SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21The destruction of an architecture: from monumentality to demolition, São Paulo Kindergarten (1896-1939)History and Education in Portugal in Modernity: relevant dialogues author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub Sep 13, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-100 

Resenhas

Experiências Formativas não Escolares: História & Teoria da Educação

Non-school Formative Experiences: History & Theory of Education

Experiencias Formativas no Escolares: Historia y Teoría de la Educación

Schirlei Russi von Dentz1 
http://orcid.org/0000-0002-0332-8517; lattes: 9797662752702698

1Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil). schirleirussi@gmail.com

ZICA, Matheus da Cruz. Experiências formativas não escolares: História & Teoria da Educação. Campina Grande: Paraíba, 2021.


A proposta do ebook “Experiências formativas não escolares: história & teoria da Educação”, lançado em 2021, é colocar em evidência outras instituições que promovem a educação não legitimada, como é o caso da instituição escolar, mas que contribuem para a formação dos indivíduos, das suas subjetividades. Essas outras instituições são: o Estado, a medicina, o meio de comunicação jornalístico impresso, os livros, instituições religiosas, o meio social, como a família, a vizinhança etc. O ebook está dividido em três partes, com sete capítulos, onde os autores/pesquisadores corroboraram com a temática principal de pensar a educação e sua história a partir de lugares comuns, ou seja, fora da escola. Organizado pelo historiador, pesquisador e professor Matheus da Cruz e Zica, que tem estudado a “formação” dos indivíduos nos mais diferentes espaços, este ebook apresenta justamente este aspecto formativo das subjetividades em lugares inimaginados.

Assim, na parte I são destacadas as experiências que “a morte” pode proporcionar nesse lugar incomum, fora dos espaços escolares propriamente ditos. De autoria de Thiago Rafael Oliveira, o primeiro capítulo intitula-se “A desinstrução do corpo antes da chegada a Auschwitz: a emergência do homo läger nas narrativas de Primo Levi e Miklós Nyszli (1935-1944)”. Ao traçar um contraponto entre as tristes lembranças dos sobreviventes de Auschwitz e o esfacelamento das bases humanas construídas no decorrer da vida, o autor destaca como o Estado também participa da formação da subjetividade humana. Amparado em Foucault, Oliveira afirma que “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados” e que, por vezes, o Estado busca produzir “corpos submissos”. Trata-se da exclusão dos corpos indesejáveis, da condenação à morte lenta, de impor mecanismos de adaptação à situação vigente, amparados pela ciência e pelo mercado. O segundo capítulo, “Aprendendo com a peste: os periódicos como manuais educativos de higiene e cuidado do corpo (lições sobre a epidemia da Peste Bubônica em Campina Grande, em 1912)”, de autoria de Iranilson Buriti de Oliveira, apresenta duas perspectivas educativas sobre a peste que se instaurou na cidade de Campina Grande: uma propiciada pelo jornal paraibano da época, chamado “A Imprensa”, e outra dada pelos profissionais da medicina. O jornal, para aqueles que tinham acesso, demonstrava duas faces da mesma cidade: uma que apostava no progresso e na riqueza proveniente do algodão, e outra da porcaria, da imundície, da peste. As duas desgovernadas pelas instituições públicas. Por outro lado, os médicos tornaram-se, na medida do possível, educadores de novas posturas, de maneiras corretas de higiene, para que a população pudesse se livrar da peste e da morte.

A parte II foca no tipo de educação que é passada por “Tradições de Espiritualidade e Formação”, e está distribuída em três capítulos. Logo, o terceiro é iniciado com as reflexões de Débora da Silva Sousa sobre os escritos da escritora adventista Ellen G. White sobre espiritualidade e saúde. Intitula-se: “O remédio mata, a medicina deseduca: Ellen G. White e as leituras sobre a prática médico-alopática (1865)”. Sousa apresenta um contraponto entre a medicina ortodoxa e as medicinas paralelas ou populares que conviviam na época oitocentista. Os escritos de White apontam para uma educação que tem principalmente a via religiosa para o contato, em que coadunam a espiritualidade e a vocação para a prática da medicina popular como educativa e preventiva. Logo na abertura do capítulo, é apresentado um relato sobre uma mãe que adoece e, após ser medicada, vem a falecer. White, apropriando-se desse fato e da palavra impressa e educativa, busca consolidar seus ensinamentos, mesmo afirmando ser pouco letrada sobre boas práticas higienistas, com o objetivo de criticar as práticas medicinais de seu tempo que, na maioria das vezes, eram alopáticas. White buscou apoiadores da área da saúde, que a agradavam, para assim fazer valer seus ensinamentos sobre medicina instrucional, preventiva e higienista.

No Capítulo quatro, o livro, ainda dentro do tema Tradições de espiritualidade e formações, traz o seguinte título: “Despertar, converter e sustentar: a experiência formativa dos Penitentes Peregrinos Públicos”, no qual o autor Roberto Viana de Oliveira Filho aborda a experiência de um jovem penitente que, aos 22 anos, trocou a vida “profana” para atender a um chamado. Pertencer a esse grupo de peregrinos envolvia uma série de rituais, começando pelo “Batismo da Cruz”, no qual eram queimados todos os documentos oficiais das pessoas que ali entravam e, a partir disso, “renasciam” com um novo nome para uma “nova vida”. Os homens passavam a ser conhecidos como José Aves de Jesus, e as mulheres como Maria Aves de Jesus. Deveriam os postulantes menores abandonar a escola, enquanto os maiores o trabalho. Para redimirem-se dos pecados, os penitentes passavam por processos de mendicância, peregrinação e privação de bens materiais. Todavia, todos os membros participavam também de um outro ritual, o da leitura de um conjunto de livros, que funcionava como um manual, e que, nas análises de Oliveira Filho, tiveram um resultado gerador na formação desse grupo, que se estabelecia fora dos modelos clássicos de edu cação.

O capítulo cinco, de autoria de Dulce Edite Soares Loss, oferece uma reflexão sobre a “Educação no Ilê Axé Omilodé (João Pessoa - PB): aprendendo com as experiências de ancestralidade”. A autora busca a compreensão das condutas e atividades corporais e morais de pessoas que frequentam o Ilê Axé Omilodé, isto é, alguns terreiros de candomblé em João Pessoa, Paraíba. A autora vê, nas práticas sociais do terreiro de candomblé, uma forma educativa, não nos moldes escolares, porque os saberes e as experiências no Ilê Axé Omilodé ocorrem por meio da oralidade, por adesão espontânea daqueles que a praticam e, sobretudo, porque não se trata de uma formalização dos conteúdos aprendidos. Muito pelo contrário, ocorre através de rituais celebrativos, sendo passado de geração em geração, mas não deixa de proporcionar um aprendizado para a vida em espaço não escolar, não científico.

Na parte III, o foco se dá em demonstrar como ocorre “educação” ou Formação pelo Cotidiano, ou seja, em espaços de transição, de possibilidade para aqueles que estão mais distantes da escola. Então, o capítulo seis, de autoria de Francisco Chaves Bezerra, intitulado “Casa do Estudante da Paraíba: experiências que conformam práticas formativas de educação não escolar”, traz relatos de estudantes que passaram ou moraram nesta casa, que fora criada com a finalidade de acolher estudantes do interior do estado da Paraíba que não dispunham de ensino secundário em seus municípios. O autor busca identificar os elementos forma tivos que influenciaram a trajetória dos sujeitos que ali residi ram. Contam como aspectos formacionais as experiências tidas neste espaço, como as normas para a convivência, as diferenças culturais (porque conviviam jovens de diferentes municípios), a condição econômica e social, o comportamento de adaptação citadina como formas de aprendizagem e que marcavam a vida desses jovens.

O sétimo e último capítulo, de Carlos André Martins Lopes, que tem por título “A invenção da virilidade em Memórias, de José Américo de Almeida”, conta como ocorre a “formação” e educação justamente da masculinidade. Lopes destaca, por meio das narrativas de Almeida, como as configurações sociais vão estabelecendo, sobretudo, as hierarquias de gênero. O autor põe em destaque todo um processo de fabricação ou de educação do ser masculino: do homem viril, da defesa, da honra, do poder despótico, da resistência, da coragem, da valentia, da disposição para o enfrentamento de riscos etc. Todos esses elementos aparecem na formação do homem, como da mulher pelo seu oposto. Tais características não são gratuitas; são fruto de um trabalho educacional, histórico, passado de geração para geração, no cotidiano, fora dos ambientes escolares.

Assim este ebook, apesar de tratar de assuntos um tanto longínquos na história, tem sua atualidade para pensarmos, principalmente, na relação entre ciência e tudo aquilo que coaduna paralela a ela, tendo em vista também o momento pandêmico que atravessamos da Covid-19 e as discussões levantadas pela ciência sobre o assunto, como a prevenção, as vacinas, os medicamentos etc., as mídias televisivas, impressas, e as redes sociais que, inclusive, abordam o assunto e o discurso religioso, igualmente tentando provocar informações. Neste ponto, o ebook levanta temas muito relevantes e se aproxima do momento em que estamos atravessando.

REFERÊNCIAS

ZICA, Matheus da Cruz (org.). Experiências formativas não escolares: História & Teoria da Educação. Campina Grande: Paraíba, 2021. [ Links ]

Recebido: 09 de Novembro de 2021; Aceito: 14 de Dezembro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons