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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub Sep 13, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-138 

Artigos

Eduardo Waller & Comp: a emergência da indústria de mobiliário escolar em São Paulo (1895-1924)

Eduardo Waller & Comp: la emergencia de la industria del mobiliario escolar en São Paulo (1895-1924)

Wiara Rosa Rios Alcântara1 
http://orcid.org/0000-0003-0752-8257; lattes: 1977977231651168

1Universidade Federal de São Paulo (Brasil). wrr.alcantara@unifesp.br


Resumo

O objetivo deste artigo é tratar da emergência da indústria de mobiliário escolar em São Paulo. Para tanto, abordo o caso da empresa Eduardo Waller & Comp. A partir da análise de notas de compras, fotografias, memorial descritivo de solicitação de patentes e respectivo desenho, inventários de bens, dentre outras, discorro sobre a constituição e atuação da empresa, os modelos de carteiras fabricados e suas relações comerciais com instituições de ensino. Perseguir o rastro das empresas ajuda a compreender um conjunto de relações econômicas implicadas no processo de expansão da escola pública, obrigatória e de massas, entre os anos de 1895 e 1924.

Palavras-chave: Indústria escolar; Carteira escolar; Cultura material

Resumen

El objetivo de este artículo es abordar el surgimiento de la industria del mueble escolar en São Paulo. Para eso me acerco al caso de la empresa Eduardo Waller & Comp. A partir del análisis de notas de compra, fotografías, solicitud de patente memoria descriptiva y diseño respectivo, inventarios de activos, entre otros, se discute la constitución y desempeño de la empresa, los modelos de portafolio fabricado y sus relaciones comerciales con instituciones educativas. Seguir la estela de las empresas ayuda a comprender un conjunto de relaciones económicas involucradas en el proceso de expansión de las escuelas públicas, obligatorias y masivas, entre los años 1895 y 1924.

Palabras clave: Industria escolar; Pupitre escolar; Cultura material

Abstract

The aim of this article is to deal with the emergence of the school furniture industry in São Paulo. For that, I approach the case of the company Eduardo Waller & Comp. From the analysis of purchase notes, photographs, patent application descriptive memorial and respective design, asset inventories, among others, I discuss the constitution and performance of the company, the manufactured portfolio models and its commercial relations with educational institutions. Tracking down the trail of companies helps to understand a set of economic relations involved in the process of expansion of public, compulsory and mass schools, between the years of 1895 and 1924.

Keywords: School industry; School desk; Material culture

Introdução

Nas duas últimas décadas, tem sido significativo o número de pesquisas que se debruçaram sobre a cultura material da escola. No âmbito destas pesquisas, mais recentes são as investigações acerca do mobiliário e da carteira escolar. Com aproximações e distanciamentos, os estudos que tomam a carteira ou o mobiliário escolar por objeto têm contribuído para compreender mais sobre questões administrativas, econômicas, culturais, higiênicas, ergonômicas, educacionais, sociais e políticas que circunscreveram o movimento de criação e expansão da escola pública, obrigatória e de massas na passagem do século XIX ao XX.

Em 2001, a tese da francesa Josette Peyranne, defendida na Université Paris V, começando pelo mobiliário da Grécia e Roma antigas, passando pelo mobiliário escolar da Idade Média e Renascença, analisa o mobiliário e o espaço escolares nos séculos XIX e XX. Em 2004, a dissertação de mestrado de Maria de Fátima Machado, defendida na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, da Universidade de Lisboa, centra-se nos discursos institucionais, médicos e pedagógicos que conformaram as alterações operadas nas carteiras escolares entre os anos 1835 e 1970. Na Itália, em 2016, Juri Meda publica a obra "Mezzi di educazione di massa: Saggi di storia della cultura materiale della scuola tra XIX e XX secolo". Nela, há um capítulo dedicado trata do banco escolar a partir de questões higiênicas e comerciais.

No Brasil, em 2009, a dissertação de Raquel Castro defendida na Universidade do Estado de Santa Catarina, trata da relação da carteira escolar, principal apoio para a escrita, com métodos de ensino (individual, mútuo e simultâneo). Em artigo publicado em 2013, Marcus Levy Bencostta aborda o papel que alguns arquitetos franceses desempenharam na criação de modelos de mobiliários que favorecessem a saúde e a aprendizagem dos alunos em sala de aula, na primeira metade do século XX.

Em 2014, em tese defendida na Faculdade de Educação da USP, tomando a carteira como fio e vetor de relações, pude investigar questões higiênicas, culturais, econômicas, administrativas e jurídicas que ajudam a compreender como São Paulo foi se organizando, a partir da primeira lei de obrigatoriedade escolar, para atender ao provimento mobiliário das escolas públicas.

A dissertação de Gustavo Rugoni, defendida em 2015 na Universidade do Estado de Santa Catarina, objetivou compreender as relações entre uma fábrica de móveis e o mercado escolar. Em 2019, Marlucy Aragão de Sousa investiga o mobiliário da instrução primária no Pará, entre 1889 e 1930. Importante também é a análise que Juarez dos Anjos (2019) faz da protoindustria escolar e os bancos-carteira referindo-se a experiências industriais de produção de móveis para a escola no Brasil Imperial. Em 2020, Gecia Garcia analisa os processos de aquisição dos móveis escolares para a instrução pública primária no Paraná, entre o fim do século XIX e início do século XX.

Este breve levantamento não pretende ser exaustivo quanto a um estado da arte, mas apenas exemplificar algumas perspectivas e abordagens quanto ao uso do mobiliário e das carteiras escolares como fonte e objeto na História da Educação. Há, nos trabalhos anteriormente listados, alguns que se aproximam pelo foco nas questões higiênicas, outros nos processos administrativos de aquisição, e ainda, aqueles que dão uma atenção maior aos aspectos comerciais e econômicos da produção, circulação e consumo das carteiras escolares.

Aqui, o objetivo deste artigo é tratar da emergência da indústria de mobiliário escolar em São Paulo. Não da protoindustria que se caracteriza entre a produção artesanal e a industrial de objetos escolares (ANJOS, 2019), mas da empresa legalmente constituída pelo devo registro na Junta Comercial e com uso de máquinas complexas próprias do processo industrial de produção. Nesse sentido, o caso da empresa Eduardo Waller, constituída em 1895, é exemplar porque as investigações até aqui realizadas indicam que esta, provavelmente, foi a primeira indústria de grande porte a atuar na fabricação de carteira e outros móveis escolares, segundo os ditames da Higiene e da pedagogia moderna, na última década do século XIX. Perseguir o rastro das empresas ajuda a analisar um conjunto de relações econômicas implicadas no processo de expansão da escola pública, obrigatória e de massas. Por exemplo, a relação entre o público e o privado que terá como um dos efeitos a terceirização.

A terceirização consiste na prática de transferir a um terceiro, detentor de um conhecimento especializado, de uma tecnologia, por meio de contrato, a realização de determinada atividade, “objeto de execução indireta”, tendo em vista os princípios da eficiência e da economicidade. Não é carregado de todos esses elementos que o termo é aqui usado quando nos referimos ao ato do poder público de contratar empresas para fabricação ou importação do mobiliário e do material escolar no fim do século XIX e início do XX. Tal contratação, no período estudado, tem a ver com a incipiente organização do Estado para garantir o serviço principal, a oferta da instrução gratuita e do ensino obrigatório. A política do governo paulista, sobretudo a partir da Proclamação da República, foi atender a demanda das escolas por mobiliário através da contratação de empresas privadas.

Desse modo, o texto está organizado em três partes. Na primeira, discorro sobre aspectos da constituição e atuação da empresa Eduardo Waller & Comp. Na segunda, trato de características dos produtos fabricados e comercializados pela empresa Eduardo Waller. Na terceira, apresento fontes que evidenciam a aquisição dos produtos Waller por instituições de ensino paulistas.

Eduardo Waller & Comp: constituição e atuação

Em 1901, Bandeira Junior faz um levantamento das indústrias e fábricas existentes em São Paulo no fim do século XIX e início do século XX. Dentre elas, está a Fábrica de Móveis Escolares Eduardo Waller & Comp. Ele informa:

No gênero de construcção de mesas, cadeiras, bancos e quadros para demonstrações, é esta a mais importante que existe no Estado. Fundada em 1895, á rua da Consolação n. 178, por Eduardo Waller & Comp., não só forneceu o material do seu fabrico ás escholas publicas e particulares do Estado, como a algumas da Capital Federal, Minas Geraes, Bahia e outros pontos do norte da República.

Tudo quanto é concernente a mobílias, accessorios e ornamentos de casas de ensino, é ali fabricado com materiaes nacionaes, sobresahindo nelles a segurança e a perfeição; por modelos e systemas quasi todos privilegiados por cartas patentes, taes como:

As carteiras hygienicas, privilegiadas pelo governo federal com a patente n. 2012 de 12 de fevereiro de 1896.

Carteiras: - Adjustable - Brazil-Paulista e as Hygienicas - que se elevam ou descem conforme a altura do alumno.

Carteira com mesa e assentos, moveis para uma, duas e mais pessoas.

Quadros negros - Hyloplate - imitando a ardosia natural.

Cadeiras e escrivaninhas para professores; para salas de conferencias, com mesa ao lado para notas.

Cadeiras com assento que automaticamente se fecham, no gênero das que fabricou para o teatro Sant’Anna, desta cidade.

Todas essas mobílias são de madeira e ferro nacional, sendo também nacionaes os tinteiros das mesas e carteiras.

Todos os moveis podem ser armados com a maxima presteza, assim também pode-se substituir qualquer peça inutilisada.

Não se pode determinar o limite do fabrico, porque sendo considerável o stock de materiaes, trabalhando a fabrica com maquinas a vapor, attende a qualquer encommenda, por mais considerável (BANDEIRA JUNIOR, 1901, p. 31-32, grifo nosso).

Considerando o embrionário desenvolvimento do comércio, da manufatura e indústrias no fim do século XIX, uma fábrica para atender a demanda do Estado, que fazia solicitações em grande quantidade e, pouco planejadas, deveria ter um significativo potencial de produção. Fundada em 1895, na cidade de São Paulo, a Eduardo Waller logo deixou de ser uma indústria local e se tornou uma indústria nacional que expandiu seus negócios e fez seus produtos chegarem a outros estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, conforme se lê na citação acima.

Quanto à produção, a fábrica Waller utilizava a mesma técnica produtiva europeia, isto é, a máquina a vapor, que favorecia uma produção em larga escola e em curto espaço de tempo. Assim, poderia atender “a qualquer encommenda, por mais considerável”. Para distribuição nas escolas, inclusive do interior do Estado, não haveria maiores dificuldades, pois os móveis “podem ser armados com a máxima presteza”.

Além de Bandeira Junior (1901), João Gualberto de Oliveira, secretário geral do Centro Cultural Brasil-Suécia, advogado, escritor e jornalista apresenta outros dados que detalham a atuação de Eduardo Waller no Brasil e de sua empresa. Em 1952, João Gualberto escreveu o livro Suecos no Brasil. Dentre os biografados está Eduardo Waller. Antes de narrar a história de “estimados vultos nórdicos” (OLIVEIRA, 1952, p.12), o autor faz um “Panorama da Suécia”, explicando dentre outros pontos, a questão econômica daquele país. Ele apresenta os suecos como povo especializado com o manejo da madeira. Segundo ele, “grande parte da indústria sueca baseia-se nas matérias-primas extraídas de seus ricos e seculares bosques. A produção de madeiras de diferentes qualidades, de pasta, celulose e papel alcança normalmente 25% da indústria do País” (OLIVEIRA, 1952, p.23).

Trabalhar com madeira também era uma das especialidades de Eduardo Waller. Segundo Oliveira (1952), nascido em uma região bucólica da Suécia em 1860, após o curso primário, Eduardo Waller foi estudar no Seminário de Nääs. Nessa escola, “ensinava-se desenho linear e geométrico, lavragem de madeira bruta para a feitura de móveis, construções racionalizadas de móveis domésticos, além de tapêtes e outros trabalhos manuais” (OLIVEIRA, 1952, p.104-105). Ele conclui o “artesanato, curso que os suecos chamam de ‘slöjd’, e que inclui os mais variados trabalhos manuais” (OLIVEIRA, 1952, p.104-105). Assim, tornou-se proprietário de uma carpintaria. É para desenvolver essa profissão que ele vem para o Brasil.

Conforme Oliveira (1952), ele veio a convite de um brasileiro, um paulista chamado Inácio de Mendonça Uchoa. Viajando pela Escandinávia, o brasileiro conhece os móveis de Eduardo Waller e o contratou como mestre para sua grande serraria na capital da Província” - a Serraria e Fábrica de Móveis São José.

Oliveira (1952) afirma, ainda que, apesar do sucesso no trabalho, o sueco tinha aborrecimentos e prejuízos por causa do nome, por ser comprido e difícil para os brasileiros. Por isso, com permissão do Governo da Suécia, que “resolvera permitir a seus filhos a livre adoção de nome diferente, mais claro, mais fácil de distinguir, em lugar dos vulgarissimos Gustavson, Abrahamson, Anderson, etc.” (OLIVEIRA, 1952, p.107), o carpinteiro mudou seu nome. Ele se chamava Andreas Edvard Petterson. “Eduardo eliminou o Andreas, aportuguesou o Edvard e escolheu o sobrenome Waller. Daí por diante ficou sendo, e para sempre, Eduardo Waller. Foi sob êsse nome que São Paulo o conheceu, estimou e admirou” (OLIVEIRA, 1952, p.107-108).

Ele chegou ao Brasil em 1888 e, em 1890, “começou a sua obra como professor. Trouxe para nós a maravilha sueca que é o ‘slöjd’ (pronuncie-se eslóide)” (OLIVEIRA, 1952, p.108). De 1890 a 1905 lecionou na Escola Americana. “Transmitiu aos jovens de São Paulo a velha técnica de lavrar madeira, isto é, de transformar o lenho bruto nos móveis que adornam e proporcionam confôrto às nossas casas” (OLIVEIRA, 1952, p.108). As aulas para os alunos externos e internos “eram dadas na Rua Maria Antônia, numa construção de madeira, misto de salão de aula e de moradia” (OLIVEIRA, 1952, p.108). Nesta mesma região, na rua da Consolação, fundou em 1896, “pequena fábrica de moveis escolares”. Por fim, João Gualberto de Oliveira (1952, p.108) informa que Eduardo Waller

Era artesão por excelência, com muito engenho e muita arte [...] Eduardo Waller, como professor, artista, técnico, foi melhorando, incessantemente a sua produção. Devemos-lhe a criação de um tipo original de carteira escolar, a que ele deu o nome de “Brasil”. E a “Adjustable”, ajustável à altura e à conformação física do escolar. Esse material, nas diversas feiras nacionais e estrangeiras em que se expôs foi premiado com as mais altas distinções. E com justificados motivos, pois representava grande e admirável inovação na pedagogia daquele tempo.

Além de proprietário de uma fábrica de mobiliário escolar, Eduardo Waller desenvolveu diversas outras atividades econômicas na promissora São Paulo. No Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1908, p. 1519) ele aparece como médico, atuando na rua da Consolação n. 178. Não consta apenas que Eduardo Waller é médico, mas que esta atividade é desenvolvida por Eduardo Waller & Comp. Na Exposição Nacional de 1908, o Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1909, p.2374) o notícia como participante do décimo primeiro grupo, moveis comuns e de luxo, bilhares. Juntamente com o Lyceu de Artes e Officios recebeu “Grandes Premios” (Almanak, 1909, p.2374).

Entre os fabricantes e negociantes de móveis está Eduardo Waller & Comp. Considerando o importante papel que os médicos desempenharam na discussão da higiene urbana e corporal no fim do século XIX, não é de se estranhar que um médico tivesse conhecimento sobre padrões higiênicos para fabricação de carteiras e móveis. O que permitia até que ele inventasse um mobiliário.

Porém, além de médico e negociante de móveis, Eduardo Waller também era vice-cônsul da Suécia em São Paulo, atendendo na rua Maranhão n.1. Esta atividade, todavia, aparece só posteriormente em 1917 (Almanak, 1917, p.4401) e consta até 1923 (Almanak, 1923, p.681). Uma das funções do cônsul é promover o comércio entre seu Estado de origem e o lugar onde reside. Citando Vanessa Bivar, Carina Pedro (2010, p.37) esclarece que

um dos objetivos dos cônsules e agentes consulares era informar o seu país sobre as oportunidades de crescimento do comércio nas cidades onde estavam instalados [...] essa comunicação era feita por relatórios e cartas destinados ao Ministério dos Negócios Estrangeiros na França.

Se o cônsul era um sujeito conhecedor das boas oportunidades de comércio, a opção de Eduardo Waller em se dedicar ao comércio de mobiliário escolar, significa que este era um negócio rentável no período, sobretudo em um Estado em expansão urbana e populacional como São Paulo.

Proprietário de uma fábrica de porte considerável para o período, a intimidade com o comércio não faltaria a este homem de negócios. Mas quem seria o sócio ou os sócios que com Eduardo Waller firmaram uma Companhia? “Todos os atos do comércio praticados por estrangeiros residentes no Brasil serão regulados e decididos pelas disposições” do Código Comercial de 1850 (LEI Nº 556, DE 25 DE JUNHO DE 1850, Art.30).

Não tendo localizado o Registro do Comércio desta Companhia nem na Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), nem na Junta Comercial do Rio de Janeiro, não foi possível identificar os sócios e o capital social da empresa. Entretanto, outras informações podem ser obtidas, a partir do nome empresarial ou comercial. A Eduardo Waller & Comp., funciona sob firma social e não denominação.

Enquanto a denominação forma-se por um nome fantasia, a firma ou razão social é formada pelo nome de um dos sócios, alguns deles ou de todos eles. Na ausência do nome de um dos sócios é acrescida a expressão “& Companhia”, ou abreviada, “& Cia”. Cabem expressões similares como “& Filhos”, “& Irmãos”. O nome da sociedade está intimamente relacionado com o tipo ou a forma social. Funcionando sob firma, a Eduardo Waller & Comp poderia ser uma Sociedade em nome coletivo ou uma Sociedade em Comandita Simples.

Na primeira hipótese, todos os sócios deveriam ser pessoas físicas que respondessem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Na segunda, há dois tipos de sócios, os comanditados e os comanditários. Os primeiros deveriam ser pessoas físicas que responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade; os comanditários poderiam ser pessoas físicas ou jurídicas com a responsabilidade da integralização do capital social que subscreveram. O mais provável é que a Fábrica de Móveis Escolares fosse uma Sociedade em nome coletivo. Todavia, como não aparecem na firma ou razão social, a dificuldade de identificar os demais sócios persiste.

Apesar disso, foi possível localizar outras informações sobre os produtos fabricados e comercializados pela empresa.

Eduardo Waller & Comp: produtos e patentes

A empresa Eduardo Waller fabricou uma diversidade de modelos de carteiras escolares e obteve a proteção de invento industrial, a patente, de pelo menos um deles. A empresa fabricava carteira com mesa e assentos, moveis para uma, duas e mais pessoas. Todavia, os modelos que mais ficaram conhecidos foram os das carteiras ajustáveis Brazil e Paulista, além das carteiras Hygienicas, modelo patenteado em 1896.

Um modelo da carteira da empresa Eduardo Waller & Comp. pode ser visto no site do Centro de Referência em Educação Mário Covas, onde também se lê:

Móvel escolar fabricado na cidade de São Paulo, por Eduardo Waller & C., estabelecido em 1896 à Rua Maria Antonia, próximo à Escola Americana (atual Universidade Mackenzie), onde Eduardo Waller era professor de trabalhos manuais. Até pelo menos 1911, Brasil se grafava com Z, daí tal inscrição na carteira, cuja data podemos afirmar que é anterior a essa época. Madeira e ferro fundido, Ed. Waller & C., 19001.

Fonte: CRE Mario Covas

Figura 1 Carteira Brazil CRE Mario Covas 

A mesma carteira pode ser localizada no Centro de Memória da Faculdade de Educação da USP.

Fonte: Centro de Memória da Faculdade de Educação da USP

Figuras 2 e 3  Carteira Brazil - CMFEUSP 

A observação das imagens corrobora com a descrição de Bandeira Junior (1901) quando informa que as mobílias eram feitas de madeira e ferro (nacional) e que as mesas e carteiras possuíam tinteiros. Além dessas características, a carteira Brazil deveriam ser parafusadas no chão. Isso pode ser visualizado na imagem por reprodução fotográfica do Centro de Memória. No caso da imagem do CRE Mário Covas, a peça de madeira que permitiria parafusar a carteira no chão já não fazia mais parte da peça. É curioso observar que a peça é fabricada por um imigrante sueco, é nomeada de carteira Brazil e apresenta o modelo padrão das carteiras americanas de madeira e ferro fundido, modelo esse que fez o deslocamento do produto à ideia (ALCÂNTARA, 2020).

E. Waller & Comp. não somente fabricava, mas criava seus próprios modelos de carteira, tendo obtido patente de duas delas. Se a empresa não era da propriedade de brasileiros e comercializava com o poder público e para escolas brasileiras, era importante enfatizar que seus produtos eram fabricados “com materiais nacionaes”, “todas essas mobílias são de madeira e ferro nacional, sendo também nacionaes os tinteiros das mesas e carteiras”. Além disso, detinha a última tecnologia no ramo - a máquina à vapor, o que garantia rapidez, maior produção em menor tempo, produção em massa para atender “a qualquer encomenda por mais considerável”.

Dentre as carteiras fabricadas por esta indústria, a mais conhecida e popularizada foi a carteira Brazil. Todavia, em 10 de fevereiro de 1896, o industrial solicitou patente a favor de outro produto, a Carteira Escholar Hygienica. O móvel foi registrado sob o número 2894 e patente 2012. Invenção do médico Eduardo Waller, tratava-se de um “Systema aperfeiçoado de Carteira e Cadeira Escholares”.

Conforme o memorial descritivo da solicitação de patente, "consiste a invenção em uma nova disposição de carteira escholar e competente cadeira, que denominei “Carteira (e cadeira) Escholar Hygienica”, sendo essas duas peças combinadas para permittir eleval- as ou abaixal-as conforme a altura dos alumnos que as devem occupar"2.

No início do memorial descritivo, Eduardo Waller já evidencia que o móvel por ele aperfeiçoado pode ser adaptado aos alunos de diferentes estaturas. Na figura abaixo vê-se que “a carteira é constituída por uma caixa A [figuras 1 e 2] sustentada por dous pés lateraes 1 e 2 formando pedestaes e fixadaos ao chão” (figuras 1 e 3).

Fonte: Arquivo Nacional, Privilégios Industriais/Notação: PI 1624

Figura 4 Carteira Escolar Hygiênica - Desenho técnico anexo ao Memorial Descritivo 

A caixa é “construída preferencialmente de madeira nacional” e as laterais de ferro fundido e fixadas no chão. O uso de parafuso e dobradiça permitia “ajustar o pedestal no comprimento proprio a sustentar a carteira em altura conveniente para o alumno”3. O parafuso compõe o funcionamento das dobradiças e dos mecanismos que conferem não somente movimento ao objeto, como também, a gradação da altura para adaptação do móvel à altura do aluno. O parafuso e as dobradiças foram invenções técnicas fundamentais para a concretização deste preceito higiênico. O parafuso é item de destaque por parte dos industriais em muitos catálogos de mobiliário escolar (ALCÂNTARA, 2014). Isso porque ele permite a montagem e desmontagem dos móveis, facilitando o transporte e valor do frete, bem como a adaptação da mesma carteira/cadeira aos alunos de diferentes alturas.

O componente confere também a praticidade da carteira para aquele que quiser adquiri-la, pois, “todas as partes da carteira são unidas com simples parafusos, [...] de modo que, não existindo na carteira partes colladas, póde ser ella toda desmontada para o transporte, e armada de novo por qualquer trabalhador”4.

No caso desta carteira, pretendia ser higiênica não só em relação ao corpo do aluno, mas também no que se refere à organização da sala de aula: “As tampas das carteiras podem ser feitas de modo a poderem correr para frente, permittindo assim regular á vontade o espaço entre as cadeiras e as tampas ou mezas das carteiras”5.

A carteira era fabricada em três modelos, sendo eles suficientes para ajustar-se a qualquer altura do aluno.

Pelo emprego das carteiras e cadeiras de minha invenção, a composição da mobília escholar acha-se muito simplificada e aproveitada, pois que basta adoptar os três modelos differentes sómente nos tamanhos conforme os quaes construo esses moveis, para suprir com grandes vantagens os bancos-carteiras actualmente empregados e construídos de quatorze tamanhos para corresponderem ás diversas alturas dos alumnos6.

Isso era uma grande vantagem diante de outros tipos de carteira adaptável à altura do aluno, as quais possuíam um modelo para cada altura de aluno.

Em resumo, reivindico como pontos e caracteres constitutivo da invenção: Em um “Systema aperfeiçoado de carteira e cadeira escholares denominada Hygienica”:

1o Uma carteira e sua cadeira supportadas separadamente por pedestaes extensíveis fixados ao chão, com o fim de poder á vontade regular a altura d’essas duas peças, acima do chão conforme as conveniências;

2o Os pedestaes da reivindicação acima, construídos cada um em duas peças unidas, por meio de um parafuso, pelas suas extremidades, apresentando largar faces de contacto côncavo-convexas corredias, e rasgo na extremidade da peça superior permittindo-lhe correr sobre a inferior para subir e descer facilmente: Escalas divididas nas beiras dos rasgos dos pedestaes da carteira;

3o A caixa da carteira formada sobre os lados constituindo as extremidades superiores dos pedestaes de ferro fundido, sendo as taboas d’essa caixa presas, exclusivamente por meio de parafusos, em asas ou nervuras existindo para esse fim sobre os ditos lados;

4o. Na caixa da carteira: a tampa fixa, ou a tampa de abrir e fechar formando meza, disposta para correr ao lado da cadeira ou frente da carteira; a taboa fechando a dita frente com prateleira, e o tinteiro de ferro nikelado de uma só peça embutida na tampa da carteira;

5o O espaldar ou encosto convexo da cadeira dando apoio ás costas dos alumnos;

6o O pedestal supportando a cadeira, construído com as partes corredias inclinadas, de modo que a cadeira se afaste da carteira á medida que se vae levantando;

Tudo como acima descripto e representado no desenho annexo para os fins especificados7.

A longa citação detalha os elementos inventivos daquela que talvez tenha sido a primeira carteira com preocupação higiênica e ergonômica, no Brasil. Ela possuía altura regulável, encosto convexo para apoio às costas, partes corredias inclinadas para a cadeira se afastar à medida que o aluno fosse se levantando. Não localizamos nenhum documento com solicitação deste móvel, por parte da administração pública. Suas características (altura regulável, emprego do ferro fundido, tinteiro, curvas higiênicas no assento e encosto) fazem crer que se tratava de uma carteira com valor considerável.

Eduardo Waller: relações com instituições de ensino

Dentre todas as indústrias de mobiliário escolar que comercializam com a administração pública paulista, a de maior porte, pelo menos de acordo com o que as fontes até aqui localizadas indiciam, é a Eduardo Waller & Comp. Isto é atestado por Bandeira Junior quando diz que, no gênero, “esta é a mais importante que existe no Estado”.

A respeito da relação da fábrica de Eduardo Waller com a instrução pública, João Gualberto de Oliveira (1952, p.108) assevera:

A instrução pública, notadamente a primária, com o advento da República tomara novos rumos e incrementos em nossa terra. Apareciam os grupos escolares pelos bairros, pelas cidades do interior. E Eduardo Waller era quem fornecia o mobiliário para as classes. O material por êle usado era de primeira ordem e correspondia ao novo espírito educacional. Por isso, seu nome tornou-se acatado de norte a sul do Brasil, a tal ponto que, em 1908, o industrial sueco adquiriu um vasto terreno na Rua Antônia de Queirós, antigo n. 65, no bairro da Consolação, e para ali transferiu a sua oficina. Nessas novas instalações chegou a contar com sessenta operários a seu serviço.

Os relatos de Oliveira (1952) corroboram a compreensão de que esta é uma empresa nacional que mantinha negócios com instituições de ensino de diversas regiões do país. Mais do que isso, o autor informa que o industrial participava de feiras nacionais e internacionais.

Devemos-lhe a criação de um tipo original de carteira escolar, a que ele deu o nome de ‘Brasil’.E a ‘Adjustable’, ajustável à altura e à conformação física do escolar. Esse material, nas diversas feiras nacionais e estrangeiras em que se expôs foi premiado com as mais altas distinções. E com justificados motivos, pois representava grande e admirável inovação na pedagogia daquele tempo (OLIVEIRA, 1952, p.108).

Não se identificou, até agora, a comercialização dos produtos Waller em outros países, o que leva a tratá-la, ainda, como uma empresa nacional. Considerando isso, demonstraremos neste ponto que as mercadorias da E. Waller foram largamente adquiridas por instituições de ensino paulistas.

As carteiras Waller e americana aparecem em quantidade significativa nos inventários de bens da Escola Normal do Braz e da Praça da República. No Livro de Inventário Geral de material escolar, móveis e utensílios da Escola Normal Caetano de Campos, com registros de 1895 e 1896, consta a seguinte relação:

Quadro 1 Inventários da Escola Normal Caetano de Campos 

ESCOLA NORMAL CAETANO DE CAMPOS
ANO
1895 1896
363 carteiras escolares americanas 48 cadeiras austríacas, amarelas, assento de palhinha
355 bancos escolares americanos 120 cadeiras de braço, envernizadas, que servem no salão nobre
120 cadeiras americanas que servem no salão nobre 82 cadeiras americanas, amarelas com assento de palhinha
120 cadeiras americanas de braço que servem no amphitheatro 5 cadeiras de braço, de canela preta e assento de marroquino
11 carteiras americanas para professores 2 cadeiras de balanço, austríacas
11 cadeiras americanas de mola e palhinha 4 cadeiras estofadas, com assento de morroquino
5 carteiras escolares estragadas 4 cadeiras pretas com assento de couro da Russia
8 bancos escolares estragados 1 cadeira de mola com assento e encosto de palhinha
3 carteiras de canela preta encerada, com grades, para amanuenses 3 carteiras de canela preta, com grades, para amanuenses
3 cadeiras com assento e encosto de couro da Russia 30 bancos com pés de ferro, modelo 550
2 cadeiras de balanço, austríacas
48 cadeiras austríacas envernizadas de amarelo
51cadeiras americanas envernizadas de amarelo
3 cadeiras de braço estofadas a morroquino
1 cadeira de mola, austríaca
28 bancos para jardim, modelo 550

Fonte: Elaboração da xxxx a partir dos Inventários de Bens da Escola.

No Livro de Inventário da Escola Normal do Brás, com registros de 1913 e 1924, são muitas as carteiras Waller, como se lê no quadro a seguir:

Quadro 2 Inventários da Escola Normal do Brás 

ESCOLA NORMAL DO BRÁS
ANO
1913 1924
1 cadeira giratória no Gabinete do Diretor 1 cadeira giratória no Gabinete do Diretor
4 cadeiras austríacas na secretaria 1 cadeira giratória no Gabinete do Vice-Diretor
1 cadeira giratória na portaria 6 cadeiras austríacas na secretaria
9 cadeiras austríacas na portaria 2 cadeiras giratórias na secretaria
9 bancos de madeira com pernas de ferro no corredor 10 cadeiras austríacas na biblioteca
11 cadeiras austríacas na sala VI 3 cadeiras na biblioteca
1 cadeira de braço na sala VI 1 cadeira giratória na biblioteca
12 cadeiras com encosto de marroquino no Salão n.1 2 banquetas e um banquinho na biblioteca
15 cadeiras de braço austríaco no Salão n.1 59 bancos de madeira no “pateo”
90 cadeiras presas no Salão n.1 2 carteiras no arquivo
4 cadeiras austríaca no Salão n.1 201 cadeiras austríacas no Salão
1 cadeira giratória na sala II 35 poltronas no Salão
8 cadeiras austríacas na sala II 7 poltronas com encosto marroquino no Salão
45 carteiras simples Waller na sala II 2 cadeiras de braço no Gabinete dos professores
45 bancos simples Waller na sala II 1 cadeira austríaca no Gabinete dos professores
1 cadeira giratória na sala III 1 cadeira de vime para docentes no Gabinete dos professores
1 cadeira austríaca na sala III 1 cadeira giratória na portaria
45 carteiras simples Waller na sala III 6 cadeiras austríacas na portaria
45 bancos simples Waller na sala III 1 cadeira americana para dentista no Gabinete Dentário
1 cadeira giratória na sala IV 1 cadeira austríaca no Gabinete Dentário
1 cadeira austríaca na sala IV 1 cadeira austríaca com braços na Sala de Gymnastica
45 carteiras simples Waller na sala IV 6 cadeiras nos corredores
45 bancos simples Waller na sala IV 13 bancos de madeira na sala de arrecadação
1 cadeira giratória na sala V 15 carteiras na sala de arrecadação
1 cadeira austríaca na sala V 1 cadeira austríaca com braços na sala I
35 carteiras simples Waller na sala V 2 cadeiras austríacas na sala I
35 bancos simples Waller na sala V 45 carteiras simples Waller na sala I
1 cadeira giratória na sala VIII 45 bancos simples Waller na sala I
1 cadeira austríaca na sala VIII 1 cadeira austríaca na sala III
35 carteiras simples Waller na sala VIII 45 carteiras simples Waller na sala IV
35 bancos simples Waller na sala VIII 45 bancos simples Waller na sala IV
1 cadeira giratória na sala IX 1 cadeira de braços na sala IV
45 carteiras simples Waller na sala IX 1 cadeira de braços na sala V
45 bancos simples Waller na sala IX 1 cadeira austríaca na sala V
1 cadeira giratória na sala X 45 carteiras simples Waller na sala V
35 carteiras simples Waller na sala X 45 bancos simples Waller na sala V
1913 1924
35 bancos simples Waller na sala X 13 cadeiras na sala VII
1 cadeira giratória na sala XI 1 cadeira austríaca com braços na sala VIII
1 cadeira austríaca na sala XI 45 carteiras simples Waller na sala VIII
45 carteiras simples Waller na sala XI 45 bancos simples Waller na sala VIII
45 bancos simples Waller na sala XI 3 cadeiras austríacas (uma de braço) na sala IX
11 cadeiras de braço austríacas na sala XII 45 carteiras simples Waller na sala IX
95 cadeiras austríacas na sala XII 45 bancos simples Waller na sala IX
1 cadeira giratória na sala XIII 4 cadeiras austríacas (uma de braço) na sala X
1 cadeira austríaca na sala XIII 45 carteiras simples Waller na sala X
45 carteiras simples Waller na sala XIII 45 bancos simples Waller na sala X
45 bancos simples Waller na sala XIII 4 cadeiras austríacas (uma de braço) na sala XI
1 cadeira giratória na sala XVI 46 carteiras simples Waller na sala XI
1 cadeira austríaca na sala XVI 46 bancos simples Waller na sala XI
35 carteiras simples Waller na sala XVI 2 cadeiras austríacas (uma de braço) na sala XII
35 bancos simples Waller na sala XVI 1 cadeira na sala XIII
5 carteiras simples Waller no arquivo 45 carteiras simples Waller na sala XV
1 carteira simples Waller no arquivo 45 bancos simples Waller na sala XV
2 bancos simples Waller no arquivo 1 cadeira giratória na sala XV
5 bancos simples Waller no arquivo 2 cadeiras na sala XV
2 cadeiras austríacas no arquivo 45 carteiras simples Waller na sala XVI
30 taboas para carteira no arquivo 45 bancos simples Waller na sala XVI
3 cadeiras austríacas na cozinha 1 cadeira giratória na sala XVI
2 cadeiras austríaca na sala XVI
45 carteiras simples Waller na sala XVII
45 bancos simples Waller na sala XVII
1 cadeira giratória na sala XVII
2 cadeiras austríaca na sala XVII
35 carteiras simples Waller na sala XVIII
35 bancos simples Waller na sala XVIII
1 cadeira giratória na sala XVIII
2 cadeiras na sala XVIII
35 carteiras simples Waller na sala XXI
35 bancos simples Waller na sala XXI
1 cadeira giratória na sala XXI
2 cadeiras na sala XXI
45 carteiras simples Waller na sala XXII
45 bancos simples Waller na sala XXII
1 cadeira giratória na sala XXII
2 cadeiras na sala XXII
45 carteiras simples Waller na sala XXIV
45 bancos simples Waller na sala XXIV
1 cadeira giratória na sala XXIV
2 cadeiras na sala XXIV
1 cadeira de braços no Laboratório de Physica e Chimica
2 cadeiras simples no Laboratório de Physica e Chimica
2 cadeiras na sala de Anatomia

Fonte: Elaboração da xxxx a partir dos Inventários de Bens da Escola.

Nos inventários percebe-se a preponderância das carteiras americanas e Waller, dentre os tipos de bancos, cadeiras e carteiras descritos. O inventário da Caetano de Campos, do ano de 1895, foi elaborado considerando o total de carteiras e bancos escolares americanos que a instituição possuía.

Já os inventários da Normal do Brás mencionam quantas carteiras Waller ocupavam algumas salas da escola. Essa forma de organização permite supor que os espaços com 35 ou 45 carteiras e bancos simples Waller eram destinados às salas de aulas e que, estes eram, provavelmente, o número de alunos que formavam uma classe. É o caso das salas III, IV, V, VIII, IX, X, XI, XIII e XVI conforme inventário de 1913. O inventário de 1924 sinaliza a reorganização do uso dos espaços escolares. As salas I, XV, XVII, XVIII, XXI, XXII e XXIV transformam-se em sala de aula.

É provável que a carteira Brazil não fizesse parte do acervo mobiliário da Escola Normal do Brás. Como se observa nos inventários, onde há a descrição de 45 carteiras simples Waller, segue o mesmo número de banco simples Waller. Isso significa que o móvel descrito nos inventários de 1913 e 1924 não possuía o assento integrado à carteira, como se vê na carteira Brazil.

Além das escolas normais, a Escola Politécnica de São Paulo também consumiu os produtos da Eduardo Waller. Entre fevereiro de 1898 e outubro de 1899, a empresa Eduardo Waller forneceu um conjunto de produtos para a Escola Politécnica de São Paulo. Os produtos adquiridos foram quadro negro com cavalete (1), compasso (5), régua com escala (5), esquadros (3), cômoda (1), armário (1)

Fonte: Arquivo Histórico da Escola Politécnica de São Paulo.

Figura 5 Nota de compra da Escola Polytechinica 

A documentação localizada no Arquivo Histórico da Escola Politécnica de São Paulo é a única, até aqui, que continha as notas de compra da Eduardo Waller permitindo conhecer mais sobre como a própria empresa se apresentava para os seus clientes, bem como sobre os produtos que destacavam e propagandeava.

Na cártula da nota de compra é possível saber mais sobre algumas especificações da empresa. A atividade principal é ser uma fábrica de móveis e material escolar. Dentre os produtos que fabricava e/ou fornecia, na nota constam o "quadro negro 'Hyloplate', armários e escrivaninhas do typo das escolas americanas". O destaque, entretanto, é dado à "carteira e cadeira Hygienica", produto ilustrado na nota. Essa ilustração evidencia o lugar de destaque desse produto na atividade da empresa, bem como o potencial que a carteira tinha de alavancar a atividade e lucratividade empresarial. Como já mencionado, estava localizada na Rua da Consolação, número 178, na cidade de São Paulo. A empresa cientifica, ainda os clientes da possibilidade de fazer "orçamentos para installação completa de escolas pelo Systema Americano".

Tratar a Eduardo Waller & Comp. como uma empresa nacional é uma classificação que diz respeito mais ao seu alcance comercial e menos aos aspectos da constituição e funcionamento. De todo modo, é importante destacar que a classificação de uma empresa como nacional não significa o isolamento dela em relação a discussões que se davam em e entre diferentes países. Para citar um exemplo, a E. Waller, não por acaso, usa com frequência a propaganda das carteiras e móveis "typo das escolas americanas" ou "systema americano".

A despeito das pequenas variações, a carteira "tipo americano" era fabricada com a base de ferro fundido, o assento e a mesa de madeira. Possuíam, também, tinteiro e gaveta para guardar livros ou o material do aluno, como se nota na carteira Brazil. A transnacionalização deste design contribui para que este modelo de carteira deixe de caracterizar uma mercadoria, um produto específico e passe a circular como uma ideia hegemônica de carteira.

Em outras palavras, há um descolamento entre um modelo e um produto específico. Desse modo, pode-se afirmar que, no âmbito da transnacionalização da carteira escolar, o modelo madeira e ferro fundido passar a designar mais do que um produto. Torna-se um conceito, uma ideia que ultrapassou fronteiras.

Considerações finais

Tratar da emergência da indústria de mobiliário escolar significa circunscrever, no âmbito de uma História Econômica, aspectos que ajudam a pensar a expansão da escola pública, obrigatória e de massas. Todavia, vale salientar que as análises aqui desenvolvidas lançaram mão de uma perspectiva de História Econômica que não está limitada a questões monetárias ou de mercado.

Embora contribua para a elaboração de uma história das empresas, o interesse aqui não é analisar processos de acumulação empresarial. Interessa antes destacar, por meio da análise da constituição e atuação das empresas, bem como das mercadorias que elas comercializam, as possibilidades de suprimento mobiliário das escolas públicas paulistas em um período inicial de expansão da escola pública.

Isso exige uma perspectiva de História Econômica que considere fatores exógenos e endógenos à economia (BARROS, 2008), mas que atente também para elementos que à princípio não são monetários ou de mercado. Isso significa ajustar a lente para perceber os aspectos simbólicos da atuação das empresas e dos produtos por elas comercializados, como defende Peter Burke (2005). Os aspectos simbólicos da atuação da indústria escolar têm a ver, por exemplo, com o uso dos ditames médico-higiênico na criação dos modelos de carteira pelo entendimento de que atenderia a uma representação cultural que circulou no período acerca de modelos e design ideal de mobiliário escolar.

É nesse sentido que a reprodução da imagem da carteira Hygienica na nota de compra da empresa Eduardo Waller não pode ser interpretada apenas como uma questão puramente comercial de mercado e propaganda. Há claros elementos culturais e simbólicos que atravessam as opções comerciais para a empresa que fabrica e as opções econômicas, administrativas, políticas e educativas para o Estado e a escola que consomem.

Daí a relevância de, como insiste Witold Kula (1977), tratar dos problemas de pesquisa em sua integridade ainda que se reconheça os traços distintos da cultura material e da História econômica, por exemplo. Desse modo, concordando com Barros (2008), aqui se operou com a compreensão de que não existe o fato econômico apartado de outros fatores. “Os fatos econômicos frequentemente acham-se imbricados com fatos políticos, sociais, culturais, institucionais, ou mesmo ligados às mentalidades” (BARROS, 2008, p.26). Esta compreensão interdisciplinar tem permitido perceber a constituição de uma cultura, desde as últimas décadas do século XIX, nos modos de provimento material da escola que não está desvinculada do próprio modelo e da natureza da escola moderna. Ou seja, uma escola para as massas cujos meios de suprimento estão estritamente atrelados aos modos de produção de massa.

Referências

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Fontes

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Arquivos consultados

ARQUIVO NACIONAL. Fundo/Coleção: Privilégios Industriais (PI) - Notação: PI 1624. Memorial descriptivo da Carteira Escholar Hygienica de Eduardo Waller e Comp. [ Links ]

Site do CRE Mario Covas. [ Links ]

Arquivo da Escola Normal do Brás - Inventário de bens do ano de 1913 e Inventário de bens do ano de 1924. [ Links ]

Arquivo da Escola Normal Caetano de Campos. Inventário de bens do ano de 1895 e Inventário de bens do ano de 1896. [ Links ]

Centro de Memória da Faculdade de Educação da USP. [ Links ]

Arquivo Histórico da Escola Politécnica de São Paulo. [ Links ]

1Ver a este respeito: Centro de Referência em Educação Mário Covas - http://www.crmariocovas.sp.gov.br/txt_html/mem/obj/obj_a/f08_04.html.

2Fonte: ARQUIVO NACIONAL. Fundo/Coleção: Privilégios Industriais (PI) -Notação: PI 1624.Memorial descriptivo da Carteira Escholar Hygienica de Eduardo Waller e Comp.

3Fonte: ARQUIVO NACIONAL. Fundo/Coleção: Privilégios Industriais (PI) - Notação: PI 1624. Memorial descriptivo da Carteira Escholar Hygienica de Eduardo Waller e Comp.

4Fonte: ARQUIVO NACIONAL. Fundo/Coleção: Privilégios Industriais (PI) - Notação: PI 1624. Memorial descriptivo da Carteira Escholar Hygienica de Eduardo Waller e Comp.

5Fonte: ARQUIVO NACIONAL. Fundo/Coleção: Privilégios Industriais (PI) - Notação: PI 1624. Memorial descriptivo da Carteira Escholar Hygienica de Eduardo Waller e Comp.

6Fonte: ARQUIVO NACIONAL. Fundo/Coleção: Privilégios Industriais (PI) - Notação: PI 1624. Memorial descriptivo da Carteira Escholar Hygienica de Eduardo Waller e Comp.

7Fonte: ARQUIVO NACIONAL. Fundo/Coleção: Privilégios Industriais (PI) - Notação: PI 1624. Memorial descriptivo da Carteira Escholar Hygienica de Eduardo Waller e Comp.

Recebido: 14 de Outubro de 2021; Aceito: 03 de Novembro de 2021

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