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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub 13-Sep-2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-131 

Artigos

Educação infantil e mulheres no Jornal do Comércio: Manaus, década de 19701

Educación infantil y mujeres en el Jornal do Comércio: Manaus en la década de 1970

Kelly Rocha de Matos Vasconcelos  1 
http://orcid.org/0000-0002-1143-8388; lattes: 4764260942871994

Moysés Kuhlmann Júnior2 
http://orcid.org/0000-0001-7564-620X; lattes: 5395628476390038

1Universidade Federal do Amazonas (Brasil).

Secretaria Municipal de Educação de Manaus (Brasil). Bolsista pela Fundação de Apoio e Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas. kellymattos_am@hotmail.com

2Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (Brasil). moyseskj180@gmail.com


Resumo

O artigo analisa a publicação de notícias sobre educação das crianças de 0 a 7 anos de idade, na década de 1970, no Jornal do Comércio do Amazonas. Segue a perspectiva da história social e cultural e situa a educação no quadro das relações sociais. O texto apresenta uma contextualização da Educação Infantil no período e do jornal pesquisado, para em seguida tratar das notícias. Selecionamos oito artigos localizados no Caderno Feminino e na coluna Mulher, sobre os seguintes temas: políticas de creche e jardim de infância; importância do brinquedo, da atividade de brincar e da socialização para o desenvolvimento da criança; transição da pré-escola para o 1º grau e férias escolares. Conclui-se que, no contexto de expansão da educação pré-escolar naquele período, o jornal privilegiou a discussão sobre a educação infantil nas seções para as mulheres, sem uma clara distinção entre o espaço doméstico e o público.

Palavras-chave: Educação Infantil; Amazonas; Imprensa

Resumen

El artículo analiza la publicación de noticias sobre la educación de niños de 0 a 7 años, durante la década de 1970, en el Jornal do Comércio de Amazonas. Sigue la perspectiva de la historia social y cultural y sitúa la educación en el marco de las relaciones sociales. El texto presenta una contextualización de la Educación Infantil en el período, y del diario investigado, para luego abordar las noticias. Seleccionamos ocho artículos ubicados en el Caderno Feminino y en la columna Mulher, que tratan de los siguientes temas: políticas de guarderías y jardines de infancia; la importancia de los juguetes, las actividades lúdicas y la socialización para el desarrollo del niño; transición del preescolar a la escuela primaria y las vacaciones escolares. Se concluye que, en el contexto de la expansión de la educación preescolar en ese período, el diario favoreció la discusión sobre la educación infantil en las secciones para mujeres, sin una clara distinción entre los espacios domésticos y públicos.

Palabras-clave: Educación Infantil; Amazonas; Prensa

Abstract

The article explores the publication of news about the education of children aged 0 to 7 years old in Jornal do Comércio of Amazonas in the 1970s. It takes a social and cultural history perspective and situates education within the context of social relations. Before approaching the news pieces, the text contextualizes Early Childhood Education in the period, as well as the researched newspaper. We selected eight articles from the Caderno Feminino and the column Mulher on the following topics: daycare centers and kindergarten policies; the importance of toys, play activities and socialization for child development; the transition from preschool to elementary school, and school vacation. It is concluded that, in the context of the expansion of preschool education at the time, the newspaper favored early childhood education discussions in women's sections, with no clear distinction between domestic and public spaces.

Keywords: Early Childhood Education; Amazonas; Press

Introdução

Neste artigo, analisamos notícias sobre educação de crianças de 0 a 7 anos, publicadas no Jornal do Comércio do Amazonas na década de 1970, especialmente na coluna Mulher e no Caderno Feminino2. Nosso problema de pesquisa foi compreender quais as questões relacionadas às crianças e sua educação que foram privilegiadas nesses espaços.

O texto está estruturado em três partes: inicialmente, uma contextualização sobre a Educação Pré-Escolar na década de 1970; em seguida, considerações sobre a fonte de pesquisa, o Jornal do Comércio do Amazonas; finalmente, são apresentadas e discutidas as matérias selecionadas.

A interpretação dos resultados encontrados contribui para a compreensão de como as informações sobre educação infantil eram apresentadas às leitoras e leitores do Jornal e nas relações entre tais publicações e o cenário político, econômico, social e cultural em um contexto de ditadura militar.

A Educação Pré-Escolar na década de 1970: breve contextualização

A partir da década de 1970, houve uma expansão da educação pré-escolar, com a crescente oferta de creches e jardins de infância, de qualidade heterogênea, em que modelos de custo e qualidade mínimas conviveram com propostas mais estruturadas. O Plano de Assistência ao Pré-Escolar, do Departamento Nacional da Criança (DNCr), elaborado de acordo com as orientações da Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância), ao final da década de 1960, indicava igrejas de diversas designações para implantarem Centros de Recreação destinados ao atendimento de crianças entre 2 e 6 anos de idade. A Educação Pré-Escolar passou a ser contemplada pelo Ministério da Educação no II Plano Setorial de Educação e Cultura (PSEC) elaborado para os anos de 1975 a 1979, no intuito de preparar a criança “carente cultural”, para o acesso ao ensino primário, implantando-se o que se conhece por “educação compensatória”, que entendia a criança pobre como alguém que necessitava da escola para superar as carências que caracterizavam a sua condição social. Em 1977, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), iniciou o “Projeto Casulo”, que previa a oferta de vagas para atendimento de crianças entre 0 e 6 anos de idade nas creches Casulo. Os Clubes de Mães tiveram papel significativo na relação com prefeituras e no desencadeamento dos “Movimentos de Luta por Creche” em vários locais do país. Além das reivindicações de diversas esferas da sociedade, a eleição de candidatos contrapostos aos governos estaduais e municipais foi outro fator que impulsionou a expansão dessas instituições. A Constituição Federal de 1988 consagrou esse processo com a inclusão de creches e pré-escolas como integrantes da Educação Básica.

Este período foi marcado pela predominância dos convênios entre as Organizações Não Governamentais (ONGs) e os governos municipais e estaduais. Nas instituições pré-escolares estaduais, priorizavam-se as classes de alfabetização para preparar a criança para o primeiro grau. Nas municipais priorizavam-se as creches e as pré-escolas (CASTRO, 1994).

Diante da emergência de políticas nacionais para educação pré-escolar, cabe investigar iniciativas que mostram a participação amazonense nesse processo. Após a criação da Zona Franca de Manaus, em 1964, muitas mulheres passaram a trabalhar no Distrito Industrial (SILVA, 2021). Isso provavelmente impactou a demanda pela educação dos pequenos por parte das famílias trabalhadoras.

Apresentando a fonte: O Jornal do Comércio do Amazonas

O uso do periódico como fonte na pesquisa em história configura-se como “manancial fértil para o conhecimento do passado”, um “material privilegiado para recuperação dos acontecimentos históricos” que nos permite enxergar de forma cronológica e panorâmica os acontecimentos que pairam sobre o objeto da pesquisa (CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 253).

A renovação da historiografia nas décadas de 1960 e 1970, com a terceira geração da escola dos Annales, na França, a preocupação com a história das pessoas comuns e a relação entre sociedade e cultura, na Inglaterra, contribuíram para que temas como infância, mulher, família, entre outros ganhassem espaço nas pesquisas historiográficas. Os impressos, como jornais e revistas, passaram a ser considerados como fontes relevantes, o que ampliou as possibilidades de investigação, uma vez que estes são produtos culturais de onde se pode extrair informações, a serem analisadas e problematizadas (AZEVEDO; STAMATTO, 2010; BURKE, 1997; LUCA, 2008; HOBSBAWM, 1998; KUHLMANN JÚNIOR; LEONARDI, 2017; REIS, 2000; THOMPSON, 2001).

A presença de imagens para ilustrar os textos verbais das publicações é outro aspecto importante a se considerar, tendo em vista que a fotografia é “resultante da ação do homem” e que “o fotógrafo, que em determinado espaço e tempo optou por um assunto especial e que, para seu devido registro, empregou os recursos oferecidos pela tecnologia” é um sujeito de sua época e se posiciona a partir dos valores em que a sociedade a que pertence está mergulhada (KOSSOY, 2001, p. 37).

A apresentação e contextualização das notícias selecionadas à luz da temática estudada, compreendendo os periódicos como “fonte de informação cotidiana”, favorece a construção dos nexos com aspectos sociais e políticos em nível local, regional e nacional no momento histórico estudado (MAGALHÃES, 2004) para, a partir de nossa interpretação, construirmos a narrativa ou uma leitura deste passado estudado (CERTEAU, 1982). Leitura não apenas dos fatos isolados, mas das estruturas nas quais eles se apoiam, para não incorrermos no erro de nos tornarmos meros reprodutores e narradores dos fatos ou de uma historiografia cristalizada (KUHLMANN JÚNIOR, 2010).

A educação está presente nas relações sociais e as publicações materializam e difundem as ideias e propostas educativas no meio social. Os periódicos têm uma função formativa e constituem meio de comunicação importante, uma vez que atuam como ponte entre o local, o regional, o nacional e o global. Buscamos interpretar as matérias publicadas com atenção ao contexto e aos detalhes, para compreender como as publicações materializavam ideias sobre a Educação Infantil naquela época.

O Jornal do Comércio era considerado o “decano da imprensa local” e “um dos grandes símbolos do periodismo amazonense, cujas discussões nos permitem uma significativa amostra das tendências e características da cultura impressa no estado do Amazonas.” (SOUZA, 2010, p. 106). Considerado o “mais tradicional jornal da cidade” de Manaus, foi fundado por Joaquim Rocha dos Santos, em edifício próprio situado na Avenida Eduardo Ribeiro, nº 11, Centro, em 1904. O periódico passou por várias fases: a primeira, da sua fundação à morte do seu fundador (1904 a 1906); a segunda, sob a direção do jornalista Alcides Bahia (1906-1908); a terceira, sob a direção do jornalista Vicente Reis que teve seu início em 1908 e fim em 1943, quando o jornal foi vendido para o conglomerado de comunicação Diários Associados, de Assis Chateaubriand (1892-1968). As publicações da década de 1970, selecionadas para este artigo, ocorreram no período em que o Jornal pertencia a este grupo. Em 1984, o jornal foi vendido ao empresário Guilherme Aluízio de O. Silva (SOUZA, 2010; MIRANDA, 2017).

Assis Chateaubriand, em setembro de 1959, promoveu a doação de 49% do seu império a 22 funcionários de sua total confiança. Em 1962, vítima de uma trombose cerebral, que o prendeu a uma cadeira de rodas, Chateaubriand doou os restantes 51% para o grupo que constituiu aquele condomínio. Neste grupo, estava presente Epaminondas Barahuna (SIMÕES, 1986). Barahuna trabalhava há 24 anos na empresa, em Manaus, quando foi nomeado, em 15 de janeiro de 1959, como diretor dos Diários e Rádios Associados do Amazonas, que detinha o Jornal do Comércio e a rádio Baré, cargo onde permaneceu até o ano de 1984 (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/01/1959, p. 1; DUARTE, 2015, p. 17)

Logo no início da década de 1970 o Jornal do Comércio informava que passaria por uma reestruturação ao longo da década. Primeiramente em virtude da aquisição de um novo maquinário com capacidade para imprimir 16 mil exemplares a cada hora em “off-set”, sendo o primeiro jornal do norte do Brasil a adotar esta tecnologia. Além disso, anunciava a utilização do teletipo e da “radio-foto”, oferecido pela United Press International. Os trabalhos da redação também seriam ampliados, criando-se secções e serviços, “além da facilidade de ilustração” (JORNAL DO COMÉRCIO, 01/01/1970, p. 17). Neste período, trazia matérias sobre política, economia, educação, cultura, esporte, notícias policiais, editais, classificados, programação de novelas televisivas, assuntos de cunho religioso, entre outras, e ainda reproduções e informações extraídas do Diário Oficial do Amazonas. Nas edições pesquisadas observamos que a quantidade de páginas publicadas durante a semana variava de 10 a 20 páginas, enquanto as publicações dominicais tinham por volta de 30 páginas, incluindo os cadernos com numeração própria.

Pelo teor das reportagens analisadas, infere-se que o público leitor do Jornal era composto, por uma pequena camada da sociedade, letrada e com condições financeiras suficientes para acessar a leitura do jornal, pessoas que pudessem se interessar pelo seu conteúdo e em adquirir os produtos anunciados nos classificados: políticos, militares, empresários, comerciantes, funcionários públicos, professores etc.

Na década de 1970, encontramos a existência da coluna Mulher, entre os anos de 1974 e 1975, no ano seguinte começou a ser publicado o Caderno Feminino, entre 1976 e 1980. Após este período as notícias relacionadas à infância e mulher passaram a ser encontradas em outros espaços do jornal, especialmente nos cadernos Cidade, Grande Manaus, Política, e no suplemento Ciência e Saúde, dividindo espaço com artigos que apresentavam informações sobre políticas, projetos e ações governamentais em vários setores: educação, saúde, economia, entre outros. Neste período também foi anunciado que seria criado o Caderno Juventude, destinado ao público jovem.

A coluna Mulher, assinada por Flora Cardoso, era publicada geralmente uma vez na semana, mas sem a regularidade de um dia específico. Encontramos ocorrências da coluna em dias variados: terça-feira, quinta-feira, sexta-feira e sábado, com assuntos relacionados ao que era considerado feminino à época. A coluna dividia a primeira metade vertical da página com a coluna Convivência Social. A página era voltada ao público feminino e trazia ilustrações e legendas sobre a vida de personalidades femininas famosas no Brasil e no mundo e notícias sobre membros da elite local. O Caderno Feminino no Jornal do Comércio aparece em 1976. Este suplemento era publicado aos domingos, com 5 páginas em formato standard. Nos títulos de artigos, imagens e ilustrações coloridas traziam dicas de beleza, de moda feminina, masculina e infantil, cuidados com a decoração e organização do lar, com a saúde física e psicológica da mulher, receitas culinárias, orientações para educação de crianças e divulgação dos resumos dos capítulos ou de estreia de novelas televisivas. Assim, a coluna Mulher e o Caderno Feminino se constituíam em produtos que atrairiam o crescente público feminino e ainda difundiriam as ideias referentes ao projeto de mulher que se pretendia divulgar para a sociedade à época.

Os estudos de Rosemberg e Amado (1992), baseados em estatísticas educacionais, apontam que no Brasil, na década de 1970 os índices de mulheres alfabetizadas eram equivalentes ou superiores aos dos homens e que a maioria dos alunos era do sexo feminino. Ainda nesta década houve um aumento significativo de universitárias, cujo rendimento escolar também se demonstrava superior aos do sexo masculino em algumas áreas (ROSEMBERG; AMADO, 1992, p. 62).

A partir dos dados coletados no IX Recenseamento Geral do Brasil (IBGE, 1983), calculamos que dos 219.080 habitantes amazonenses do período, maiores de 10 anos, apenas 22,9% (50.170) possuíam o curso elementar, ou seja, eram letrados o suficiente para acessar a leitura do Jornal. Destes, 51,8% (25.988) eram mulheres. Em notícia divulgada em 1979, também é observada uma leve predominância feminina entre os candidatos ao vestibular para a “Universidade do Amazonas” (atual Universidade Federal do Amazonas), de 13.719 candidatos, 6909 eram mulheres e 6810 eram homens (A CRÍTICA, 07/01/1979, p. 3).

A criança e sua educação nas páginas do Jornal do Comércio

A temática da educação infantil apareceu em outros momentos da história do jornal. Em 1910, no semanário do Jornal do Comércio intitulado O Barésinho, que saia aos domingos e era direcionado às crianças, afirmava-se de forma vaga que ali se publicaria tudo o que fosse relacionado à “educação infantil” (Jornal do Commercio, 16/10/1910). Mas foi apenas em 1949, acompanhando o surgimento do jornalismo feminino no Brasil como produto comercial, inspirado no modelo francês (BUITONI, 2009), que foi implementado o Suplemento Feminino, publicação dominical que trazia matérias sobre crianças, dentre os demais conteúdos direcionados ao público feminino, que surgiu em 1943, e que passou a incorporar a coluna intitulada Jornal das Crianças, existente desde o ano de 1928, onde eram publicadas histórias infantis. O Suplemento Feminino existiu até o ano de 1959, quando foi suspenso, mas o Jornal do Comércio manteve a publicação dominical “Página Feminina” existente desde o ano de 1950, que durou até 1967, e que trazia também matéria sobre crianças. (JORNAL DO COMÉRCIO, 1928-1967).

No período de nossa investigação, as matérias sobre educação das crianças aparecem no noticiário geral, com informações sobre eventos relacionados à área. Em 1973, anuncia-se a realização do I Encontro de Educação do Serviço Social da Indústria (SESI), por iniciativa do departamento regional do Amazonas, em que professores do SESI das regiões norte e nordeste do país reuniram-se para elaborar um “documento básico norteador da ação educativa do SESI na região”. O evento contou com conferencistas de Brasília e de São Paulo: Aida Foschiera e Nélio Parra. (JORNAL DO COMÉRCIO, 30/11/1973, p. 3).

Em 1974, o assunto é o “Curso de Aperfeiçoamento em Educação pré-primária, com visão geral do Trabalho no Jardim de Infância”, promovido pelo Ginásio e Escola Normal Preciosíssimo Sangue, em cooperação com a Associação de Educação Católica do Brasil (AEC), ministrado pelas professoras do Instituto de Educação Jacobina, da Guanabara. De acordo com a notícia, os componentes do curso foram: “Educação artística incluindo técnicas de arte, literatura infantil e teatro” e “didática e planejamento de atividades de recreação”. Para se inscrever, era necessário o pagamento de uma “taxa” e o público-alvo seriam os “educadores” e as “alunas” do 3º pedagógico do Instituto. (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/01/1974, p. 3).

Mas é nas publicações direcionadas ao público feminino que aparecem conteúdos com intenções formativas, com orientações às famílias e aos profissionais das instituições educacionais sobre as necessidades das crianças e versando sobre a importância da educação infantil e sua necessidade social.

As matérias foram localizadas em consulta na Hemeroteca Digital Brasileira, por meio dos descritores: “Jardim de Infância”, “Magistério”, “Infância”, “Mulher”, “Educação Infantil”, “Criança”, “Creche” e “Educação pré-escolar”. São 8 matérias, uma da coluna Mulher e 7 do Caderno Feminino, cujos títulos são: “Férias - prazer não sofrimento”, “Aprender com a criança antes de educá-la”; “O efeito da linguagem da 1ª infância sobre o aprendizado escolar”; “Idioma no Jardim de Infância”; “A matemática ajuda a pensar e enfrentar situações difíceis”; “A felicidade nos brinquedos”; “Uma coisa séria chamada ‘Jardim da Infância’” e “A situação dos jardins de infância na R.F.A”. Estes textos tratam de um conjunto diversificado de conteúdo tais como: as políticas de creche e jardim de infância, a importância do brinquedo, da atividade do brincar para crianças e da socialização para o desenvolvimento da criança; a aprendizagem da matemática e da linguagem e a transição entre Educação Pré-escolar e 1º grau. Cabe salientar que, além destes artigos analisados, havia outras notícias sobre educação de crianças neste período.

Dos 7 artigos sobre crianças encontrados no Caderno Feminino, 5 estão localizados na 4ª página e dois na capa, dividindo espaço com moldes de roupas da moda e o passo a passo de como fazê-las, dicas de cortes e penteados de cabelo e divulgação da programação de uma novela televisiva. Também aparecem imagens de crianças realizando algum tipo de atividade, como lavando as mãos, manuseando brinquedos ou estudando em uma sala de aula com seus materiais didáticos.

Em edição de 1975, a coluna Mulher apresenta um artigo de Brasília com o título “Férias - prazer não sofrimento”. O artigo, dividido em três partes, inicia com um texto introdutório, no qual se defende que tirar férias é direito de todos, mas já havia sido privilégio apenas das pessoas ricas; e trata de possibilidades de ocupar o tempo livre das crianças nas férias, uma vez que nem sempre é possível sair de casa, principalmente quando as famílias são numerosas (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/01/1975, p. 12).

O texto recomenda a prática da arteterapia em casa, a partir das experiências da psicóloga paulista Maria Margarida de Carvalho. Ela indicava que as famílias realizassem atividades prazerosas nas férias, pois o descanso e o lazer eram vistos como elementos importantes para a manutenção da saúde.

Na segunda parte do artigo, intitulada “CRIANÇA”, chama a atenção o fato de se colocar a ideia de que as férias não seriam importantes para as crianças pequenas, pois poderiam prejudicar a sua capacidade de se relacionar socialmente:

Criança pequena cursando o maternal, pré-primário, jardim de infância ou mesmo a primeira série do 1º grau, não tem na verdade necessidade de férias. Dentro da moderna visão da escola, o relacionamento e interação das crianças, as atividades escolares têm sempre uma preocupação lúdica. Assim, a escola é para elas o seu mundinho, ou seja, o seu lugar gostoso. Quer dizer, as férias são desnecessárias, ao contrário podem mesmo ser prejudiciais: crianças que tem problemas no seu relacionamento social, quando saem de férias sofrem uma regressão no comportamento. Entretanto as professoras precisam muito de férias.... explica a professora Telma Martins Costa Cody (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/01/1975, p. 12).

Ainda de acordo com a professora Telma, algumas escolas ofereciam atividades específicas para o período de férias, em que as crianças poderiam aprender diferentes trabalhos manuais, afazeres domésticos como arrumar uma mesa ou uma cama, ou ainda praticar jogos. Ela sugere um regulamento de férias, elaborado em cartolina e afixado em lugar visível da casa, sendo importante que os adultos considerem a opinião das crianças:

Em muitas escolas hoje principalmente: maternal, pré-primário, e jardim de infância tem se criado atividades paralelas para o período de férias, mostrando o lado gostoso das férias quando os pais não têm condições no momento de levá-las para outra cidade. Um dia são ensinadas como fazer uma mesa ou uma cama, trabalhos manuais diferentes dos habituais e jogos.

[…] Maria Margarida de Carvalho sugere que se faça um Regulamento de Férias: “O certo é que todos os membros da família descansem e se divirtam. A própria elaboração do regulamento já é motivo para diversão dentro de casa. Os pais se reúnem com os filhos e perguntam o que eles gostariam de fazer durante esse tempo sem aulas.

O regulamento [...] deve ser feito em cartolina e pregado em lugar visível da casa. Deve inclusive conter uma cláusula proposta pelas crianças da casa, no caso de alguém não cumpri-lo. As crianças têm muito mais senso de justiça. Na reunião de família para elaborar o REGULAMENTO é preciso ficar bem claro um ponto fundamental: o direito de cada um termina onde começa o do outro, quer dizer as férias são para todos [...] (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/01/1975, p. 12).

Na última parte do artigo, denominada “SUGESTÕES” são recomendadas atividades artísticas como desenho, trabalhos manuais, criação-recriação, decoração da casa, prática da marcenaria ou que envolvessem o contato com a natureza:

A necessidade cada vez maior de ter contato com a natureza pode muito bem ser aproveitada durante as férias para prática de jardinagem, mesmo em apartamento no cuidado das plantas você pode ter esse contato; marcenaria (que o pai pode ajudar), desenho, trabalhos manuais, criar-recriando: a criação-recreação pode ser explorada ao máximo: se as crianças já estão cansadas de um jogo faça com que elas encontrem novas regras para que o jogo ganhe um novo apelo. Procure também chamá-las para decoração da casa. Novos arranjos, paredes para serem pintadas, almofadas recobertas, enfim mil coisas que podem ser feitas (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/01/1975, p. 12).

Neste mesmo período o Jornal do Comércio divulga atividades de recreação de férias para crianças, como as promovidas pelo Serviço Social do Comércio - SESC, (JORNAL DO COMÉRCIO; 03/01/69; 04/01/70; 31/03/78) Assim subtende-se que, ao se afirmar que as crianças não precisavam de férias pois elas poderiam prejudicar seu desenvolvimento e que existiam escolas que promoviam atividades para este período, percebe-se uma indicação ao público leitor a levar as crianças para participar destas atividades de férias, uma vez que se constituía em uma necessidade para o desenvolvimento infantil.

O primeiro artigo analisado do Caderno Feminino data de 1976, intitulado “Aprender com a criança antes de educá-la”, dividido em três partes: inicial, “A criança é o ser” e “Evolução do homem”. O título, em letras maiores, divide espaço com a imagem (FIGURA 1) de um menino com as mangas da camisa na altura dos cotovelos, braços apoiados em uma pia e um sabonete nas mãos (JORNAL DO COMÉRCIO, 08/08/1976, Caderno Feminino, p. 1).

Fonte: Jornal do Comércio, Manaus, 8 de agosto de 1976, Caderno Feminino, capa. Acervo: Biblioteca Pública do Amazonas.

Figura 1 Capa e ampliação da imagem da notícia onde aparece uma criança lavando as mãos (Elaboração Própria). 

A notícia trata da conferência “O Jardim da Infância na Era Industrial”, do psicanalista Pedro Figueiredo Ferreira no II Congresso Brasileiro de Educação Pré-Escolar, realizado pela Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar - OMEP/BRASIL, no Parque Anhembi, em São Paulo. A OMEP foi uma Organização não Governamental - ONG, que surgiu na Europa, em 1948, após a 2ª Guerra Mundial, com apoio da UNESCO. A OMEP/BRASIL foi fundada em 1955. O tema de sua Segunda Conferência foi “O que for melhor para a Criança” (MOTTA, 2003).

Considerando que o trabalho feminino nas indústrias interferia no relacionamento entre a mãe e seus filhos e no desenvolvimento da criança, Figueiredo defende o afastamento de um ano para a mãe, após o parto. Toma como referência a França, sugerindo estudo do programa francês pelos responsáveis pela infância no Brasil, além da construção de creches nas indústrias:

Uma das sugestões oferecidas pelo psicanalista é de que os responsáveis pela infância no Brasil estudassem o programa estabelecido pela França - para a posterior adaptação nacional. Mas ele confessa que “já acharia ótimo” se fossem organizadas creches nos locais de trabalho.

Em termos ideais, deveria até mesmo ocorrer um contato ininterruptamente da mãe com a criança depois de seu primeiro ano de vida. Um contato quase “intrauterino”. A garantia da saúde emocional resulta na saúde tanto física como mental.

Dizendo que a civilização industrial separou o filho da mãe, o psicanalista lembra que esta sociedade é fruto de uma educação deturpada (JORNAL DO COMÉRCIO, 08/08/1976, Caderno Feminino, p. 1).

Nesta época, as mulheres tinham direito a apenas 84 dias de licença maternidade no Brasil. Com a Constituição de 1988 este período foi ampliado para 120 dias (RIMES, OLIVEIRA, BOCCOLINE, 2019). A fala do psicanalista destacando a necessidade da existência de creches no local de trabalho foi pertinente, pois embora a legislação trabalhista previsse creches nos estabelecimentos em que trabalhassem 30 ou mais mulheres, esse dispositivo raramente era cumprido pelas empresas (KUHLMANN JÚNIOR, 2000).

Outro ponto mencionado pelo conferencista diz respeito ao método empregado na educação das crianças: a educação imposta, que valoriza o pensamento antes do raciocínio, que não leva em consideração a personalidade da criança seria extremamente prejudicial:

É necessário que a mãe ou a professora observe a criança em todas as suas atividades para apreender as suas características. Isto é: antes de educar, o adulto deverá ser discípulo da criança. É esta que vai lhe contar através de diferentes linguagens de comunicação andar, correr, falar, brincar, desenhar, dormir, ouvir estórias - a maneira como deve processar sua educação.

“O conhecimento é da criança e não nosso, a professora é o saber mas a criança é o mestre do ser” diz o psicanalista (JORNAL DO COMÉRCIO, 08/08/1976, Caderno Feminino, p. 1).

A fala aproxima-se das propostas da educadora Heloísa Marinho que, naquele período, defendia “uma educação em que a atividade criadora da criança superasse em valor educativo os exercícios formais do jardim de infância tradicional”, de modo que a orientação educativa viesse a tolher o aspecto criador do desenvolvimento intelectual e artístico da criança (KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 15).

Sobre linguagem infantil, encontramos duas matérias, uma publicada em fevereiro e outra em outubro de 1977. A primeira intitulada “O efeito da linguagem da 1ª infância sobre o aprendizado escolar”, organizada em três colunas, localizada na parte inferior esquerda da página, possui os seguintes subtítulos: “INDICES DIFERENTES DE PROGRESSO”; CONVERSA COM OS PAIS” e “A CONTRIBUIÇÃO DO PROFESSOR”. Na parte inferior da primeira coluna, há uma imagem do rosto e parte dos ombros de um menino de semblante alegre, aparentemente apoiando o queixo em uma superfície, provavelmente uma carteira escolar ou uma mesa. O texto se fundamenta nos resultados de uma pesquisa realizada “na Universidade de Leeds para examinar o efeito das experiências infantis no desenvolvimento e emprego da linguagem”, conclui que “as crianças são levadas ao modo de pensar dos pais através da maneira pela qual estes lhes falam” e relata a criação de um projeto denominado “Técnicas de Comunicação na Primeira Infância” criado pelo “Conselho de Escolas da Grã-Bretanha” para levar professores a “aprender mais sobre a natureza da linguagem” para desenvolverem “as técnicas de ensino a fim de proporcionar a muitas crianças as experiências essenciais de diálogo” (JORNAL DO COMÉRCIO, 27/02/77, p. 4).

Em outra publicação de 1977, o Caderno reproduz duas matérias do Diário de Pernambuco, do Recife, escritas por Zenaide Barbosa, em uma delas também se desenvolve o tema da linguagem na educação infantil, intitulada “Idioma no Jardim de Infância”, em um texto distribuído em três colunas, com resumo, parte introdutória e quatro subdivisões: “Gestos e sons”, “A voz e o ritmo”, “A linguagem correta” e “Um mundo real”. O resumo, abaixo do título, é separado por linhas na parte superior e inferior, com letras negritadas, e destaca a importância da linguagem para o desenvolvimento social da criança, uma vez que o aprendizado acontece entre os 2 e 7 anos de idade, estimulado pelos pais e “mestres do jardim de infância” (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

O parágrafo introdutório ressalta a importância do “equilíbrio”, e do “conhecimento da própria personalidade”, do “desenvolvimento do pensamento”, da “estruturação mental”, dos “processos de socialização”, “bem unidos à possibilidade de expressão e ao progresso da linguagem.” Considerando que a criança de 4 ou 5 anos que ingressa no pré-escolar possui os “rudimentos da língua”, o artigo recomenda que a professora deve “partir do fato real” de que trabalha “com um grupo” que fala “mal” ou “quase” não fala. (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

Sobre gestos e sons, o texto traz a ideia de que toda atividade realizada pelo homem, incluindo a linguagem, é “fundamentalmente mímica”. Os sons e os gestos são elementos utilizados pela criança para se expressar, assim, “a expressão humana, global e concreta ao princípio”, se torna “diferenciada e simbólica” o homem, à medida que se civiliza, substitui “os gestos corporais, globais, espontâneos, pela linguagem oral.” A partir dessa “base” deve se constituir “a pedagogia da palavra ao pré-escolar.” (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

O segmento “a voz e o ritmo” apresenta orientações para “o mestre”, que deve controlar a sua voz, sendo “silencioso e tranquilo”, pois as crianças percebem e reproduzem a “harmonia ou os defeitos” do professor. Assim, ele deve entender sobre o funcionamento da voz para educar a voz da criança, sugerindo a atividade do canto como importante para o desenvolvimento vocal (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

Em “linguagem correta”, o texto informa que “a boa pedagogia” prevê “três pontos fundamentais na educação pré-primária:” O professor deve: a) “empregar sempre uma linguagem correta”; b) “criar um bom clima à expressão verbal”; e, c) “utilizar palavras cujo sentido” seja “captado e tratar de entender a linguagem das crianças, sem perder de vista o desenvolvimento geral”, que é “paralelo à inteligência e à educação da linguagem.”. Para isso, o professor precisa ter uma boa dicção, articulando “corretamente” e dando “à voz um tom harmonioso e aceitável” (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

O texto também adverte o “mestre” para tomar cuidado para não ser contagiado pela “força da linguagem infantil” que pode impedir que a criança atinja uma “linguagem oral clara e correta”. Não basta que o professor de jardim de infância domine um bom vocabulário e ensine a “falar corretamente”, ele precisa promover situações para que o aluno pratique a fala, por meio de exercícios planejados previamente, valorizando também os jogos, a modelagem, e o desenho como formas de expressão (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

A parte final do texto, “um mundo real”, refere-se a uma realidade que deve ser criada pelo “mestre” com atividades diversificadas, que estimulem o desenvolvimento da linguagem da criança, como por exemplo a observação sensorial em um jardim, recortes e o desenho:

O mestre deve criar um mundo rico, mas real, ajudando as crianças a valorizá-lo e classificá-lo. A vida no jardim facilita a educação da linguagem, mas exercícios da vida prática a certos trabalhos manuais são valiosos. Assim, se a professora ensina a lavar os dentes, com movimentos precisos e explicações verbais, as crianças repetem os movimentos e as frases assimilando o sentido de cada palavra.

A observação de um animal, de uma flor ou de um brinquedo permite, vistos de perto, a observação sensorial e a descoberta das qualidades sensíveis do objeto; [...] As sensações auditivas se prestam em forma especial a este trabalho, pois permitem orientar instintivamente as crianças à compreensão do sentido da língua: se ouve o ruído das folhas mortas, do vento, das pessoas andando...

Aos sons onomatopaicos, se podem juntar gestos mímicos, reforçando a verbalização com gestos corporais. Depois, os desenhos, os recortes com as mãos sem apoio, a modelagem favorecerão a assimilação das noções e a repetição espontânea das palavras registradas pela observação. [...] “DP - Recife” (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

Interessante o fato da utilização dos termos “mestre” na parte inicial do texto, e “professora” na parte final, onde se especifica o trabalho de “lavar os dentes” o que evidencia a figura da mulher no desempenho de atividades educativas associadas ao “cuidar”.

A outra matéria apresenta o título “A matemática ajuda a pensar e enfrentar situações difíceis”, acima do qual há uma imagem de 10 crianças em uma sala de aula, 4 delas em pé, com os olhares voltados para a professora que está em frente à turma, da qual observa-se apenas a sua mão e uma pequena parte do que parece ser seu vestido. A professora apresenta o que aparenta ser um livro para as crianças que, na sua maioria, olham atentamente para o material. As crianças estão muito próximas umas das outras, o que causa um incômodo ao observar a imagem, devido à aparente falta de espaço no ambiente registrado (JORNAL DO COMÉRCIO, 23/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

A imagem utilizada na edição do Jornal do Comércio do Amazonas não é a mesma da edição publicada no Diário de Pernambuco. A publicação de Pernambuco ocupa toda a página 2 da seção feminina do Caderno Viver3, de 01/10/1977 (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 01/10/1977, seção B, p. 2).

O texto divide-se em três partes: a introdutória, “Metodologias” e “As metas”. Na introdução, informa-se que o movimento internacional do ensino da Matemática, iniciado na década de 1960, ainda causaria polêmica, pois defendia que o aluno fosse capaz de compreender o contexto e conhecer a base para a solução de problemas matemáticos.

Em “Metodologias”, afirma-se: “o princípio fundamental da nova pedagogia da Matemática consistia em que o estudante por participação atual e envolvente, entrasse no processo de ‘construção’ da matemática. Era a ‘pedagogia das situações’.” Assim, a Educação Matemática deve “buscar então, um equilíbrio entre o saber e o saber-fazer, pois saber Matemática é ser capaz de fazer Matemática.” (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

Na parte final, fundamentando-se em Zoltan Dienes, considera a existência de três metas para o ensino da matemática: a intelectual, a informativa e a utilitária; que deve envolver a motivação, além dos conteúdos e da metodologia, com uma didática que possibilite assistir a uma maior quantidade de alunos (JORNAL DO COMÉRCIO, 16/10/1977, Caderno Feminino, p. 4).

De acordo com Valente (2012), Zoltan Paul Dienes esteve à frente das propostas do Centre de Recherches en Psycho-mathématique da Universidade de Sherbrooke, Canadá, para um programa moderno do ensino da matemática às crianças, apoiado nas teorias de Piaget sobre o desenvolvimento da psicogênese.

Outro aspecto a considerar é a forma como esta notícia está organizada, trazendo primeiramente textos relativos a duas matérias escolares: Matemática e português, respectivamente, com a intenção evidentemente prescritiva, apresentando dicas metodológicas referentes aos procedimentos didáticos considerados mais adequados e eficazes à época.

Percebe-se relação entre as atividades descritas na matéria com as indicadas por Heloísa Marinho no livro Vida e educação no jardim de infância, onde são sugeridas atividades que contribuam para o desenvolvimento da criança. A educação “da linguagem e do pensamento” no Jardim de Infância” deveria acontecer por meio de experiências como: “excursões, vivências com alimentos, confecção de biscoito para lanche, observação de insetos, coleções de folhas, experiências com água, ar, luz, entre outras.” Sendo que a “escolha e a organização das atividades educativas seriam realizadas pela educadora em colaboração com a turma” (KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 15).

Na edição de 25 de janeiro 1978, publicaram-se artigos sobre a importância do brinquedo na capa e na página 4 do Caderno. O texto da capa, intitulado “A felicidade nos brinquedos”, subdivide-se em quatro partes: “O brinquedo não é um prêmio”; “Um tipo para cada idade”; “Brincado também se cura” e “Áreas de lazer suprem necessidades”. O artigo ocupa mais da metade da página, divido em quatro colunas. Entre a parte superior da terceira coluna há uma pequena imagem de uma menina em pé, de pele e cabelos claros, de comprimento até o ombro, segurando os braços de uma boneca também de cor e cabelos claros e bem curtos semelhante a uma criança bem pequena. Ambas viradas para frente, o corpo da menina levemente inclinado para a frente e a cabeça voltada para baixo, como se estivesse fazendo de conta que fosse uma mãe ensinando a filha a dar os primeiros passos. A menina está trajando um vestido escuro de comprimento até abaixo dos joelhos e um sapato também escuro (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 1).

Em destaque, com fontes maiores, negritadas e entre linhas horizontais, há três trechos distribuídos nas colunas centrais. O primeiro, na parte superior “O brinquedo é considerado uma arte infantil, e toda criança carrega consigo um grande potencial criador”, o segundo, na parte central:

Não importa o grau de sofisticação dos brinquedos para a educação da criança. Na realidade o que ela quer mesmo é participar de todos os seus brinquedos. Estes, são bastante importantes para a formação geral da criança e em muitos casos constituem-se verdadeiros remédios, quando existem enfermidades psíquicas. A psicoterapia infantil, nesses casos, leva a criança à expressão criativa e, conseqüentemente à cura. (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 1).

O terceiro destaque, na parte inferior da página, afirma: “Para a criança, tanto faz quebrar um brinquedo caro ou barato isto faz parte de seu desenvolvimento.” O artigo trata da importância do brinquedo para o “desenvolvimento físico e mental da criança”, independente do seu valor, e prescreve alguns brinquedos de acordo com as idades das crianças, uma vez que os brinquedos, de acordo com os psicólogos e pedagogos, possuem caráter “formativo e pedagógico”. Crianças da primeira infância devem ter brinquedos “sensoriais”; às crianças de um a três anos além dos sensoriais, recomenda-se brinquedos que ajudem no “desenvolvimento físico” e descarreguem “a agressividade”. Às crianças de dois a quatro anos indica-se brinquedos para auxiliar no “desenvolvimento da coordenação motora”, para as de cinco aos sete anos, “jogos de montar e desmontar”, de “imitação e de representação”. Para as crianças de sete a nove anos prescreve-se brinquedos que desenvolvam o “comportamento social”, entre oito e dez anos os de “noções de eletricidade”, entre dez e doze os “jogos sobre computadores”, e para os maiores, brinquedos cujo funcionamento exija atenção (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 1).

Uma questão interessante é a defesa de “bonecas sexuadas para meninos e meninas”, uma vez que os bonecos representam a “família nuclear” e que as crianças devem ter acesso a todo tipo de brinquedo “inclusive armas”, em virtude da “necessidade de externar sua agressividade”. O texto apresenta como exemplo as inovações de países desenvolvidos como a Inglaterra, que havia lançado a “boneca que irá ser mãe”, e a França, com a criação da “Ludoteca” (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 1).

Caso não haja condições para se comprar brinquedos, deve ser oferecido à criança “bastante espaço livre” ao ar livre, objetos para brincar de faz-de-conta, garantindo espaços onde possa brincar sem interferência de um adulto, recomendando-se a interação com outras crianças da mesma faixa etária (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 1).

O texto segue explicando o caráter terapêutico do brincar, a exemplo da psicoterapia infantil. Por meio do brincar a criança pode revelar “seus problemas, conflitos e angústias”. O brinquedo tem um “valor simbólico”, podendo tratar e curar “crianças portadoras de enfermidades psíquicas”. Conclui ressaltando a importância do brincar antes do ingresso da criança no ensino primário:

A nível educacional governamental a Coordenadoria Estadual de Normas Pedagógicas, quando prepara o currículo para a primeira série do 1º grau, parte do pressuposto de que todas as crianças matriculadas já atingiram um determinado nível intelectual. E como elas chegam a este nível? Através das brincadeiras com os amiguinhos do prédio ou da rua onde moram, nas competições de corrida com seus velocípedes, das imitações familiares, com o jogo de papai e mamãe, das canções infantis ensinadas pelos pais ou nos maternais, do esconde-esconde e de outras tantas brincadeiras que integram a criança na sociedade e desenvolvem seu raciocínio. (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 1).

Na página 4, há dois textos sobre a educação das crianças na Alemanha Ocidental. O primeiro, “Uma coisa séria chamada ‘Jardim da Infância’”, é composto de um resumo, em letras negritadas, destacado com linhas verticais na parte superior e inferior, e de duas partes: “Proteção” e “Importância do brinquedo”. O texto é ilustrado por uma imagem apresentada acima do título, em que duas crianças dividem uma mesa, escrevendo algo em um caderno; no meio da mesa há uma caixa com material não identificável, provavelmente material escolar e é possível ver parte do braço e da cabeça de uma terceira criança (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 4).

O resumo informa que na Alemanha, era oficial o reconhecimento da importância do brinquedo e da convivência infantil, tanto que no Estado do Hessen havia uma regulamentação que orientava a construção de um parque de brinquedo para crianças menores de seis anos de idade em cada terreno com mais de três casas:

Há muito já se cristalizou nos órgãos oficiais e ministérios na República Federal da Alemanha a compreensão do elevado valor que médicos e pedagogos atribuem ao brinquedo da criança, e da convivência infantil. Também fora do jardim de infância, as crianças em idade pré-escolar deverão ter a oportunidade de brincar com outras crianças da mesma idade. Justamente nas grandes cidades, de modo geral tão hostis às crianças, com ruas inadequadas para o brinquedo, essa reivindicação dos cientistas adquire significação especial.

Alguns Estados na República Federal da Alemanha já traduziram essas considerações em atos reais. O secretário de Assuntos do Interior do Estado do Hessen, Ekkehar Gries, por exemplo, assinou recentemente uma regulamentação com prescrições relacionadas com as construções urbanas. Segundo essa regulamentação, cada terreno no qual serão construídas mais de três moradias, terá de dispor, doravante, de uma área especial, destinada a um parque de brinquedo, para crianças de menos de seis anos de idade (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 4).

O parágrafo inicial afirma que a instalação do parque também poderia ser exigida em prédios preexistentes, caso “necessário à saúde ou à proteção das crianças”. De acordo com a regulamentação, o parque não poderia ficar a mais de 100 metros da casa da criança, deveria ser protegido contra o vento e oferecer variedade de brinquedos, não apenas um espaço com areia, que deveria ser renovada anualmente. Quanto à “proteção”, considera que os parques deveriam ser colocados em ruas com pouco tráfego, para evitar que acontecessem acidentes como o ocorrido com um menino de três anos de idade, em Baviera-Nittenau. As creches e jardins de infância também precisariam tomar esses cuidados, uma vez que as crianças permaneciam nesses espaços “até o entardecer”.

A última parte, intitulada “a importância do brinquedo”, informa que os pais haviam recebido cartas remetidas pelos Departamentos de Juventude, que enfatizavam a importância do brinquedo. Contudo, uma parte significativa de mães não compreendia o brinquedo como importante a partir dos 5 anos de idade, como foi verificado em uma pesquisa feita pelo Instituto Sample, em Hamburg. Depois de ressaltar a importância do brincar para o desenvolvimento da criança, as prescrições subsequentes salientam a necessidade de uma educação preparatória para o ensino primário. Assim, a Comissão da Federação e Estados do Planejamento da Formação, em Bonn, realizaria o projeto “Jardins de Infância para crianças de cinco anos de idade”, informando sobre “experiências-modelo” iniciadas em 1974, que facilitariam a transição das crianças com cinco anos de idade para a escola primária, e solicitando aos Estados que elaborassem condições pedagógico-didáticas em cooperação entre jardins de infância e escolas primárias, oferecendo formação específica aos educadores, professores e pedagogos. (JORNAL DO COMÉRCIO, 25/01/1978, Caderno Feminino, p. 4).

A publicação de notícias sobre as experiências alemãs ressaltava a importância de se ter espaços destinados ao brincar, como os parques infantis. É interessante considerar que, neste mesmo período, houve uma quantidade significativa de inaugurações de parques infantis no Amazonas (VASCONCELOS, 2018).

O último texto, cujo título era “A situação dos jardins de infância na R.F.A”, apresenta outra notícia relacionada à educação infantil na Alemanha. Abaixo do artigo, há a imagem de uma criança em uma mesa repleta de tintas e papéis espalhados (FIGURA 2). A criança, provavelmente um menino, está segurando um pincel em sua mão direita. A mão esquerda segura um pequeno pote de tinta, no qual ela parece molhar o pincel, realizando uma atividade de pintura (JORNAL DO COMÉRCIO, 09/07/1978, Caderno Feminino, p. 4).

Fonte: Jornal do Comércio, Manaus, 9 de julho de 1978, Caderno Feminino, p. 4. Acervo: Biblioteca Pública do Amazonas.

Figura 2: Página e ampliação da imagem da notícia apresenta uma criança em atividade de pintura (Elaboração Própria). 

O texto subdivide-se em duas partes: a inicial, e a intitulada “Spielmóbi” - um êxito complemento”. Na primeira parte, anuncia-se a superação das metas para o atendimento de crianças com idades entre três e seis anos nos Jardins de Infância alemães, além das novidades quanto a métodos e brinquedos; e finaliza afirmando que, de acordo com o dr. Andreas Mehringer, a educação na família é insubstituível, sendo o jardim de infância apenas um complemento da família:

A oferta de jardins de infância foi melhorada na República Federal da Alemanha não apenas quantitativa, mas também qualitativamente. Seja mencionado aqui, como exemplo, o desenvolvimento de novos métodos de brinquedo e de ensino. Em um programa coordenado supra regionalmente serão testados, até 1980, esses novos programas em nada menos do que 240 jardins de infância.

O objetivo é bastante alto: trata-se de aprender a viver, brincando. Afinal, formas de comportamento social só podem se aprender em grupo.

Mesmo assim, todo o conjunto da oferta em educação nos jardins de infância não deve jamais substituir a família. O jardim de infância deve ser um complemento da família [...]. (JORNAL DO COMÉRCIO, 09/07/1978, Caderno Feminino, p. 4).

Na parte final da notícia, apresenta-se o “Spielmobil”, um ônibus velho, de cores vibrantes, “feito praça de brinquedos”, carregado de brinquedos, fantasias e adereços, que ia às praças, enviado pelo Departamento de Juventude de Hanau, com funcionários treinados para orientar as atividades (JORNAL DO COMÉRCIO, 09/07/1978, Caderno Feminino, p. 4).

O texto enfatiza a defesa da necessidade de brincar pelos pedagogos e sociólogos. Assim, os jardins de infância teriam um papel importante para auxiliar no desenvolvimento da criança, para a aprendizagem do comportamento social. O texto refere-se ao relatório do Ministério Federal da Juventude, Família e Saúde, de 1976, que dizia ser “imprescindível que a educação na família” fosse “complementada, aproximadamente a partir da idade de quatro anos, com a vivência e o aprendizado fora da família”. Refere-se também ao relatório do ano de 1975 da Comissão da Federação e dos Estados de Planejamento da Formação:

As tentativas-modelo mostram que a oferta pedagógica institucional para crianças de três a seis anos de idade, de modo especial de cinco anos, foram aceitas na sua maior parte espontaneamente pelos pais. Excetuados casos isolados, nos quais foram decisivas convicções pessoais, familiares, sociais e ideológicas, os pais aceitaram para os seus filhos na idade pré-escolar uma oferta pedagógica convincente, no sentido de uma educação complementar à educação na família (JORNAL DO COMÉRCIO, 09/07/1978, Caderno Feminino, p. 4).

Compreendemos que essas notícias apresentavam modelos que deveriam ser implementados no Brasil, influenciando as políticas locais por meio do Jornal que, articuladas com as nacionais e internacionais compunham a realidade na qual a educação pré-escolar se configurava à época. Observamos nas matérias analisadas, ainda que secundarizadas no espaço do jornal, uma evidente projeção de conteúdos que permeiam principalmente a maternidade e a educação infantil, de modo intencional, enquanto produto consumível pela mulher da elite amazonense.

Considerações finais

O início da expansão da Educação Infantil na década de 1970 aparece no noticiário do Jornal do Comércio, em matérias sobre as formações específicas para professores da Educação Pré-Escolar, como o I Encontro de Educação do SESI, ocorrido em 1973 e o Curso de Aperfeiçoamento em Educação pré-primária, com visão geral do Trabalho no Jardim de Infância, em 1974, promovido pelo Ginásio e Escola Normal Preciosíssimo Sangue e a Associação de Educação Católica.

Mas é nos espaços voltados ao público feminino que os textos relacionados à educação infantil foram apresentados privilegiadamente, situando a educação das crianças como assunto feminino, para mães e professoras, uma vez que quem atuava nos Jardins de Infância, pré-escolas e creches eram as mulheres.

Diferentemente da imprensa feminista, relacionada aos direitos, a coluna Mulher e o Caderno Feminino, no campo dos deveres, situam-se como publicações “femininas tradicionais”, do mesmo modo que as revistas femininas como Claudia e a Nova, lançadas entre as décadas de 1960 e 1970 (LUCA, 2008; 2013).

Nos periódicos, a imprensa feminina tem caráter subalterno, uma vez que os suplementos e as colunas alternativas surgiram como um material informativo que não são se encaixavam nas notícias diárias, caracterizando-se como um material complementar, “em segundo plano”; por outro lado, proporcionava a ampliação da mídia dando a ela mais visibilidade como parte da reestruturação dos jornais, uma vez que “os órgãos de comunicação tornaram-se empresas comerciais detentoras de poder econômico após a 2ª Guerra Mundial” (ROCHA, 2006, p. 2).

Observa-se subalternidade na imprensa feminina, enquanto suplemento, “apenas a recreação, nunca a seriedade das notícias” e que a “presença feminina nas propagandas é bem significativa. Quando a mulher aparece, está, na maioria das vezes, em posição de submissão em relação ao homem, seja a poder do charme masculino, do posto de trabalho ou da família” (CAVALCANTE, FLORES, 2016, p. 123).

Além disso, expõe-se uma perspectiva ideológica sustentada nos condicionantes sociais e historicamente construídos sobre qual deve ser a função da mulher na sociedade. É um veículo de vinculação das ideias de mulher que se idealiza.

Identifica-se uma predominância de notícias relacionadas ao maternalismo, uma manipulação de conteúdos que modelavam a consciência da mulher amazonense, cujos pressupostos morais, atrelados à domesticidade, enalteciam a feminilidade. A mulher teria função primordial na implantação de um modelo educacional cívico-cristão, o que pode ser observado na significativa presença feminina nos trabalhos relacionados à filantropia à época (ALVES, 2015).

Assim, verificamos nesse período uma preocupação em instruir e informar a mulher moderna, burguesa, de classe média, com relação à educação de crianças de 0 a 7 anos de idade, por meio do jornalismo feminino. Em contrapartida, a educação de crianças é secundarizada, dividindo espaço com um conjunto de outros temas compreendidos particularmente como femininos, tais como: beleza, moda, saúde, carreira profissional, sexo etc. (BUITONI, 2009).

O fato de as notícias virem situadas entre moldes, dicas de beleza e outros assuntos relacionados ao mundo feminino é indício do poder de influência do jornal, como considerou Campos (2007) em relação às mulheres e crianças na imprensa paulista:

visto como um dos focos da vida cultural daquele tempo e espaço e como um veículo no qual se procurava ordenar parcialmente a realidade do cotidiano, apesar de sua pretensão estrutural à totalidade, dava corpo às normas discursivas com maior eficácia justamente porque muitas vezes não dizia claramente o que convinha fazer, como ocorria no discurso pedagógico explícito (CAMPOS, 2007, p. 21).

Entendemos que os textos publicados no Caderno Feminino e na coluna Mulher do Jornal do Comércio do Amazonas visavam educar a leitora, por meio de representações da mulher que se desejava formar, na intenção de influenciar diretamente as instituições escolares e familiares. Estavam articuladas com notícias nacionais e até internacionais, atuando como difusoras de ideias.

Assim, nos questionamos o motivo pelo qual não existia um espaço específico para professores. Por que os assuntos escolares dividiam espaço com assuntos femininos? Salientamos que este conjunto de notícias reforça a relação entre mulher, maternidade e docência. Rosemberg e Amado (1992), ao analisarem um conjunto de estudos sobre mulher e educação, publicados nos Cadernos de Pesquisa, observaram que o desempenho escolar feminino era atribuído às características de obediência, passividade ou protecionismo que compunham aquela cultura escolar, assim:

os artigos concluem que a discriminação no campo educacional não ocorre quanto ao acesso, permanência e rendimento escolar femininos, mas na guetização sexual das carreiras escolares. Os artigos mostram, então, que estudantes de sexo masculino seguem preferencialmente cursos de conteúdo técnico e científico; as estudantes do sexo feminino seguem trajetórias escolares vinculadas às letras e humanidades, com nítidas vistas à preparação ao magistério (ROSEMBERG; AMADO, 1992, p. 63-64).

As matérias ressaltam a importância da Educação Infantil e de sua necessidade social e tomam como exemplo os modelos dos países desenvolvidos como a Alemanha, a Inglaterra e a França. Por meio destas matérias observa-se que se valorizavam aspectos da educação infantil e das necessidades da criança, uma vez que as notícias relacionadas à educação da criança de 0 a 7 anos, vinham embasadas na opinião de especialistas como médico, professor, psicólogo, que defendiam a importância do brinquedo, da socialização e de uma reforma didático-pedagógica.

As leitoras (mães e/ou trabalhadoras das escolas) e mesmo os leitores (pais/professores) dessas matérias eram envolvidos nos acontecimentos locais, nacionais e internacionais, que indicam o que seria o modelo padrão de arcabouço dos conhecimentos mulheris na época da ditadura militar, uma vez que estes textos estavam localizados em espaços femininos do jornal.

Por fim, consideramos que esta pesquisa revela lacunas existentes na história da educação infantil no Amazonas e contribui com os estudos relacionados à infância e à historiografia da infância.

Referências

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1Este trabalho compõe a pesquisa de doutorado em Educação, do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), intitulada “Creches no Amazonas: Infância, História e Educação, 1979-1999”, orientada pela Prof. Dra. Pérsida da Silva Ribeiro Miki (Universidade Federal do Amazonas) e coorientada pelo Prof. Dr. Moysés Kuhlmann Júnior.

2Pesquisa realizada com financiamento da Fundação de Apoio e Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) e com o apoio da CAPES.

3Destinada a assuntos sociais, femininos, de cinema e TV (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 01/10/1977, seção B, capa 1).

Recebido: 28 de Outubro de 2021; Aceito: 04 de Fevereiro de 2022

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