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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-158 

Dossiê 2 - A constituição do campo da Educação Especial no Brasil: entre tempos, lugares e pessoas

I Congresso Internacional de Pedagogia dos deficientes: o Brasil na terra de Pestalozzi1

I Congreso Internacional del Niño Deficiente: Brasil en la tierra de Pestalozzi

Mônica de Carvalho Magalhães Kassar1 
http://orcid.org/0000-0001-5577-6269; lattes: 1429290076961055

Justino Magalhães2 
http://orcid.org/0000-0001-9464-6782; lattes: 8663317745937201

1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Brasil). monica.kassar@gmail.com

2Universidade de Lisboa (Portugal). justinomagalhaes@ie.ulisboa.pt


Resumo

No estudo da história do atendimento educacional direcionado à criança com deficiência, é possível identificar a existência de interlocução constante entre ideias disseminadas no Brasil e a produção científica estrangeira. Com atenção ao contexto de trocas acadêmicas, os propósitos deste artigo são: dar a conhecer a realização do I Congresso Internacional da Criança Deficiente, realizado em 1939, em Genebra; analisar os principais temas e as principais perspectivas médicas, higienistas, psicológicas, pedagógicas presentes nas comunicações e nas teses apresentadas; focalizar no evento a participação de Thiago Würth, representante brasileiro; e identificar argumentos científicos expostos. Para o desenvolvimento deste trabalho, buscou-se como fontes as atas oficiais do Congresso e dois relatos elaborados pelo representante brasileiro. Na análise do material, foi possível identificar argumentos em torno das ideias de anormalidade, delinquência, inadaptação, que se relacionam a proposições pedagógicas prescritas no período.

Palavras-chave: Infância anormal; Inadaptação; Educação Especial; Thiago Würth

Resumen

En el estudio de la historia de la asistencia educativa dirigida a niños con discapacidad, es posible identificar la existencia de un diálogo constante entre las ideas difundidas en Brasil y la producción científica extranjera. Con atención al contexto de los intercambios académicos, los propósitos de este artículo son: dar a conocer el I Congreso Internacional del Niño Deficiente, realizado en 1939, en Ginebra; enfocar la participación del representante brasileño Thiago Würth, en el evento; identificar y analizar los argumentos científicos presentes, los temas abordados y las perspectivas médicas, higienistas, psicológicas y pedagógicas que contenían las tesis en las actas del evento. Para el desarrollo de este trabajo, buscamos como fuentes las actas oficiales del Congreso y dos informes elaborados por el representante brasileño. En el análisis de este material, fue posible identificar argumentos en torno a las ideas de anormalidad, delincuencia, inadecuación, que se relacionan con proposiciones pedagógicas prescritas en ese período.

Palabras-clave: Niños anormales; Inadaptación; Educación especial; Thiago Würth

Abstract

In the study of the history of educational assistance directed to children with disabilities, it is possible to identify the existence of a constant dialogue between ideas disseminated in Brazil and foreign scientific production. With attention to the context of academic exchanges, the purposes of this article are: to raise awareness of the 1st International Congress for the Education of Exceptional Children, held in 1939, in Geneva; to analyze the main themes and medical, hygienists, psychologic, pedagogical perspectives of the presented PhD dissertations; to focus the participation of the Brazilian representative Thiago Würth, on the event; and identify scientific arguments present. For the development of this work, it was sought as sources the official proceedings of the Congress and two reports prepared by the Brazilian representative. In the analysis of this material, it was possible to identify arguments around the ideas of abnormality, delinquency, inadequacy, which are related to pedagogical propositions prescribed in that period.

Keywords: Abnormal childhood; Maladjustment; Special education; Thiago Würth

Abordagens ao tema

Os princípios da atenção educacional às crianças com deficiências2 podem ser identificados no século XVII3, quando pessoas com algumas alterações orgânicas (surdos e cegos) ou tidas, na época, como “anormais” passaram a ser foco de ações educativas. Como exemplo há diferentes casos: no século XVII, a elaboração do livro, em 1620, “Redução das Letras e Arte de Ensinar a Falar os Mudos”, do padre espanhol Juan Pablo Bonet, considerado o primeiro manual sobre a educação dos surdos (ROCHA, 2008; GODOI, 2011), a dedicação de Jacob Rodrigues Pereira, considerado por Salgueiro (2010) o primeiro educador de surdos, com o registro de suas ações em 1745 na Académie de La Rochelle, França; o trabalho do abade Charles-Michel de l’Épée para a criação do Instituto de Surdos-Mudos de Paris (1760); o empenho de Jean Marc Gaspard Itard para ensinar uma criança (chamada de Victor) achada nos bosques franceses em 1798; e a formação da primeira escola francesa para cegos (1785) com Valentin Haüy. No século XIX, temos a expansão de iniciativas em diferentes países: na Holanda datam de 1835, as primeiras instituições para crianças “anormais”; na Suíça de 1841 e, na Alemanha, de 1863. Na Suécia, as primeiras classes especiais datam de 1866 (CARLOS, 1948). Chamamos atenção à diferença entre as primeiras tentativas registradas de atenção educacional ou instrução, como as citadas aqui, e a existência de “acolhimento” a essa população, que é anterior.

Quanto à educação dessas crianças no Brasil, autores como Jannuzzi (1985, 2004), Bueno (2004), Rafante e Lopes (2013) mostram que esta ocorreu no desenvolvimento da escolarização no país, mesmo que em grande medida separada da escola comum, especialmente para as crianças consideradas mais afetadas pela deficiência.

Sabe-se que a instrução pública foi restrita no Brasil até meados do século XX, pois era grande a parcela da população que vivia nas regiões rurais e a organização da economia não solicitava força de trabalho escolarizada (RIBEIRO, 1979; JANNUZZI, 1985, 2004). O crescimento do número de escolas públicas ocorreu com a matrícula da população brasileira que vivia nos centros urbanos ou próxima a eles. A atenção escolar às crianças com deficiência no país ocorre nesse contexto, em meio à percepção da escola como instrumento essencial para garantir a “reconstrução nacional”, na formação do Brasil republicano (MANIFESTO, 1932) e à disseminação da visão eugenista/higienista com os serviços médicos escolares (MONARCHA, 2007), fomentada, entre outros, pelos Arquivos Brasileiros de Higiene Mental e pelas ligas de higiene mental das diferentes regiões do país, como a Liga Paulista de Higiene Mental (SERRA; SCHUCMAN, 2012) e a Liga de Higiene Mental de Pernambuco (PROF. ULYSSES PERNAMBUCANO, 1944).

Grande parte dos países europeus universalizava a instrução obrigatória em período anterior (entre final do século XIX e início do XX) e alunos que não apresentavam o rendimento esperado passavam a ser foco de pesquisas, como as de Alfred Binet (1857 - 1911) e Theodore Simon (1872 - 1961), que iniciaram seus trabalhos com o governo francês de mensuração da inteligência das crianças matriculadas em suas escolas (ROTA JUNIOR, 2016) e publicaram em 1905 uma escala métrica, para mensurar a inteligência, de acordo com a idade (idade mental). O propósito era selecionar candidatos a classes especiais (MICHELET; WOODILL, 1993). Para Binet e Simon, o conjunto de testes foi ajustado de modo a incluir a gama de manifestações intelectuais, desde o mais baixo, o mais elementar (BINET; SIMON, 1905 apud ROTA JÚNIOR, 2016)

No Brasil, Clemente Quaglio (1872-1948) conduziu a aplicação da escala na capital paulista e publicou posteriormente “A solução do problema pedagógico social da educação da infância anormal de inteligência no Brasil”, em 1913 (MONARCHA, 2007), também com o objetivo de separar alunos considerados aptos à frequência escolar em salas de aulas comuns dos “não aptos”, que deveriam ser encaminhados a classes especiais. Este trabalho mereceu observação de Claparède (1924, p. 84): Au Brésil la pédologie est peu représentée; à S. Paulo, Quaglio, auteur d’un Compendio de pedologia (1911) travaille à son développement4. Claparède (1924) ainda acrescenta que, em 1897, Medeiros e Albuquerque criaram no Rio de Janeiro, um laboratório de psicologia experimental, mas que não sobreviveu a duras críticas.

A classificação das pessoas, no caso - alunos -, configura-se dentro da perspectiva de construção do conhecimento científico. Michelet e Woodill (1996) registram diversas ações, desde o século XVIII, sob a perspectiva nosológica.

Com o avanço da Pedagogia Científica, o olhar da identificação/do diagnóstico para racionalização e adequação da organização das salas de aula toma impulso e para isso foi imprescindível o envolvimento de médicos e psicólogos, como na implantação do laboratório de Pedagogia experimental em São Paulo, pelo médico italiano Ugo Pizzoli (1863-1934). Pizzoli, afirma Centofanti (2002) citando como fonte Ortensi (1901), foi uma das referências na constituição da Pedagogia Científica italiana, no século XIX, juntamente a Antonio Marro e Costantino Melzi.

Marro teria colocado em foco as leis do desenvolvimento humano, Melzi avançaria para a institucionalização do primeiro laboratório de antropologia científica naquele país, em Arona, no ano de 1897. Ugo Pizzoli, em Crevalcore, cria o primeiro laboratório de Pedagogia experimental, em 1899 (CENTOFANTI, 2002, p. 73).

Pizzoli chega ao Brasil em 1914 e suas orientações foram publicadas em revista de educação paulista da época, de circulação entre os professores. Abaixo, o trecho orienta os docentes sobre a identificação dos alunos “anormais”:

O aspecto externo (atitude geral, a fisionomia, o vestuário, a postura espontânea) caracteriza e revela a condição psicológica da criança [...] O primeiro cuidado do professor será distinguir o typo intelligente normal médio do typo débil de espírito (imbecilidade, deficiências por paradas de desenvolvimento, atrasos, etc.) (PIZZOLI, 1914, p. 2)5.

Passagens pela história da educação brasileira como essas dão o indicativo de interlocução constante entre ideias disseminadas no Brasil e a produção científica estrangeira, de modo a pensar se e como tais ideias relacionam-se a ações brasileiras de atendimento educacional da criança com deficiência; aquela criança considerada à época como “anormal”.

A interlocução, especialmente com a Europa, para tomada de decisões no Brasil, foi identificada em situações evidentes no Período Imperial brasileiro. Reily et al. (2018) narram:

No seu processo modernizador, o governo brasileiro voltava seus olhos para Paris, onde havia o modelo do Hospital Salpetrière (para mulheres) e o Hospital Bicêtre para homens. Nos textos dos médicos brasileiros, estes espaços são referidos como inspiração para o tratamento de alienados no Brasil. Inclusive a Lei francesa de alienados (18/12/1839) é usada na escolha de lugar e na organização dos serviços institucionais, não somente para alienados também no caso do Asilo dos Inválidos da Pátria (REILY et al., 2018, p. 81).

Outras passagens registram visitas de profissionais brasileiros a instituições estrangeiras e/ou a influência de discussões na Europa e nos Estados Unidos para a organização pedagógica no Brasil, como no caso da educação de surdos (LACERDA, 1998).

Dentre os loci de interlocução a respeito da educação da criança com deficiência, identificamos a realização em 1939 do I Congresso Internacional de Pedagogia dos deficientes, evento em que participou um representante brasileiro, com indicação do ministro da educação brasileira à época, Gustavo Capanema.

Com atenção ao contexto de interlocução acadêmica, os propósitos deste artigo são dar a conhecer a realização desse evento, focalizar no Congresso a participação de Thiago Würth, representante brasileiro, e identificar argumentos científicos presentes.

Restauro de um caminho percorrido

Este estudo compõe uma pesquisa que pretende conhecer e analisar as relações entre fontes estrangeiras e a constituição de ações e legislação educacional para crianças “anormais” no Brasil e em Portugal. Para o desenvolvimento deste texto, direcionamos nosso olhar aos relatórios do I Congresso Internacional de Pedagogia dos deficientes. Localizamos os anais oficiais do Congresso e dois relatórios elaborados em língua portuguesa pelo representante brasileiro. Aquele primeiro documento encontra-se na biblioteca da Vrije Universiteit em Amsterdam6 e os elaborados em português na biblioteca particular de Helena Antipoff (1892-1974)7, na Fazenda do Rosário, em Ibirité - Minas Gerais, Brasil.

Os materiais encontrados nos auxiliaram a delimitar o período investigado, já que, muitas vezes, os períodos definidos para uma investigação histórica são hipóteses de trabalho, que podem permanecer ou não, diante do universo a ser conhecido (SAVIANI, 2007). Dessa forma, o corte temporal formou-se em torno do período de realização do Congresso - período imediatamente anterior à eclosão da Segunda Guerra Mundial. As atas oficiais datam de 1940 sobre o evento ocorrido em 1939 e, quanto às datas da publicação dos relatos em português, no primeiro, esse registro não foi localizado, e o segundo data de 1944. São textos diferentes sobre um mesmo tempo e lugar.

Para a análise das fontes documentais, concebemos o “discurso” como “a língua em sua integridade concreta e viva” (BAKHTIN, 1988, p. 157). Os diferentes textos registram discursos e estes, por sua vez, são como correntes de transmissão da história da sociedade à história da língua (BAKHTIN, 1992). Por esta perspectiva, entendemos que quando um texto, como o de Ugo Pizzoli, é traduzido e publicado em 1914, em revista de circulação entre professores da instrução pública do estado de São Paulo (Brasil), ao mesmo tempo traz o olhar de uma época sobre uma determinada população (no caso - a criança “anormal”) e dissemina esse olhar, induz e justifica uma ação pedagógica a essa mesma população.

As fontes

O primeiro documento localizado é um relatório conciso, de autoria de Würth, sem indicação da data de impressão, com o título “Na terra de Pestalozzi - 1º Congresso Internacional de Pedagogia dos Deficientes em Genebra” (WÜRTH, s.d.), que, como referido, se encontra na biblioteca pessoal de Helena Antipoff.

O segundo documento, datado de 1940, é o conjunto integral de textos (relatórios) apresentados no I Congresso Internacional para a educação/pedagogia da infância deficiente/ criança excepcional (educação curativa) (traduções livres). As atas, com textos em alemão, francês ou inglês, trazem registros dos pesquisadores participantes do evento referido no impresso de Würth (s.d.), que ocorreu em 1939 na Suíça, sob a organização de Heinrich Hanselmann e Therese Simon.

O terceiro denomina-se A organização da assistência aos deficientes em vários países, também localizado na biblioteca pessoal de Helena Antipoff, em Ibirité. Trata-se de mais um relatório elaborado por Würth, com resumo de relatos de outros participantes, que seriam as segunda e a terceira partes dos anais. Data de 1944 e foi impresso pela Livraria do Globo (Porto Alegre e Santa Maria).

Figura 1: Primeiro documento  

Figura 2: Segundo documento  

Figura 3: Terceiro documento 

Fios tecidos de uma viagem: uma associação, um congresso

Entre meados do século XIX e início do XX, uma proposta de educação vai se constituindo como campo de estudo. Trata-se da Pedagogia Terapêutica ou Pedagogia Curativa. Em 1861, Jan-Daniel Georgens (1823-1886) e Heinrich Marianus Deinhardt (1821-1880) publicam uma obra, em dois volumes, denominada Die Heilpädagogik. Mit besonderer Berücksichtigung der Idiotie und der Idiotenanstalten8 (GEORGENS; DEINHARDT, 1861a; 1861b), que marcou o início da pedagogia terapêutica/curativa alemã e a consolidação do termo Heilpädagogik - Pedagogia Terapêutica ou Pedagogia Curativa (MOREU, 2009).

Inspirado na obra de Georgens e Deinhardt, Theodor Heller9 construiu seu trabalho e publicou, em 1904, Grundriss der Heilpädagogik10, em que oferece as bases da Pedagogia Terapêutica/Curativa e a situa entre a Educação e a Psiquiatria. O processo de consolidação dessa nova área do conhecimento ocorre com a realização de congressos na Alemanha, entre 1922 e 1930 (MOREU, 2009).

Em 1937, o trabalho de Heller e seu empenho foram fundamentais para a formação de uma associação denominada de Sociedade Internacional de Educação Terapêutica/Curativa11, ou, como traduziu Würth (s.d.) do francês, Sociedade Internacional para a Pedagogia da Infância Deficiente. Theodor Heller, morto em 1938, foi nomeado presidente de honra da associação e lembrado no discurso abertura do Congresso por Hanselmann (HANSELMANN; SIMON, 1940). A associação foi constituída por pesquisadores do campo de estudo que estava sendo construído como “pedagogia terapêutica/curativa” e Heller passa a ser reconhecido como “pai da pedagogia terapêutica moderna” (HANSELMANN; SIMON, 1940).

A organização de uma associação internacional indica que trabalhos sob a perspectiva da Pedagogia Terapêutica/Curativa não se circunscreveram à Alemanha, mas ultrapassaram os limites daquele país. Nas traduções para a língua espanhola do manuscrito de 1929 “Los problemas fundamentales de la defectología contemporánea” de Vygotski (VIGOTSKI, 1995; VYGOTSKI, 1997), há referências a trabalhos apresentados no primeiro congresso alemão, indicando a interlocução entre estudiosos no início do século XX.

Moreu (2009) registra a institucionalização universitária do campo quando Hanselmann chega à primeira Cátedra de Pedagogia Terapêutica na Universidade de Zurique, em 1931.

Informa Würth (s.d.) que a sociedade organizada em 1937 mantinha cursos de especialização, institutos de pesquisas, publicava e/ou patrocinava a publicação de boletins e de estudos e passou à organização dos congressos internacionais. O primeiro ocorreu em 1939, em Genebra, e o segundo ocorreria nos Países Baixos, em 1941. Com a eclosão da II Guerra, o segundo encontro foi realizado apenas de 18 a 22 julho de 1949, em Amsterdam (2e CONGRÈS...). Percebe-se que a Guerra interrompeu trajetórias de transversalização, em torno da noção de Educação Especial, como desafio à interdisciplinaridade.

O foco deste artigo é justamente o primeiro evento e a participação do representante brasileiro Thiago Würth.

O Congresso - Da Inadaptação

O I Congresso Internacional para a educação/pedagogia da infância deficiente (HANSELMANN; SIMON, 1940) ocorreu em Genebra, de 24 a 26 de julho de 1939. Suas atas documentam a participação de cerca de 300 participantes provenientes de 32 países: Alemanha, com 13 participantes; Bélgica com 8; Brasil com 1; Canadá: 1; China: 1; Cuba: 2; Dinamarca: 3; Egito: 2; Espanha: 1; Estados Unidos: 7, Finlândia: 2; França: 2; Holanda: 26; Hungria: 12; Irã: 2; Islândia: 1; Itália: 1; Iugoslávia: 1; Letônia: 1; Lituânia: 3; Luxemburgo: 5; Noruega: 1; Palestina: 1; Polônia: 1; Portugal: 2; Reino Unido: 2; Romênia: 2; Santo Domingo: 1; Suécia: 19; Suíça: 179; Turquia: 1 e Uruguai: 1.

Dentre os participantes, ressaltam-se as presenças de pesquisadores já muito conceituados como Édouard Claparède. Würth registra especialmente as presenças Jean Piaget, Bovet, Descoerdres, Simon (Suiça), Bailey Creak (Inglaterra), Victor Fontes e Oliveira Guimarães de Portugal, E. Verdesio (Uruguay).

A finalidade principal do congresso seria “a articulação da Sociedade Internacional para a Pedagogia dos Deficientes com representantes da Pedagogia Terapêutica” e dos institutos de “Assistência ao Menor Excepcional” para um estudo conjunto dos problemas e intercâmbio de observações (WÜRTH, s.d., p. 1).

Pelos registros das atas, alguns participantes foram convidados a apresentar seus trabalhos, de modo que é possível encontrar descrições sobre a educação especializada em diferentes países e, também, textos acadêmicos com relatos de pesquisas, como o trabalho de Jean Piaget L´importance de la psychologie expérimentale pour la détermination des enfants déficients.

Na conferência de abertura, Edouard Claparède fez uma breve síntese da evolução da pedagogia terapêutica/curativa. Desde o último quartel final do século XIX, a psicopedagogia dos “anormais” havia se tornado ciência com base na anatomo-patologia, dando já os primeiros passos na electroencefalografia, combinando neurologia, biologia e psicologia. Da noção de que a hereditariedade era fatal havia-se evoluído para tomar a hereditariedade como condicional e poder resolver problemas. Para resolver casos específicos, tornava-se necessário conhecer a psicologia geral; por sua vez, o conhecimento dos casos faz avançar a psicologia geral e o próprio conhecimento da patologia mental. Em suas palavras:

La tâche qui nous incombe est donc double: d’une part, nous devons tirer parti, pour l’étude des cas qui nous sont confiés, des données acquises de la psychologie; d’autre part, l’étude de ces cas devra à son tour nous servir à perfectionner - il vaudrait mieux dire à bâtir - la science psychologique et la pathologie mentale (CLAPARÈDE, 1940, p.16)12.

Neste domínio do conhecimento, entendia Claparède que era inevitável tatear, construindo a ciência pedagógica e a patologia mental, recorrendo à psicopatologia no exame da deficiência com recurso aos testes. O exame dos alunos “anormais”, por meio dos testes, depende da psicologia geral. Nesse sentido, os testes revelavam-se fundamentais, pois ao identificar e fornecer os escores, permitiam organizar a intervenção, enquanto experiência e experimentação.

Mesmo com a noção de fatalidade hereditária sendo relativizada, como pode ser verificada no trabalho do Professor Szondi, da Universidade de Budapest, participante do Congresso de 1939, que levanta questionamentos sobre a “certeza científica” do papel da hereditariedade na definição da inferioridade humana, é possível identificar marcas evidentes de ideias higienistas, com a preocupação da higiene mental (TRAMER, 1940) ou na profilaxia das “doenças nervosas e mentais” pela pedagogia especializada (WENRSTEDT, 1940), referências a “crianças em perigo moral e social” e à “criminalidade juvenil” (SIEVERTS, 1940)

Vasconcelos, em artigo escrito em 1922 sobre os congressos higienistas de 1921 e 1922, esclarece que Eugenia foi concebida por Galton e, da Inglaterra, o movimento irradiou para diferentes países. “Na França fundou-se em 1912 uma ‘Sociedade francesa de Eugenia’, em 1913 um ‘Comité italiano para os estudos eugénicos’, na Dinamarca em 1913 uma ‘Secção eugenia’ no comité antropológico dinamarquês, na Argentina em 1916 e no Brasil em 1918 Sociedades de Eugenia” (VASCONCELOS, 2006, p. 112).

No entendimento de Vasconcelos (2006, p. 112), “Galton definiu a Eugenia como o estudo das influências acessíveis à acção social que podem corrigir ou melhorar as qualidades de raça das gerações futuras”.

A Eugenia assenta como princípios basilares que: a) a hereditariedade desempenha um papel muito mais considerável do que se suspeitava no desenvolvimento do indivíduo e na evolução duma raça, sendo superior à influência exercida pelo meio; b) a raça humana não tem melhorado desde os tempos históricos; c) é possível vigiar e dirigir a evolução humana e facilitar o seu melhoramento por métodos e processos de selecção e eliminação inteligentes, impedindo a reprodução dos tarados e favorecendo a dos melhores. (VASCONCELOS, 2006, p. 113).

Essa perspectiva é evidente na abordagem adotada por participantes do Congresso de 1939, como o Professor Wernstedt da Suécia, já por nós referido anteriormente, quando, em trabalho sobre a profilaxia das doenças nervosas e mentais pela pedagogia especializada para deficientes, apresenta como recursos principais: a esterilização, a propagação da higiene mental, a mudança de ambiente para indivíduos em perigo e a luta contra os males sociais (WURTH, s.d.).

Às ideias de melhoramento genético fundem-se outros conceitos da Biologia, como a noção de adaptação - inadaptação. A noção de inadaptado, frequente desde final do século XVIII, pressupõe uma normalidade que corresponde ao equilíbrio entre o natural e o psicológico dos indivíduos. A inadaptação também corresponde à desarmonia entre os indivíduos e o ambiente. Para a sociedade moderna, inadaptação tem sido tomada como o que impede um indivíduo de se integrar e ser reconhecido como válido (DURKHEIM, 2004). A não integração impede o indivíduo de participar na evolução da sociedade com manifesto condicionamento para si e alheamento por parte dos outros. Como em todos os seres vivos, no humano, a relação primária do círculo funcional, vital, é entre o meio que atua pelo sistema receptor e o organismo que reage. No humano, recepção e ação surgem mediados pela intenção e pela linguagem. A inteligência e a personalidade participam e refletem esta interação. O desenvolvimento mental coordena a interação. Numa acepção simplificada, a personalidade é definida pelo “conjunto das relações que unem ao meio, e o meio é ele próprio constituído por essas relações” (MAISTRE, 1978, p. 261).

O crescimento é visto como um processo complexo de desequilíbrio e harmonização que “met l’organisme dans un état d’equilibre instable13” (CLAPARÈDE, 1951, p. 114), no qual podem surgir perturbações orgânicas, mais ou menos graves. Com efeito “les divers organes sont solidaires; l’évolution de l’un détermine ou régularise l’évolution d’un autre” (CLAPARÈDE, 1951, p. 114) pelo que a anomalia de um órgão influencia de modo anormal o desenvolvimento. Frequentemente as anomalias são acompanhadas de lesões desintegradoras do equilíbrio na evolução. As perturbações de crescimento podem respeitar à motricidade e ao sistema receptor, à inteligência, ou ao carácter. Uma vez caracterizada a perturbação, no plano qualitativo, torna-se necessário do ponto de vista científico e com vista à melhoria, determinar o grau de disfuncionamento “la question se pose de savoir de combien d’années l’enfant est arriéré, C’est pour établir ce diagnostic que Sanctis, Binet et d’autres ont édifié des tests d’intelligence par niveaux d’âge” (CLAPARÈDE, 1924, p. 230)14.

Outra perspectiva direcionada aos “anormais” - também presente no Congresso de 1939 - é a crença no trabalho educativo, na ação do ambiente sobre o indivíduo, que está nas origens da educação especial. No prefácio a Mémoire sur les premiers développements de Victor de l’Aveyron, caso que acolheu e acompanhou entre 1801 e 1806, Jean Itard deixou manifesto que o humano não emerge diretamente da natureza:

Jeté sur ce globe sans forces physiques et sans idées innées, hors d'état d'obéir par lui-même aux lois constitutionnelles de son organisation, qui l'appellent au premier rang du système des êtres, l'homme ne peut trouver qu'au sein de la société la place éminente qui lui fut marquée dans la nature, et serait, sans la civilisation, un des plus faibles et des moins intelligents des animaux […] Dans la horde sauvage la plus vagabonde comme dans la nation d'Europe la plus civilisée, l'homme n'est que ce qu'on le fait être; nécessairement élevé par ses semblables, il en a contracté les habitudes et les besoins; ses idées ne sont plus à lui; il a joui de la plus belle prérogative de son espèce, la susceptibilité de développer son entendement par la force de l'imitation et l'influence de la société. (ITARD, 2002, p. 8)15.

O médico Jean Itard salientava, deste modo, o papel da interação social no desenvolvimento humano através da educação. Sem o estímulo social, Victor d’Aveyron manteve-se no estado primário da sobrevivência, incapaz de reconhecer os objetos que não faziam parte do habitat em que cresceu.

Edouard Séguin, também médico e que conviveu com Jean Itard, estruturou um sistema de educação da inadaptação mental, estimulando o desenvolvimento da inteligência e da personalidade no âmbito de permutas entre o organismo e o meio físico e social, entre o eu e o mundo que o rodeia. (MAISTRE, 1978, p. 260). Em 1840, fundou, em Paris, uma escola destinada a indivíduos com distúrbios mentais e, em 1848, fixou residência nos Estados Unidos da América. Séguin distinguiu entre o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico; concebeu um programa de exercícios e treino destinado a fazer funcionar os sentidos - a educação sensorial.

Essas perspectivas - inadaptação, higienismo, educação - convivem com e relacionam-se ao instrumento de medição criado por Alfred Binet, que combina o grau de instrução com o grau de cognição, através da associação de ideias e da abstração, e que permitiu estabelecer a Escala Métrica da Inteligência. Esta Escala sofreu sucessivas formulações, tendo-se generalizado como Quociente Intelectual. A sua aplicação “permitiu a descoberta e identificação das crianças deficientes mentais e a criação, em 1909, das Classes de Aperfeiçoamento” (MAISTRE, 1978, p. 269). Nas décadas seguintes, o Quociente Intelectual foi um meio muito utilizado em toda a Europa e, também, nos Estados Unidos da América. Baseava-se na gradação de fatores de cognição. Um dos aspectos críticos que, não raro se tornou evidente era a discrepância entre o nível mental e o nível de aquisições escolares. Não só havia crianças cujas aquisições escolares não eram correspondidas nas aquisições específicas de leitura, escrita ou outras, quanto o nível de Quociente Mental nem sempre correspondia a um grupo homogêneo de aquisições.

O Congresso de 1939 incidiu fundamentalmente sobre inadaptação, mensuração, educação e terapia. Um movimento generalizado, a partir da década de 30, foi a institucionalização dos inadaptados.

A participação do Brasil

A brochura “Na terra de Pestalozzi - 1º Congresso Internacional de Pedagogia dos Deficientes em Genebra” (WÜRTH, s.d.), conta, logo na introdução, com uma cópia de uma correspondência datada de 21 de dezembro de 1939 do professor Hanselmann, presidente do congresso, endereçada a Gustavo Capanema, Ministro da Educação do Brasil à época, agradecendo a participação brasileira no evento.

Je vous prie de vouloir bien excuser qu’à la suite des évènements en Europe ma réponse à votre aimable lettre du juillet 1939 vous parvienne si tardivement. Permettez-moi de vous exprimer aujourd’hui toute ma gratitude d’avoir désigné comme delegué à notre Congrès Monsieur le Professeur Thiago M. Wurth, directeur de l’Institut Pestalozzi à Canôas. Le Congrès fut un grand succès; nous permettons de vous envoyer par le même courrier comme imprimé les résultats et un mémorandum.

Monsieur le Professeur Wurth a porté un intérêt tout spécial à nos travaux, et nous vous félicitons de ce délégué. Les participants au Congrès ont appris avec admiration les efforts que fait votre gouvernement, suivant vos conseils, pour améliorer le sort des enfants anormaux. Nous sommes heureux de constater que vous avez à votre disposition une personnalité du rang de Professeur Wurth qui joint à une connaissance approfondie de la matière autant d’élan que d’amour pour les enfants.

Nous espérons que nos documents peuvent vous convaincre de la nécessité de nos efforts. C’est pourquoi nous nous permettons de vous prier de nous garder votre intérêt bienveillant aussi dans l’avenir.

Veuillez agréer, Monsieur le Ministre, l’expression de ma haute considération.

Le Président:

H. Hanselmann, Dr. Phil.

Professeur à l’Université de Zurich16.

Würth (s.d.) registra o início de seus trabalhos com a fundação, em 1927, de um externato em Porto Alegre, que foi transferido para Canoas (RS) em 1929 - o Instituto Pestalozzi de Canoas, no Rio Grande do Sul, identificado por Lemos (1981), Jannuzzi (1985) e Mazzota (1996) como uma das primeiras instituições privadas direcionadas à educação de crianças e adolescentes com deficiência intelectual no Brasil. Sousa (2018, p. 24) informa que ali foi iniciado um trabalho de educação a crianças com “deficiência moral ou [...] problemas de conduta”; nas palavras de Würth (1944, p. 21) “os casos tratados foram os deficientes físicos, mentais e psíquicos, predominando nas manifestações as deficiências do caráter” .

Würth (s.d.) relata que em maio de 1939 recebera um ofício da Sociedade Internacional para a Pedagogia da Infância Deficiente, com sede em Zurique, com convite para participar do 1º Congresso de Pedagogia Especializada, no Palácio de Wilson (antigo palácio da Liga das Nações, atualmente Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos), em Genebra. Recebera anteriormente um convite oficial do Ministério da Educação brasileiro e, também, fora contemplado, pelo Ministro do Exterior, com subsídios para a realização da viagem:

Como a este convite se antecipara um convite oficial ao Ministério da Educação, o sr. Ministro Capanema, e honrou com a representação do Brasil, já que eu tinha dedicado a minha vida de educador justamente aos menores deficientes, para os quais fundei, em 1927, o Instituto Pestalozzi (WÜRTH, s.d., p. 1)

Da participação do professor Würth, havia a expectativa de um relato sobre a situação da “assistência aos menores deficientes” no Brasil, como foi solicitado aos participantes de diferentes países: “o sr. Presidente do Congresso, Professor Dr. Henrique Hanselmann, marcou-me como tese, um relatório sobre a Assistência aos Menores Deficientes no Brasil e especialmente na instituição que criei” (p. 1).

Würth (s.d.) narra que elaborou o relatório durante sua viagem em três línguas: português, alemão e francês, já que as línguas oficiais do congresso seriam o francês, o alemão e o inglês. Informa, ainda, que leu sua tese duas horas após sua chegada a Genebra.

Cabe esclarecer que nem todos os trabalhos apresentados foram publicados, embora registrados nos índices dos anais. Alguns deles trazem a advertência de que, a despeito do título na lista de conteúdo, os manuscritos não foram recebidos. Dentre os que estão nessa condição identifica-se o relatório do representante brasileiro Thiago Würth. Na lista de trabalhos, há apenas o título de sua apresentação: Educação terapêutica/Curativa na América do Sul (Heilpädagogik in Südamerika). Essa ausência causou-nos estranhamento, já que havíamos localizado seu breve relatório da viagem realizada em 1939, “Na terra de Pestalozzi”, com resumos de várias apresentações e com a cópia da correspondência de Hanselmann a Capanema, referindo-se ao relato do colega brasileiro.

Uma correspondência, datada de 20 de dezembro de 1943, de Würth endereçada a Helena Antipoff pode fornecer-nos pistas para a ausência do relatório brasileiro nos anais. Na carta, Würth refere-se que, no retorno ao Brasil de sua viagem ao Congresso, foi acometido de forte “dôr e [...] desespero”, devido ao fato de ter parentes vivendo na Europa em guerra e, em sua breve visita à Suíça para o evento, presenciar horrores que o fez reviver situações testemunhadas durante a Primeira Guerra, quando estava na Europa, em 1914, para estudos de filologia. Essa situação pessoal, e mesmo a situação de guerra, pode ter impedido o envio posterior do relatório de Würth para publicação.

Ainda quanto à participação brasileira, o que nos foi possível verificar até o momento é que o tema de Würth registrado nos anais oficiais - “Educação curativa/terapêutica na América do Sul” - é diferente do apresentado em sua versão do congresso, que está na brochura organizada por ele em 1944. Neste, o título é “Assistência aos deficientes”, em que enfoca a situação brasileira e a experiência de sua escola em Canoas, RS.

Nos registros de Würth (s.d.), consta-se, ainda, que Hanselmann autorizou a tradução das suas obras fundamentais, como seu “Compêndio de Pedagogia Terapêutica” para o português, com desistência dos direitos autorais.

O relatório de Würth pretendeu ser um resumo das teses dos países participantes apresentadas e debatidas no evento. Relata que após a apresentação dos países, houve a apresentação das organizações assistenciais e dos institutos especializados, registrando que eram em grande número na Suíça onde, segundo o autor, “assistência aos menores é verdadeiramente modelar”. Da viagem, Würth (s.d.) volta com uma certeza:

Dos dias inesquecíveis do congresso guardo, para o prosseguimento de meus trabalhos em Canoas, a lembrança preciosa da confirmação das minhas teorias pelas maiores figuras da pedagogia na atualidade, - e a do quadro tétrico do início da guerra universal, lembrança esta que mais e mais me levará a dedicar todo o meu amor e todos os meus sonhos de futuro, ao nosso Brasil, no qual a esperança de tempos melhores não é uma utopia. (WÜRTH, s.d., p. 2).

Na busca de peças de um quebra-cabeça

Temáticas presentes no congresso ou seus argumentos parecem assemelhar-se às contidas na literatura encontrada no Brasil, como nos trechos registrados no início deste trabalho, e em Portugal, especialmente em revistas como A Criança Portuguesa e nos boletins das Conferências da Liga Portuguesa de Profilaxia Social.

Especificamente no Brasil, a instalação da República trouxe consigo a perspectiva de adoção da instrução pública como marca civilizatória, forma e meio de construção de um país moderno, tal qual assinalou Anísio Teixeira em uma apreciação elaborada sobre uma obra de Carneiro Leão17 a respeito da possibilidade de implantação de uma “escola única” para todo o país. A despeito das críticas a alguns argumentos da obra, nessa pequena nota, publicada em 1924 na Revista do Ensino, Anísio Teixeira evidencia a expectativa existente no início do século XX sobre a escola. Esta seria

o apparelho magico destinado a dar a todos os homens o pleno desenvolvimento de suas faculdades. [...]. A perfeita unidade da cultura e o seu perfeito desenvolvimento creariam a perfeita unidade e a perfeita grandeza nacionaes. Tal edificio grandioso e simples de instrucção abriria para esse paiz privilegiado o maior caminho de todos os tempos para a republica, para a democracia e para a felicidade nacional. (TEIXEIRA, 1924, n.p.)

A expectativa modernizante, por sua vez, carregou algumas marcas como a valorização da higiene, como forma de prevenção e tratamento de doenças e de fortalecimento dos corpos, e a crítica à educação desvinculada de sua praticidade. Maciel (1999) esclarece que a “valorização da higiene” confundiu-se às ideias de saneamento, higiene e eugenia, de modo que, em congressos ou publicações, nas orientações de saúde à população é possível encontrar em um mesmo discurso “propostas no sentido de introduzir a educação física nas escolas com a proibição de casamentos” (MACIEL,1999, p. 134), sob a perspectiva eugenista. Essa preocupação está evidente também em publicações e orientações em Portugal, como na Reforma do ensino primário de 1901.

Todos os paizes civilisados reconhecem hoje a necessidade de organisar a minuciosa e completa inspeção hygienica dos estabelecimentos escolares, empregando os mais louvaveis esforços, numa constante e universal preoccupação pelos interesses da infancia, e alguns delles possuem já essa inspecção nitidamente definida, fundada sôbre bases que quasi realisam a perfeição, incumbindo-a a funccionarios de educação especializada. (DECRETO, 1901).

Essas ideias relacionaram-se também à educação de crianças com deficiências. Trabalhos registrados neste artigo indicam a existência de um rico intercâmbio entre pesquisadores, no início do século XX, e a tentativa de formação de um modo de entender a deficiência e pensá-la nos padrões de modernidade da época, especialmente na possibilidade de organização de procedimentos educacionais (instrução pública). O material encontrado tem fortalecido a ideia de que a educação de crianças “anormais” se constituiu como campo de atenção da educação escolar (instrução pública) com a República (tanto no Brasil, em 1889, como em Portugal, em 1910). Hobsbawn (1989) afirma que o período compreendido 1870 a 1914 foi a era da escola primária, momento em que alguns países europeus universalizaram a instrução obrigatória. Para Justino Magalhães (2010, p. 61), o processo de escolarização nesse momento, ocorreu “sob o paradoxo de regenerar os indivíduos e transformar as sociedades, salvaguardando a tradição e construindo a normalidade”. Esse paradoxo passa a estar impresso na proposição de uma educação voltada às crianças consideradas anormais.

A educação está na base da Modernidade, na base da sociedade organizada pelo contrato social. A instituição escolar é, portanto, lócus social em que as características da sociedade que a comporta estão presentes. Pensamentos como o higienista ou de modernização social (representado no movimento da Escola Nova) encontraram na instituição escolar acolhimento especial. Como parte do movimento social, a escola sofre/refrata/formata diferentes olhares sobre a criança que recebe. O olhar para a criança que é “educada”, foco da educação escolar, ou para aquelas que foram os impertinentes para a escola - os “anormais” - é marcado por esses diferentes pensamentos. Da síncrese de crianças “anormais” ou “delinquentes”, para a gradação de crianças “inadaptadas”, com base no QI, até à diferenciação científica, à institucionalização e especialização decorreu um processo médico-psicológico-pedagógico deflagrado no Congresso de 1939. Este Congresso decorreu em um quadro de balanço e busca de novos métodos. O movimento entre essas perspectivas aproxima a ideia de pobreza, debilidade e deficiência nas explicações científicas sobre o comportamento humano na literatura da época, assim como nas ações empreendidas nos diferentes países. No Brasil, Lopes, em 1930, apresentou em seu artigo Menores Incorrigíveis três medidas de “profilaxia” à delinquência: “combater o alcoolismo e a syphilis dos procriadores, evitação da união de indivíduos tarados e segregação e esterilização dos degenerados de acordo com o parecer de comissões técnicas” (LOPES, 1930 apudCOSTA, 1976, p. 45). Tais procedimentos também são encontrados nos relatórios de Wenrstedt (1940) e Szondi (1940), ambos participantes do Congresso de 1939. Entre os “degenerados”, estava a população com deficiência mental/intelectual. Artigos semelhantes são encontrados nas conferências proferidas na Liga Portuguesa de Profilaxia Social.

A persistência na organização de espaços diferenciados, a partir da identificação do aluno “anormal”-“delinquente”-“inadaptado”, é uma constante nas diferentes proposições. Como já analisado anteriormente (KASSAR, 2013), classes e escolas especiais foram propostas seguindo princípios de homogeneização racional e especialização técnico-científica, princípios estes presentes no assentamento da escola como instituição de instrução universal (MAGALHÃES, 2010). Nesse percurso,

os alunos foram homogeneizados em turmas e graduados por classes, conforme ao aproveitamento; os materiais, meios, processos didácticos foram seleccionados e adaptados; o horário escolar foi ordenado e regulado de acordo com a natureza das matérias e o funcionamento organizacional da escola. (MAGALHÃES, 2010, p. 442).

Dentro de determinadas regras organizacionais, dentre elas a separação de alunos, o processo educativo traria mais benefícios a todos, seguindo os preceitos da ciência médico-pedagógica de vários países. Esta posição está claramente exposta na proposta de procedimentos para a formação de classes especiais, na proposição de uma pedagogia especializada (WAWRZYNOWSKI, 1940) e nas características de formação de professores especialistas (MOOR, 1940). Está, também, materializada em números apresentados por Victor Fontes, em período pós-guerra. Estes mostram que em 1948, haveria na Dinamarca 13.000 crianças “anormais mentais”, assistidas em estabelecimentos diferenciados; nos Países Baixos haveria 150 escolas e 10 internatos para “débeis mentais”. Na Suécia, haveria 2.500 crianças com quociente intelectual entre 40 e 70, que eram assistidas em escolas especializadas e 6.000 outras frequentavam 500 classes especiais, com quociente intelectual entre 70 e 80. Haveria ainda cerca de 5.000 crianças consideradas ineducáveis internadas em estabelecimentos adaptados. Na Suíça, haveria 5.000 crianças em classes especiais (FONTES, 1948, p. 83).

Lembramos que essa perspectiva estava disseminada bem antes do período do congresso de 1939. Como exemplo, em Portugal, Faria de Vasconcelos (1880-1939), em conferência proferida no 1º Congresso Nacional Cooperativista promovido pela Federação Nacional das Cooperativas, em 1921, sobre a organização e o funcionamento de escola tipo, descreve, dentro das atividades do serviço de inspeção médico-escolar como uma das atribuições do médico, “a eliminação das crianças anormais” e “indicação do regime de vida para as crianças débeis” (VASCONCELOS, 2006, p. 24).

Essas posições devem ser entendidas dentro da perspectiva de modernização a que se refere Magalhães (2010). O próprio Faria de Vasconcelos esclarece os fundamentos de suas propostas ao falar sobre o Instituto de Orientação Profissional de Lisboa, em um círculo de conferências organizadas pela Liga Portuguesa de Profilaxia Social. Em 192918, Vasconcelos afirma: “Em todos os países cultos os problemas da orientação e da seleção de profissionais, da organização científica do trabalho estão no primeiro plano, na ordem do dia das preocupações e das realizações mais instantes da vida nacional” (Vasconcelos, 1933, p. 37)

A legislação de um país pode ser vista como uma forma de registro de normas e crenças de um determinado tempo; como afirma Bakhtin (1992), rodas de transmissão da vida ao discurso. As perspectivas presentes e disseminadas nas publicações científicas acabam por fazerem-se presentes na política educacional. As condições de precariedade de grande parte da população brasileira e suas disparidades sociais passaram a evidenciar-se nos bancos das escolas públicas19 e a legislação do início do século XX indica o atendimento a esses alunos também em forma de educação especializada:

Art. 826

As escolas de débeis físicos se destinam às crianças desnutridas ou em crescimento em atraso as quais convenha regime especial de trabalho escolar, com o fim de reintegrá-las na normalidade física (DECRETO 5.884 de 21 de abril de 1933).

Para a identificação dessas crianças, os testes e as proposições da psicologia entraram como uma possibilidade promissora. Lourenço Filho, em artigo publicado em 1961, registra esse movimento:

A preocupação de adaptar-se o ensino à moderna psicologia começa a ter os seus primeiros reflexos depois de 1910. Em 1914, um trabalho de A. Sampaio Dória faz uma primeira referência aos testes; nesse mesmo ano, aparece uma publicação do Laboratório de Psicologia da Escola Normal, de São Paulo, organizado pelo especialista italiano, para aí contratado, Ugo Pizzoli. Surge também um estudo pioneiro sobre educação de deficientes mentais, escrito por Basílio de Magalhães (LOURENÇO FILHO, 1961, p. 62).

A nova organização escolar, sustentada nos procedimentos avaliativos, marcou a Educação Especial brasileira com os projetos de Helena Antipoff, a partir dos anos de 1930 (CAMPOS, 2003).

Mais algumas palavras

Em regime de internato e agrupando os alunos em classes funcionou o Instituto Pestalozzi fundado por Thiago Würth em Canoas, onde castigos não eram aplicados. O ensino adotado era individualizado “proporcionando grande parte das horas livres à educação física, esporte, escotismo, vida ao ar livre e trabalho manual” (WÜRTH, 1944, p. 22), coerentemente às propostas da pedagogia científica e moderna também em uso em diferentes países.

A interlocução acadêmica e científica, um dos pontos de atenção deste artigo, pode ser percebida tanto na proximidade de argumentos encontrados no Congresso de 1939 e nos escritos de pensadores atuantes no Brasil e em Portugal, como na localização de materiais semelhantes (livros e boletins) em diferentes países20. Mas os desafios em torno de uma pedagogia científica, com base em um diagnóstico e em uma classificação, que tornam possível uma ação orientada, vinham de finais do século XIX. As preocupações médicas, higienistas, pedagógicas encontraram na Escala Binet-Simon um instrumento de mediação e organização por idades e graus de conhecimento. Com efeito, a complexidade e a diversidade do universo de crianças em idade escolar forçaram à implementação de instituições e meios pedagógicos que rompessem com a oposição absoluta entre normais e anormais, pois sob o olhar da métrica, passava a haver uma linha de contato entre essas categorias.

Ainda, em relação a este aspecto, cabe registrar a importância central do Laboratório Binet-Simon e do Instituto Jean-Jacques Rousseau como instituições “profundamente envolvidas no movimento de renovação educacional que atravessava a Europa” (CAMPOS, 2003, p. 211), loci de formação21 e disseminadores de conhecimentos e pensamentos que marcaram também o Congresso de 1939.

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1Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

2Usualmente, adotamos a denominações “crianças com deficiência” ou “pessoas com deficiência”, seguindo a Convention on the Rights of Persons with Disabilities (CRPD), aprovada em 2006. No entanto, neste artigo, utilizamos as terminologias empregadas originalmente em seus respectivos contextos e momentos históricos.

3Há referências dos primórdios de educação de surdos no século XVI, com a experiência do monge beneditino espanhol Pedro Ponce de León (LACERDA, 1998; GODOI, 2011).

4No Brasil, a pedologia é mal representada; em São Paulo, Quaglio, autor de um Compendio de pedologia (1911), trabalha para seu desenvolvimento (tradução livre).

5Neste artigo, mantemos a grafia encontrada nos documentos pesquisados.

6Registramos nosso agradecimento à biblioteca da Vrije Universiteit em Amsterdam, que gentilmente enviou-nos o material para a realização do trabalho de pesquisa em Lisboa. Registramos, também, o agradecimento ao senhor Gaspar Matos, funcionário da biblioteca do Instituto de Educação e da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, que tornou possível o acesso a esse material.

7Sobre o percurso de Helena Antipoff no Brasil, ver Campos (2003).

8“A educação curativa/terapêutica. Com especial atenção a idiotia e instituições para idiotas” - tradução livre.

9Westphal; Schelinski; Volkmar et al esclarecem que Theodor Heller descreveu pela primeira vez uma regressão severa da função adaptativa em crianças com desenvolvimento normal, na publicação Über Dementia Infantilis, em 1907.

10“Esboço de uma Pedagogia terapêutica/curativa” - tradução livre

11Tradução livre para Internationalen Gesellschaft für Heilpädagogik/ International Association for the Education of Exceptional Children/ Société Internationale pour la pédagogie de l’enfance déficiente (HANSELMANN, 1940).

12“A tarefa que nos incumbe é, portanto, dupla: por um lado, devemos aproveitar, para o estudo dos casos que nos são confiados, os dados adquiridos da psicologia; por outro lado, o estudo desses casos deveria, por sua vez, servir-nos para aperfeiçoar - seria melhor dizer para construir - a ciência psicológica e a patologia mental” (tradução livre).

13“coloca o organismo em um estado instável de equilíbrio” (tradução livre)

14“surge a questão de quantos anos a criança está atrasada; para estabelecer este diagnóstico que Sanctis, Binet e outros construíram testes de inteligência por faixa etária” (tradução livre).

15“Lançado neste globo sem forças físicas e sem ideias inatas, incapaz de obedecer por si mesmo às leis constitucionais de sua organização, que o chamam para a vanguarda do sistema dos seres, o homem só encontrará na sociedade o lugar eminente que lhe foi marcado na natureza e seria, sem a civilização, um dos animais mais fracos e menos inteligentes [...]. Na horda mais selvagem e errante, como na nação da Europa a mais civilizada, o homem é apenas o que foi feito para ser; necessariamente criado por seus companheiros, ele adquiriu seus hábitos e necessidades; suas ideias não são mais dele; ele desfrutou da melhor prerrogativa de sua espécie, a suscetibilidade de desenvolver seu entendimento pela força da imitação e a influência da sociedade” (tradução livre).

16Desculpo-me pelo fato de que, devido aos acontecimentos na Europa, minha resposta à sua amável carta de julho de 1939 chegou tão tarde. Permita-me expressar hoje minha gratidão por ter nomeado, como delegado ao nosso Congresso, o Professor Thiago M. Würth, diretor do Instituto Pestalozzi de Canoas. O Congresso foi um grande sucesso; permita-nos enviar-lhe, pela mesma correspondência, os resultados e um memorando. O Professor Würth demonstrou um muito especial interesse em nosso trabalho, e nós o felicitamos por [ter] este delegado. Os participantes do congresso acompanharam com admiração os esforços de seu governo, sob suas orientações, para melhorar a vida das crianças anormais. Somos felizes em constatar que você tem à sua disposição uma personalidade do porte do Professor Würth, que alia profundo conhecimento do assunto e amor pelas crianças. Esperamos que nossos documentos possam convencê-lo da necessidade de nossos esforços. É por isso que nos permitimos implorar que você mantenha seu interesse benevolente em nós, também no futuro. Queira aceitar, Senhor Ministro, a expressão da minha mais elevada consideração. Presidente: H. Hanselmann, Dr. Phil. Professor da Universidade de Zurique. (tradução livre).

17O autor provavelmente refere-se à obra “Problemas de educação”, de Antonio Carneiro Leão, publicada em 1919.

18Data da conferência proferida por Faria de Vasconcelos.

19Veiga (2008) analisa a frequência da população pobre desde os primórdios da instrução pública brasileira.

20É interessante registrar também a existência de edições do boletim do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira “A criança portuguesa”, dirigido por Victor Fontes, em Ibirité na biblioteca particular de Helena Antipoff.

21Antipoff teve orientação de Claparède (1873-1940) no Instituto Jean-Jacques Rousseau em Genebra, onde se formou (CAMPOS, 2003). Cabe registrar que Faria de Vasconcelos também frequentou o Instituto nesse período (MEIRELES-COELHO, 2015).

Recebido: 26 de Junho de 2022; Aceito: 06 de Setembro de 2022

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