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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-202 

Dossiê 4 - Visões e práticas da educação como ferramentas transformativas

Visões e práticas da educação como ferramentas transformativas1

Rosa Bruno-Jofré1 
http://orcid.org/0000-0002-3218-1227

Diana Gonçalves Vidal2 
http://orcid.org/0000-0002-7592-0448; lattes: 9794987194529294

1Queens University (Canada). brunojor@queensu.ca

2Universidade de São Paulo (Brazil). CNPq Research Productivity Fellow (Level 1A). dvidal@usp.br


Apresentação

Os seis artigos presentes neste dossiê foram preparados para um simpósio cancelado, que aconteceria em Salvador (Bahia) em julho de 2022. O simpósio planejado fazia parte do programa Connection Grant do Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais e Humanidades do Canadá2, e visava reunir os membros do Grupo Internacional de Pesquisa em Teoria e História da Educação3, situado na Faculdade de Educação da Queen’s University (https://educ.queensu.ca/their), em conjunto com os membros do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em História da Educação (NIEPHE) (https://sites.usp.br/niephe/) e o projeto temático Educação em Fronteiras (https://sites.usp.br/educacaoemfronteiras/) da Universidade de São Paulo4.

Os pontos em comum dos artigos são a análise das visões sobre a Educação e os objetivos educacionais em relação aos conceitos sociais de mudança, juntamente com uma fundamentação ética de natureza teológica, filosófica ou sócio-política. Os autores não negligenciam a atuação do indivíduo como entidade individual ou coletiva, nem as nuances contextuais ou implicações inesperadas do processo educacional.

Os dois primeiros artigos abordam os casos significativos do globalismo, redes e desenvolvimento internacional, além de ter uma noção ampla de espaço como pano de fundo. Rosa Bruno-Jofré e Ana Jofre assinaram “A visão transformadora da educação dos primeiros jesuítas no contexto da colonização desde o início do século XVI até a sua supressão em 1773: uma síntese de Longue Durée e um mapa interativo online localizando os colégios”. A Companhia de Jesus (jesuítas), fundada depois da autorização do papa em 1540, adotou a educação como seu ministério, criando uma rede completa de colégios cuja visão educacional e pedagogias eram baseadas no Tomismo, no humanismo renascentista e na noção de piedade de Erasmo de Roterdã. Os níveis dos colégios se aproximavam do que hoje é chamado de ensino médio e superior, sendo oferecidos apenas para alunos do sexo masculino, os quais eram vistos como futuros líderes. O mapa interativo ilustra as missões dos jesuítas e seus colégios ao redor do mundo e esclarece as conexões políticas por eles construídas. A análise e o mapa interativo revelam a aculturação dos jesuítas em meio à colonialidade e aos impérios, mostrando a globalidade do empreendimento transnacional. O mapa foi disponibilizado de forma gratuita na web.

Paralelamente à análise espacial/geográfica, o artigo também faz uma análise histórica do modo pelo qual a Companhia de Jesus adotou o conceito de confessionalidade para o bem da Igreja Católica e da sociedade juntamente com a noção nuançada de “colonialidade do ser.”5 As autoras também examinam a forma como os jesuítas, apesar dos conflitos internos, posicionaram-se em relação às configurações políticas, ideológicas e teológicas de suas regiões e às ecologias emergentes do conhecimento dos séculos XVI e XVII na Europa. As autoras exploram o modo como os jesuítas se relacionaram com tais conhecimentos e os limites da sua articulação com esses conhecimentos, com os quais às vezes contribuíram.

O artigo é seguido por “A New Education Fellowship e a América do Sul: uma visão geral sobre a constituição de redes nas décadas de 1920 e 1930”, assinado por Diana Gonçalves Vidal, Rafaela Silva Rabelo, e Vinicius de Moraes Monção, que, assim como o artigo anterior, aprofunda-se na história transnacional da educação. Os autores reconhecem que a New Education Fellowship (NEF) é um tópico amplamente discutido na historiografia da Educação, considerando, sobretudo, congressos e revistas. Entretanto, eles destacam que a historiografia é visivelmente limitada à Europa, com alguns trabalhos também referentes à Oceania e à América do Norte. O artigo, cujo objetivo é analisar as redes criadas por meio do NEF na América do Sul, uma vez que o assunto ainda é pouco estudado nessa região, reconstitui a relação entre o NEF e os educadores sul-americanos nas décadas de 1920 e de 1930, elegendo a Conferência de Locarno em 1927 como base. As suas principais fontes são as correspondências trocadas entre educadores sul-americanos, os relatórios do NEF e as revistas The New Era e Pour l’Ére Nouvelle. A discussão é desenvolvida a partir de uma perspectiva histórica transnacional. Dessa maneira, recebe destaque na narrativa a atuação dos educadores, em contraste com o foco sobre os representantes do Estado. Além disso, os limites convencionais - Estados, nações, impérios ou regiões - são colocados em suspensão em benefício de análises voltadas para a circulação de ideias, sujeitos e instituições que ultrapassam recortes geográficos. Portanto, noções e ferramentas da análise de redes e da história digital são utilizadas. A abordagem de redes ajuda a dar visibilidade às trocas resultantes das interações, superando, então, a visão dicotômica de centro e periferia. A história digital é a metodologia usada para consultar e processar arquivos digitais e documentação em massa, como as coleções de revistas. Assim, os autores utilizaram o ATLATS.Ti, um software de apoio à análise de dados qualitativos6, como uma forma de analisar os dados/fontes tanto digitais como digitalizadas.

O artigo assinado por Jon Igelmo Zaldívar, Gonzalo Jover, Olmeda, e Patricia Quiroga Uceda, “A visão de Ivan Illich sobre a educação na prática: dos projetos educacionais contraculturais na década de 1970 à pedagogia decolonial indígena dos anos 1990”, investiga essa noção alternativa de educação. Em 1971, Ivan Illich publicou Deschooling Society, um livro que teve uma influência notável no ativismo educacional e no debate acadêmico na década de 1970, principalmente no mundo ocidental. A crítica de Illich ao ensino e à sua relação com o Estado, além da sua visão parcialmente articulada sobre a educação, inspirou aqueles que exploravam as margens do imaginário pedagógico. Nesse artigo, Zaldívar, Olmeda e Uceda estudam os movimentos e projetos educacionais embasados tanto em uma visão contracultural como em propostas pedagógicas indígenas. As perguntas centrais dos autores são: “Como esses projetos interpretam Illich dentro do contexto específico nos quais estão inseridos? Qual foi a intencionalidade daqueles que absorveram suas ideias?”

Para responder a essas questões, o artigo analisa dois espaços que trabalharam com as noções de contracultura: o CIDOC em Cuernavaca (México) e o The Learning Exchange, localizado em Evanston (Chicago, Estados Unidos). O CIDOC funcionou entre 1963 e 1976, e a liderança intelectual de Illich foi peça chave para suas atividades. O The Learning Exchange foi criado a partir de uma palestra feita pelo próprio Illich em 1971, na Northwestern University. Em seguida, o foco do artigo muda para a influência de Illich sobre o pensamento de John Holt e o longo movimento de educação domiciliar liderado por ele em 1977, e para o trabalho de Lee Felsenstein e a maneira como as ideias de Illich influenciaram o Homebrew Computer Club a partir de 1975. Os autores defendem que “esse grupo foi a vanguarda de um movimento de engenheiros relacionado ao movimento da tecnologia apropriada”. Por fim, eles fazem um estudo sobre as bases teóricas que fundamentam a Universidad de la Tierra. Essa iniciativa começou no México em 2002 como consequência do Levante Zapatista no sudeste mexicano em 1994. Gustavo Esteva, iniciador do projeto, reinterpretou o trabalho de Illich a partir da perspectiva do movimento indígena.

O fim da década de 1960 e o início da de 1970 foram um período de abordagens críticas da educação. O trabalho de Paulo Freire, em especial sua obra Pedagogia do Oprimido, que foi publicada há mais de 50 anos e que teve suas raízes no tempo em que ele ensinava para adultos, continua a ser um foco de investigação para pesquisadores interessados em práticas transformativas. Freire desenvolveu uma ética política de mudança social e gerou uma ruptura epistêmica do discurso sobre o ensino adulto que, recriado dentro de novos contextos, é frequentemente citado. “A antropologia teológica de Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido: uma contribuição para a discussão”, de Michael Attridge, traz um estudo totalmente original para o dossiê. A Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire é um dos livros mais importantes no campo da Filosofia da Educação e da Pedagogia Crítica. Tanto o livro como as ideias por trás dele também influenciaram os bispos da América Latina na II CELAM, uma conferência que ocorreu em Medellín em 1968, principalmente pela sua visão da educação emancipadora. Freire se considerou católico durante toda a sua vida, até mesmo quando criticou as estruturas de poder que existiam dentro da hierarquia da Igreja Católica. Alguns estudiosos, em suas análises, deram muita importância ao modo pelo qual a identidade e a fé católica de Freire influenciaram suas obras, enquanto muitos outros optaram por minimizar ou ignorar esse fato. Nenhum deles, porém, era teólogo no sentido profissional do termo.

O autor defende que, apesar de não ser uma obra de teologia, Pedagogia do Oprimido ainda assim possui uma teologia claramente operatória em sua abordagem para a libertação e na sua visão da pessoa humana, uma vez que foi escrita durante um período de transformação profunda da teologia católica. Até o presente momento, ninguém investigou a obra sob um ponto de vista teológico, usando as categorias fundamentais da teologia como um meio de interpretar o pensamento de Freire como católico. Para preencher essa lacuna, esse artigo analisa a teologia de base do livro sob a perspectiva da antropologia teológica, ou seja, dos conceitos de pecado, graça, liberdade, esperança e escatologia. O artigo busca compreender como a antiga crença de Freire deu origem, mais tarde, à sua visão teológica e defende que a sua teologia ajudou a assegurar sua própria influência na formação da visão católica sobre a educação na II CELAM.

Mohammad Fateh é o autor de “A adoção pela BRAC (ব্র্যাক) da educação de base comunitária para crianças em situação de vulnerabilidade social em Bangladesh”. Nesse artigo, ele analisa a maior organização não governamental do mundo: a Building Resources Across Communities (BRAC). Ela é também a segunda maior entidade empregadora em Bangladesh, ficando atrás apenas do Estado. O artigo investiga como a BRAC, a princípio inspirada pela pedagogia de Paulo Freire, visou ensinar habilidades tradicionais voltadas para o mercado de trabalho às pessoas e a desenvolver um programa de alfabetização de crianças em comunidades carentes, um problema que ainda não foi discutido. O autor estuda a relação entre o fundador da BRAC, o Dr. Fazle H. Abed, e as forças internas e estrutura neoliberal que permitiram que a BRAC, uma organização sem fins lucrativos, se envolvesse com empreendimentos comerciais lucrativos. No entanto, o foco do artigo é o programa de educação básica informal (Non-Formal Primary Education Program).

O dossiê é finalizado com o artigo de James Scott Johnston intitulado “Idealismo, pragmatismo e o nascimento do pensamento educacional pragmático nos Estados Unidos”. Uma das mudanças mais significativas na Filosofia da Educação foi a mudança do idealismo para o pragmatismo no fim do século XIX na América do Norte, a qual teve implicações pedagógicas profundas. O artigo considera o período entre 1866 e 1895 e se aprofunda no período de transição das doutrinas pedagógicas nos Estados Unidos dos pontos de vista histórico e filosófico, com o propósito de estabelecer “o movimento do idealismo em direção ao pragmatismo como a base do pensamento educacional”. Assim, o autor defende que “a mudança no pensamento educacional, juntamente com o crescimento do pragmatismo, destacou o naturalismo, o funcionalismo e a natureza orgânica da mente e do comportamento”. Para investigar essa transição, o artigo explora a primeira filosofia da educação estadunidense, o idealismo, e a mudança em direção ao pragmatismo que ocorreu em meados da década de 1890, a qual dominou os pressupostos filosóficos do pensamento educacional e surgiu “como a primeira doutrina educacional genuinamente americana do século XX”. Ao trazer o foco das análises para o idealismo no pensamento educacional estadunidense, o autor desafia a história da filosofia, ao apresentar o “nascente, mas ainda emergente pragmatismo à luz da teoria pedagógica dominante na época: o idealismo”. Explorar a transição do idealismo em direção ao pragmatismo também implica a investigação dos principais motivos comuns a ambos, assim como o aprofundamento das intervenções filosóficas de Dewey, em específico.

Este dossiê oferece ao leitor uma pesquisa original relacionada às concepções de educação e seus diversos usos, incluindo a sua dimensão política.

1Versão para o português de Babel Traduções. E-mail: babel@ileel.ufu.br.

2Connection Grant of Social Sciences and Humanities Research Council of Canada (SSHRC), arquivo no. 611-2019-0427.

3Tradução da expressão em inglês: Theory and History of Education International Research Group (THEIRG). [N.T.]

4FAPESP, proc.nr. 2018/26699-4.

5Nelson Maldonado-Torres. “On the Coloniality of Being”. Cultural Studies 21, nos. 2-3, p. 240-270, (2007).

6Tradução da expressão em inglês: Computer-assisted qualitative data analysis software (CAQDAS). [N.T.]

Recebido: 11 de Outubro de 2022; Aceito: 31 de Janeiro de 2023

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