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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub 13-Sep-2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-98 

Resenhas

Docência e política no jornalismo de Maria Mariá

Teaching and politics in Maria Mariá’s journalism

Docencia y política en el periodismo de Maria Mariá

1Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil). monicayj@ufmg.br

SILVA, Hebelyanne Pimentel da. Uma década de prosa: impressos e impressões da professora e jornalista Maria Mariá (1953-1959). Fortaleza: EdUECE, 2021. 289pp.


A jovem pesquisadora Hebelyanne Pimentel da Silva, graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Alagoas apresenta, nesse livro, o resultado de um estudo em que analisa aspectos da trajetória de Maria Mariá de Castro Sarmento (1917-1993), professora e jornalista que viveu e atuou na cidade de União dos Palmares, situada ao norte do estado de Alagoas. Apoiando-se na micro-história, especificamente nos estudos de Carlo Ginzburg (2006) e em diálogo com Arlette Farge, Michelle Perrot, Joan Scott e outros, a autora se dedica, por um lado, a contribuir com a construção da história da educação em Alagoas e, por outro, a dar visibilidade a uma personagem que, conforme tantas outras mulheres, tiveram suas ações e a própria existência relegadas ao esquecimento (PERROT, 2018).

A pesquisa foi realizada em diferentes acervos locais: Casa Museu Maria Mariá, Secretaria de Cultura Palmarina, Biblioteca Municipal Jorge de Lima e Escola Estadual Rocha Cavalcanti. Foram também consultados acervos estaduais: Arquivo Público de Alagoas (APA), Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) e Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos (BPEGR), além da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O seu resultado é organizado em duas partes: na primeira, em três capítulos, apresenta o aporte teórico e o diálogo com outros estudos que apresentam mulheres letradas de diversas regiões brasileiras e de outros países, que realizaram ações em prol da difusão da leitura e do desenvolvimento da educação e cultura. Apresenta também o perfil da jornalista Maria Mariá e busca aproximações e distanciamentos com o movimento da Escola Nova. Na segunda parte, a autora apresenta a transcrição de 57 textos de autoria de Mariá, constituídos por notícias locais e regionais, crônicas e textos de opinião - seu grande achado -, publicados no período de 1953 a 1959 no Jornal de Alagoas, periódico impresso em Maceió1. Essa característica particular da obra demonstra a generosidade da autora em compartilhar fontes inéditas por ela “garimpadas”, possibilitando novas interlocuções, além de proporcionar, efetivamente, maior visibilidade à personagem em estudo.

Por meio de documentos escolares, dos textos publicados no Jornal de Alagoas e de fontes imagéticas (fotografias), tem-se a construção de um perfil que, embora único, se entrelaça ao das mulheres normalistas que se dedicaram à docência na primeira metade do século XX. O fato de ter conciliado a docência com o jornalismo pode ter contribuído para que tivesse seus vestígios encontrados pela astúcia de quem procura “olhar o invisível”, de buscar “os restos de nada no nada” (SILVA, 2021, p. 41) pois, afinal, Mariá fora das poucas mulheres redatoras das Páginas dos Municípios, seção do jornal em que seus textos foram publicados. Mas o que teria possibilitado que ocupasse esse lugar em particular?

Mulher branca, descendente de uma tradicional família proprietária de terras na região, e tendo o pai assumido cargos políticos de influência local, seus escritos refletem essa herança, por vezes, de modo tenso, como pode ser identificado na leitura de alguns dos seus textos publicados. Assumindo as interpretações que o volumoso conjunto de fontes possibilita, temos que Maria Mariá concluiu oficialmente os estudos primários no Grupo Escolar Rocha Cavalcanti em União dos Palmares, em 1932, aos 15 anos de idade. No início do ano seguinte, matriculou-se na Escola Normal em Maceió, seja por aspiração, seja pela ausência de outras oportunidades de estudo na cidade natal. Essa alternativa, que certamente não era a de muitas moças de sua idade, era possibilitada pelas condições econômicas de sua família, que podia mantê-la enquanto estudava na capital. A população de união de Palmares, na década posterior, em 1940, era de quase 61.000 habitantes, o que equivalia a dois terços da população de Maceió. Nesse sentido, cabe perguntar quais seriam as especificidades do interior em relação à capital? Como essa experiência durante o curso Normal teria contribuído para a constituição de uma mulher professora jornalista? Como se caracterizou sua atuação como redatora no jornal? Como ela dialoga com a educação nesse contexto?

Mariá escreveu seus textos na idade madura - o primeiro texto é de 1953 -, quando já teria acumulado mais de uma década de experiência no magistério, parte dos quais, durante o Estado Novo. O passado oligárquico com o qual sua família teria tido estreitas relações se reflete no modo ambíguo como se relacionava com os assuntos políticos. Em alguns de seus textos, Maria Mariá se revelava uma mulher sensível aos problemas sociais, à carência e descaso dos governos com a população e parece endereçá-los, com tons de denúncia e reivindicação, aos governos municipais e estaduais. Por outro lado, afirma desinteresse em relação à política partidária, se dizendo indiferente às eleições e aos seus resultados, rejeitando “rótulos” a ela atribuídos, como os de “exaltada”, “udenista”, ou mesmo de “comunista” (SILVA, 2021, p. 251). Entretanto, não se apaga o capital simbólico representado pela família, no passado próximo, e a influência que esta teria exercido em seu modo de ser e de se comportar. Era digna de receber cartões e felicitações de candidatos que contavam com seu apoio, mesmo que não assumisse, oficialmente, apoio algum.

Mariá revela a ampla rede de sociabilidade da qual fazia parte, tanto na capital alagoana quanto no interior, nomeando, em seus textos, autoridades políticas, jurídicas, religiosas, artísticas (foi presidenta do teatro amador da União dos Palmares), esportivas e ligadas à filantropia. Hebelyanne Silva aciona os estudos de Sirinelli (2003) para problematizar essa sociabilidade que tinha, em boa medida, o espaço da redação no jornal como um importante eixo. Sua atuação como redatora conferia o lugar de “porta-voz da coletividade palmarina” (SILVA, 2021, p. 166), pois era responsável por noticiar o município na seção específica para isso, no jornal da capital. Ainda em suas palavras, “...sem militar em facções e sem credo político, meu intuito é tão somente pedir justiça para este pedaço de terra alagoana...” (SILVA, 2021, p. 214). Por meio de suas denúncias, percebe-se o profundo conhecimento de Mariá sobre as condições precárias dos serviços públicos na cidade, como das cadeias, dos correios e telégrafos, das escolas públicas, dos hospitais. Se mostra igualmente defensora das festas tradicionais, como São João, quadrilha, Carnaval, os folguedos populares, como a Cavalhada, Reisado, Chegança, Quilombo, se queixando do enfraquecimento dessas tradições na região.

Apesar desse denso conjunto de textos publicados no período de 1953 a 1959, aparentemente Mariá não dependeu economicamente do jornalismo; suas contribuições sofriam com alguns períodos de ausência. Como ela dizia, “sempre que me sobre tempo aqui estou, em nossa ‘Página’, a fazer lembrado nosso município...” (SILVA, 2021, p. 229). Nesse e em vários de seus textos, responde aos leitores e justifica essas lacunas pela falta de tempo, por estar se ocupando com outros afazeres. Após uma dessas ausências, escreve:

Ultimamente, talvez por forçado atavismo, descendente que sou dos legítimos navegadores portugueses, despertou em mim aquela vontade de correr mundo, de visitar terras desconhecidas. Mas, por onde começar? de casa, certamente. E assim sendo, ultimamente perambulei por algumas cida des de meu Estado, localizadas do São Francisco ao sertão, da mata ao litoral: Pão de Açúcar, Traipu, Colégio, Penedo, Santana do Ipanema, Palmeira dos Índios, São Miguel dos Campos, Junqueiro, Viçosa, São José da Lage, Murici, dando finalmente com os costados no ponto de partida União dos Palmares. Ao terminar esta peregrinação deduzi que a nossa zona da mata é uma região privilegiada, ainda não descoberta pelo nosso homem, esse mal descobridor.” (SILVA, 2021, p. 223-224)

A liberdade de “correr mundo” e (re)conhecer o território indica vínculos flexíveis com as ocupações profissionais e relações familiares, levantando uma série de questões a respeito de outros aspectos da trajetória de Maria Mariá. Alguns indícios trazidos por Hebelyanne Silva mostram uma mulher que confrontava certos valores da sociedade conservadora. Apesar da pauta feminista não aparecer explicitada nos seus escritos, Mariá era conhecida como a primeira mulher a vestir calças compridas em União de Palmares. Além desse fato, a divulgação de uma foto em que aparece de maiô, foto que compõe a capa do livro em resenha, mobilizou a opinião das autoridades, que decidiram que a professora deveria residir em outra cidade, o que evidenciou a ruptura com valores da época e as consequências para sua atividade profissional.

Por meio do jornalismo, Mariá se destacou no espaço público, ampliando os horizontes do magistério para uma outra forma de atuação na sociedade. A esse caráter de denúncia e reivindicações, marca desses escritos, Hebelyanne Silva define “escola de prosas”. Seu estilo teria forte vínculo com a pauta do Movimento dos Educadores (1959), mais críticos e com maior adesão das professoras e intelectuais mulheres que o movimento de renovação de décadas anteriores.

O livro possui outras tantas contribuições para a reflexão sobre a profissão docente, sobre as mulheres letradas e os lugares assumidos nos espaços públicos, numa narrativa mesclada com poesia e literatura, que confere leveza a uma temática séria e atual. Por fim, recorrendo às palavras da autora, estudos como este representam mais que escrever um texto, fazer ciência, fazer política; é fazer ressurgir a vida, fazer repensar a existência, a “gentitude”, sobretudo num ato introspectivo, sendo a autora, também, palmarina como Mariá.

Referências

ARQUIVO PÚBLICO DE ALAGOAS. Catálogo de jornais. Disponível em: http://www.arquivopublico.al.gov.br/catalogos/COLECaO%20DE%20JORNAIS.pdf/view. Acesso em 29/07/2021. [ Links ]

FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: EDUSP, 2009. [ Links ]

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. 1. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2006. [ Links ]

PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mu lheres e prisioneiros. 8. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018. [ Links ]

SCOTT, Joan Wallach. História das mulheres. In.: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 2011. p. 65-98. [ Links ]

SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In.: RÉMOND, René. Por uma história política. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 231- 269. [ Links ]

1O Jornal de Alagoas foi, provavelmente, o jornal mais longevo do século XX, impresso na capital Alagoana entre 1908 a 1993. Disponível em: http://www.arquivopublico.al.gov.br/catalogos/COLECaO%20DE% 20JORNAIS.pdf/view. consultado em 29/07/2021.

Recebido: 30 de Julho de 2021; Aceito: 23 de Agosto de 2021

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