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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.21  Uberlândia  2022  Epub Sep 13, 2022

https://doi.org/10.14393/che-v21-2022-141 

Resenhas

A metamorfose da escola

The metamorphosis of the school

La metamorfosis de la escuela

Mauricio dos Reis Brasão1 
http://orcid.org/0000-0002-4514-453X; lattes: 0358978826833925

José Carlos Souza Araújo  2 
http://orcid.org/0000-0002-7972-8875; lattes: 7069283169342231

1Universidade Federal de Uberlândia (Brasil). mbrasao@gmail.com

2Universidade de Uberaba;

Universidade Federal de Uberlândia (Brasil). jcaraujo.ufu@gmail.com

NÓVOA, António. Escolas e professores. Proteger, transformar, valorizar. Salvador: SEC/IAT, 2022.


O livro “Escolas e professores: proteger, transformar, valorizar”, de António Nóvoa (2022), apresenta discussões sobre temas atuais como o futurismo da educação e a metamorfose dos estabelecimentos de ensino; a necessidade de (re)pensar a escola futura e o modelo adotado; a pandemia, os docentes e seus papéis na construção de um espaço público comum da educação; a criação de novos ambientes escolares e a composição de uma pedagogia do encontro; a formação continuada e a indução profissional dos professores; tecnologias; entre outros.

O modelo escolar está em desagregação; não se trata de uma crise, como várias que ocorreram nas últimas décadas. Trata-se do fim da escola, tal como é conhecida, mas a falta de escolas e professores seria “um futuro sem futuro”, e uma aprendizagem realizada por dispositivos tecnológicos reduziria o alcance e as possibilidades da educação. Por isso, é importante proteger, transformar e valorizar ambos, em se tratando das temáticas trazidas nesse ensaio produzido por Nóvoa (2022), em seis capítulos. Os dois primeiros capítulos tratam das escolas e da imprescindibilidade para a transformar de fato; o terceiro reflete sobre os professores após a pandemia; e os três últimos abordam temas relacionados à formação docente.

Pelo fato de as escolas serem locais singulares de aprendizagem e socialização, devem ser protegidas para os seres humanos se educarem de maneira recíproca. Para alunos e professores construírem processos de educação e aprendizagem, as escolas precisam de transformações eficazes em modelos de organização e funcionamento. Por fim, é necessário valorizar as instituições de ensino e os docentes, pois tais lugares constituem espaços primordiais à formação das novas gerações.

Para o autor, a educação consiste na “junção” de pessoas diferentes em um mesmo espaço, com a capacidade de realizar um trabalho em conjunto e na relação com os outros; portanto, é imprescindível preservar as escolas como lócus de educação. Ademais, em tempos de pandemia ocasionada pela doença do novo coronavírus - coronavirus disease (COVID-19), surgem hesitações quanto à ação docente.

Ao mesmo tempo, por considerar as dúvidas legítimas e necessárias, Nóvoa (2022) salienta a necessidade de conversar sobre elas com os colegas, como melhor forma de manter a liberdade, algo precisamente realizado no referido livro, o qual é dividido na seguinte forma: os dois primeiros capítulos tratam das escolas e da imprescindibilidade para a transformar de fato; o terceiro reflete sobre os professores após a pandemia; e os três últimos abordam temas relacionados à formação docente.

Sobretudo desde o século XVI, foram estabelecidos processos e formas de organização escolar concretizados na segunda metade do século XIX. Reconheceu-se o princípio da escolaridade obrigatória, traduzido pelos anglófonos com a expressão mass schooling, e se consolidaram os grandes sistemas de ensino nos ciclos primário, secundário e terciário (superior). No mesmo período, alicerçou-se um modelo escolar que, em traços essenciais, chegou até o presente momento.

Em síntese, edifícios com diferentes arquiteturas são construídos especificamente para serem escolas, onde os alunos são agrupados em turmas e os professores devem ministrar as aulas previstas no programa, em geral com a duração de uma hora. O currículo é organizado por disciplinas, em especial a partir do “secundário”, e os alunos precisam ser avaliados de acordo com o programa lecionado. Segundo Nóvoa (2022), esse modelo escolar que caracterizou o panorama educacional em nível mundial nos últimos 150 anos apresenta sinais de crise e de inadequação. Embora não haja possibilidades de prever o futuro, evidentemente ocorrem mudanças significativas nos processos educativos, sobretudo devido à revolução digital.

O impacto do digital na educação é evidenciado pelas amplas e intensas transformações em curso. Desde o início do século XXI, uma extensa literatura sobre o futuro da escola tem sido produzida mundialmente, designada pelo autor por “futurismo da educação”, mas reconhece os limites de algumas propostas relativas à importância da educação como um bem público e comum. No ensaio, Nóvoa (2022) identifica que a relação entre educação e trabalho constitui uma das reflexões mais valiosas. Para ele, os neurocientistas, os especialistas do digital e os defensores da Inteligência Artificial (IA) são os três grupos ou tendências que questionam, de forma mais competente, o modelo escolar.

No que concerne aos neurocientistas, notadamente sob o prisma das aprendizagens, os avanços nos estudos sobre o funcionamento do cérebro consagraram o princípio de que é possível estabelecer bases científicas sólidas para a educação. Isso porque as neurociências contribuem de maneira significativa para a percepção do funcionamento do cérebro e dos processos de aprendizagem. Em relação aos especialistas do digital, incontestável é a importância da revolução digital ou da conectividade para o futuro da educação ao considerar que as crianças têm acesso a informações diversos, o que torna essencial compreender e interligar os conhecimentos e o seu sentido (NÓVOA, 2022).

Tendo em vista os defensores da IA, Nóvoa (2022, p. 13) entende que inúmeros autores e organismos internacionais priorizam as potencialidades dessa área, mesmo com as teses imoderadas. Apesar de as três tendências se interessarem pelo futuro da educação, todas alinham-se em um ideário de desintegração da escola, além de terem três pontos comuns, a saber: “a redução da educação às aprendizagens; a construção de uma visão hiperpersonalizada das aprendizagens; e a defesa de uma perspectiva consumista da educação”.

Para Nóvoa (2022), enquanto os futuristas geralmente apresentam um pensamento desarraigado sobre a escola e a educação, é preciso engendrar uma proposta transformadora a partir de várias realidades e experiências existentes, de modo a promover a metamorfose. O modelo escolar organizado nos últimos 150 anos está em causa, e não esse estabelecimento, instituição medular para as sociedades hodiernas devido à capacidade de conduzir os alunos às aprendizagens e pela sua incumbência de fundar uma vida em comum.

Atualmente, segundo Nóvoa (2022), podem haver cinco evoluções mediante a adoção de novas lógicas e enquadramentos educativos: (a) valorização de tempos e espaços não formais; (b) diversidade de espaços para trabalho e estudo, individual ou em grupo, com ou sem a presença de professores; (c) agrupamento diversificado dos estudantes para criar percursos escolares diferenciados; (d) trabalho conjunto de professores com (grupos de) alunos; (e) valorização da convergência das disciplinas e dinâmicas de investigação.

Nóvoa (2022) percebe a necessidade de transformar o modelo escolar construído no século XIX, que atravessou o XX e chegou com vestígios de fragilidade ao XXI. A pandemia, segundo ele, apenas tornou inevitável o que era necessário. Além disso, o norte das transformações defendidas reforça a educação como bem público e comum ao mesmo tempo.

Além disso, Nóvoa (2022) observa que, desde o início do século XXI, acentuou-se uma perspectiva consumista da educação como bem privado que, primeiramente, ocorreu mediante o conjunto de referências à transição digital, à IA ou às learning machines (máquinas de aprendizagem, em tradução literal), com apelo a novas formas de aprendizagem via tecnologias. Essa tendência objetivou responder à emergência gerada pela pandemia, ao mobilizar plataformas e materiais de ensino disponíveis on-line.

O intuito de Nóvoa (2022) é se envolver na transformação profunda da escola, porém com o reforço das esferas públicas. Assim, retoma as três dimensões do modelo escolar - o contrato social celebrado no século XIX, a estrutura espaço-temporal da escola e a pedagogia da lição -, ao acentuar que as mudanças necessárias da educação sejam dinamizadas pelo conhecimento e pela partilha de experiências e inovações existentes em vários lugares do mundo e que são legítimas inspirações para o futuro.

Faz-se necessário, para o autor, refazer o contrato social em torno da educação, com referência a um ambiente público da educação mais amplo do que o espaço escolar stricto sensu, em detrimento aos sistemas especializados de ensino fechados sobre eles mesmos. Em primeiro lugar, o novo contrato social precisa reconhecer os processos educativos na sociedade como um todo, e não somente na escola. Em segundo lugar, é fundamental a criação de ambientes de aprendizagem que possibilitam o estudo individual e as tarefas em grupo, o trabalho presencial e por meio digital, pois a escola é o espaço para ações em comum de estudantes e docentes, e não apenas o lugar onde se ministram e se recebem aulas. E em terceiro lugar, é preciso criar pedagogias que valorizem a pluralidade de métodos e modalidades de estudo e trabalho.

Para Nóvoa (2022), o digital não é apenas mais uma “tecnologia”, pois instaura uma nova relação com o conhecimento e, por isso, uma nova relação pedagógica, ao redefinir o lugar e o trabalho docente. Nesse sentido, integrar essa nuance à função desses profissionais é mais do que incorporar uma “tecnologia”, por haver o reconhecimento das reflexões provocadas pelos novos modos de ser, agir e pensar (constituídos na era digital) na escola que, por seu turno, é capaz de os integrar como referências fundamentais no reposicionamento dos professores.

A Covid-19 impulsionou as tendências apresentadas como inevitáveis para o futuro. Com discursos atraentes, inovadores e empreendedores, contestam o legado histórico da escola e buscam incentivar uma educação destituída das dimensões públicas e comuns e pautada pela cadência do “consumismo pedagógico” e do “solucionismo tecnológico” (NÓVOA, 2022, p.35).

Possivelmente, os docentes utilizam o digital nos espaços educativos para reproduzir “à distância” as aulas habituais ou se iludem que as tecnologias são neutras e trazem soluções imediatas. Diante disso, Nóvoa (2022) sugere a compreensão do presente e ações não no sentido do desaparecimento, mas de construção de outra escola. Ele afirma que a razão do livro é enunciar outras possibilidades, em que pode enunciar apenas mediante uma linguagem para a conversação.

O texto crítica “três ilusões perigosas”: (a) a educação presente em todos os lugares e tempos acontece “naturalmente”, sobretudo de maneira familiar e virtual; (b) a escola enquanto ambiente físico não existe mais e a educação será “à distância”, por intermédio de diferentes “orientadores” ou “tutores” das aprendizagens; e (c) a pedagogia, enquanto conhecimento especializado dos professores, será substituída pelas tecnologias permeadas pela IA (NÓVOA, 2022, p.36).

Nóvoa (2022) discorda das tendências consoantes a uma desintegração das escolas, pois, apesar de apresentar limitações e defeitos, tais instituições ainda são uma das poucas que podem proteger os mais vulneráveis, e, para cumprir essa premissa, é inevitável a sua metamorfose. Aqui importa criar ambientes escolares convenientes ao estudo e ao trabalho em conjunto, pois a educação se estabelece na relação e na interdependência.

Apesar de serem essenciais, os meios digitais não desfazem as possibilidades educativas. Existe um patrimônio humano que não pode ser digitalizado e, sem ele, a educação iria se reduzir a uma “caricatura digital”. Nóvoa (2022) salienta que as novas gerações de professores, por serem digitais, não se iludem quanto às possibilidades e aos extremos das tecnologias. Segundo ele, o digital é útil para manter os laços, porém jamais substituirá o encontro humano, pois a educação remete a um vínculo que transforma, simultaneamente, alunos e professores, possibilidade que ficaria reduzida pela Internet ou “à distância”. O autor, portanto, não crê na possibilidade de uma educação totalmente digital, a qual também não é desejável porque a relação humana não representa algo substituível.

Nóvoa (2022) prevê que, nos próximos 20 ou 30 anos, haverá uma complexa metamorfose da escola, com modificações em sua forma. O autor é mobilizado pela enunciação do surgimento de outra escola em uma conjuntura na qual é urgente a educação destinada à democratização das sociedades, para a redução das desigualdades no acesso ao conhecimento e à cultura, com o intuito de construir maneiras de deliberação, com vistas ao interesse comum.

Assim, nos tempos dramáticos vivenciados atualmente, há dúvidas e hesitações por não se saber o que pensar, fazer nem a melhor forma de se agir enquanto docente. Indagações legítimas e necessárias são apresentadas no livro, como a necessidade da transformação da escola e da formação de professores após a pandemia e o fato de o digital não ser apenas mais uma “tecnologia”, pois instaura uma nova relação com o conhecimento. Por isso, há uma nova relação pedagógica, além de trazer uma proposta de residência docente, o que redefine o lugar e o trabalho dos professores.

Por meio de temas atuais como o futurismo da educação e a metamorfose dos estabelecimentos de ensino, é preciso (re)pensar a escola futura e o modelo adotado, a pandemia e tal instituição após esse período, assim como os docentes e seus papéis na construção de um espaço público comum da educação, na criação de novos ambientes escolares e na composição de uma pedagogia do encontro. Nesse caso, deve-se adotar políticas educativas e de organização da escola, formação continuada e indução profissional dos professores, tecnologias, entre outros (NÓVOA, 2022).

Destarte, Nóvoa (2022) se atenta à questão digital ao longo do texto e defende a impossibilidade de pensar a educação e os professores atualmente sem se reportar às tecnologias e à “virtualidade”. Com isso, convida os leitores a uma leitura necessária da obra, não apenas no que tange à formação de professores em tempos de consumismo pedagógico, mas também de solucionismo tecnológico na educação, desvelados durante a pandemia da Covid-19.

REFERÊNCIAS

NÓVOA, António. Escolas e professores. Proteger, transformar, valorizar. Salvador: SEC/IAT, 2022. [ Links ]

Recebido: 25 de Março de 2022; Aceito: 23 de Abril de 2022

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