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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub 13-Sep-2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-140 

Resenhas

História e Educação em Portugal na Modernidade: diálogos pertinentes

History and Education in Portugal in Modernity: relevant dialogues

Historia y Educación en Portugal en la Modernidad: diálogos relevantes

Carolina dos Santos Jesuino da Natividade1 
http://orcid.org/0000-0003-0128-8328; lattes: 9809627792228786

1Centro Universitário Metropolitano de Maringá (Brasil). carolina.s.j.natividade@gmail.com

COSTA, Célio Juvenal; GUARALDO, Luciana de Araujo Nascimento; MENEZES, Sezinando Luiz. Império Português. Diálogos sobre História e Educação do século XV ao XVIII. Curitiba: Appris, 2021. 239pp.


O objetivo do livro Império Português, diálogos sobre História e Educação do século XV ao XVIII, como nos apresenta José Maria Paiva no prefácio, e Costa e Menezes no capítulo introdutório, é o de divulgar pesquisas sobre a expansão e colonização portuguesa na modernidade, especialmente sobre a história da América Portuguesa. Com essa finalidade, o livro expõe o trabalho coletivo de pesquisadores que, em diferentes níveis de profundidade sobre suas temáticas, têm em comum o trabalho desenvolvido no Laboratório de Estudos do Império Português - LEIP, no qual ideias desenvolvidas em dissertações e teses foram lapidadas e aperfeiçoadas pelos apontamentos de profissionais dedicados na compreensão do Império Português.

O Império Português é descrito como uma noção que altera o conceito historiográfico de Brasil colônia, conceito muito presente até a década de 1970. Registra-se o esforço dos trabalhos historiográficos mais recentes em buscar novas possibilidades de abordagem para a relação de Brasil e Portugal durante os séculos XVI, XVII e XVIII. Independentemente da adesão ou não às novas abordagens, é inegável que se abrem novas oportunidades de estudo sobre a América portuguesa. A complexidade do tema requer que se estabeleçam seus nexos não apenas com o Reino, mas também com outras regiões dominadas pelos lusitanos, como a ação dos jesuítas no Brasil, que pode ser mais bem compreendida na medida em que sejam realizados estudos sobre a atividade dos inacianos em Portugal, na África e na Ásia.

O prefácio nos apresenta o livro pelas palavras de José Maria Paiva, que é quem nos situa quanto a relação da história ou do historiador com sua vocação de educador, pois tanto nos textos escritos no livro quanto na história como um todo se desenvolve uma noção mais complexa sobre a própria cultura e a partir do modo como ela foi, como é e como deixou de ser, mais especificamente, como a sociedade brasileira teve sua educação construída dentro do contexto de possessão portuguesa.

O livro se estrutura em duas partes. Na primeira, são seis capítulos que analisam distintos aspectos da cultura do mundo lusófono na modernidade, trabalhando o eixo educação/ensino. Enquanto na segunda parte apresenta-se como eixo a ação dos jesuítas e a história das instituições educativas em Portugal e seus domínios, enfocando a relação educação/cultura.

Em seu primeiro capítulo, podemos acompanhar a discussão intitulada: “A Companhia de Jesus na Índia: educação, ensino, catequese e missões (1542-1552)”. No capítulo de abertura da obra, é abordado a ação dos jesuítas no Oriente português, com a chegada nos inacianos a Goa em 1542 até o ano de morte de Francisco Xavier, fundador das missões jesuíticas no Oriente, em 1552. Partindo da coletânea Documentação para a história das missões do Padroado Português do Oriente, organizada por António da Silva Rêgo, Felipe Borges conclui que as estratégias de conversão e catequese empreendidas com a Companhia de Jesus passou por aprimoramento, ao comparar com anos anteriores.

O segundo capítulo traz que no contexto de declarada perseguição religiosa aos judeus pela coroa no reinado de Dom João III, em um momento de grande animosidade entre os cristãos novos e antigos, em Portugal, a chegada inesperada de um judeu que se apresentava como embaixador, imbuído de pretensões de pedir ajuda da cristandade contra um inimigo comum, obtém do monarca lusitano promessa de aliança contra o império turco expansionista. Como apontado por Saulo Silva e Sezinando Menezes, a presença do judeu David Reubeni contribuiu para o florescimento de manifestações messiânicas entre parte dos cristãos-novos portugueses. Apesar do advento da conversão forçada dos judeus ao cristianismo, ocorrida em 1497, os cristãos-novos viram no embaixador um suposto Messias, aquele que salvaria a nação israelita, segundo as escrituras. A presença do judeu de suposta origem nobre levou muitos cristãos-novos a retornarem ao judaísmo e passaram a seguir Reubeni. O capítulo desenvolve-se com base nos acontecimentos que envolveram sua presença em Portugal entre os anos de 1525 e 1526.

No terceiro capítulo, provindo de pesquisa de Edson Barbosa da Silva e intitulado: “Conhecimento nos sermões de Antônio Vieria sob a luz de Norbert Elias”, é mostrado que intervenções políticas do padre Vieira aconteciam de vários modos, como nos sermões, cuja forma de educar estabelecida pela Igreja Católica nesse período visava além de educar, regular os comportamentos considerados aceitáveis. O texto visa demonstrar como Vieira se fez presente no processo de legitimação da Restauração de Portugal perante as cortes europeias e na Corte portuguesa (1640). Também faz apontamentos sobre os usos das representações educativas com base nos sermões pregados na Capela Real em Lisboa.

No quarto capítulo, “O direito português como possibilidade de análise da América portuguesa.”, Gilmar Montagnoli apresenta o direito português como meio de compreender aspectos do período colonial brasileiro. Com tal objetivo, utilizam-se as Ordenações Filipinas, compilação de normas que passou a vigorar em 1603 e teve um papel relevante para a América portuguesa. Ressalta-se que o código conserva elementos do mundo em que foi concebido, possibilitando um olhar contextualizado para outras discussões presentes no capítulo, como a compreensão do período que percebia a justiça como primeira responsabilidade do rei. Encontram-se no texto apontamentos acerca da religiosidade, da realeza, dos empreendimentos ultramarinos e da organização social vigente, tomando como base as Ordenações Filipinas.

Na sequência encontramos “O Brasil na estética do século XVII, as obras de Albert Eckhout e o culto ao selvagem e exótico”, em que Arnaldo Martin Szlachta Junior analisa o trabalho do pintor holandês pertencente à corte de Maurício de Nassau, que esteve sete anos no Brasil produzindo uma grande quantidade de obras. Suas diversas pinturas enfatizam: tipos étnicos presentes na região, representantes da fauna e da flora, naturezas mortas etc. O interesse era apresentar de maneira visual o máximo possível das excentricidades tropicais. Utilizando-se dos direcionamentos de Ulpiano T. Bezerra de Menezes, faz-se análise das imagens como documentos históricos.

No sexto e último capítulo da primeira seção, Márcia Denise Fancelli e Sheila Patricia Landuci nos falam sobre: “A vida e a educação das mulheres enclausuradas nos séculos XVII e XVIII em Portugal, segundo cartas de Mariana do Alcoforado”. Nos escritos de Mariana do Alcoforado, segundo as autoras, percebe-se a coragem de expor seus sentimentos para um homem e consequentemente para a sociedade. O conjunto de escritos da autora permite conhecer a intelectualidade das freiras de sua época, sua autonomia de pensamento e seu modo particular de viver. Em uma época em que pouquíssimas mulheres podiam fazer escolhas, Alcoforado optou por viver um amor em condições muito difíceis. As cartas escritas pela freira evidenciam a reflexão de ações, entregas, sentimentos e as consequências das ações praticadas ao experimentar um amor proibido. O objetivo do texto é sinalizar a conscientização do seu valor como mulher intelectual, reflexiva, de atitudes e atividades ocupacionais opostas às das mulheres da época, que eram preparadas para festas, cortejos, submissão ao homem, sejam pais ou maridos.

Luciana de Araújo Nascimento Guaraldo e Célio Juvenal Costa iniciam a segunda parte do livro com “Raízes da história da educação brasileira: a Universidade de Coimbra enquanto instituição educativa do Império”. No texto analisam como a referida instituição se tornou um centro de referência na formação dos letrados do Império português, pois foi a única instituição portuguesa de ensino superior que durante os três séculos da Colônia e no início do Império se dirigiam para estudar os brasileiros depois dos cursos no Brasil, nos reais colégios dos jesuítas. A relevância da pesquisa é justificada com a informação de que a história da educação no período de que o Brasil era possessão portuguesa é ainda pouco explorada.

O segundo capítulo da seção, intitulado “Educação e processo civilizador: o ensino jurídico da Universidade de Coimbra e as modificações implantadas pela Reforma Pombalina”, escrito por Solange Montanher Rosolen, tem como objeto de estudo o ensino jurídico da Universidade de Coimbra no século XVIII. A autora se debruça sobre as modificações no ensino jurídico da Universidade de Coimbra promovidas pela reforma de 1772. Para tal empreendimento, utiliza-se da perspectiva de análise da teoria do processo civilizador desenvolvida por Norbert Elias, possibilitando a compreensão do processo educacional em curso na dinâmica implantada pela reforma partir de tal referencial. É feito um exame do ensino jurídico da Universidade de Coimbra antes da Reforma Pombalina, para então realizar a análise do estudo das modificações impostas ao ensino jurídico da universidade pela reforma. Ao final, ressalta-se como o ensino jurídico nessa universidade se desenvolveu a partir das modificações impostas pela reforma e os resultados obtidos com a implantação do projeto reformador.

No capítulo seguinte, Natália Cristina de Oliveira trata do Colégio de Santo Antão, fundado pelos jesuítas em Lisboa no século XVI. O texto busca analisar as aulas relacionadas às questões matemáticas contidas na aula da Esfera, pioneira nos estudos de Astronomia em Portugal. Esse ensino ocorreu entre os anos de 1590 e 1759. Representava, além das inovações educacionais, a aceitação das temáticas correspondentes aos saberes científicos naquele reino. É apresentada a criação e os primeiros anos de uma das instituições educacionais jesuíticas mais famosas em terras lusitanas, favorecendo a compreensão da importância dos jesuítas com a evolução do conhecimento científico na sociedade portuguesa. Graças a interferência social dos padres nesse cenário ultrapassou-se os limites da conversão ou da instrução acadêmica para o desenvolvimento da ciência em terras lusitanas. Expõe-se problematização da visão tradicional de que a Companhia de Jesus era conservadora do ponto de vista científico.

Na sequência, encontramos “O protagonismo da educação franciscana na América portuguesa”, de autoria de Maria do Carmo Gonçalves da Silva Lima. O quarto capítulo da segunda seção ocupa-se em analisar a atuação da Ordem Franciscana no campo educacional na América portuguesa, Ordem que esteve presente em vários momentos da história da expansão portuguesa e que no Brasil realizou sua atividade evangelizadora e educativa. Logo na chegada de Pedro Álvares Cabral ao território brasileiro, os franciscanos vieram com o objetivo de propagação da fé cristã entre os nativos. Estabeleceram na América conventos, capelas e escolas, onde praticaram métodos de ensino que foram inseridos às práticas pedagógicas posteriores. O capítulo salienta que aliada à história da educação no Brasil está a história da Igreja Cristã. Ressalta também o protagonismo da atuação franciscana no campo educacional colonial brasileiro, considerado pela historiografia como uma eventualidade, sendo pouco discutido e pouco analisado.

O capítulo quinto capítulo da seção traz a discussão sobre: “Universidade de Évora: uma análise das práticas educativas presentes na instituição”, escrito por Cíntia Mara Bogo Bortolossi. Como delineado em capítulo anterior do livro, apesar de a Companhia de Jesus ser uma ordem religiosa de inspiração medieval, tais religiosos tiveram um papel essencial na formação do Portugal moderno. O texto apresenta reflexões sobre as atividades pedagógicas existentes na universidade eborense, a primeira sob a administração da Companhia de Jesus. Um aspecto pedagógico presente na educação inaciana era a noção de o estudo ser uma forma de se chegar à natureza de Deus, uma vez que as matérias leccionadas eram vistas como meios para levar o aluno à descoberta de Deus. A instituição está ligada às bases da educação no Brasil, visto que muitos dos que obtiveram a formação na instituição vieram posteriormente para terras da América Portuguesa. Considerações foram elaboradas sobre os respectivos cursos existentes na instituição, as lições trabalhadas, a rotina de estudos, os exames realizados, entre outros aspectos. Compreender o papel desenvolvido pela Universidade de Évora colabora nas reflexões acerca da sociedade portuguesa daquele momento como das origens da cultura e da educação brasileiras.

Para o fechamento da coletânea, encontramos o capítulo “Educação em Portugal no século XVI: um olhar ao Real Colégio das Artes e Humanidades”, de Ariele Mazoti Crubelati. Essa instituição foi fundada oficialmente em 1548 por Dom João III. Inicialmente, a instrução pretendida pelo rei no Colégio das Artes deveria se embasar nos preceitos da ciência humanista, ou seja, almejava-se um ensino desvinculado daquele predominantemente medieval cristão. O intuito do monarca lusitano com esse colégio era um ensino de qualidade para a inserção de alunos na universidade. Instituição cujo diferencial era que o ensino deveria equiparar-se ao nível do francês Colégio de Santa Bárbara, reconhecido por sua excelência no ensino de intelectuais sob os preceitos do humanismo. No entanto, anos depois, em 1555, a administração do Colégio das Artes transfere-se para os inacianos, por ordem do próprio D. João III. Ressalta-se o papel da Companhia de Jesus, cujas práticas enfatizaram o cristianismo em terras lusitanas, em um período de agitações religiosas. Por meio da ação pedagógica dos padres jesuítas, os dogmas do concílio de Trento foram agregados ao povo de Portugal para que eles não abdicassem da fé católica, diante de um momento em que a sociedade se encontrava em mudança.

Com a proposta de trazer um diálogo sobre vários aspectos da história política, econômica, jurídica, religiosa e educacional do Brasil, cada autor toma um foco em que se pode, no conjunto da obra, vislumbrar quanto o fenômeno educacional é complexo. O amplo referencial teórico encontrado nas discussões de cada capítulo permite que o leitor possa se aprofundar em conteúdos da História da Educação no Brasil enquanto possessão de Portugal e compreender as bases históricas para a construção da educação no país.

REFERÊNCIAS

COSTA, Célio Juvenal; GUARALDO, Luciana de Araujo Nascimento; MENEZES, Sezinando Luiz. Império Português. Diálogos sobre História e Educação do século XV ao XVIII. Curitiba: Appris, 2021. 239p. [ Links ]

Recebido: 22 de Março de 2022; Aceito: 23 de Abril de 2022

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