veiculadas pelos jornais do Triângulo Mineiro, identificando as imagens-ideias produzidas na relação entre a imprensa escrita e esse grupo social, apresentando suas contradições e aproximações em contexto de grande agitação política. Evidencia-se de forma clara, que a temática que associava os estudantes a política nacional vai desaparecendo das páginas dos jornais à medida que o regime autoritário aumenta a repressão, de maneira que o movimento estudantil pouco a pouco deixa de ocupar as páginas da imprensa escrita enquanto agente político.

No processo de coleta de dados da pesquisa, adotou-se a expressão “juventude estudantil” para se categorizar as práticas e ideários dos estudantes presentes nas páginas da imprensa escrita. A juventude é entendida como fase do desenvolvimento humano que compreende o período entre a adolescência e a idade adulta que se transforma mediante as mudanças sociais que vêm ocorrendo ao longo da história. Sendo esta marcada pela diversidade de condições sociais, culturais, de gênero e, até mesmo, regionais, dentre outros elementos (DAYRELL, 2001).

Além da adoção do instrumental teórico relativo ao debate em torno do conceito de juventude, recorreu-se a Roger Chartier (1990) e ao seu conceito de representações, que compreende estas enquanto construções narrativas e simbólicas de dada realidade, mas que possuiriam elementos capazes de transformá-las, motivadas pelos interesses dos grupos que forjam estas representações:

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por ela menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER, 1990, p.17).

Logo se partiu do entendimento de que a análise sobre as representações de imprensa deve estar diretamente relacionada ao estudo do contexto político e sociocultural em que estas foram produzidas. Na utilização da imprensa periódica como fonte nas pesquisas históricas, deve-se observar a multiplicidade de elementos socioculturais presentes no cenário em que foram produzidas as reportagens jornalísticas, bem como buscar ter clareza do papel social desempenhado pelo jornal em estudo (LUCA; MARTINS, 2006).

Sobre esse último aspecto, é importante situar, mesmo que brevemente, o contexto e principais ligações dos jornais, já que como afirmou Chartier (1990), as representações são forjadas a partir dos interesses dos grupos que as criam e buscam meios para as veicularem, neste estudo em específico, a imprensa escrita jornalística do Triângulo Mineiro.

Ressalta-se que a imprensa desde seus primórdios foi marcada por interesses, impasses, divergências, ideologias e visões específicas de mundo, homem e sociedade, os quais circulavam por determinados grupos presentes em cada momento histórico, de forma que “Se o texto é fruto da concepção de uma determinada elite, letrada, ele não corresponde integralmente à realidade, mas compõe uma interpretação, uma representação do real, formulada em um determinado momento, sob a influência de concepções específicas (GONÇALVES NETO, 2002, p. 205).”

Nesta perspectiva, é importante conhecer um pouco dos jornais, estas fábricas produtoras de ideias junto ao imaginário social. No quadro que segue, podem-se visualizar algumas informações do conjunto dos impressos utilizados na pesquisa:

Quadro Imprensa Escrita nos Municípios de Ituiutaba, Uberaba e Uberlândia (1964-1969) 

ANO JORNAL FUNDADOR/DIRETOR REDATOR-CHEFE MUNICÍPIO DE ORIGEM PERÍODO DE CIRCULAÇÃO
1897 CorreioCatólico Cônego Aurélio Elias de Sousa Cônego Armênio Cruz Uberaba 1897 a 1972
1899 Lavoura e Comércio Antonio Garcia Adjunto Quintiliano Jardim Uberaba 1899 a 2003
1938 Correio de Uberlândia José Honório Junqueira Valdir Melgaço Barbosa Uberlândia 1938 a 2016
1959 Correio do Triângulo Benjamin Dias Barbosa Jayme Gonzaga Ituiutaba 1959 a 1965
1966 Cidade de Ituiutaba Benjamin Dias Barbosa Benjamin Dias Barbosa Ituiutaba 1966 a 1970
1966 Tribuna de Minas Cônego Antônio Afonso da Cunha Antonio Pereira da Silva Uberlândia 1966 2

Fonte: Arquivos Públicos dos municípios de Ituiutaba, Uberaba e Uberlândia, 2017.3

Em relação aos jornais de Uberaba, o Correio Católico teria originado de outro impresso o Jornal de Uberaba criado em 2 de julho de 1896 sob a direção do Cônego Aurélio Elias de Sousa, tendo vários colaboradores políticos, porém após a 79º edição foi transferido para a propriedade dos padres dominicanos locais, recebendo a denominação de Correio Católico, em 10 de outubro de 1897. Logo passou a ser publicado diariamente sob o comando do Padre Armênio Cruz. A criação desse jornal, no final do século XIX, aconteceu em um momento de expansão da imprensa católica e de jornalistas eclesiásticos, movimento incentivado após a publicação de Carta Apostólica pelo papa Leão XIII em 25 de janeiro de 1882, mobilizando os intelectuais católicos e eclesiásticos para a utilização dos jornais como veículo de condução dos princípios morais religiosos (PONTES, 1976).O Correio Católico era impresso em preto e branco, publicado inicialmente em edições semanais até chegar ao formato de diário em meados dos anos de 1960 com seis páginas.

Também o jornal Lavoura e Comércio foi fundado em fins do século XIX, no dia 6 de julho de 1899, pelo então Agente Executivo de Uberaba Antonio Garcia Adjunto, o qual permaneceu neste até o ano de 1903, quando foi vendido a Francisco Jardim, ocupando o posto de redator-chefe seu irmão Quintiliano Jardim até o seu falecimento ocorrido em outubro de 1966. Como seu próprio título indicava, Lavoura e Comércio foi fundado para atender inicialmente aos anseios dos fazendeiros da região. De início tinha o objetivo de realizar um protesto contra o imposto territorial rural considerado abusivo na época, no início da década de 1950 publicava em média cinco mil e seiscentos exemplares, atingindo a maior venda dos jornais do interior do país (PONTES, 1976). Era impresso em preto e branco, de publicação diária e em seis páginas, sendo veiculado até o início dos anos 2000.

Se os jornais de Uberaba estavam ligados à tradição de grupos ruralistas e católicos em Uberlândia o cenário não se divergia do município vizinho. O Correio de Uberlândia foi fundado em 1938 pelo produtor rural de Ribeirão Preto, José Honório Junqueira, proprietário de outros sete jornais, o qual concedeu a seu filho Luiz Nelson Junqueira a responsabilidade com esse impresso, que logo tratou de contratar Abelardo Teixeira como seu redator-chefe. Tal periódico, que representava os interesses dos grupos sociais que estavam no poder, contribuiu de forma efetiva para a consolidação do imaginário político e social de Uberlândia enquanto município progressista, que acompanhava o desenvolvimentismo no âmbito nacional (ARAÚJO, 2007). Ressalta-se que esse impresso desde os anos de 1940 pertencera a empresários e políticos ligados a UDN. Dentre seus dirigentes destacaram-se João Naves de Ávila, Nicomedes Alves dos Santos, Alexandrino Garcia e Valdir Melgaço Barbosa (FERNANDES, 2008). Este último assumiu a direção do jornal em 1952, permanecendo neste durante os anos de 1950 e 1960. No período estudado, o Correio de Uberlândia era publicado em preto e branco, de dois em dois dias e também em seis páginas.

No dia 13 de maio de 1966, em Uberlândia nasceu outro periódico católico assim como na vizinha Uberaba, a Igreja Católica buscou formar opinião por meio da imprensa fundando o jornal Tribuna de Minas, publicado três vezes por semana, sob a direção de Cônego Antônio Afonso da Cunha e como redator Antonio Pereira da Silva. Observa-se que os católicos entraram na disputa narrativa em relação aos problemas daquele período, buscando veicular ideários que iam de encontro aos seus interesses na sociedade local por meio da imprensa escrita.

Por fim, apresentam-se os jornais de Ituiutaba, iniciando pelo Correio do Triângulo que circulou entre fevereiro de 1959 a novembro de 1965, semanalmente em seis páginas. Era pertencente a Benjamin Dias Barbosa, tinha como diretor e redator Jayme Gonzaga e como diretor comercial Joaquim Pires das Neves. Em 25 de dezembro de 1965, Benjamin Dias Barbosa daria inicio a outra empreitada criando o jornal Cidade de Ituiutaba apenas mudando o nome do jornal anterior e promovendo algumas outras alterações, mesmo assim, continuou sendo um semanário, impresso em quatro páginas até o ano de 1972, quando passou a circular bissemanalmente, no ano seguinte tornou-se trissemanário, e diário em 1974, sendo vendido no ano de 1976. Benjamin Dias Barbosa enquanto proprietário destes dois jornais que circularam em Ituiutaba trabalhou no sentido de defender os interesses da elite ruralista do município (FRANCO, 2014).

Como se vê, os proprietários dos jornais ligavam-se a tradição destes municípios, vinculando-se ao mundo rural e católico da região, também lutavam por prestígio social e o desejo de partilhar o poder.Nesse sentido corrobora-se com o entendimento de John Wirth (1982) em análise da imprensa mineira após a Proclamação da República:

A imprensa local foi outro marco do regionalismo mineiro. De maneira geral, um jornal de cidade pequena continha notícias políticas e anúncios comerciais numa edição semanal de 500 cópias. Geralmente pertencia ao chefe político do local, cujo domínio era disputado por um chefe rival com sua própria imprensa. Fica evidente que os jornais desempenharam uma função primordial na política local (WIRTH, 1982, p.131).

Tal lógica que associava imprensa escrita e poder se prolongou ao longo do século XX, perdendo sua força com o advento do surgimento de outros veículos de comunicação, porém, ainda nos anos de 1960, recorte desta pesquisa, os jornais mantinham grande inserção no debate político isto fica evidenciado na análise aqui proposta que vincula regime autoritário a mudança na representação da juventude estudantil nas páginas da imprensa.

O artigo está organizado em três seções, além de introdução e considerações finais, a saber: “O evento de abril de 64 e o controle da juventude estudantil aos olhos da imprensa local”; “Representações da juventude estudantil frente ao autoritarismo dos anos de chumbo” e “O movimento estudantil nacional e a “subversão” noticiada”.

O evento de abril de 64 e o controle da juventude estudantil aos olhos da imprensa local

Nos dias que antecederam ao golpe civil-militar em abril de 1964, espalhou-se pelo país, em especial nas grandes capitais, um movimento auto intitulado “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” que tinha o apoio de setores conservadores da Igreja Católica, reunindo milhares de pessoas em espaços públicos tendo como alvo a ameaça comunista resultado do contexto da Guerra Fria. Essas manifestações representaram o impulso que faltava ao espírito golpista das forças armadas que desencadearam o movimento apoiado por setores da sociedade civil que culminaria na deposição do presidente João Goulart e a tomada do poder pelos militares, as marchas continuariam até junho daquele ano, dando legitimidade ao governo autoritário.

Na região do Triângulo Mineiro não foi diferente, a imprensa nesse cenário concedeu destaque para a realização de tais passeatas envolvendo também a participação de uma parcela estudantil, associada aos interesses conservadores e em defesa da manutenção do sistema capitalista. Este movimento, contou com o apoio do então governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, que mobilizou as tropas do estado e conclamou a cooperação de todos os mineiros em defesa das marchas (SANFELICE, 1986).

A imprensa celebrava esse movimento social conservador e destacava a participação de estudantes na marcha em Uberlândia, assim como integrantes de diversos setores da sociedade civil local, como abordou em sua manchete “Milhares de Uberlandenses na Marcha pela Liberdade” (Correio de Uberlândia, 05/04/1964):

FESTA DO POVO. A monumental Marcha com Deus pela Liberdade foi uma festa do pôvo autêntica e expontânea. Mas foi também uma demonstração que Uberlândia está ao lado da ordem, da democracia, em campo opôsto ao comunismo ateu e desagregacionista destruidor da família brasileira. As escolas de samba do povo desfilaram, os estudantes, os trabalhadores, os operários, intelectuais, homens do comércio e do campo, enfim tôdas as classes sociais disseram ‘presente’ a marcha, simbolizando o ‘não’ ao totalitarismo que se tentou impor ao Brasil livre (sic).

O jornal uberlandense buscava criar no imaginário local a ideia de unidade em torno do combate ao comunismo (“ateu e desagregacionista”), anulando as diferenças sociais e apresentando após “as escolas de samba”, “os estudantes” em claro movimento que visava inseri-los enquanto categoria na adesão ao abril de 1964.

No município de Ituiutaba a “Marcha da Vitória”, de acordo com a posição defendida pela imprensa, realizou-se no dia 3 de abril de 1964, contando com a participação de cerca de cinco mil pessoas em passeata e missa em frente à Igreja Matriz local, onde se comemorou a vitória dos “princípios cristãos” sob os ditos “comunistas”.

Dia 3 de Abril foi uma data que ficará gravada na história de Ituiutaba. Nada menos de 5000 pessoas participaram da grandiosa passeata da vitória, comemorando a mudança de governo e consequente derrota do comunismo que ameaçava as instituições e a própria soberania nacional. A despeito da quase improvisação, o desfile patrocinado pela União Estudantil Ituiutabana, foi espetacular. Jamais se registrou tamanho entusiasmo e vibração cívica em nossa terra. Orações intercaladas de hinos e vivas [...] No palanque improvisado no centro da Rua 20 fizeram-se ouvir vários oradores, entre êles os srs. Gotardo Soares Ferreira, Gersón Abrão, ambos acadêmicos de direito [...] Ituiutaba vibrou, numa das maiores manifestações públicas já realizadas em nossa terra. Regosijo pela vitória da democracia. Foi uma autêntica Marcha da Família, com Deus pela liberdade (sic) (Correio do Triângulo, 07/04/1964).

Também nessa matéria, verifica-se o apoio à tomada do poder pelos militares por meio da marcha que, segundo o ponto de vista do jornal, teria contado com a colaboração de grande parte da sociedade, capitaneada pelos estudantes representados pela “União Estudantil Ituiutabana” e pelos “acadêmicos de direito”. Pela reportagem, o jornal descrevia o movimento enquanto o verdadeiro ato de civismo, misturando “orações intercaladas de hinos e vivas”.

Em Uberaba tal marcha em comemoração à chegada dos militares ao poder ocorreu somente no dia 23 de abril de 1964, com concentração em frente à Praça Rui Barbosa. A organização desse evento contou com a participação de senhoras pertencentes às classes dirigentes locais e da Associação Comercial e Industrial de Uberaba.

Os jornais uberabenses veicularam uma série de reportagens em apoio à chamada “Marcha com Deus pela Democracia”. No dia seguinte após a realização de tal manifestação o Lavoura e Comércio publicou a manchete “Uberaba viveu a maior hora cívica de sua história” (24/04/1964). Apesar da anunciada participação de diversos setores da sociedade uberabense em tal evento, a classe estudantil local, diferentemente dos outros dois municípios, não fora citada pelo jornal como um dos grupos que colaborou e participou dessa empreitada.

É importante lembrar que logo após a deposição de João Goulart, a maior parte da imprensa brasileira demonstrou apoio aos militares pela tomada do poder (BARBOSA, 2007), assim como ocorreu com os jornais do Triângulo Mineiro.

Em tal contexto de adesão de diversos setores ao golpe civil-militar, os discentes triangulinos foram observados com maior proximidade pela imprensa escrita. Visto que, considerável parte destes apoiara a chapa Lott e João Goulart nas eleições a presidência e a vice-presidência da República no ano de 1960:

Fonte: Folha de Ituiutaba, 21/05/1960.

Figura 1 Matéria sobre o “Comitê Estudantil Masculino pró Lott” 

A organização dos estudantes em apoio a Lott indicava o alinhamento de ideais de parte dos secundaristas no Triângulo Mineiro com o movimento estudantil nacional 4. Nesse período os dirigentes da UNE, UBES e UME também demonstraram apoio a Lott, apresentando tendências políticas mais próximas aos setores progressistas (FRANCO, 2014).5 Logo o movimento estudantil nacional por todo o país foi alvo imediato da repressão instituída pelo regime político de 1964, de tendências conservadoras e autoritárias.

A UESU (União dos Estudantes Secundaristas de Uberlândia) assim como o movimento discente nacional sofreram as consequências do autoritarismo imposto pelo regime, como indicava a imprensa local:

A diretoria da UESU, eleita dia 29 de março não poderá tomar posse, conforme apuramos, a 1º de maio, data que já estava marcada, isto porque, alguns elementos de sua composição estão sob acusação de prática de idéias comunistas, contrárias ao regime democrático instaurado graças ao movimento revolucionário de 1º de abril [...] (Correio de Uberlândia, 13/04/1964).

Na referida ocasião, a chapa vencedora das eleições para o ano de 1964 em votação legal foi impedida de tomar posse, seus integrantes foram acusados de comunistas e desmoralizados perante a sociedade local, de forma que:

a UESU sofreu interferência política, por causa, da liderança considerada subversiva e simpatizante ao comunismo, mas o movimento não precisava ser dizimado, somente substituir seus líderes, por outros, de afinidades políticas com o novo governo (GUEDES, 2003, p.29).

Após os estudantes considerados “subversivos” serem impedidos, outra chapa foi eleita e tomou posse na sede do órgão. Fato que demonstrava o controle das manifestações discentes na região pelas forças políticas conservadoras instituídas, devendo a imprensa colaborar com tal perspectiva que representava os anseios das elites dominantes em esvaziar este movimento.

Os nomes dos secundaristas que se apresentavam como candidatos a representação discente passavam por uma espécie de triagem para que pudessem dirigir as uniões estudantis nessa localidade. Desse modo, esses órgãos tiveram que se adaptar ao novo cenário de perseguição aos estudantes que se engajavam em oposição ao regime político autoritário.

Também era frequente nesse período o contato entre as entidades discentes da região, como indicava a coluna “Vida Estudantil” 6, do Correio do Triângulo de 17/05/1964, a qual noticiava a visita do presidente da UEI (União Estudantil de Ituiutaba) à sede da UEU (União Estudantil de Uberaba):

Dia 1º pp. o presidente da U.E.I partiu para a vizinha cidade de Uberaba, onde foi tratar de assuntos pessoais e dos estudantes desta cidade. Levou uma mensagem de solidariedade e apoio ao marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, entrou em conversações com os atuais diretores da U.E.U e trouxe para nós a honrosa notícia da vitória de um Ituiutabano para a presidência daquela entidade [...] os nomes daquela chapa serão enviados à Belo Horizonte, e lá passarão por um processo de triagem e posteriormente será remetido de volta a Uberaba, não encontrando nenhum elemento comprometedor dar-se-á a posse dos novos dirigentes da União Estudantil Uberabense (Correio do Triângulo, 17/05/1964).

A UEI e a UEU, assim como a UESU, sofreram as imposições e as restrições estabelecidas pelo governo opressor, na tentativa de coibir possíveis protestos de secundaristas contra os novos rumos políticos, como ocorria nas capitais.

Nesse cenário repressivo, os órgãos estudantis foram orientados a organizarem seus estatutos conforme os interesses das forças direitistas. Mesmo antes da aprovação da Lei Suplicy de Lacerda, a UEI realizou uma “Assembléia Geral Extraordinária” que tinha o intuito de elaborar uma nova constituição para o órgão, como demonstrava a nota de convocação abaixo:

UNIÃO ESTUDANTIL DE ITUIUTABA

CONVOCAÇÃO

Assembléia Geral Extraordinária

O presidente da UNIÃO ESTUDANTIL ITUIUTABANA; no ato de suas atribuições, considerando que os Estatutos da U.E.I não se encontram em condições de auxiliar tanto a Diretoria, quanto aos estudantes a ela filiados em suas atividades, e usando das prerrogativas que lhe autorga o artigo 41º do capítulo VIII dos estatutos da entidade, convoca todos os estudantes inscritos e quites, em pleno uso de seus direitos, para a Assembléia Geral Extraordinária, que se realizará dia 24 de outubro do corrente ano, as 13, 30 horas, no Salão Paroquial Pio XII, à Rua 20 entre as avs. 5 e 7, nesta cidade, onde será discutido e submetido a aprovação a nova CONSTITUIÇÃO da União Estudantil Ituiutabana [...] Ituiutaba, 1º de outubro de 1964 [...] Presidente da U.E.I (sic) (Correio do Triângulo, 15/10/1964).

A Lei Suplicy (no. 4.464 de 09/11/1964) proposta pelo então ministro da Educação e Cultura Flávio Suplicy de Lacerda previa a dissolução das Uniões Estaduais de Estudantes e da UNE estabelecendo um maior controle sobre os grêmios e diretórios estudantis, estas entidades não poderiam se manifestar sobre as questões de ordem política, assim, o regime buscou impor as entidades discentes novos objetivos e normas de funcionamento (RIDENTI, 2010). O governo de Castelo Branco buscou limitar até mesmo as ações culturais dos secundaristas.

Nos estabelecimentos de ensino de grau médio, somente poderão constituir-se grêmios com finalidades cívicas, sociais e desportivas, cuja atividade restringiria aos limites estabelecidos no regimento escolar devendo sempre ser assistido por um professor (BRASIL, 1964).

Deste modo estaria estabelecido pela ditadura civil-militar o clima nacional de perseguição aos líderes estudantis por todo o país, de forma que “[...] paralelamente a repressão, os governos militares e os grupos sociais que representavam, empenharam-se numa tarefa obsessiva, visando o controle, a manipulação ou a redefinição do movimento estudantil” (SANFELICE, 1986, p.30).

Nesse sentido, evidencia-se pelas publicações acima que a imprensa triangulina rapidamente, buscou associar os estudantes locais ao movimento de apoio ao governo autoritário que se instalara, não hesitando em expor os jovens estudantes (“comunistas”) que se colocavam em oposição ao novo regime. Por outro lado, celebravam o movimento social conservador das marchas em suas manchetes sejam lá como eram definidas em cada impresso: “Marcha pela Liberdade” (Correio de Uberlândia), “Marcha da Vitória” (Correio do Triângulo), “Maior Hora Cívica” (Lavoura e Comércio), vinculando as marchas a liberdade, vitória e civismo.

Representações da juventude estudantil frente ao autoritarismo dos anos de chumbo

Em abril de 1965 os acadêmicos da Faculdade de Direito de Uberlândia, na ocasião da visita do presidente Marechal Castelo Branco ao município, aproveitaram a oportunidade para prestarem “solidariedade” e “apoio” a seu governo, reivindicando junto a este a imediata federalização desta instituição, assim como divulgou o Correio de Uberlândia na nota “Estudantes FDU: estão com Castelo”:

Durante a visita do mal. Castelo Branco a Uberlândia, marcada e confirmada para depois de amanhã, o Diretório Acadêmico 21 de Abril, órgão representativo dos universitários da Faculdade de Direito, entregará ao presidente memorial que, entre outras coisas diz: ‘Não estamos apenas redigindo uma moção de solidariedade; hipotecamo-lhes um voto sincero de confiança, símbolo do reconhecimento e confiança do corpo discente’. A seguir o memorial afirma que: ‘a Faculdade de Direito de Uberlândia, pioneira do ensino universitário na cidade, tendo a sua frente o ilustre e dinâmico diretor Dr. Jacy de Assis, jurista de renome internacional, fundada para defender os ideais universitários e os postulados democráticos, espera de V. S. a imediata federalização, a fim de que, unida ao gôverno federal, possa continuar a acompanhar as metas governamentais, tão bem traçadas em atendimento as verdadeiras normas sociais - proteção e amparo ao pôvo brasileiro’. O manifesto será assinado pelo universitário Públio Chaves, presidente do DA 21 de Abril (Correio de Uberlândia, 02/04/1965).

Nota-se que o referido jornal enfatizava primeiramente o “apoio” dos representantes do “Diretório Acadêmico 21 de Abril” ao governo federal, no título da matéria, e em segunda instância revelava trechos do memorial produzido pelos discentes em prol da federalização da faculdade.Tal cuidado requerido pelo redator e por esse grupo de estudantes, representava certamente reflexos da repressão vigente nesse período. Assim os jornais se expressavam com maior cautela no intuito de fugirem a censura, até mesmo os que apresentavam perfil mais conservador.

Em 1966, em decorrência da perseguição ao movimento estudantil politizado, circularam boatos de que a UESU poderia ser fechada, devido ao fato de que, o governo federal havia suspendido as atividades da UNE e da UEE de Minas Gerais por seis meses, como discutido anteriormente. Pois os congressos realizados pela UEE de Minas Gerais nos municípios de Uberaba e Uberlândia em 1965 abordaram temas políticos que foram acusados de inspiração comunista pelo Serviço Nacional de Informações do governo (CUNHA, 2007).

A diretoria da UESU tratou logo de prestar esclarecimentos à população por meio da imprensa, assim como abordou a nota “UESU Não foi Fechada: Secundaristas Explicam”:

A União dos Estudantes Secundários de Uberlândia (UESU) em mensagem enviada a este jornal avisa a todos os secundaristas que ao contrário de certos boatos espalhados que diziam que o gôverno federal teria fechado a UESU, avisamos apenas que ele suspendeu pelo prazo de seis meses de funcionamento a UEE (União Estadual dos Estudantes), órgão que dirige os estudantes universitários de Minas Gerais. Não recebemos nenhum comunicado das autoridades constituídas e achamos que não iremos receber, pois a UESU só cuida do bem estar do estudante, sendo que seu Estatuto a proíbe de se manifestar de qualquer espécie sobre a política nacional ou internacional. O comunicado da UESU desfaz dessa maneira, mal entendidos que afirmavam o seu fechamento e traz a assinatura do jovem estudante Reinaldo da Silva Gomes. Secretário - geral (sic) (Correio de Uberlândia, 08/07/1966).

Dessa forma, os secundaristas uberlandenses demonstraram o temor quanto à repressão instituída, justificando a adequação a Lei Suplicy, no que se refere à negação do caráter político da entidade nesse período. Fato que indicava a existência da perseguição também ao movimento estudantil secundarista da região, de modo que os estudantes se viam no dever de prestarem esclarecimentos à sociedade, utilizando para isto, o veículo privilegiado da imprensa.7

Torna-se importante considerar o fato de que, em menos de dois anos de governo militar este dava sinais de que não faria novas eleições como havia anunciado, de modo que a ditadura começaria a perder apoio de parte da sociedade civil e caminharia por ampliar a repressão contra os protestos liderados pelos estudantes. 8

Segundo Poerner (1995) o clímax da rebelião estudantil foi atingido no dia 22 de setembro de 1966, definido como Dia Nacional de Luta contra a Ditadura. Este foi marcado pela ocorrência de passeatas movimentadas pelo tema “Povo organizado derruba a ditadura”. O governo reagiu imediatamente às manifestações estudantis e na madrugada do dia 23 ocorreu o famoso “Massacre da Praia Vermelha”, quando centenas de policiais invadiram a Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Campus Praia Vermelha, e agrediram violentamente cerca de seiscentos estudantes.

Tal evento gerou ainda mais tensão entre o movimento estudantil e o governo, multiplicando-se as ações pelo país: “A partir da repressão a uma pequena passeata estudantil em Belo Horizonte, cresceu como uma bola de neve um ciclo de protestos contra a violência policial, que provocaram novos atos repressivos gerando outras passeatas contra a repressão” (MARTINS FILHO, 1998, p.17). Neste contexto a imprensa por todo o país concedeu destaque a agitação estudantil, já que, ainda de acordo com Martins Filho (1998), pela primeira vez o governo militar não hesitara em reprimir severamente as manifestações dos jovens pertencentes à classe média.9

Tais acontecimentos também tiveram repercussão nos protestos do Diretório Central dos Estudantes de Uberaba que considerava a imprensa veículo privilegiado para a divulgação do posicionamento dos representantes discentes sobre a situação de repressão vivenciada pelo movimento estudantil em todo o país. Logo os universitários uberabenses alinhados aos interesses defendidos pela UNE promoveram uma assembleia geral entre todos os Centros Acadêmicos para discutirem a melhor forma de protesto contra as atrocidades vivenciadas em âmbito nacional. Esses acontecimentos sempre tinham espaço no Correio Católico, como a nota de 19 de setembro de 1966: “Estudantes decidem hoje: greve ou passeata de protesto”.

A partir dessa assembleia, o DCE de Uberaba, com o apoio dos Centros Acadêmicos, decidiu pela realização de greve geral em sinal de protesto contra a violência sofrida pelos estudantes em diversas capitais brasileiras. Fato comunicado nos dois jornais do município: “Aos Estudantes da Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro” (Correio Católico, 20/09/1966); e “Diretório Central dos Estudantes de Uberaba - esclarecimentos” (Lavoura e Comércio, 21/09/1966):

Fonte: Lavoura e Comércio, 21/09/1966.

Figura 2: Nota com esclarecimento do DCE de Uberaba a população local. 

Observa-se por esta nota que os jornais, apesar de abrirem espaço aos estudantes, mantinham certa cautela, esta publicação do DCE fora inserida no interior do periódico, destacando-se a expressão “A Pedido” que reforçava a autoria do comunicado, tentando isentar a redação do jornal. Também os estudantes eram cautelosos, ao convocarem a deflagração da “greve por 48 horas” em repúdio a violência contra a sua categoria, ao reforçarem que o movimento era pacífico e democrático. Mesmo assim, a nota demonstrava o engajamento dos jovens em denunciar à sociedade local, os atos de violência do governo opressor, em especial, contra os estudantes.

A greve dos universitários no Triângulo Mineiro se deu como reflexo de um processo de discussão em nível nacional das decisões estabelecidas pela UNE no dia 18 de setembro de 1966, a qual decretava greve geral dos acadêmicos por todo o país em decorrência dos sucessivos ataques do governo ao movimento estudantil contestatório. Por meio do esclarecimento dos discentes uberabenses à população local, foi possível evidenciar o contato com o movimento estudantil nacional em momento de fortes tensões.

Salienta-se novamente o fato de que, os manifestos e os esclarecimentos dos estudantes a população local nunca apareciam nas primeiras páginas dos jornais, sendo veiculados em pequeníssimas notas nas últimas folhas, certamente em decorrência do cenário de censura e repressão vivenciado na época.

Desse modo, buscou-se atentar para a materialidade do conteúdo impresso. Conforme Chartier (1991), a forma com que o texto chega a seu leitor determina as intenções do autor e a imposição da oficina. Desse modo, pode-se observar que as matérias consideradas mais “delicadas” em relação ao contexto político, apresentavam intencionalmente uma localização que dificultavam a sua leitura.

Outro elemento que mereceu destaque foi a ausência de fotografias de estudantes em seus protestos, campanhas e manifestações políticas. Ocorrência esta que indicava o intuito de proteger a imagem do jovem estudante da região, afastando-o de manifestações polêmicas e ao mesmo tempo não promover figuras públicas sem contrapartidas.

Em relação a tais protestos por parte do movimento estudantil, o jornal Lavoura e Comércio pronunciou a defesa de Marechal Humberto Castelo Branco por meio da manchete “Retornam às aulas os universitários de Uberaba” (Lavoura e Comércio, 22/09/1966):

O chefe do governo mal. Humberto Castelo Branco, recomendou as autoridades interessadas e principalmente aos governadores de Estado, para que sejam redobrados os esforços no sentido de que seja moderado o processo de repressão aos estudantes, em manifestações. Afirma o Chefe da nação que essa repressão deveria ser tão branda quanto possível, e deveria servir apenas para a manutenção da ordem [...]

O posicionamento do referido jornal ao publicar o discurso do então presidente, indicava a sua intenção de não se comprometer em publicações contrárias aos propósitos do governo, buscando assumir certa isenção de posições. Além disso, apresentava uma mensagem que se constituía ao mesmo tempo em defesa do governo autoritário, representando também um recado aos estudantes, em especial, aos desordeiros que deveriam ser o alvo da repressão.

Também os universitários uberlandenses publicaram seu protesto na Tribuna de Minas e como em Uberaba, decretaram greve geral em solidariedade as agressões sofridas pelo movimento estudantil em nível nacional, por meio da manchete “Universitários Uberlandenses em Greve”:

O Manifesto dirigido aos universitários e ao povo em geral considera os seguintes itens: ‘Considerando que 1) - os nossos colegas vêm sofrendo injusta opressão em vários estados do Brasil. 2) - Não poderemos ficar insensíveis a luta empreendida pelos nossos colegas em defesa de nossos inalienáveis direitos. 3) - Os universitários de Uberlândia sempre se pautaram pela moderação em todos os movimentos estudantis. 4) - Êste manifesto se dirige aos verdadeiros estudantes e não àqueles que se aproveitam da atual situação, para agitar a nação. 5) - Continuaremos em constante vigilância pela autonomia de nossa classe e na suprema luta pelas causas e interêsses dos nossos colegas universitários. RESOLVEMOS: declaramos em greve a partir de hoje até o dia 26 (inclusive) do corrente mês em solidariedade aos nossos colegas de todo o Brasil’ (sic) (Tribuna de Minas, 25/09/1966).

Evidencia-se o comprometimento desses jovens com a defesa dos interesses defendidos pelos estudantes em todo o país. Por outro lado, defendiam a moderação dentro do movimento estudantil, denunciando o excesso de agitação provocado por “falsos estudantes”. Além disso, nota-se que quando a violência atingiu os jovens de classe média e alta, tais impressos passaram a dar maior destaque a estas ocorrências.

Abaixo do protesto estudantil, o jornal Tribuna de Minas publicava, assim como fez o Lavoura e Comércio, o discurso de Castelo Branco em relação aos últimos acontecimentos ocorridos por todo o país, bem como a defesa dos estudantes uberlandenses, observa-se:

Castelo pede calma. O presidente Castelo Branco em pronunciamento anterior pediu as autoridades que fôssem mais complacentes com os estudantes, sem deixar, no entanto que efetivassem abusos [...] Os estudantes uberlandenses parecem querer manter um clima de paz, como sempre ocorreu em suas participações (sic) (Tribuna de Minas, 25/09/1966).

Observa-se que a imprensa, ao publicar as greves estudantis na região, tomava o cuidado de desresponsabilizar o chefe do governo federal em relação ao aumento da repressão ao movimento estudantil nas capitais. Além disso, procurava formatar a ação dos estudantes locais no cenário de violência aos estudantes.

Merece destaque o fato de que, a mobilização do movimento universitário direcionado pela UNE após o golpe civil-militar foi impulsionada por uma série de fatores relacionados à política educacional e econômica implantada por esse governo.

O problema dos excedentes, a falta de verbas, a modernização autoritária do ensino acenado com os acordos MEC-USAID e com outras iniciativas governamentais, o arcaísmo das instituições universitárias anterior a 1964, a crise econômica gerada do arrocho salarial e de estreitamento das oportunidades de trabalho até mesmo para os formados, a chamada ‘crise da cultura burguesa’, a política repressiva da ditadura contra os estudantes e suas entidades (RIDENTI, 2010, p.125).

Tais elementos destacados por Ridenti (2010) contribuíram para criar um grande descontentamento estudantil e para retomar a luta dos universitários por reformas educacionais que possibilitassem a ascensão social via educação. Nesse cenário os acordos MEC-USAID eram vistos como clara deturpação dos ideais perseguidos por esses estudantes.

A partir de 1966 intensificou-se o domínio norte-americano na educação brasileira por meio dos Acordos MEC-USAID, os quais tinham o intuito de transferir para o Brasil o modelo e os padrões universitários dos Estados Unidos.

Nesta conjuntura os acadêmicos se mobilizaram contra esses acordos por todo o país, de forma que passaram a acontecer constantes passeatas e manifestações, no intuito de defender as especificidades e os interesses dos universitários brasileiros. 10

Em Uberaba não foi diferente, o DCE tratou logo de denunciar e realizar protestos contra a influência do imperialismo norte-americano no ensino superior e em toda a sociedade brasileira por meio do Correio Católico em edição de 1 de junho de 1967 no seguinte manifesto, publicado em pequena nota no interior do jornal:

Diretório Central dos Estudantes Uberaba

Constam dos debates o seguinte:

1) O Acôrdo com os EEUU, através da USAID mantém com a Universidade de Brasília, lembrando que os norte-americanos controlam toda a Biblioteca e que os livros que dizem algo a respeito da realidade brasileira estão sendo substituídos por livros americanos;

2) O repúdio dos estudantes de Brasília ao Acôrdo e a lembrança dos espancamentos que sofreram quando protestaram contra a visita do Embaixador Americano à Universidade de Brasília;

3) A tentativa do Imperialismo Norte-Americano de implantar, através dos Acôrdos, um nova forma de cultura, foi lembrado que: “A DOMINAÇÃO CULTURAL É A PIOR DAS DOMINAÇÕES QUE UM POVO PODE SOFRER” [...]

Uberaba, 31 de maio de 1967

Gratos com cordiais

SAUDAÇÕES UNIVERSITÁRIAS

A Comissão.

Tal protesto dos universitários de Uberaba apresentava caráter crítico, politizado e contestatório, revelando a articulação de interesses com o movimento estudantil nas capitais de todo o país, em luta contra a dominação norte-americana à educação e à cultura brasileiras. Além disso, demonstrava o repúdio desses discentes contra a violência exercida pelo governo autoritário às manifestações politizadas, especificamente na Universidade de Brasília. 11

Assim, concorda-se com o entendimento de que os jovens se apresentaram à sociedade brasileira em diversos momentos da história até o final da década de 1960, como importantes agentes solidários a práticas de resistência contra a opressão e a projetos unificadores da nacionalidade (CACCIA-BAVA; COSTA, 2004).

A publicação dos manifestos por meio dos jornais possibilita o entendimento de que, a imprensa era encarada pelos estudantes como importante meio de comunicação e veiculação de informações na sociedade. No entanto, reforça-se mais uma vez que tais temas eram publicados com cautela por esses jornais, sempre ocupando pequenas notas nos rodapés do interior do impresso e nunca nas primeiras páginas, expressando não apenas o receio a censura, mas também, uma forma de se tutelar os estudantes, ao minimizar suas demandas nas páginas do periódico.

A questão dos excedentes nas vagas das universidades, assim como em nível nacional, preocupava os acadêmicos da Faculdade de Medicina de Uberaba. Em decorrência desta, foram organizadas greves pelos discentes entre os anos de 1966 e 1967, exigindo mais verbas e vagas para a instituição.

A matéria “Greve dos estudantes de Medicina traz a Uberaba o Ministro da Educação” (Lavoura e Comércio, 18/08/1966), indicava a vinda do então ministro Raimundo Muniz Aragão a Uberaba em agosto de 1966. Na ocasião, o mesmo, segundo a matéria, teria aprovado a destinação da verba de quinhentos milhões de cruzeiros para o ano seguinte, que deveria ser paga em várias parcelas, para a Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, como resultado das reivindicações realizadas pelo Centro Acadêmico Gaspar Vianna daquela instituição.

Em 1967, voltaram a ocorrer várias greves na Faculdade de Medicina, em decorrência do não cumprimento do MEC em relação às verbas aprovadas e a impossibilidade de abertura de vagas para os excedentes. Logo a comissão de universitários foi até Brasília para tratar com o ministro Tarso Dutra, recebendo o apoio da Federação dos Universitários de Brasília (FEUB), de acordo com a matéria “MED greve ainda continua” (Correio Católico, 19/04/1967).

Estas ocorrências indicavam a luta e união dos universitários brasileiros neste período em busca de melhorias para suas instituições, já que se vivia um período marcado por crises universitárias, assim:

Os movimentos estudantis dos anos de 1960, conforme o momento e o local onde se deram foram expressões e modulações diversas dessas crises, por meio de demandas como a politização da vida universitária, propostas de co-gestão e auto-gestão, ‘idéias do poder estudantil’ e práticas da universidade crítica. Passando pela crise da hegemonia da instituição universitária, expressaram o desejo de ampliação do direito a universidade, concomitantemente à denúncia de sua funcionalização, mas passando logo da defesa de sua autonomia diante dos poderes político e econômico para a denúncia de seu falso isolamento, defendendo uma participação social progressista da universidade (GROPPO, 2006, p.32).

Neste sentido compreende-se que muito embora o movimento universitário uberabense, nos anos de 1960, tenha vivenciado a chamada “crise de hegemonia” da universidade, gerando pontos de tensão nas relações com o Estado, suas ações foram minimizadas nas páginas do jornal local que atendiam aos interesses de manutenção do status quo local, vinculado a tradição rural e católica e que desejavam a manutenção da ordem, afastando qualquer ideia diversa dos valores cristãos como o “comunismo ateu”. Nos demais jornais triangulinos, a forma de representação das ações da juventude estudantil não divergiu sobremaneira do modelo da imprensa uberabense.

O movimento estudantil nacional e a “subversão” noticiada

A UNE (União Nacional dos Estudantes) foi o principal alvo do governo civil-militar e a imprensa teve papel importante na desqualificação deste órgão, com os jornais da região veiculando tal representação depreciativa com bastante ênfase após 1964. Neste cenário, estabeleceu-se uma verdadeira cruzada no sentido de se desmantelar o movimento estudantil nacional, representado pela UNE, a narrativa estabelecida era a de que esta entidade abrigaria grande parte dos jovens comunistas que influenciariam negativamente os demais órgãos dos estudantes.

Muitas notícias veiculadas no Triângulo Mineiro reproduziam matérias com tal conteúdo, como se pode ler em um dos jornais de Ituiutaba, posicionando-se contrário às ações empreendidas pela UNE que estaria infiltrada por comunistas, vejamos o artigo intitulado “Os comunistas e a UNE”:

INFILTRAÇÃO COMUNISTA - Há anos - e notadamente no governo do sr. João Goulart - os sindicatos e as agremiações estudantis têm sofrido o efeito das infiltrações comunistas. Em sua ânsia de conquistar mais um satélite, os membros da filial brasileira do PC internacional têm procurado intervir nas classes mais susceptíveis de organização - os operários e os estudantes [...] Os países da cortina de ferro também contribuíram para a desmoralização de nossa juventude [...] A tarefa política do estudante como tal, é por demais parecida à do operário [...] Quando o estudante pretende abalar a sociedade em que vive, o movimento sofre um processo de deterioração, corrompe-se, fale por si mesmo ou leva o próprio país ao caos! (Correio do Triângulo, 09/08/1964).

Verifica-se que as agremiações estudantis, em geral, passaram a ser vinculadas ao governo deposto de João Goulart, demonizado pela aproximação a sindicatos e aos estudantes, que teria desmoralizado a ambos, tal como ocorrera com os “países da cortina de ferro”. Salienta-se que não foi encontrada nesta pesquisa nenhuma matéria jornalística que demonstrasse a apologia explícita ao comunismo por parte das entidades estudantis.

Assim, a narrativa construída era simples: quando os estudantes passavam a contestar a ordem atrapalhando o fluxo da sociedade era um sinal de que suas lideranças haviam se corrompido e poderiam levar o país ao caos, o que exigiria portanto, firmeza no processo saneador desses órgãos, a começar pela UNE. A mesma vigilância que se estabelecera frente aos sindicatos deveria ser estendida as estas entidades, esse era o discurso defendido pelos jornais da região.

O XXVIII Congresso da UNE promovido na capital mineira em 28 de julho de 1966 rendeu várias críticas do Lavoura e Comércio, antes mesmo de sua realização.12 Dentre estas merece destaque os artigos: “Congresso de Estudante não será realizado” (26/07/1966); e “Congresso da UNE visa a dissolução da estrutura social” (27/07/1966):

BELO HORIZONTE - 27 (SE) - A Secretaria de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais ainda se encontra em posição contrária a realização do Congresso Nacional dos Estudantes da UNE, congresso este que está marcado, em princípio, para ser realizado a partir do dia 28. Afirmaram as autoridades que o conclave seria um ponto de partida para um movimento nacional, visando a dissolução da estrutura social (Lavoura e Comércio, 27/07/1966).

A ênfase em negar a proibição da realização de tal evento indicava a articulação do jornal com os interesses políticos dos grupos que estavam no poder no momento inicial do regime autoritário, os quais temiam qualquer manifestação que contrariasse a manutenção da estrutura social vigente.

Após a efetivação do Congresso da UNE, o mesmo jornal publicou de forma parcial o saldo de tal acontecimento, divulgando a ocorrência da detenção de dezenas de universitários pelo DOPS na notícia “Enquadrados na Lei de Segurança 42 estudantes” (Lavoura e Comércio, 09/09/1966). Em Belo Horizonte os padres dominicanos foram acusados de infringirem a lei, ao protegerem os estudantes participantes do movimento, sendo considerados como desafiadores do governo, na matéria “IPM no congresso dos estudantes” (Lavoura e Comércio, 02/08/1966).Tais matérias divulgadas por parte dos jornais da região em relação às ações do movimento estudantil nas capitais, eram originárias da grande imprensa nacional, que participavam do consórcio que apoiava a ditadura civil-militar (KUSHNIR, 2004). 13

Desta forma, o Lavoura e Comércio buscava ao mesmo tempo condenar as lideranças nacionais dos estudantes e afastar a juventude local da subversão e do “perigo comunista”, reforçando os valores e princípios cristãos da população local. Como se pode destacar na matéria “Castelo não quer agitação estudantil” (Lavoura e Comércio, 13/09/1966), a qual afirmava que o presidente Marechal Castelo Branco se reuniu como diretor do Serviço Nacional de Informações (SNI) e os ministros da Educação e da Justiça, no intuito de buscar “soluções” para a “crise estudantil”.

No ano de 1967 a narrativa do Lavoura e Comércio continuou se posicionando na criminalização do movimento estudantil nacional, dando destaque as matérias que indicavam o cenário de perseguição: “Estudantes e líderes sindicais os próximos cassados” (16/02/1967); “DOPS e SNI prendem estudantes” (27/02/1967); “Congresso Estudantil não será permitido (26/06/1967); “Congresso da UNE não será realizado” (06/07/1967); “Estudantes acusados de guerrilhas” (18/07/1967); “DOPS prende líder estudantil” (01/08/1967). Todas essas enfatizavam a condição de estudante manifestante como um dos principais inimigos do poder instituído.

O Correio do Triângulo também fez circular na microrregião do Pontal do Triângulo Mineiro artigos que repudiavam a participação do estudante na vida política do país, exercendo severas críticas a UNE, considerada como entidade subversiva e acima de tudo “desmoralizadora da juventude”. Nesse sentido, ressalta-se o texto “A UNE e a Subversão”:

Se alguém de extraordinária boa fé, ainda tivesse qualquer dúvida sôbre o caráter subversivo da UNE dominada por jovens intoxicados por ideologias exóticas, explorados e teleguiados por quartéis-generais estrangeiros localizados fora do País, certamente estará agora ciente dos verdadeiros propósitos dessa organização clandestina e ilegal [...] Em vez de passar a vida a repetir slogans fabricados no exterior, o estudante brasileiro deveria fundamentalmente cumprir a sua missão: estudar. Não deveria êle esquecer-se, afinal de contas que, as escolas públicas são custeadas pelo dinheiro do povo, pelo dinheiro arrecadado nos impostos. O estudante que faz agitação e não estuda rouba o povo e se transforma em um privilegiado (sic) (Correio do Triângulo, 14/10/1967).

O artigo acima evidencia a defesa de uma conservadora de sociedade aonde a nova geração caberia o papel de se limitar aos muros das instituições educativas, adaptando-se ao mundo por meio da educação, a postura crítica deveria ser evitada pois contrariava os interesses do governo então vigente. Nesse sentido, os representantes da UNE foram considerados como verdadeiros criminosos, acusados de serem alienados a ideologias estrangeiras de viés comunista e de se aproveitarem ilegalmente do dinheiro público. Além disso, enfatizava-se que os estudantes deveriam exercer a única função de estudar e que aqueles que participassem de manifestações não estariam cumprindo com o seu dever. Em suma, tal publicação acabava por incitar a opinião pública a se rebelar contra os estudantes politizados por meio da vivência no movimento estudantil, especialmente, as instituições públicas custeadas pelo povo que não desejaria ver seus impostos bancando privilégios e agitação social.

Foi possível evidenciar que entre os anos de 1967 e 1968, o Lavoura e Comércio de Uberaba e a Tribuna de Minas de Uberlândia assumiram posição de destaque na imprensa da região, por fomentarem a representação depreciativa da UNE e suas lideranças, como foi possível perceber devido ao grande número de matérias publicadas nesse período que desmoralizavam estes estudantes.

No ano de maior ebulição da juventude por todo o mundo, no Brasil a repressão se intensificava, em maio de 1968 a Tribuna de Minas publicava a nota “Estudantes Terroristas Prêsos”, discorrendo sobre a prisão de cento e cinquenta e quatro estudantes da Faculdade de Medicina em Belo Horizonte pela polícia militar e o DOPS, sob a pena de bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes. Pois estes foram acusados de terem feito de reféns vinte e um professores e o diretor da instituição.14

Enquanto a ditadura usava o monopólio da força para convencer os estudantes a aderirem ao regime ou ao menos se calarem, os jornais locais buscavam reforçar a representação do jovem enquanto o fiel cristão, como se pode ver na imagem que segue, um dos poucos registros que enfocou este novo movimento de massas em que se constituiu a juventude estudantil ao longo dos anos de 1950 e 1960:

Fonte: Correio Católico, 14/03/1968.

Figura 3: Notícia sobre “A Presença da Juventude” na Catedral Metropolitana de Uberaba 

De acordo com a matéria, era ressaltada a participação expressiva de estudantes de nível primário e secundário nas comemorações populares católicas de Uberaba. Visto que, esta destacava o envolvimento de “todos” os grupos escolares e a maioria dos estabelecimentos secundaristas locais. Desta forma, o Correio Católico foi um dos principais veículos da imprensa a forjar a imagem dos estudantes vinculados a fé católica, uma massa amorfa aos pés do cruzeiro em comunhão com a “Virgem Santíssima”, esta deveria ser a única possibilidade de ação orgânica deste grupo social irmanados pela Igreja Católica.

As representações veiculadas pelos jornais que debatiam a juventude foram desaparecendo das páginas da imprensa especialmente com a decretação do AI-5 houve uma queda no número de notícias publicadas em relação ao movimento estudantil nacional e também regional, com o recrudescimento da repressão, também em relação aos órgãos da imprensa. Após este ato seguiram-se prisões, torturas, sequestros, exílios e assassinatos de líderes estudantis, sindicais, intelectuais e jornalistas. Logo, a discussão sobre as manifestações discentes de caráter político contestatório aos interesses do governo autoritário desapareceu das páginas dos jornais triangulinos, a partir de 1969.

Considerações finais

Neste espaço conclusivo, é preciso compreender que a chegada dos militares ao poder foi apoiada por vários setores da sociedade, em especial, as elites econômicas e também intelectuais que em grande parte controlavam a narrativa presente na imprensa escrita, de maneira que as conhecidas “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” ganharam a vitrine da maior parte dos jornais brasileiros, também no Triângulo Mineiro, como vimos antes. O resultado disto, a partir do abril de 1964, foi a construção da ideia de que as entidades estudantis deveriam ser “saneadas”, calando-se o espírito crítico das suas lideranças, assim, os jornais difundiram tais ações de perseguição a membros do movimento estudantil triangulino, em especial, aquelas direcionadas ao maior grupo que eram os secundaristas representados pela UEI, UESU e UEU, quando foram forçados a se adequarem as exigências impostas pela legislação repressiva do regime ditatorial.

A maior fonte de resistência ao regime autoritário se localizou junto aos órgãos estudantis ligados ao ensino superior, reflexo do cenário nacional no Triângulo Mineiro. Quando a violência aos estudantes se ampliou, os jornais passaram a noticiar tais arbitrariedades como as denúncias e os protestos praticados pelo DCE de Uberaba e parte dos universitários em Uberlândia. Outro fato registrado pelos jornais foi o repúdio aos acordos MEC-USAID, veiculados principalmente pelo Correio Católico, veículo de imprensa quese distinguiu dos demais jornais da região, apoiando claramente os estudantes e suas demandas após quase 2 anos de ditadura, mas mesmo que não apresentasse o estudante militante como subversivo, o apresentava como sujeito que precisava ser tutelado, um reflexo da aproximação entre a gestão nacional da UNE e setores progressistas da Igreja Católica, desde 1961.

De modo geral, o acirramento da tensão entre estudantes e governo foi bastante presente nas páginas dos jornais, principalmente após dezembro de 1968 (AI-5), quando ocorreu o agravamento da repressão e violência contra as manifestações dos jovens estudantes e consequentemente a desarticulação de suas reivindicações políticas. Assim, gradativamente, os jornais deixaram de noticiar as ações dos estudantes enquanto agentes políticos ativos, prevalecendo a ideia de que “estudante deveria estudar”.

A representação negativa vinculava-se muito mais ao movimento estudantil nacional (UNE) quando comparada a imagem dos estudantes da região, uma vez que os estudantes locais e suas famílias participavam ativamente da vida dos jornais, seja na condição de leitor seja na condição de anunciante. Assim, os veículos de comunicação da região, em sua maioria, fizeram circular representações que incitavam o controle da juventude em relação ao afastamento de ideias comunistas e ao mesmo promover a sua tutela aproximando-a dos valores cristãos, mesmo que essas não fossem uma realidade presente em todos os setores estudantis, e do cenário de violência vivenciado pelo movimento nacional nas capitais.

Tendo por base a perspectiva defendida por Chartier (2002), de que as representações nunca são discursos neutros, sendo capazes de gerar adesão e submissão, considera-se de modo geral, que as representações de imprensa na região sobre as mobilizações políticas dos estudantes durante as décadas de 1950 e 1960 contribuíram para a circulação de um imaginário entre a sociedade local que valorizava o jovem comprometido com os interesses dos grupos que estavam no poder. Isto em função de que o movimento estudantil ganhou espaço nos jornais neste período, por isso deveriam ser representados como cidadãos comprometidos com a “ordem e o progresso” do país, e não com a baderna e a ameaça ao status quo.

Referências

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1O artigo decorre de pesquisa de doutorado intitulada “A Juventude Estudantil pelo Olhar dos Jornais do Triângulo Mineiro: Entre a tutela e a subversão (décadas de 1950 e 1960)” defendida no âmbito do PPGED-UFU (Linha de História e Historiografia da Educação), no ano de 2020.

2Não foram encontradas informações seguras sobre o ano de encerramento das atividades do jornal Tribuna de Minas. No entanto, é sabido que este circulou durante o período de 1966 a 1969, o qual interessa o presente estudo.

3Os dados da pesquisa foram coletados no “Arquivo Público Municipal de Uberaba”;“Arquivo Público Municipal de Uberlândia”; “Galeria das Antiguidades de Ituiutaba”;“Centro de Documentação e Pesquisa em História” (CDHIS) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU); “Fundação Cultural de Ituiutaba”; nos arquivos digitalizados pelo “Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Pontal” (CEPDOMP) da UFU - Campus do Pontal; e na Hemeroteca Digital Brasileira.

4Na ocasião da última eleição presidencial antes do golpe civil-militar de 1964, um grupo de secundaristas e universitários de Uberlândia também integrou o Comitê Estudantil Nacionalista Pró Lott-Jango-Tancredo, em apoio às candidaturas de Marechal Henrique Teixeira Lott para a presidência da República, lançado pelo Partido Social Democrático (PSD) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), João Goulart para a vice-presidência através do PTB e Tancredo Neves para governador de Minas pelo PSD. “Lott exercia uma atração a priori sôbre os nacionalistas de esquerda, na defesa de várias causas nacionalistas - a concessão do direito do voto aos analfabetos e a restrição das remessas de lucros de firmas estrangeiras para o exterior” (SKIDMORE, 1976, p.234).

5Por outro lado, os representantes do Diretório Central dos Estudantes de Uberaba demonstraram apoio à candidatura de Fernando Ferrari à vice-presidência da República, lançado pelo Partido Democrata Cristão (PDC) e Movimento Trabalhista Renovador, como indicou o mural político do Correio Católico, “Fundado o Diretório Pró-Ferrari” (06/05/1960). Nessa eleição de 1960, Jânio Quadros foi eleito presidente pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN) apoiado pela UDN e João Goulart eleito vice-presidente pelo PTB. O interesse dos discentes triangulinos pela política nesse momento demonstrava um movimento de politização de secundaristas e universitários, acompanhando o processo de engajamento dos jovens no movimento estudantil em nível nacional.

6Essa coluna representava um meio do Correio do Triângulo divulgar e emitir juízos sobre as ações do movimento estudantil local e nacional, contribuindo para a perseguição aos estudantes que ousassem contestar os interesses do regime político civil-militar.

7Por outro lado, é possível observar que o ativismo político dos jovens atingiu um nível relevante nos anos de 1950 e 1960, de forma que os destinos desses órgãos passaram a ser controlados com maior proximidade. Logo era importante desmentir boatos relacionados a esses organismos e aos eventos discentes locais.

8Após ser decretado o Ato Institucional número 2 (AI-2), em 1965, o qual suprimia os partidos populistas e determinava que as eleições presidenciais fossem indiretas, a resistência se ateve no Brasil, também mediante as denúncias de tortura e o caminho que o regime militar passou a adotar (FICO, 2004).

9Poerner (1995, p. 204) afirma que: “O pensamento da ditadura quanto à universidade e aos estudantes se resumia numa ‘solução’: o ‘tratamento de choque’ [...] para ‘acabar com a subversão’. Tratava-se [...] de expulsar o demônio da rebelião patriótica daqueles corpos jovens, substituindo-o pelo anjo da subordinação aos interesses antinacionais. Para que esse objetivo [...] fosse alcançado [...] valia tudo: suspender, expulsar, prender e torturar estudantes; demitir professores; invadir faculdades; intervir, policialmente, nas entidades estudantis; proibir qualquer tipo de reunião ou assembléia estudantil; acabar com a participação discente nos órgãos colegiados da administração universitária; decretar a ilegalidade da UNE, das nações dos estudantes nos Estados e dos diretórios acadêmicos; destruir a Universidade de Brasília; deter, enfim, o processo de renovação do movimento estudantil e da universidade em nosso país [...]”

10“O movimento contra os Acordos MEC-USAID atingiu o clímax, quando o próprio ministro da educação, Tarso Dutra, embora alegando desconhecer-lhes os textos, se comprometeu a revê-los, ‘em todos os pontos considerados inconvenientes aos interesses do Brasil’. Em 26 de abril de 1967, ante a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, perguntado se os tinha lido, ele afirmou: ‘Não, não li, mas quando ler, se for nocivo ao interesse nacional, eu modifico’ (Jornal do Brasil, 30 de abril de 1967 apud POERNER, 1995, p. 228).

11Tal manifesto do DCE também expressava na frase em destaque, relacionada à dominação cultural, o antiamericanismo, que acabou perdendo força com o movimento de contracultura vindo dos Estados Unidos, a partir de 1968. Cenário em que muitos jovens brasileiros viveram o impacto marcado por uma conjuntura de conflitos gerados não apenas nas sociedades periféricas, recebendo influências da juventude norte-americana que protestava contra a guerra do Vietnã e dava lugar a um movimento de resistência pacifista (HOLLANDA; GONÇALVES, 1999).

12Os motivos de realização desse Congresso não foram salientados pelo Lavoura e Comércio. Dentre esses se pode destacar a luta pela revogação do acordo MEC-USAID, em defesa das universidades federais e da escola pública, pela alfabetização de todos, por um ensino secundário de qualidade e pela revogação da Lei Suplicy de Lacerda (SANFELICE, 1986).

13Parcela da grande imprensa teve que se enquadrar na nova ordem social estabelecida, de forma que vários impressos passaram a promover as ações do governo em troca de privilégios, estabelecendo troca de favores entre o poder da imprensa e o poder político (KUSHNIR, 2004).

14O ano de 1968 foi marcado em nível mundial pelas revoltas juvenis e estudantis, na qual estudantes se organizaram em diversos países em manifestações contra a opressão existente em cada realidade social, distinta em cada nação. A partir do Maio de 1968 em Paris, ocasião em que ocorreu importante manifestação juvenil contra o capitalismo, consumo e alienação presentes na sociedade, a rebelião dos jovens se ramificou em diversas partes do mundo, por meio de ideologias diversas e rejeição ao conservadorismo burguês em contestação de ordem política, existencial e psicológica. “Os Estados Unidos viveram em 1968 uma revolta estudantil tão intensa quanto a francesa: recusa em ir a guerra do Vietnã, recusa a sociedade de consumo [...] Até o Japão sofreu um radical protesto estudantil, com uma espécie de ‘milícias universitárias’ em choque com policiais protegidos com capacetes, bombas e escudos. Na Espanha enfrentava-se a ditadura franquista (do general Francisco Franco); na Itália, combatiam-se o autoritarismo da universidade e a cultura mercantilizada. Em todas as manifestações podiam ocorrer mortos, feridos e muitos espancados. A paz e o amor desembocaram, então, na violência. No declínio do movimento, uma minoria radicalizou-se mais ainda, caindo na clandestinidade da ação terrorista, como os Baader-Meinhof, na Alemanha, as Brigadas Vermelhas na Itália, os Panteras Negras, nos Estados Unidos, e outras organizações extremistas (radicais) que só foram desmanteladas nos anos 70 e 80” (CARMO, 2010, p.76-77).

Recebido: 15 de Julho de 2021; Aceito: 18 de Outubro de 2021

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