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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub Sep 13, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-144 

Artigos

O binômio “Segurança e Desenvolvimento”: propaganda, controle social e educação superior durante a ditadura militar no Brasil (1964-1988)1

El binomio ‘Seguridad y Desarrollo’: propaganda, control social y educación superior en la dictadura militar en Brasil (1964-1988)

1IberoAmérica-20 (Brasil); Instituto de Historia Social (Espanha). jaimemansan@gmail.com


Resumo

O binômio segurança e desenvolvimento, em boa parte através da influência da Escola Superior de Guerra, constituiu um dos fundamentos ideológicos da ditadura implantada no Brasil a partir do golpe de 1964. A disseminação daquela ideia ocorreu, dentre outros meios, através da propaganda, um dos principais elementos do sistema de controle social configurado após a deposição do presidente Goulart. A educação superior possuía importância estratégica para o grupo então no poder. A análise das funções cumpridas por aquele binômio nos processos de propaganda voltados para a educação superior permite compreender um pouco melhor tanto o funcionamento daquele meio de controle social quanto as diretrizes ideológicas que fundamentavam aquele regime autoritário.

Palavras-chave: Propaganda; Controle Social; Educação Superior

Resumen

El binomio seguridad y desarrollo, sobre todo a través de la influencia de la Escola Superior de Guerra (‘Escuela Superior de Guerra’), constituyó una de las bases ideológicas de la dictadura creada en Brasil por el golpe de Estado de 1964. La difusión de aquella idea ocurrió, además de otros medios, a través de la propaganda, uno de los principales elementos del sistema de control social establecido después de la destitución del presidente Goulart. La educación superior tenía entonces importancia estratégica para el grupo que tomó el poder. El análisis de las funciones cumplidas por aquel binomio en los procesos de propaganda que miraban hacia la educación superior permite comprender un poco mejor no solo el funcionamiento de aquel modo de control social, sino también las directrices ideológicas que fundamentaban aquel régimen autoritario.

Palabras clave: Propaganda; Control social; Educación superior

Abstract

The binomial ‘security and development’, mainly through the influence of the Escola Superior de Guerra (‘National War College’), was one of the ideological foundations of the dictatorship established in Brazil by the 1964 coup d’état. The spread of that idea occurred, among other means, through propaganda, one of the main elements of the system of social control formed after the overthrow of President Goulart. Higher education had strategic importance for the group in power in those years. The analysis of the functions fulfilled by that binomial in processes of propaganda focused on higher education provides a better understanding of the functioning of that mode of social control and of the ideological directives of that authoritarian regime.

Keywords: Propaganda; Social control; Higher education

Introdução

Como as ideias de “segurança” e “desenvolvimento” articularam-se para formar um dos pilares ideológicos do regime instaurado no Brasil a partir do golpe de 1964? Qual o papel da Escola Superior de Guerra (ESG) nesse sentido? A propaganda foi um modo de controle social utilizado para tanto de modo relevante? Se foi, como o binômio se fez presente nas ações desse tipo? E quais funções de controle social ela exercia naquele campo? Havia uma propaganda focada especificamente no campo da educação superior? Se havia, qual era o impacto disso? Outras formas de propaganda tinham algum impacto relevante sobre o campo da educação superior?

Neste artigo proponho algumas respostas para tais perguntas, as quais inscreveram-se em um projeto mais amplo de tentativa de compreensão da ação, sobre o campo da educação superior, do sistema de controle social que vigorou no Brasil entre 1964 e 1988 (Mansan, 2014).

O conceito de controle social adotado neste estudo alinha-se com a perspectiva dos chamados revisionist studies of social control, que tem como referência os trabalhos de Stanley Cohen, Gareth Stedman Jones, Michael Ignatieff, David Rothman, dentre outros. Controle social, nessa perspectiva, corresponde aos “meios organizados através dos quais uma sociedade responde a comportamentos e pessoas vistos de algum modo como desviantes, problemáticos, preocupantes, ameaçadores, incômodos ou indesejáveis” (Cohen, 2007, p. 1).

Também o conceito de sistema de controle social é buscado nas obras de referência daquela linha de estudos. Assim, em acordo com o que propunham Cohen & Scull (1983, p. 7), trata-se de considerar, para fins analíticos, a ação relativamente constante, ao longo de certo período, de determinados mecanismos que, com funções específicas, auxiliam-se mutuamente (com ou sem intencionalidade) em ações de controle social cujos resultados, a despeito de projetos, vontades e interesses individuais ou coletivos, contribuem significativa e consistentemente para a manutenção da ordem social e do regime político dos quais fazem parte.

Quanto ao método adotado neste estudo histórico, foi realizada de modo sistemático a análise crítica e comparativa dos documentos, pautando-se pelo princípio da totalidade (Goldmann, 1978, p. 12-13) e fundamentando-se nas propostas de Jörn Rüsen conforme apresentadas em sua clássica trilogia, com vistas à realização de uma “pesquisa regulada” (Rüsen, 2010, p. 111). Foi desenvolvido, assim, de modo processual e dialógico, “o procedimento regulado, que leva da pergunta à resposta”. Começando pela “formulação da pergunta histórica”, detalhada acima, seguindo para o direcionamento da pergunta às fontes, com eventuais reformulações de hipóteses e, por fim, partindo para a “formação da resposta histórica”, cuja síntese é apresentada a seguir. Novamente em acordo com Goldmann, nessa síntese não há pretensões conclusivas, mas busca-se, isto sim, contribuir com uma análise sobre o tema que possa dialogar com outras, ampliando e enriquecendo progressivamente o conhecimento que se tem sobre o assunto.

Segurança e Desenvolvimento

Como há décadas vem sendo evidenciado pela ampla literatura específica, o golpe de 1964 no Brasil foi a conclusão, com sucesso, de um movimento antidemocrático coordenado por um grupo de militares, políticos, empresários e lideranças católicas, com a hegemonia interna dos primeiros e apoio crucial de quase toda a grande imprensa e de parcela significativa das classes médias (Dreifuss, 2006). Quando aquele grupo assumiu o poder, após a queda do presidente João Goulart, uma ampla perseguição teve início no país. Denominada de “Operação Limpeza” por aqueles que a implementaram, seu foco era constituído pelas esquerdas e todas as demais pessoas vistas como vinculadas ao governo anterior (Alves, 1989, p. 56). Paralelamente, várias reformas de Estado foram promovidas, buscando adequar a estrutura administrativa pública aos objetivos e concepções do governo golpista. Nesses objetivos e concepções, é evidente a marca doutrinária da Escola Superior de Guerra - ESG (Alves, 1989, p. 59).

No campo da educação superior, o golpe de 1964 viabilizou a imposição de um novo paradigma educacional, oportunizando um forte crescimento do campo em moldes conservadores e autoritários, com destaque para o setor privado. Também dentro da perspectiva de modernização conservadora da educação superior, houve investimentos significativos na pós-graduação, notadamente nas áreas vistas pelo regime como fundamentais ao projeto de desenvolvimento capitalista do país (Cunha, 2007b).2

Um dos aspectos da influência esguiana que mais se destaca é a centralidade do binômio segurança e desenvolvimento, composto por dois elementos percebidos como indissociáveis e mutuamente determinantes e caracterizado como aquilo que deveria ser a meta central do que propunham como modelo ideal de Estado na contemporaneidade.

No manual que a ESG utilizava como referência básica em seus cursos e outras atividades formativas, essa concepção era reiteradamente explicitada. “Os fins do Estado contemporâneo”, que “se completam e reciprocamente se condicionam”, seriam, segundo essa visão, “a Segurança, visando ‘a criar e a manter a ordem política, econômica e social’; [e] o Desenvolvimento, visando a ‘promover o Bem Comum’” (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 26).3

Tratava-se de um projeto de Estado e de sociedade com um corte claramente conservador, no qual, nos termos utilizados no referido manual, “as elites”, sob a liderança da “elite dirigente”, seriam responsáveis pela direção das “massas” ou do “povo”. Segundo essa visão, apenas tais elites seriam capazes de “captar e interpretar” os “interesses e aspirações latentes no povo”, “harmonizando-os com os verdadeiros interesses da Nação e com o Bem Comum” e “apresentando-os, de volta, ao povo” que, “sensibilizado” pela ação “educativa” das elites, poderia enfim “entender e adotar os novos padrões” assim “propostos” por elas. Defendia-se, desse modo, a “necessidade de incutir na população interesses, aspirações, valores e objetivos novos, com o fim de impregná-los favoravelmente a mudanças imprescindíveis em prol de um aperfeiçoamento material ou espiritual”, sendo para isso necessário “um trabalho educativo bem orientado”, no qual a propaganda cumpria função central (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 37; 39-40; 120-121).

Julio Aróstegui costumava afirmar que os regimes ditatoriais possuem em comum, dentre outros aspectos, algo que ele chamava de “ilegitimidade de origem” (Aróstegui, 2012). Por nascerem de atos ilegítimos (dentre os quais os golpes de Estado são os mais comuns), tais regimes recebem desde o início uma marca de ilegitimidade que os acompanha até seu fim.

Isso, contudo, não impede que determinados setores dirigentes desses regimes busquem consolidar e ampliar seus apoios sociais ativos e/ou difundir padrões de comportamento marcados pela aceitação submissa e irrestrita diante daqueles que detêm certas formas de poder. A composição desses dois tipos de comportamento político pode mudar bastante conforme o caso, mas sem ao menos um deles a manutenção do regime torna-se inviável. Afinal, nenhum regime político consegue manter-se exclusivamente com base na coerção (Gramsci, 2007). E nesses processos de construção de aceitações passivas e/ou de apoios ativos, geralmente a propaganda assume uma função de destaque.

Observar como esses processos atuaram sobre o campo da educação superior no Brasil entre 1964 e 1988 ajuda não apenas a melhor compreender a história recente da educação no país, mas também pode ser de grande auxílio na compreensão do quadro geral vivido por nossa sociedade na atualidade, muito especialmente neste difícil período posterior ao golpe de 2016. Afinal, a educação superior era considerada área estratégica e figurava entre os alvos prioritários das reformas buscadas por aqueles que assumiram o poder em 1964. Os militares e seus apoiadores civis atribuíam essa condição estratégica à educação superior basicamente em função de perceberem nela, por um lado, um grande potencial para a construção e consolidação de aceitações e apoios ao regime, bem como, por outro lado, por identificarem na educação superior a capacidade de formação dos profissionais (lideranças, técnicos especializados etc.) considerados indispensáveis ao sucesso de seu projeto societário.

A Escola Superior de Guerra

A história da ESG no Brasil já foi tema de diversos estudos, que abrangem, em conjunto, desde as origens da escola, no final dos anos 1940, até a atualidade. Vários trabalhos já trataram da elaboração da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) na ESG dos anos 1950, assim como da formação, nos cursos esguianos, de importantes lideranças do regime militar.4 A escola apresentava-se como “um instituto de altos estudos destinado a desenvolver e consolidar os conhecimentos necessários para o exercício das funções de direção e para o planejamento da Segurança Nacional” (ADESG, 1964, p. 8). De fato, era um dos principais espaços formativos de um primeiro escalão de intelectuais para atuação junto ao grupo no poder e em outras funções estratégicas dos sistemas de controle social (Cohen; Scull, 1983).

A DSN deve ser compreendida no contexto histórico latino-americano da segunda metade do século XX. As ditaduras implantadas no Brasil (1964), Uruguai (1973), Chile (1973) e Argentina (1976), sobretudo, foram fundamentadas ideologicamente por apropriações da DSN estadunidense, com forte influência do contexto de Guerra Fria.

No caso do Brasil, é sintomático da importância do binômio analisado neste artigo que, segundo Alves (1989), os militares brasileiros chamassem a releitura da DSN estadunidense feita no Brasil de “Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento”. Essa adaptação, feita na ESG por militares como Golbery, dentre outros, buscava diferenciar a apropriação brasileira, que destinava igual importância ao desenvolvimento econômico e à ‘segurança nacional’, das aplicações e apropriações da doutrina estadunidense promovidas em países vizinhos.

Segundo as principais referências intelectuais da ESG, como os generais Carlos de Meira Mattos e Golbery do Couto e Silva, desenvolvimento e segurança estavam fortemente imbricados, não sendo possível abrir mão de um em prol de outro. É significativa disso a afirmação de Golbery em Geopolítica do Brasil:

À medida que se sacrifique o bem-estar, em proveito da segurança, canalizando recursos daquela para esta, o primeiro decresce, enquanto a segurança aumenta mais que proporcionalmente, a princípio; a partir de certo ponto, porém, sofre a curva acentuada inflexão, e os acréscimos, agora cada vez menores, acabarão por se anular de todo, quando se haja alcançado o que, teoricamente, corresponde ao máximo de segurança compatível com a limitação imposta pelos recursos disponíveis. Reduza-se, ainda mais, o bem-estar, e a própria segurança virá, agora, decrescida. A segurança estrutura-se (...) sobre uma base irredutível de bem-estar econômico e social, nível abaixo do qual se ofenderá a própria capacidade de luta e de resistência da nação, incapacitando-a, afinal, para o esforço continuado e violento que dela a guerra exigirá. Esta é bem um domínio em que às forças morais cabe papel saliente, e não há moral de um povo que se possa manter indene além de certos limites de exaustão e de desânimo (Couto e Silva, 1967, p. 14).

Na mesma lógica, afirmava Meira Mattos:

O pensamento revolucionário, em perfeita sintonia com as mais modernas correntes de ideias do mundo moderno, lança a sua doutrina de Governo, sintetizada na seriedade, honestidade e competência da administração pública, e na dinâmica de ação política que tem como vetores principais o bem-estar social e o desenvolvimento econômico. (...) Pretende o pensamento revolucionário ser a seiva vitalizante das minorias dirigentes que há de conduzir a Nação brasileira aos mais altos destinos de grandeza e de prosperidade (Meira Mattos, 1966, p. 142).

A ESG e sua doutrina eram, contudo, percebidas de diferentes maneiras no meio castrense, tanto antes quanto depois de 1964. Mesmo assim, alguns aspectos da DSN tornaram-se consensuais no início dos anos 1960 entre os mais diversos grupos militares, dos “moderados” aos “linha-dura”, diante da sensação de crise experimentada por alguns setores sociais. Dentre tais pontos, destacaram-se: (1) a ideia de indissociabilidade entre segurança e desenvolvimento; (2) a percepção de que o país se encontrava sob ameaça do “comunismo internacional”, que agiria através dos brasileiros “subversivos”. Assim, “muitas das doutrinas de guerra interna, formuladas na ESG” e posteriormente “institucionalizadas no governo de Castello Branco sob influência da Escola, permearam todos os principais grupos militares no Brasil e foram aceitas como um fato novo fundamental na vida política e militar” (Stepan, 1975, p. 136-137).

Propaganda e censura

Em muitos regimes ditatoriais, propaganda e censura constituem duas faces de uma mesma moeda. Uma diz o que quem está no poder deseja que todos acreditem; outra silencia aquilo que temem que alguém saiba - o que inclui as contradições e silêncios da propaganda oficial.5

No Brasil, durante a ditadura militar, a educação superior sofreu formas específicas de censura, além daquelas que atingiam indistintamente os diversos setores sociais, como a censura dos meios de comunicação e das então chamadas “diversões públicas” (atividades culturais como o teatro, por exemplo).

A Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação e Cultura (DSI/MEC), assim como as Assessorias de Segurança e Informações (ASI) a ela subordinadas, realizaram ações com efeitos de censura no interior das universidades, e o mesmo fizeram alguns reitores e diretores (Mansan, 2014). Além disso, outras formas de censura específicas da educação superior foram: os vetos a professores escolhidos como paraninfos e a estudantes escolhidos como oradores de turma, em função de perfil ideológico, vínculo político ou estigma (como o de cassado6); as proibições a eventos acadêmicos em função de temática ou de incluírem palestrantes vistos como opositores da ditadura; as complicações criadas para atividades culturais universitárias que previam a participação de artistas estigmatizados politicamente; as apreensões de periódicos estudantis; as retiradas de cartazes que divulgavam determinados eventos; as proibições de livros considerados “subversivos”, por serem de autores vistos como de esquerda ou, em outros casos, por atentarem (na visão dos agentes de censura) contra “a moral e os bons costumes”; os entraves impostos a alguns projetos de pesquisa sobre temas e abordagens que os agentes de controle viam como perniciosos ao país, como críticas ao mito da democracia racial; a contraindicação, por motivos políticos ou ideológicos, em licenças para participação em eventos ou atividades de pesquisa no exterior, bem como para contratação ou renovação contratual de servidores docentes e técnico-administrativos e em solicitações de matrícula por estudantes; as restrições a indicações para reitor, diretor, chefe de departamento (Motta, 2014, p. 217-236).

Junto a essas formas de censura típicas daquele campo, é preciso considerar ainda a autocensura, comportamento que, independentemente da intencionalidade, acabava sendo amplamente incentivado pelas formas de amedrontamento promovidas por aquele regime.

Censura e propaganda tinham, assim, igual importância e relacionavam-se de modo complementar, reforçando-se mutuamente e constituindo um único modo de controle. Embora a reflexão proposta neste artigo enfoque apenas a propaganda, é fundamental ter em conta a mencionada relação.

Jowett e O’Donnell propõem diferenciar propaganda de persuasão, considerando a primeira como subcategoria da segunda. Sua abordagem da propaganda como processo comunicacional privilegia a intencionalidade da ação, ao considerar a propaganda como “a ação deliberada e sistemática por meio da qual se busca moldar percepções, manipular pensamentos e direcionar comportamentos de modo a que se obtenha uma resposta condizente com o objetivo almejado pelo emissor” (Jowett; O’Donnell, 1999, p. 6). Esse modelo é interessante por destacar variáveis como a “intencionalidade e a manipulação, junto a um plano sistemático para alcançar um objetivo que seja vantajoso para o emissor”, diferenciando “a propaganda de um intercâmbio de ideias livre e aberto” (Jowett; O’Donnell, 1999 p. 11).

Mensurar intenções de controle em determinados processos comunicacionais, contudo, não é tarefa simples. O que fiz, na pesquisa que embasa este artigo, foi verificar em que medida certos processos comunicacionais, promovidos de maneira sistemática em alguns casos e de maneira esporádica em outros, mobilizaram ideias fundamentais para a sustentação daquele regime.

Uma análise da recepção dos discursos de propaganda mobilizados por aquele sistema de controle social seria bastante interessante, mas as dificuldades inerentes a tal abordagem são evidentes. Como assinalou Fico (1997, p. 20-21):

Se não é fácil, pelo menos é possível detectar os propósitos e estratégias de quem faz a propaganda. Como compreender, porém, a maneira pela qual ela é entendida por quem a vê? (…) É muito difícil detectar as diversas recepções sociais da propaganda, mesmo em se tratando de fenômeno próximo no tempo como o caso em pauta [a ditadura militar]. As dificuldades são especialmente de ordem heurística: que fontes poderiam indicar tais diferenças de recepção?

O estudo da emissão também pode revelar aspectos importantes, tanto do potencial de controle, via propaganda, de tais mecanismos de comunicação, quanto - e sobremaneira - das principais ideias e recursos retóricos mobilizados por aquele sistema para autoafirmação e tentativa de constituição de uma aparência de legitimidade para a ditadura que sustentava. Talvez ainda mais importante, essa abordagem pode ajudar a delinear a percepção que o grupo no poder tinha de si, do regime político e do país, seus objetivos, sua interpretação do passado e suas perspectivas para o futuro.

A propaganda como “arma psicológica”

Em 1975, a ESG afirmava, no Manual Básico, que “a opinião pública pode ser influenciada, e de certa forma dirigida, pelo emprego judicioso da arma psicológica, especialmente por meio da propaganda” (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 464). Fica evidente a importância que atribuíam à propaganda. Porém, se apresentava grande potencial como meio de controle social, também implicava em riscos:

Os meios de comunicação de massa constituem um instrumento poderosíssimo para a rápida e padronizada difusão de ideias, criação de estados emocionais, alteração de hábitos e atitudes. Bem utilizados pelas elites, constituir-se-ão em fator muito importante para o aprimoramento dos componentes da Expressão Política; utilizados tendenciosamente, podem gerar e incrementar inconformismos (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 121).

Um mau uso daquela “arma” poderia produzir ou aumentar críticas e oposições ao regime. Mas o risco compensava, diante da capacidade de controle oferecida por aquele “instrumento poderosíssimo”.

Essa preocupação com a formação e manutenção de aceitações e apoios, presente desde os primeiros momentos pós-golpe, teve notório crescimento no final dos anos 1960. Adicionalmente, as técnicas de propaganda tiveram um salto qualitativo a partir do início dos anos 1970 (Fico, 1997).

Desde então, passaram a ganhar mais espaço aqueles que argumentavam que deveria ser dada “maior importância às atividades de Relações Públicas, em todos os níveis, visando a aprimorar a ação governamental e a criar e manter uma corrente ponderável de opinião pública voltada para o interesse nacional e imune à ação subversiva”. Isso implicava, evidentemente, na “necessidade de uma estrutura de comunicação social” que pudesse atuar satisfatoriamente no sentido do “esclarecimento e orientação da opinião pública quanto às ações desenvolvidas pelo Governo”. Essa estrutura deveria “promover a participação de todas as categorias sociais, não apenas com vistas ao Desenvolvimento, mas também relativamente às tarefas da Segurança Nacional” (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 253).

A propaganda era vista como o principal instrumento no que a ESG chamava de “guerra psicológica”. Esta seria “o emprego planejado da propaganda e da exploração de outras ações, com o objetivo de influenciar opiniões, emoções, atitudes e comportamento de grupos adversos ou neutros, de modo a apoiar a consecução dos Objetivos Nacionais” (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 316). Era diferente da “ação psicológica” em função do público-alvo. A guerra psicológica voltar-se-ia contra o “inimigo”, com o objetivo de “abater-lhe o moral”, enquanto “as ações psicológicas agem sobre a população amiga para elevar-lhe o moral”, de modo a “imunizar a nação contra qualquer tipo de propaganda contrária aos seus interesses”. Nesse aspecto, a doutrina assentava-se em uma perspectiva simplista dos conflitos políticos e ideológicos, pautando-se por uma visão maniqueísta do tipo aliado vs. inimigo. O uso da “arma psicológica” deveria, enfim, “fortalecer os padrões morais e culturais e respeitar as tradições, o que redundará em garantir as instituições democráticas e a população contra os perigos da subversão e os inimigos externos” (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 321).

A guerra psicológica tem por objetivo desmoralizar o inimigo, dando-lhe uma sensação de insegurança, de impotência e de descrença no seu êxito, que o leve à rendição e, se possível, à sua posterior colaboração ativa com as autoridades legais. (…) Sendo o apoio da população essencial à subversão, é evidente que devem ser envidados todos os esforços no sentido de isolar o inimigo dessa população, criando entre eles um verdadeiro vácuo.

[…]

A propaganda e a contrapropaganda devem ser conduzidas no sentido de levar ao descrédito o inimigo e os seus chefes, fazendo crer que estes apenas procuram satisfazer às suas ambições pessoais [sic] e destruindo, por inconsistentes, os mitos que apregoam. Através de temas convenientemente selecionados, procurar-se-á desencorajar o inimigo e desagregá-lo, apresentando como ilegítima a causa que defende e convencendo os adeptos da subversão de que sua participação nela constitui um verdadeiro logro (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 320).

O público-alvo dessa guerra seria composto pelos “grupos inimigos nacionais ou estrangeiros, de conformidade com as hipóteses de guerra”, pelos “indivíduos ou grupos que reconhecidamente não compartilhem das aspirações nacionais e se contraponham à consecução dos Objetivos Nacionais, estejam ou não a serviço de grupos estrangeiros”, e pelos “neutros, aí incluídos os que o são por conveniência pessoal”. Em outras palavras, qualquer pessoa que não aceitasse os “objetivos nacionais” determinados pela “elite dirigente” era passível de ser incluído em um desses grupos (EMFA/ESG/DE, 1975, p. 321).

Estrutura de propaganda

Após 1964, três órgãos de Estado assumiram centralidade na propaganda do regime: a Agência Nacional, a Assessoria de Imprensa da Presidência da República e a Assessoria de Relações Públicas da Presidência da República. Os dois primeiros já existiam antes do golpe, trazendo consigo ampla bagagem de experiência em suas respectivas atividades, acumulada ao longo de governos muito diversos, sobretudo no caso da Agência Nacional, cujas origens remontavam aos anos 1930. No caso da AERP (1968-73), depois ARP (1974-1978), tratou-se, como se sabe, de criação da ditadura militar. Ela tornou-se a principal responsável pela propaganda do regime nos anos 1970, contexto em que essa forma de controle recebeu um notável incremento em técnicas e investimentos, ganhando ampla visibilidade e tornando-se essencial para a manutenção e conquista de apoios sociais em uma conjuntura de forte crescimento das críticas ao regime. Esses sãos os principais motivos pelos quais normalmente a AERP/ARP é mais lembrada quando se fala na propaganda daquela ditadura. Apesar disso, a Assessoria de Imprensa e a Agência Nacional também cumpriram funções de suma importância, ainda que de modo geral mais discretas, na propaganda (via de regra, difusa) daqueles governos ditatoriais, sobretudo no período 1964-1968.7

Ação difusa

A propaganda exercida por aqueles três órgãos de Estado era, via de regra, difusa, ou seja, não tinha como público-alvo um segmento social específico. Alguns setores da sociedade civil também colaboravam com isso, em função de motivos que iam do alinhamento ideológico a estratégias de crescimento empresarial ou pessoal. Os grandes periódicos impressos e a televisão tinham, nesse sentido, papel importante. Em alguns casos, tratava-se de propaganda no sentido exposto anteriormente (marcada, portanto, pela intencionalidade); em outros, essa colaboração se dava por meio de efeitos de propaganda gerados pela disseminação de discursos favoráveis ao regime, que não tinham necessariamente como meta produzir tais resultados específicos. É preciso ter em conta que o contexto de exceção criava um quadro específico de limitações e expectativas, e que, embora tal ação não tivesse o campo da educação superior como público-alvo, este fazia parte da audiência atingida.

Observe-se, por exemplo, este emblemático editorial do Jornal do Brasil, publicado em junho de 1968, em contexto de grande efervescência das oposições ao regime. Apesar de extenso, cito-o na íntegra, diante de sua relevância para o argumento:

Ação ilegal

A opinião pública começa a se impacientar ante a frequência com que a ordem vem sendo perturbada por uma minoria recalcitrante, insensível a todos os apelos da concórdia, do bom senso e da legalidade.

A Nação tem consciência das dificuldades que deve vencer para consolidar a sua incipiente democracia, mas tem igualmente a perfeita noção de que somente pelo trabalho, com liberdade e ordem - que não podem ser aferidas pelo abuso nem pelos excessos - será possível transformar-se em Nação próspera para todos, sem privilégios pequeno-burgueses, sem paternalismo. Jamais a perturbação da ordem enriquecerá qualquer país.

Mal refeito ainda dos sucessivos abalos que têm feito oscilar os alicerces do regime, o Brasil precisa, antes de tudo, de calma para equacionar os seus problemas. O recurso à violência, à baderna, ao desrespeito à autoridade, ao menosprezo pela propriedade privada, é um teste perigoso a que se arriscam não essas minorias subversivas, infiltradas no meio universitário , mas todos os brasileiros, sem discriminação, porque o regime de força que os ativistas querem motivar atingiria a coletividade indistintamente.

Todos nós defendemos a necessidade urgente de modificações nas estruturas brasileiras. O País tem organização obsoleta, que permite inclusive a desordem em nome de bandeiras de justiça. Mas a opinião pública já aprendeu a distinguir o que é reivindicação e o que é agitação. Não pode o povo, em sua quase totalidade, submeter-se passivamente, numa assiduidade intolerável, aos movimentos político-ideológicos e às arruaças irresponsáveis que se realizam a pretexto de defender uma nobre causa, como a do Ensino, ou de pugnar pela derrocada do que consideram ingenuamente uma ditadura.

Atingida em seu bem muito valioso, que é a normalidade diária, a opinião pública é levada a perguntar: afinal de contas, que deseja esta minoria devotada à desordem?

É comprovado que os grupos promotores da desordem têm status de minoria. Nada têm em comum com as aspirações estudantis e democráticas da maioria dos estudantes brasileiros . A maioria não deu procuração a agitadores para agir e falar em seu nome. Carece de espontaneidade essa imitação de distúrbios provocados em outros países.

Nem o Governo nem o povo podem tolerar a situação que se pretende instalar no País. Povo e Governo, juntos, devem ter a necessária compreensão de que a Democracia é um processo feito de paciência e perseverança diárias. Um e outro já optaram em 1945 e em 1964.

No momento em que as instituições são ameaçadas pela aventura inconsequente de livres-atiradores, é importante uma identificação entre todas as classes do País, inclusive a que governa, na defesa do maior bem que ainda possuem: a liberdade de poder cultivar, mesmo a duras penas, a indefesa democracia brasileira, frágil na sua estrutura, mas forte na determinação do povo que a escolheu como seu regime ideal (Ação, 1968, p. 6).

Esse é um bom exemplo dessa difusão de ideias favoráveis ao regime feita pela grande imprensa. Ali eram mobilizadas, além de uma série de noções fundamentais para as diretrizes ideológicas da ditadura, dois padrões argumentativos com reiterada centralidade nas mais diversas formas de propaganda pró-regime:

  • (1) a construção da imagem do outro, o “inimigo”, caracterizando a oposição não consentida como “ilegal”, promovida por “minorias subversivas”, “agitadores” que imitariam “distúrbios provocados em outros países” (provável referência ao Maio de 1968), “promotores da desordem”, adeptos da “violência”, do “desrespeito à autoridade” e à “propriedade privada”;

  • (2) a construção da imagem de si, por meio da definição do regime ditatorial como “democrático”, associando o golpe de 1964 ao fim do Estado Novo, a um suposto retorno à “ordem” e à “normalidade”, em busca da construção de uma “Nação próspera para todos”, com apoio da “opinião pública”.

Como veremos, esses dois padrões argumentativos foram ampla e frequentemente mobilizados por diversas ações discursivas que convergiam no sentido da defesa do regime.

Isso acontecia inclusive na televisão, desde os primeiros meses após o golpe. Em agosto de 1964, por exemplo, um dos principais noticiários da Tupi afirmava:

Fontes do governo adiantam que o presidente reafirmará sua decisão em prosseguir nas reformas, democraticamente e sem demagogias. As mesmas fontes asseguram que o presidente recebeu do Serviço Nacional de Informações, com base em informações do Conselho de Segurança Nacional, que a concentração de críticas contra o governo faz parte de um esquema de grupos interessados em que as principais reformas democráticas não sejam realizadas (TV TUPI, 1964).

Posteriormente, na primeira metade dos anos 1970, outra forma de colaboração das redes de televisão com o sistema de controle social tornou-se marcante: a divulgação dos chamados “arrependimentos”. Profundamente abalados pelas torturas sofridas, alguns ex-militantes da luta armada aceitaram fazer supostas retratações diante de jornalistas de todo o país. Brutalmente compelidos a tal ‘cooperação’, afirmavam que não havia tortura no país, que a opção pela luta armada fora um erro e que lamentavam suas ações “subversivas”. O peso simbólico das retratações forjadas era grande. Sem o apoio dos meios de comunicação, porém, tal propaganda dificilmente teria alcançado as mesmas proporções (Kushnir, 2010).

Dentre os principais apoiadores do golpe e da ditadura militar, a Rede Globo é, sem dúvida, um dos casos mais conhecidos. Junto a outros veículos de comunicação, contribuiu significativamente com a propaganda pró-regime de diversos modos (Herz, 1991; Castro, 2011). Um deles era o espaço concedido voluntariamente a membros do primeiro escalão dos governos ditatoriais. O caso do programa O Povo e o Presidente, no início dos anos 1980, é bastante ilustrativo. A partir de convite de Roberto Marinho, o gen. Figueiredo passou a ter um programa na Globo, com cerca de 30 minutos de duração, no qual respondia a perguntas supostamente enviadas pela população. Inicialmente, era veiculado aos domingos, em horário nobre, após o programa Fantástico. Teve 42 edições: a primeira foi exibida em 30/mai/1982 e a última em 21/set/1983. Após a 33ª edição (22/abr/1983), passou a ser veiculado nas quartas-feiras à noite, com duração aproximada de 10 minutos (Brasil, 1983a; 1983b).

Seu conteúdo era amplamente voltado para a construção de uma imagem positiva para o regime e, é claro, para o governo Figueiredo. O tom era otimista, embora nisso não se comparasse ao da propaganda dos anos 1970. Em grande parte de suas falas, o militar tentava explicar a complicada situação econômica vivida pelo país e as dificuldades do processo de transição à democracia. Tal processo, ele dizia, era a principal meta de seu governo.

O caráter essencialmente propagandístico do programa ficava ainda mais evidente em passagens como esta, em que era indagado sobre a censura no Brasil:

- Presidente Figueiredo, e a censura?

- Bom, ficaria muito fácil censurar as notícias e dar a impressão de que vivemos no melhor dos mundos. Mas isso não seria uma prática democrática. (…) O leitor e o telespectador desejam e merecem saber a verdade.8

A educação superior foi assunto pouco abordado em O povo e o presidente, que, nessa temática, via de regra preferiu abordar a educação básica. Uma das poucas exceções foi um programa em janeiro de 1983, no qual o ditador era perguntado sobre a pouca oferta de cursos noturnos em áreas como Medicina e Engenharia, o que inviabilizaria os estudos para quem trabalhava durante o dia. Na resposta, Figueiredo tentou justificar as políticas educacionais de seu governo, sustentando que então haveria tendência a “uma ampliação na proporção de cursos oferecidos à tarde e à noite” naquelas áreas, com “maior número de opções para aqueles que, além de trabalhar, desejam cursar estudos de nível superior”. O que não era dito é que esse crescimento, que efetivamente ocorria desde os anos 1960, dava-se principalmente através do crescimento do setor privado, o que, na prática, seguia inviabilizando o acesso à educação superior para a maioria dos trabalhadores, que não podia arcar com tais custos.9

Ação específica

Para além da propaganda difusa, como já foi dito, havia aquela com foco específico no campo da educação superior. O IPES, cuja propaganda golpista antes da queda de Jango foi mapeada por Dreifuss em detalhes, manteve intensa atuação, após abril de 1964, como órgão difusor de ideias fundamentais para a sustentação ideológica daquele regime (Dreifuss, 2006). Embora o foco de sua ação propagandística não se resumisse à educação superior, esse era um segmento social em que o órgão atuava diretamente e com estratégias de convencimento específicas. Isso era feito inclusive através da distribuição de material de propaganda a diretórios acadêmicos. É fundamental ter em conta que, além da propaganda feita pelo IPES de modo independente e por iniciativa própria, havia situações em que o órgão realizava propaganda de maneira colaborativa, contando com apoio de outras entidades da sociedade civil, das quais, em alguns casos, partia a iniciativa para tais parcerias. Foi esse o caso do Diretório Acadêmico Dois de Julho (ao que tudo indica, do curso de Direito da PUC-PR). Em 23/mai/1966, Carlos Eduardo Rosa, presidente daquele diretório, solicitava ao IPES-GB o recebimento de material de divulgação; em 13/jun/1966, o gen. Octavio Gomes de Abreu, Secretário-Geral Executivo do IPES-GB, respondia positivamente (IPES, 1966).

Doações de publicações a bibliotecas universitárias

Outra forma de propaganda com atuação específica na educação superior era a distribuição de material a bibliotecas universitárias. A própria AERP, logo após ser criada, quando estava a cargo do cel. Hernani d’Aguiar e ainda não havia começado a utilizar as caras e bem elaboradas campanhas pelas quais ficaria conhecida, chegou a promover esse tipo de ação. Um exemplo é o livro O processo revolucionário brasileiro, de 1969 (AERP, 1969).10

Elaborada como celebração do “quinto aniversário da arrancada democrática de 1964”, a publicação era composta por textos produzidos por “algumas personalidades do maior relevo nos diversos domínios da cultura e da atividade nacionais”, convidadas pela assessoria a oferecer “os seus depoimentos a respeito da Revolução”. A obra ganharia uma segunda tiragem ainda em 1969, o que sugere uma avaliação positiva, por parte da AERP, quanto ao cumprimento dos objetivos do livro junto a seu público-alvo. Entretanto, a eficácia dessa forma de propaganda, ao que parece, tinha algumas limitações (AERP, 1969, p. 3).

De modo nada surpreendente, a AERP reunira na publicação textos de alguns dos mais importantes intelectuais do regime: Carlos de Meira Mattos, Eugênio Gudin, Gilberto Freyre, Glycon de Paiva, Gustavo Corção e Octávio Gouvêa de Bulhões. Também participavam outros autores provavelmente convidados em função de suas inserções socioprofissionais e vínculos com o grupo no poder: Antônio Carlos do Amaral Osório (empresário, membro do IPES e apoiador do golpe de 1964), Jorge Boaventura (vinculado ao MEC, pouco depois da publicação assumiria a chefia da Comissão Especial de Investigação Sumária do MEC - CISMEC) e Octávio Costa (que, como dito, viria a chefiar a AERP no governo Médici).11

Os textos convergiam na defesa do regime, e o capítulo que abria o livro, de autoria de Meira Mattos, era praticamente uma síntese do Manual Básico da ESG. Tentava justificar a existência da ditadura e as políticas públicas adotadas em nome da “sobrevivência da democracia” e da “segurança” e do “desenvolvimento” nacionais, bem observados os sentidos específicos que tais termos assumiam naquele contexto.

Os textos de Freyre discorriam sobre variados aspectos da sociedade brasileira pós-1964, diferenciando o que ele chamava de “revoluções brancas” (como a que, a seu ver, então ocorria no Brasil) do que ele denominava “revoluções cenográficas”. Estas, afirmava, dificilmente ocorreriam no Brasil, porque, a seu ver, o brasileiro seria, “além de malicioso, extremamente sensível ao ridículo”, e porque acreditava que “ao brasileiro genuinamente brasileiro repugna a grandiloquência grotesca tão dos revolucionários teatrais”. Curiosa inversão operada pelo já famoso autor de Casa Grande & Senzala: a teatral e autoproclamada “Revolução Democrática” de 1964 - que de revolucionária não tinha nada - era por ele apresentada como uma “genuína revolução”. Com um forte tom anticomunista, mostrava constante preocupação em diferenciar-se de estudiosos como Florestan Fernandes, que estariam, segundo ele, “a serviço de uma ideologia fechada”. Enquanto isso, Gilberto Freyre tecia extensos elogios e prognósticos favoráveis àquele regime ditatorial, por ele considerado “corajosamente revolucionário”. Não estaria ele a serviço de uma “ideologia fechada”?

Os textos de Eugênio Gudin, Glycon de Paiva, Amaral Osório e Octávio de Bulhões defendiam a política econômica implementada após 1964, adotando a estratégia argumentativa da imbricação indissociável entre desenvolvimento e segurança. Na mesma linha seguia Octávio Costa. O futuro chefe da assessoria que produzira aquela publicação retomava tópicos recorrentes nos discursos pró-regime, afirmando, por exemplo, que “nenhum episódio revolucionário foi mais denegrido, malsinado e, assim mesmo, tão negado por minoria mais obsessiva” (Costa, 1969a, p. 65). Além de reforçar a ideia do inimigo como minoria, demarcava distância entre a “Revolução Democrática” e a “Revolução de 1930”: “não nos defrontamos - e, portanto, não nos afrontamos - com uma dinâmica revolucionária personalista, como em 1930, que entronizou [por] quinze anos a legenda do carisma caudilhesco”. O regime militar seria diferente, marcado por uma “dinâmica revolucionária marcadamente coletiva, de filiação às verdadeiras aspirações nacionais, de solidariedade entre as gerações que se foram, as que aí estão e as que vão chegar” (Costa, 1969b, p. 57).

Um dos principais nomes do catolicismo integrista no Brasil, o intelectual de extrema-direita Gustavo Corção apresentava a defesa mais extremada do regime. Criticava o que denominava “democratismo”, cujo objetivo seria “sobrepor ao bem comum a mantença a qualquer preço das chamadas regras do jogo democrático”. Para ele, “o bom regime” seria aquele que tivesse “elasticidade suficiente para deslocar o acento tônico conforme as reais exigências da lei natural e do bem comum” (Corção, 1969b, p. 35-39).

Além da crítica à democracia, Corção atacava o catolicismo progressista, inclusive em seus apoios ao movimento estudantil de resistência à ditadura, caracterizados como “sementes de infiltração comunista nos meios católicos”, uma “heresia chamada ‘progressista’, que, entre outros fatores, trazia [em sua opinião] o adulterino conúbio com as ideias marxistas” aos meios católicos. Dizia que “o movimento de março de 64” fora “um ato relevantíssimo de justiça social” e que, “agora, os padres de esquerda, em vez de ajudar, atrapalham: e em vez de elevar, pervertem”, sobretudo “na área estudantil”, na qual “a ação dos padres de esquerda foi especialmente perniciosa e gritantemente injusta contra os governos que lutaram pela normalização do Brasil”. Como exemplo, destacava “as famosas ‘passeatas’ de protesto” que, em 1968, “pelos mais artificiais pretextos, ameaçaram arrastar o Brasil novamente para os espasmos de anarquia dos tempos de Goulart” (Corção, 1969b, p. 38-41).

A ênfase em seus textos estava na associação entre Goulart e o comunismo, assim como no ataque ao movimento estudantil e à esquerda católica. Sobre o imediato pré-golpe, Corção afirmava que “o comunismo já se achava no poder e já tinha a seu favor a moleza de uma sociedade maltratada por tantos e tão maus governos. Faltava-lhe um arremate de forma, mas já contava com grande parte da imprensa, com os ‘intelectuais’, com os estudantes, e com os padres e até arcebispos ‘progressistas’” (Corção, 1969a, p. 49). Além de anticomunista, sua narrativa era antissemita e golpista: “a tênue esperança que tínhamos [no pré-golpe] era a de que o Exército se organizasse e seus chefes soubessem sobrepor a lei natural à mesquinha legalidade produzida pelo positivismo judaico” (Corção, 1969a, p. 49).

Ao final, descrevia sua participação em uma das Marchas da Família com Deus pela Liberdade.12 Seguindo no tom paranoico, reclamava da incompreensão mundial sobre o “milagre” brasileiro: “o mundo inteiro nos caluniaria. Os Estados Unidos, com base na superstição de sua liberal democracia, ou no seu ‘democratismo’”, e “a Europa com base no esquerdismo que se apoderou dos meios de comunicação” (Corção, 1969a, p. 53).

A noção de subversão era o fundamento teórico daquele regime. Naquele livro organizado pela AERP, isso ficava evidente. Na introdução, afirmava-se que o golpe decorrera de uma alegada “carência de representatividade do corpo político”, que teria gerado uma “maré montante da subversão oriunda do próprio Executivo”, contra a qual atuaram “as Forças Armadas, por inspiração do povo desvalido de seus mandatários” (AERP, 1969, p. 2).

Os dois textos de Jorge Boaventura tratavam da educação, seguindo a linha dos outros autores, com forte influência da DSN. Como no restante do livro, a noção de subversão integrava o núcleo da argumentação. Para Boaventura, aquele regime ditatorial era pautado pela “bondade”. A suposta benevolência do regime era, para ele, consequência do “caráter nacional” brasileiro. Haveria, dizia ele, uma “cortina levantada pelos agentes da subversão existentes nos meios educacionais”, os quais tentariam corromper as nossas jovens e os nossos jovens e tentar lançá-los contra os próprios pais” e, ainda, levar “os nossos filhos às ruas para, em clara evidência do caráter antinacional dos móveis reais de tudo aquilo, induzi-los à prática de violências e brutalidades chocantes”, consideradas por ele não apenas como “desnecessárias” mas, também, “em desacordo com o nosso caráter nacional”. Apesar disso, otimista, Boaventura sustentava que, não obstante toda essa onda de verdadeiros crimes contra a família e contra a pátria”, havia prevalecido, “no Governo, como estímulo dominante, a razão, tão brasileira, da bondade (Boaventura, 1969, p. 81).

A par da curiosa argumentação de Boaventura e de compreensíveis dúvidas sobre sua eficácia propagandística, é evidente que a educação tinha naquele contexto um papel central para o grupo no poder. Isso ficava muito claro naquele livro, onde, por meio da AERP, os dirigentes ditatoriais afirmavam seu empenho na área e sua concepção diretiva e autoritária de educação: “não devem, portanto, surpreender os desvelos com que se empenharam os Governos da Revolução em um extenso plano educacional, que, em todos os níveis”, buscaria “levar ao maior número as vantagens da instrução” (AERP, 1969, p. 2).

Revistas militares

Também eram relevantes para o controle do campo da educação superior, de modo indireto, algumas formas de propaganda voltados para o segmento militar, atingindo membros do sistema de controle e dos primeiros escalões dos governos ditatoriais. Um meio de propaganda, nesse sentido, era a revista A Defesa Nacional (Sepúlveda, 2010; 2014).

Observe-se o editorial de março/abril de 1968. Nele eram celebradas duas efemérides do que o periódico denominava “nossa Revolução”.

Uma delas, 31/mar/1964, correspondia ao que definiam como o “extraordinário movimento cívico-militar que uniria todos os brasileiros conscientes de suas responsabilidades”, e que teria, segundo o editorial, confinado “num campo pequeno e inexpressivo, para surpresa de muitos, os corrompidos por ideologias antinacionais ou pelos benefícios ilegítimos no uso dos dinheiros públicos”. Nota-se a caracterização do golpe como um movimento promovido ou apoiado pela maioria dos brasileiros, contra uma minoria de “subversivos” e “corruptos”. Assim, segundo a revista, “nascia a Revolução Brasileira, orientada no sentido da austeridade, das reformas e da recuperação financeira”. Observe-se ainda como também buscavam construir uma imagem do regime pautada pelo combate à corrupção e pela promoção do desenvolvimento nacional.

A outra efeméride era o 15/mar/1967, quando haveria iniciado “o segundo ciclo revolucionário, com a assunção do poder pelo Presidente Costa e Silva”. Em função do “trabalho de saneamento anterior”, realizado durante o primeiro governo ditatorial, Costa e Silva teria podido “traçar metas revolucionárias mais ousadas no sentido da valorização do homem brasileiro e do desenvolvimento”. Com isso, “o processo de desenvolvimento” teria sido retomado, alcançando-se ainda “o controle da inflação”, em “um clima de liberdades públicas, irrepreensível”, que teria dado a “tônica democrática ao Governo”. Na caracterização altamente positiva e otimista da revista, durante os governos Castello Branco e Costa e Silva “o princípio revolucionário de autoridade digna e moralizada prevaleceu inatacável nos altos cargos administrativos”.

A educação e a saúde eram mencionadas no editorial como as áreas em que “o 2º Governo Revolucionário” enfrentaria “graves problemas”. Mas, ao mesmo tempo em que reconhecia isso, assegurava que “as metas do Governo Revolucionário serão arrojadas para esses dois setores”, de modo a preparar “as novas gerações, física e intelectualmente, para a grande batalha do Desenvolvimento que nos colocará no rol das nações social, técnica e cientificamente mais adiantadas do mundo”. Tal esforço, “incidindo sobre o nosso potencial militar, representará o fortalecimento indispensável de nossa Segurança”.

Percebe-se não apenas a influência da DSN, através da noção de indissociabilidade entre segurança e desenvolvimento, mas também a importância estratégica que a educação tinha para o setor militar. Além disso, exemplifica a propaganda altamente otimista do regime, que buscaria o crescimento do país para equiparar o Brasil às nações “mais adiantadas do mundo” (Duas, 1968).

Posteriormente, em meados dos anos 1980, ao tratar da educação superior, a revista mantinha a mesma estratégia argumentativa, como em artigo de Francisco [de Paula Gusmão] de Souza Brasil. Bacharel em Direito e Doutor em Filosofia, fizera o Curso Superior de Guerra na ESG em 1956, fora presidente da ADESG nacional na gestão 1976/1977, era membro da ESG e do Conselho Editorial da Biblioteca do Exército, lecionando na Fundação Getúlio Vargas e no CEP (Centro de Estudos do Pessoal)13. Em seu texto, a indissociabilidade entre segurança e desenvolvimento era defendida, atribuindo-se à educação um papel fundamental nesse sentido. Outros traços marcantes da DSN estão ali presentes, como na definição de segurança nacional, caracterizada como em “íntima dependência” com a educação (Brasil, 1986).14

Embora essas ações com efeitos de propaganda difusos ou específicos fossem fundamentais para o regime, vários de seus agentes não integravam aquele setor do sistema de controle de maneira permanente. A comparação com a ação propagandística promovida sistematicamente por órgãos oficiais permite perceber as consequências dessa diferença.

A Agência Nacional

Criada oficialmente pelo Decreto-lei nº 7.582, de 25/mai/1945, a Agência Nacional surgia como órgão do Departamento Nacional de Informações (DNI), que o decreto instituía em substituição ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).15 A atribuição da agência era fazer a “distribuição de noticiário e serviço fotográfico, em caráter meramente informativo, à imprensa”. Observe-se que tais atividades já eram executadas, pelo menos desde 1934, pelo Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, substituído em dezembro de 1939 pelo DIP. Em contrapartida, a determinação de atuação em “caráter meramente informativo” indica intenção de diferenciar o trabalho do DNI daquele que cumprira o DIP, principal órgão de propaganda e censura do Estado Novo. Poderia tratar-se de efetiva busca por mudança ou apenas de tentativa de construir uma imagem positiva para o novo órgão, demarcando diferença em relação ao DIP, marcado pela propaganda de um regime ditatorial.16

No ano seguinte, o DNI foi desativado, mas a Agência Nacional foi mantida, passando à alçada do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. O Decreto-lei nº 9.788, de 06/set/1946, mantinha a determinação de que deveria ter “função meramente informativa das atividades nacionais”, estabelecendo como sua competência “ministrar ao público, aos particulares, às associações e à imprensa toda sorte de informações sobre assuntos de interesse da nação” e “manter o jornal cinematográfico de caráter noticioso e o boletim informativo radiofônico de irradiação para todo o país”.

Após o golpe de 1964, vários órgãos foram assimilados pelo sistema de controle social constituído para sustentação do novo regime, tendo sido a Agência Nacional um deles. Integrada ao novo sistema, tornou-se um dos principais mecanismos de propaganda do regime. Em 1979, na transição, passou a ser chamada Empresa Brasileira de Notícias.

Boletins diários à imprensa

O envio sistemático de material informativo oficial à imprensa remonta, pelo menos, aos anos 1930, quando a Secretaria da Presidência da República era responsável pela atividade (Duarte, 2010, p. 12).

Nos anos 1960, a Agência Nacional enviava diariamente dezenas de páginas de informações aos principais jornais do país, elaboradas pelo Serviço de Documentação daquela agência. Quanto à forma dos “boletins diários à imprensa”, não havia diferenças significativas em relação aos padrões de qualquer agência de notícias da época. Contudo, em termos de conteúdo, significativa ruptura surgiu após o gen. Otávio Alves Velho assumir sua direção.

Vários dos discursos favoráveis à ditadura, disseminados à grande imprensa por aqueles boletins, buscavam caracterizar o regime de modo favorável, marcado pelo “desenvolvimento nacional”. Em fins de 1969, o então ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho teria afirmado, durante visita a Pernambuco, que as pessoas que desejassem “trabalhar pelo desenvolvimento do Brasil” seriam “aceitas”, ao passo que seriam “combatidos” aqueles que quisessem “o terror e a subversão” (Agência Nacional, 1969c). Apesar da crítica aos “subversivos”, o tom era dado pela tentativa de construir uma imagem positiva e otimista da ditadura. Essa forma de propaganda esteve presente na maioria das notícias produzidas pela agência, inclusive as relacionadas à educação superior.

A construção de uma visão positiva e otimista da ditadura e do futuro do país

Mais da metade dos núcleos de sentido identificados atuavam essencialmente no sentido da construção de uma visão positiva do regime e otimista em relação ao futuro do país.17 Na maioria dos casos, através da divulgação de notícias sobre o governo vigente, associando-o à imagem do desenvolvimento. Um “desenvolvimento” bastante peculiar, que teve como principal consequência o forte aprofundamento da desigualdade social, processo que, embora remonte ao período colonial, foi significativamente acentuado após 1964, como demonstrou Colistete (2009) a partir do caso do setor industrial.18

Para formar apoios sociais na educação superior, buscavam justificar as políticas públicas implementadas no setor. Para isso, uma das principais estratégias era a difusão de notícias sobre desenvolvimento na área: acordos internacionais, aumento do número de vagas em universidades, investimentos em infraestrutura etc. Em outubro de 1964, por exemplo, a agência anunciava a criação da Escola de Arquitetura do Ceará (Agência Nacional, 1964a).

A criação ou ampliação de instituições de educação superior não contribuiu, contudo, para a diminuição da desigualdade social. Pelo contrário: o crescimento do campo da educação superior deu-se no período em ampla medida no âmbito privado, sobretudo em função dos fortes incentivos concedidos a esse setor. As políticas educacionais então praticadas, ainda que com diferenças secundárias entre os governos ditatoriais, fundamentavam-se na percepção de que as universidades públicas deveriam ser destinadas à formação das elites dirigentes e da mão de obra especializada necessária àquele projeto conservador de desenvolvimento, restando aos outros pagar por seus estudos ou se resignar a uma formação de nível médio (Minto, 2006).

Nessa linha de exaltação dos governos ditatoriais, em dezembro de 1969 afirmava-se que a Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, iria dispor de uma biblioteca “líder na América Latina em assuntos de Agronomia e Veterinária”, por meio da “inclusão de tal iniciativa no financiamento do Programa MEC-BID” (Agência Nacional, 1969a). Um ano antes, pouco depois da imposição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), notícia semelhante havia sido divulgada em relação à Universidade do Ceará (Agência Nacional, 1968b).

Outra recorrente forma de indiretamente exaltar o regime era a divulgação de atividades de presidentes e ministros. Em outubro de 1964, divulgava-se notícia de que o ministro da Educação e Cultura Flávio Suplicy de Lacerda, acompanhando as atividades do Conselho Federal de Educação, teria manifestado “confiança do governo” naquele órgão. Tais mensagens contribuíam com a construção de uma imagem positiva para o ministro, caracterizando-o como político ativo e diretamente envolvido com as questões atinentes a sua área de responsabilidade, disseminando também uma aparência de harmonia e cooperação entre os membros do governo (Agência Nacional, 1964a).

Nessa mesma linha, eram potenciais meios de propaganda sobre a educação superior as notícias sobre a participação de membros do governo em atividades acadêmicas. Em agosto de 1969, por exemplo, a agência divulgava a presença em Uberlândia do ministro da Justiça, prof. Gama e Silva, onde participaria da Semana de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito daquela cidade, proferindo a conferência de encerramento (Agência Nacional, 1969b).

A importância que as formaturas da ESG sempre tiveram para os militares foi projetada para o restante da sociedade por órgãos de propaganda como a Agência Nacional, através de sistemáticas notícias da participação de membros do governo em tais solenidades. Em dezembro de 1968, menos de uma semana depois da entrada em vigor do AI-5, a agência noticiava a presença de vários membros do governo e da cúpula militar na formatura de estagiários da ESG, dentre eles o Presidente da República, que presidia a diplomação (Agência Nacional, 1968a). A escola, que antes do golpe já era reconhecida como o principal centro intelectual do país na área militar, recebeu incremento considerável em seu status. Boa parte desse reconhecimento era transferida para seus alunos e ex-alunos, fortalecendo o valor simbólico de um diploma da ESG após 1964.

Outra forma de exaltação indireta do regime eram as concessões de homenagens a membros do governo. Muitas universidades conferiram vários títulos de Doutor Honoris Causa a ditadores e ministros, aproveitando-se do que já era uma tradição no meio acadêmico para aproximar-se do grupo no poder. Aos homenageados, havia um ganho simbólico significativo, sobretudo por tais ações serem amplamente divulgadas por órgãos de propaganda como a Agência Nacional, projetando a ideia de que eram bem-vistos no meio universitário. A concessão de medalhas e honrarias por outras entidades cumpria função semelhante, ainda que talvez com impacto simbólico menor (Agência Nacional, 1964b).

Funções de controle social

A propaganda cumpria função de suma importância no processo de construção de uma aparência de legitimidade para o regime, bem como na formação de apoios sociais ativos e de aceitações passivas. Como assinalou Carlos Fico:

Assim como o “desenvolvimento material” deu-se em bases excludentes, também a propaganda política militar operou com uma visão estereotipada dos “valores brasileiros”, visão que malversou as esperanças sociais e procurou transferir para o poder (ilegítimo e ditatorial) as energias utópicas que muitos costumamos ter em relação ao nosso país (Fico, 1997, p. 146).

Para tanto, os dois principais meios utilizados foram, como vimos: (1) a construção da imagem de si, por meio da difusão de leituras positivas do regime, nelas associado a valores como modernidade, desenvolvimento, ética (sobretudo como combate à corrupção), trabalho, abertura ao diálogo, paz, tranquilidade, ordem e normalidade; (2) a construção da imagem do outro, através da difusão de leituras negativas das oposições e dissensos e da formação da imagem do “inimigo”, o “subversivo”, associado a “comunismo”, “marxismo”, “esquerdismo”, perigo estrangeiro, desordem, caos, violência, conflito, corrupção etc. Para tanto, o sistema valia-se em grande medida de ideias arraigadas desde muito antes de 1964 em certos imaginários, como o anticomunista. Dependendo da mídia, do público-alvo ou do método de propaganda (difuso ou específico), a ênfase poderia recair em um ou outro desses eixos propagandísticos. Em certos casos, diretrizes argumentativas complementares também eram adotadas, como naqueles em que a propaganda cumpria funções de amedrontamento e estigmatização, em importante colaboração com o controle repressivo do campo da educação superior.

A propaganda promovida pelo regime era fundamental também no sentido da difusão da noção de subversão, tanto diretamente, através da mencionada construção da imagem do outro (o “inimigo”, o “subversivo”), quanto indiretamente, por meio da também referida caracterização positiva do regime (que estaria “combatendo os subversivos”). A disseminação dessa noção era fundamental também para o sucesso de outras formas de controle. Ações de vigilância e repressão tendiam, assim, a ser vistas por membros do campo como um “mal necessário” ou até mesmo como iniciativas positivas e saudáveis, por combaterem o “inimigo interno”. Este era percebido, na caracterização feita por essas perspectivas, como entrave ao “desenvolvimento” do país, promotor de violências e responsável por fraturas no interior da sociedade. Tratava-se de uma evidente inversão entre causas e efeitos: os “subversivos”, criados pelo sistema de controle para justificar sua existência e a do regime, eram apresentados como causa do golpe de Estado, do regime ditatorial e de suas ações de controle.

É notável a afinidade das concepções que embasaram o pensamento esguiano com as teorias de Carl Schmitt, especialmente: a diferenciação amigo-inimigo (central na constituição pela ESG das noções de “subversivo” e de “inimigo interno”); a defesa de uma “democracia autoritária de homogeneidade cesarística e étnica” (que remete à importância do mito da democracia racial para o regime ditatorial); a concepção de participação democrática restrita à “aclamação, destituída de argumentos, das massas incapazes” (Habermas, 2008, p. xviii). Em O Guardião da Constituição, Schmitt afirmava, por exemplo, partindo do caso alemão durante a ascensão do nazismo, que, por ter-se formado “justamente uma praxe do estado de exceção econômico-financeiro com um direito de baixar decretos substitutivos de leis, isso”, em sua visão, não seria “arbitrariedade nem acaso, nem mesmo ‘ditadura’ no sentido da divisa vulgar e político-partidária, mas a expressão de uma relação profunda e internamente legal” (Schmitt, 2007, p. 190).19

Outra função importante cumprida pela propaganda era a caracterização da política como tabu, incentivando comportamentos de aceitação submissa e irrestrita, marcados pela apatia política inclusive no âmbito da educação superior. O incentivo à apatia política era, contudo, uma função específica de outra mais ampla: a normatização. Esta era cumprida tanto pela propaganda quanto por outros modos de controle.

A propaganda produzia importantes efeitos normativos, difundindo modelos de comportamento caracterizados como normais ou desviantes e disseminando valores e ideias que contribuíam com a consolidação de padrões de conduta no âmbito da educação superior. Essa ação normatizadora tinha efeitos considerados pelo sistema de controle social como altamente positivos, tanto para a manutenção da “segurança” quanto para a promoção do “desenvolvimento”. Em outras palavras, tratava-se de um modo de controle decisivo para a defesa daquele regime político ilegítimo e para a permanência daquela ordem social excludente e concentradora de renda, ambas responsáveis por um brutal aprofundamento das desigualdades no país.

Nas disputas de memória atuais, muitas vezes os efeitos das ações de propaganda implementadas durante a ditadura militar são mobilizados em discursos que falseiam fatos históricos fundamentais daquele regime, espalhando-se velozmente pelas redes sociais e sendo ainda reforçados por pronunciamentos de políticos que buscam se beneficiar com a desinformação da população. Esses discursos, ao apropriarem-se de memórias calcadas nas ações de propaganda da ditadura militar, dialogam fortemente com preconceitos arraigados na sociedade brasileira há séculos, disseminando ou reforçando discursos de ódio, gerando desinformação e incitando a diversas formas de violência física e simbólica.

Diante disso, torna-se especialmente oportuna e relevante a implementação de ações pedagógicas e de divulgação científica apoiadas em análises históricas bem fundamentadas empiricamente, pois o conhecimento científico sobre nosso passado recente é uma das principais formas de obtermos bases sólidas para a compreensão das dificuldades e desafios do presente, bem como para vislumbrar as possibilidades e limites do nosso futuro imediato. Essas bases cognoscitivas são essenciais para que as pessoas possam fazer escolhas que permitam melhores chances de construir uma sociedade mais justa, igualitária e verdadeiramente democrática. Compreender os danos causados pela propaganda ditatorial à sociedade brasileira pode auxiliar, também, a adotar uma postura mais crítica e consciente em relação às informações consumidas e compartilhadas cotidianamente por meios diversos, ação que tem assumido nos últimos anos crescente importância política e social.

Referências

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1Este artigo é uma versão adaptada e ampliada de parte de minha tese (Mansan, 2014), em cuja elaboração pude contar com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Brasil) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Ministério da Educação, Brasil).

2Para um panorama da educação superior no Brasil e suas diversas inflexões, cf. também as outras obras dessa trilogia (Cunha, 2007a; 2007c).

3Doravante, grifos em itálico sempre meus; grifos em negrito no original.

4Uma abordagem clássica sobre a DSN na América Latina é Comblin (1978). Tal obra foi fundamental para a percepção das semelhanças entre ditaduras latino-americanas na segunda metade do século XX e da influência da política exterior e do pensamento militar estadunidense nesse contexto. Contudo, as dinâmicas internas e a influência de outros fatores, como tradições autoritárias nacionais, por exemplo, acabaram nela sendo relegadas a uma posição secundária, diante de um poder de influência ideológica estadunidense considerado por alguns autores como superestimado. Nesse sentido, cf. Martins Filho (2004). Sobre a ESG e a DSN no Brasil, cf. também Stepan (1976), Puglia (2012), Mundim (2007) e Santos (2007).

5A noção de propaganda aqui utilizada fundamenta-se em García Uceda (1995) e em Jowet e O’Donnell (1999), sendo também consideradas as observações de Thompson (1995) sobre os meios de comunicação.

6Sobre o “estigma do cassado” e correlatos, cf. o cap. 2 de Mansan (2014).

7Sobre a Assessoria de Imprensa, cf. Singer (2010); sobre a AERP/ARP, cf. Fico (1997).

8Programa nº 27, exibido em 06/fev/1983 (Brasil, 1983b, p. 58-59).

9Programa nº 25, exibido em 23/jan/1983 (Brasil, 1983b, p. 38). Sobre as características do crescimento do ensino superior entre as décadas de 1960 e 1980, marcado por progressivo predomínio do setor privado, cf. Minto (2006, p. 87-138; 180-181).

10A gestão de Octávio Costa (governo Médici) à frente da AERP foi marcada por ampliação significativa dos investimentos governamentais em propaganda. O salto qualitativo da propaganda pró-regime também deveu-se às melhorias técnicas surgidas no período. Segundo afirmação de Costa a Fico, “o principal laboratório de copiagem [de filmes] do país informou-o certa vez que a AERP era, nesse setor, o maior cliente brasileiro”. Entrevista de Octávio Costa a Carlos Fico, citada em Fico (1997, p. 110).

11Sobre a CISMEC e Jorge Boaventura, cf. os cap. 1 e 4 de Mansan (2014).

12Sobre as marchas, Presot (2010, p. 71-96) destaca a complexidade daquele fenômeno eminentemente urbano, em um período em que cerca de 60% da população brasileira de quase 80 milhões de habitantes ainda vivia no campo (IBGE, 1964) .Ela ressalva que as marchas não podem ser caracterizadas “como manifestações de cunho popular” nem como mero “produto da insatisfação das classes médias urbanas”, e discorre sobre a decisiva influência do longo trabalho de propaganda realizado pelo IPES entre 1962 e 1964, indicando também que, por outro lado, não se pode reduzir o fenômeno a mero produto dessa ação propagandística (Presot, 2010, p. 88).

13Sobre o CEP, cf. o cap. 1 de Mansan (2014).

14Cf. também a seção sobre a ADESG no cap. 4 de Mansan (2014).

15Jorge Duarte (2010, p. 12) afirma que a Agência Nacional foi criada em 1937, por portaria do Min. Justiça.

16Sobre a propaganda durante o Estado Novo, cf. Capelato (1999, p. 167-178).

17Para a análise de boa parte das fontes utilizadas na pesquisa que resultou neste artigo, busquei inspiração nas proposições de autores que teorizam sobre a metodologia comumente denominada Análise de Conteúdo, adaptando suas sugestões para as especificidades daquela investigação nos aspectos em que isso pareceu-me adequado. Cf. Bardin (1977), Morin (1970) e Moraes (1999).

18Como o autor observou, “desde o final da Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1960, um padrão altamente conflitivo das relações de trabalho parece ter minado as bases para uma acomodação de interesses entre trabalhadores organizados e industriais que permitisse combinar rápido crescimento econômico com uma distribuição mais igualitária da renda. A resolução do conflito distributivo deu-se por meio de uma mudança radical do sistema político em 1964, que consolidou tendências seculares de profunda desigualdade na distribuição da riqueza e da renda no Brasil” (Colistete, 2009). Cf. também Alves (1989) e Mendonça e Fontes (1988).

19Cf. também a detalhada análise presente no cap. 1 de Machado (2012).

Recebido: 04 de Fevereiro de 2022; Aceito: 10 de Maio de 2022

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