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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-207 

Dossiê 4 - Visões e práticas da educação como ferramentas transformativas

BRAC (ব্র্যাক): adesão ao programa de educação de base comunitária para crianças em situação de vulnerabilidade social em Bangladesh1

1Queen’s University (Canada). 16maf6@queensu.ca


Resumo

Este artigo fornece uma análise crítica e histórica sobre a adoção da BRAC por uma Educação Primária Não Formal (EPNF), desmistificando a educação funcional ‘conscientizadora’ em Bangladesh durante a década de 1980. A questão central deste artigo é o motivo de a BRAC ter adotado a EPNF, em 1985, nos parâmetros de suas necessidades. Neste estudo analisou-se o programa de educação da BRAC, de 1973 até 1985, prestando especial atenção ao contexto internacional neoliberal da década de 1980, a mudança política da indústria de ajuda humanitária ocidental e a relação da BRAC e de seu fundador com estruturas de poder locais e com regimes consecutivos de Bangladesh (Fateh, 2020). Os documentos do currículo da BRAC, os projetos de pesquisa, os relatórios avaliativos e as declarações feitas por seu fundador, Fazle Hasan Abed, foram analisados. Os resultados sugerem que, além de apoiar as crianças em situação de vulnerabilidade social, a adoção da BRAC pela EPNF se deu pelo bem do crescimento da organização, bem como à sua submissão à estrutura de poder local e ao panorama neoliberal dominante da indústria internacional de ajuda humanitária.

Palavras chaves: Ajuda internacional; BRAC; Conscientização; EPNF; Bangladesh

Abstract

This article provides a critical-historical analysis of BRAC’s adoption of non-formal primary education (NFPE) while de-emphasizing ‘conscientizing’ functional education in Bangladesh during 1980s. The central question of this paper is why did BRAC´s adopt NFPE in 1985 within the framework of its needs. In this study, I analyze BRAC’s education program from 1973 to 1985, with particular attention to the international neoliberal context of 1980s, policy shift of the western aid industry, and relationship that BRAC and its founder had with local power structures and consecutive Bangladeshi regimes (Fateh, 2020). I examine BRAC’s curriculum documents, project proposals, evaluation reports, and statements made by BRAC’s founder Fazle Hasan Abed. My findings suggest that beside supporting the disadvantaged children, BRAC’s adoption of NFPE is for the sake of its organizational growth associated to its submission to local power structure, and dominant neoliberal framework of the international aid industry.

Keywords: International Aid; BRAC´s; Conscientizing; NFPE; Bangladesh

Resumen

Este artículo provee un análisis histórico crítico de la adopción por parte de BRAC de la provisión de educación primaria non-formal (NFPE) en Bagladesh, mientras desenfatizaba la educación funcional «concientizadora» en los años de 1980. La pregunta central en este paper es por qué BRAC adoptó EPNF en 1985 dentro del marco de sus necesidades. En este estudio, analizo el programa de educacion de BRAC entre 1973 and 1985, con particular atención al contexto internacional neoliberal de los años ochenta, los cambios políticos afectando la industria occidental de ayuda, y la relación que BRAC y su fundador tenían con las estructuras de poder local y los varios Bangladeshi regímenes que se sucedieron (Fateh 2020). Examino los documentos curriculares de BRAC, las propuestas de proyectos, los informes de evaluación, y las declaraciones hechas por el fundador de BRAC Fazle Hasan Abed. Concluyo que además de apoyar a los niños/as, la adopción de NFPE asegurabaa el crecimiento organizacional asociado a la sumissión a la estructura de poder local y al esquema neoliberal dominante en la industria de ayuda international.

Palabras claves: Ayuda Internacional; BRAC; Conscientización; Educación Primaria no Forma en Bangladesh

Résumé

Cet article est une analyse critique-historique de l’adoption par le BRAC de l’enseignement primaire non formel (EPNF) qui minimise l’emphase sur la « conscientisation » de l’éducation fonctionnelle au Bangladesh dans les années 1980. La question centrale de cet article est de savoir pourquoi le BRAC a adopté l’EPNF en 1985 dans le cadre de ses besoins. Cette étude analyse le programme d’éducation du BRAC de 1973 à 1985, avec un accent particulier sur le contexte néolibéral international des années 1980, sur le changement de politique de l’industrie de l’aide occidentale et sur la relation que BRAC et son fondateur avaient avec les structures du pouvoir locales et les régimes bangladais consécutifs (Fatah, 2020). Nous examinons les documents du programme d’études du BRAC, les propositions de projets, les rapports d’évaluation et les propos de Fazle Hasan Abed, le fondateur du BRAC. Nous concluons qu’en plus de soutenir les enfants défavorisés, l’adoption de l’EPNF par le BRAC vise à promouvoir la croissance organisationnelle de l’EPNF vis-à-vis sa soumission à la structure locale du pouvoir et en relation avec le cadre néolibéral qui domine l’industrie de l’aide internationale.

Mots clés: Aide international; BRAC; Conscientization; NFPE; Bangladesh

Introdução

O trabalho da organização Building Resources Across Communitites (BRAC) é centrado na colonialidade persistente e hereditária da Bangladesh neocolonial. Seguindo a onda de neoliberalismo na década de 1980, a BRAC, que era uma organização de valor social, se transformou em uma organização neoliberal,2 passando a se basear no mercado para a solução da pobreza e a conquista do desenvolvimento.

Pesquisadores têm estudado extensivamente os projetos de desenvolvimento da BRAC e seus modos inovadores de combater a pobreza. Análises críticas dos programas de educação para adultos da BRAC, das organizações de comunidades, dos programas de extensão, da hegemonia e das iniciativas de desenvolvimento humano e comunitário também têm sido realizadas.3 Juntamente aos muitos estudos louváveis sobre os projetos e as iniciativas da BRAC, também há estudos que questionam sua ascensão como uma ONG corporativa, seu envolvimento com organizações multinacionais, sua relação com governos antidemocráticos e suas atividades relacionadas à pobreza.4 Também há estudos sobre as iniciativas da BRAC para o empoderamento das pessoas pobres5 e a qualidade de seu programa de educação.6 Outros estudos abordaram a transformação da BRAC de uma organização de valor social para uma organização neoliberal e sua cooptação à educação funcional.7 No entanto, embora a Educação Primária Não Formal (EPNF) seja globalmente considerada bem-sucedida para crianças de famílias em situação de vulnerabilidade social,8 análises históricas desse programa são pouco retratadas na literatura. Há uma ausência, na literatura existente, de estudos com análise de documentos do programa EPNF. A partir da perspectiva historiográfica, não há análise do porquê de a BRAC adotar a EPNF em um contexto socioeconômico internacional e local no panorama de suas necessidades organizacionais.

O objetivo deste estudo é examinar a razão de a BRAC, uma organização de valor social, que outrora se inspirou nas ideias radicais de Freire sobre empoderamento das pessoas pobres, adotar a EPNF, um programa de desenvolvimento tradicional, orientado por habilidades mercadológicas e letramento básico para as crianças de comunidades em situação de vulnerabilidade social. As descobertas deste estudo contribuirão para a literatura da área.

Para tanto, foram analisados os programas de letramento para adultos da BRAC conectados à pedagogia freiriana e ao programa EPNF. Documentos da BRAC e suas publicações também foram examinados, inclusive os relacionados ao currículo do programa Educação Funcional e ao currículo da EPNF, além de relatórios anuais, projetos de pesquisa e artigos/estudos produzidos pelos funcionários da BRAC. Transcrições de entrevistas e declarações do fundador, Fazle Hasan Abed, também foram estudadas, bem como artigos publicados e relatórios sobre o programa de educação da BRAC feitos por pesquisadores locais e internacionais. Para desenvolver uma análise histórica e crítica, foram adotados panoramas teóricos e metodológicos. Para selecionar e interpretar os documentos sobre a BRAC, seguiu-se o método de análise de documentos sugerido por Glenn A. Bowen9 e as ideias teóricas de Quentin Skinner10 e Martyn Thompson11 sobre a recepção e interpretação ao examinar as intenções da liderança da BRAC de abandonar seu programa Educação Funcional “conscientizadora” e a mudança para a EPNF. Usamos os trabalhos de Frantz Fanon, Andre Gunder Frank e Anibal Quijano,12 bem como as teorias pós-colonialistas e críticas ao neoliberalismo, incluindo o trabalho de Byung-Chul Han, como base para este estudo.

A discussão foi dividida em seções e cada uma traz análise documental e da literatura sobre a BRAC. Primeiramente, faz-se uma introdução sobre a BRAC e a transição de seu programa de Educação Funcional para o programa EPNF. Então, baseando-se em documentos primários, secundários e terciários, faz-se uma análise da razão de a BRAC ter adotado a EPNF. Por fim, são sintetizados os resultados deste estudo, suas limitações e a necessidade de mais pesquisas.

Estabelecendo o panorama: a BRAC

A BRAC é a maior provedora de educação secular não governamental do mundo. Seu programa de Educação Primária Não Formal (EPNF) é reconhecido internacionalmente por oferecer uma rede de segurança de educação básica para crianças em situação de vulnerabilidade social, principalmente garotas em idade escolar que não tiveram a oportunidade de ir à escola ou largaram o sistema escolar público.13

A BRAC começou, em 1972, como uma organização modesta de assistência e reabilitação em Bangladesh.14 Logo depois da guerra de independência em 1971, Fazle Hasan Abed e seus sócios em Sulla, uma área rural numa região nordeste de Bangladesh, estabeleceram o Bangladesh Rehabilitation Assistance Committee (Comitê de Assistência de Reabilitação de Bangladesh, BRAC na sigla em inglês) para ajudar os refugiados de Bangladesh a retornarem da Índia.15 Em um relatório anual, a BRAC declarou que seu “objetivo inicial era fornecer assistência e reabilitação aos refugiados que retornavam da Índia para se reestabelecerem em Bangladesh”.16 Quando a fase de assistência e reabilitação terminou, a BRAC concentrou seu trabalho no desenvolvimento rural e se renomeou como Bangladesh Rural Advancement Committee (Comitê de Avanço Rural de Bangladesh).

Até a metade da década de 1970, programas de educação eram um componente central da estratégia de desenvolvimento rural da BRAC, adotando uma abordagem comunitária para o desenvolvimento.17 A BRAC se concentrava em programas de educação e desenvolvimento de vilas que incluíam letramento adulto (“educação funcional”, termo cunhado pela BRAC), saúde, planejamento familiar, agricultura, pesca, artesanato rural e em programas de capacitação vocacional para mulheres, além de estabelecer cooperativas nas comunidades.18 Em um período de apenas 21 meses (maio de 1974 a janeiro de 1976), a BRAC desenvolveu um novo currículo em três ciclos diferentes. De acordo com a organização, “muito da inspiração para essa abordagem veio das ideias do famoso educador brasileiro Paulo Freire”.19 Por volta de 1974, a BRAC começou a fornecer microcréditos e a avaliar seu impacto na vida das pessoas pobres das áreas rurais. Mas, insatisfeita com a abordagem comunitária e integrada ao desenvolvimento, eles adotaram uma abordagem com base em um grupo alvo para o desenvolvimento rural em 1977.20 No final da década de 1970, a BRAC também se tornou a maior fornecedora de Educação Funcional em Bangladesh e compartilhava seu conhecimento e currículo com outros provedores educacionais e ONGs de desenvolvimento.21 Depois de uma mudança em sua política de desenvolvimento, a BRAC focou amplamente em estabelecer organizações de comunitárias e em investir em diferentes empreendimentos comerciais (por exemplo, gráficas, lojas comunitárias de artesanato) conhecidos como projetos de apoio a empresas (PAEs), a fim de gerar fluxo de caixa para apoiar seus programas.22

Com o sucesso inicial dos PAEs e de sua expansão, a BRAC começou um programa de desenvolvimento rural em 1986 que incluía quatro grandes atividades: operações de crédito e capacitação, geração de renda e oportunidades de emprego, programas de serviços de apoio e prédios institucionais.23 Por volta de 1990, a BRAC era composta por 398.830 membros e tinha estabelecido 10.496 organizações comunitárias. Ela tinha 4.220 colaboradores, ativos líquidos de 22,1 milhões de dólares e uma despesa anual de 27,7 milhões de dólares, dos quais 68% eram cobertos por doadores. Comparando seu notável crescimento e a expansão de seus projetos com entidades comerciais, a revista The Economist considerou a BRAC a ONG mais parecida com uma empresa, “de crescimento mais rápido no mundo”.24 Nos últimos cinquenta anos, a BRAC cresceu exponencialmente, transformando-se em uma organização25 de desenvolvimento híbrido, ligando as pessoas pobres ao capital corporativo (Muhammad, 2018), evoluindo como uma líder global em microfinanças e se tornando a maior organização não governamental de desenvolvimento no mundo (NGO Advisor, 2021).

A BRAC foi a pioneira na criação de escolas inovadoras, de base comunitária, com um professor por sala, para crianças entre oito e catorze anos de idade.26 Com relação ao pedido dos membros dos projetos da BRAC quanto a criar escolas do programa EPNF, Abed declarou que os participantes em comunidades afetadas pela pobreza a consideravam uma oportunidade educacional para seus filhos, uma prioridade, uma vez que as escolas do governo não atendiam suas necessidades. Como Abed disse:

Curiosamente, os participantes da BRAC em comunidades afetadas pela pobreza nos afirmaram que sua prioridade era a oportunidade educacional para seus filhos, porque a educação primária existente não os atendia. Quase metade das crianças não tinha nenhum acesso à educação primária e a maioria daqueles que tiveram não completaram este estágio.27

A BRAC lançou um programa de Educação Primária Não Formal como um projeto piloto em 1985 para dar uma segunda chance de ter acesso à educação básica a 657 crianças em situação de vulnerabilidade social, em 22 comunidades de Bangladesh. Até 2022, 14 milhões de crianças de Bangladesh tinham se formado pelo programa. Desde então, a BRAC se expandiu para nove países na Ásia, na África e no Caribe,28 alcançando milhões de crianças em regiões de conflito, devastadas pela guerra e em contextos pós-desastres. Com mais de 40 mil escolas governamentais ao redor do mundo, adotando um currículo inovador, a pedagogia e os modelos de aprendizado da EPNF, a BRAC é agora a maior fornecedora não-governamental de educação primária do mundo.

Programa educacional nos anos iniciais: Educação Funcional

Abed estava ciente da natureza multifacetada da pobreza e da opressão sistêmica na Bangladesh rural, e da necessidade do letramento crítico freiriano para apoiar as pessoas menos favorecidas. Inspirado pela obra seminal de Freire, Pedagogia do oprimido (1970), Fazle Hasan Abed usou os conceitos freirianos como base de um programa para educar as pessoas pobres em áreas rurais em Sulla em 1974 (Fateh, 2019).29 Um programa de educação funcional foi a primeira iniciativa da BRAC para construir grupos, criar unidade e estabelecer interconexão entre os participantes e formar organizações comunitárias.30 Ao longo dos anos 1970, a BRAC adaptou a filosofia de conscientização radical de Freire ao seu programa de Educação Funcional (EF) no panorama de suas necessidades organizacionais e da estratégia de desenvolvimento de Bangladesh (Fateh, 2022).31 Essa foi a única e principal ferramenta da BRAC baseada na noção de Freire sobre conscientização32 para tornar os participantes criticamente cientes da natureza complexa de sua pobreza, exploração e práxis.33 O mais importante era que a abordagem de conscientização dessa iniciativa de educação funcional foi institucionalizada no compromisso34 organizacional e na abordagem de desenvolvimento da ONG. De acordo com Smillie, a Educação Funcional é “um fundamento subjacente aos princípios de organização da BRAC” e “onde tudo começou”.35

É importante ressaltar que, embora a BRAC tenha notado altas taxas de analfabetismo e desistência entre as crianças de áreas rurais desde que começou seu trabalho de desenvolvimento em Sulla, em 1972, ela não chegou a lançar nenhum programa de educação para crianças na década de 1970. Em 1973 deu-se início a um programa de educação funcional para adultos em larga escala.36 A BRAC concentrou sua energia e seus recursos para tornar o programa de educação para adultos um sucesso (Smillie, 2009).37 Inclusive, dizia que, por meio de seu programa de educação funcional, os participantes se organizavam e se juntavam para formar cooperativas e estabeleciam organizações comunitárias (BRAC, 1980).38 A ONG alega que o currículo de Educação Funcional, baseado nos conceitos de letramento crítico de Freire, reduziu as taxas de desistência, aumentou as taxas de término de curso, estimulou a presença e participação nas aulas e criou círculos culturais e de cooperação entre os estudantes.39 Contudo, não há nenhum estudo empírico abrangente sobre o sucesso do programa. A BRAC ainda alega que mudanças perceptíveis e comportamentais nos participantes resultaram do programa40, declarando que “um certo nível de mudança em conhecimento, práticas e atitudes pode ser visto entre os estudantes que terminaram o curso de Educação Funcional”.41 Com relação às conquistas desse programa, a BRAC também afirma que organizações voluntárias locais e internacionais expressaram interesse em sua abordagem para desenvolverem currículos e materiais de Educação Funcional, os quais adotaram em seus contextos regionais (BRAC, 1977).42

Uma resposta aos participantes da BRAC e a transição para a EPNF

Assim como suas outras iniciativas de desenvolvimento, o Programa de Educação Primária Não Formal da BRAC era um produto das preocupações e exigências expressas pelos membros de seus projetos de desenvolvimento rural para famílias desfavorecidas.43 Mulheres participantes do programa de Educação Funcional da ONG estavam preocupadas com as oportunidades educação limitadas para seus filhos. Elas perguntaram à BRAC, “E os nossos filhos? As escolas que existem não atendem às necessidades de nossos filhos”.44 As mulheres também estavam cientes dos problemas com as escolas primárias do governo e as altas taxas de desistência. Como a BRAC já tinha construído uma boa reputação entre os moradores das comunidades com seu programa de Educação Funcional para adultos e outros projetos de desenvolvimento, as mulheres das comunidades se voltaram para a BRAC procurando uma solução. Perguntavam à organização: “Vocês podem fazer algo pela educação de nossos filhos? Nossos filhos não sobrevivem ao sistema público” (Ahmed e French, 2006, 37).45

Seguindo os apelos da população e com o apoio de doadores,46 a BRAC conduziu um levantamento sistemático e formal junto aos moradores das comunidades para coletar informações sobre o sistema escolar do governo e as altas taxas de desistência.47 Percebeu-se que longas horas na escola, classes grandes e a ênfase no dever de casa, o sistemático moral baixo entre as meninas e os caros tutores privados eram os motivos principais para as altas taxas de desistência das escolas do governo. A BRAC também constatou que o sistema de educação do governo era regimentado e inflexível.48 A falta de encorajamento e motivação entre estudantes e pais, um currículo irrelevante, a necessidade de trabalho infantil e o alto custo dos materiais escolares contribuíram para esse problema.49 Assim que os resultados do estudo foram analisados, a BRAC decidiu iniciar um projeto em larga escala para oferecer educação básica e, com a assistência de doadores estrangeiros, introduziu o programa EPNF para crianças menos favorecidas em 1985.50

A Educação Funcional era o componente educacional mais importante na estratégia51 de desenvolvimento da BRAC, quando ela começou seu trabalho, no início da década de 1970. 52 Apesar dos resultados positivos, como alegado pela organização, ela se afastou da abordagem de educação funcional e conscientizadora na metade da década de 1980,53 em favor da capacitação neoliberal e de habilidades incorporadas no programa de Educação Primária Não Formal, que conectava crianças menos favorecidas a um sistema de ensino autoritário oferecido pelas escolas públicas. Begum, Akhter e Rahman relatam que, “em uma tentativa de oferecer instalações educacionais às crianças de famílias menos favorecidas, que geralmente não vão à escola e, portanto, continuam analfabetas, a Bangladesh Rural Advancement Committee (BRAC) elaborou e desenvolveu o projeto de Educação Primária Não Formal (EPNF) para elas”.54 Acrescentam que a BRAC desenvolveu o modelo de EPNF para as crianças não alcançadas e fora da escola que também pode ser implementado e replicado nacionalmente de acordo com as necessidades do programa e das pessoas.

Ao adotar a EPNF, a BRAC apoiou a educação tradicional exigida pelo governo, que Freire criticava fortemente.55 O fato de a ONG ter adotado a EPNF para conectar crianças socialmente desfavorecidas às escolas públicas em apoio ao status quo, e ter abandonado a abordagem de conscientização (educação funcional) para obedecer à hegemonia local, nacional e internacional no despertar do neoliberalismo (1980) sinalizou uma clara mudança em sua política de desenvolvimento56 e merece ser investigada.

Uma visão geral sobre a EPNF

Embora a BRAC tenha lançado formalmente seu programa piloto em 1985 em 22 comunidades, na verdade ela tinha começado uma escola experimental em Savar, próxima de Dhaka, em 1979, como uma resposta às preocupações levantadas pelas mulheres das comunidades.57 Essa escola seria a precursora do programa EPNF. O Centro de Capacitação e Recursos da BRAC em Savar conduziu um projeto de educação experimental que elaborou e desenvolveu um conjunto de materiais instrucionais baseados na pedagogia e nos conceitos de letramento crítico do pedagogo brasileiro Paulo Freire,58 que seria, posteriormente, a base do programa EPNF. A equipe de desenvolvimento do material produziu um livro extenso, elaborado para servir tanto como um guia de trabalho quanto um livro didático. Ele cobria tópicos de matemática e Bangla (leitura e escrita), adaptando muitos dos materiais do currículo de Educação Funcional da BRAC enraizados nos conceitos de letramento crítico de Freire.59

Em outubro de 1984, a BRAC iniciou o planejamento do programa de EPNF para crianças em comunidades rurais. O primeiro conjunto de materiais curriculares e instrucionais do programa foi amplamente adaptado do programa de Educação Funcional, após passar por um teste de campo e ser revisto com a assistência do Instituto de Pesquisa Educacional da Universidade de Dhaka. A equipe que produziu o material passou seis meses planejando o currículo da EPNF, elaborando atividades de aprendizado e desenvolvendo materiais (BRAC, 1986).60 O objetivo inicial do projeto era desenvolver um modelo facilmente replicável para oferecer habilidades de letramento e numeramento básicos em três anos, para as crianças de áreas rurais de famílias menos favorecidas “que o sistema escolar formal ainda não alcançava”.61 Quando o trabalho preliminar terminou, a equipe selecionou duas regiões de projetos da BRAC, Mirzapur e Manikganj, e uma região independente, Dhamrai, para receberem escolas experimentais, e lançou o programa em 1985.62

O principal objetivo do programa EPNF era oferecer educação básica para as crianças de famílias pobres com idades entre oito e dez anos que nunca tivessem ido à escola ou que tivessem largado uma escola pública no primeiro ano. Além de oferecer habilidades básicas de letramento e numeramento, a BRAC também queria estimular a vontade dos estudantes de aprender mais sobre saúde, além de despertar sua atenção para problemas sociais.63 Uma ênfase especial foi dada à matricula de meninas (estudantes) no programa. O objetivo da BRAC era que 70% da participação no programa fosse composta por meninas.

A BRAC selecionou a localidade das escolas em regiões designadas com base na demanda expressa pelos pais, no envolvimento da comunidade, na quantidade de estudantes, na disponibilidade dos candidatos a professores e na proximidade à comunidades vizinhas. Para garantir a operação de cada escola, formou-se um comitê comunitário composto por cinco membros, sendo um líder da comunidade, dois pais, um professor e um organizador do programa da BRAC.64 Cada escola exigia, no mínimo, um espaço de 73,2 metros quadrados em uma instalação alugada, onde as crianças podiam se sentar em tapetes de lã, formando um “U” (Lovell e Fatema, 1987). Toda escola era equipada com materiais de ensino e aprendizagem, incluindo um quadro-negro, quadros de letramento e numeramento, suprimentos para os professores (gizes, apagadores etc.) e um baú que também servia como mesa. As crianças recebiam da BRAC livros didáticos, lousas, lápis e cadernos. Mais importante, as crianças eram guiadas pelos professores a aprenderem suas lições na aula, com pouco dever de casa.

Ao selecionar os professores, a BRAC preferia contratar indivíduos casados entre os moradores permanentes das comunidades onde a escola seria aberta. Eram mulheres formadas, com no mínimo nove anos de escolaridade.65 As professoras eram treinadas para seguirem um currículo estruturado e planos de aulas diárias complementados por orientações de ensino úteis, e usarem materiais de aprendizado e atividades ilustrativas. As professoras também eram treinadas para seguirem métodos centrados no estudante e forneciam escopo suficiente para as atividades diárias individuais dos estudantes. A BRAC afirma que pretendia desenvolver um método de ensino para criar “um quadro paraprofissional de professores na comunidade”.66 Acreditava-se que, se as professoras paraprofissionais fossem treinadas cuidadosamente, elas poderiam ser capacitadas rapidamente e seriam eficazes na sala de aula.67

O currículo da EPNF cobria três áreas do conhecimento: Bangla, matemática e estudos sociais. As aulas de Bangla e matemática envolviam tópicos relacionados ao letramento e às habilidades de numeramento básicos; as lições de estudos sociais envolviam tópicos sobre saúde, higiene, primeiros socorros, comunidade, país, nutrição, saneamento, segurança, mundo e ciência básica. Em termos de elaboração do currículo, deu-se atenção especial à ajuda aos estudantes no desenvolvimento de habilidades básicas de letramento e numeramento, e uma consciência sobre a sociedade ao ser redor,68 confirmando que o objetivo abrangente do currículo de EPNF era desenvolver as habilidades exigidas, os conceitos cognitivos e o desenvolvimento social esperados da escola primária.

No primeiro ano, livros sobre estudos sociais não foram dados aos estudantes. Essa matéria era ensinada pelo professor por meio de debate com o auxílio de um manual especial para o docente.69 O inglês não era ensinado em 1985 e 1986, mas foi introduzido depois da mudança do currículo em 1986. Os estudantes recebiam livros de matemática todos os anos, mas os de estudos sociais e inglês só eram oferecidos quando os estudantes atingiam o segundo e terceiro ano de estudos no programa. O currículo enfatizava atividades extracurriculares e oferecia 40 minutos diários para atividades como desenho, jogos, artesanato, dança, canto e exercício físico. Nas primeiras oito semanas do primeiro ano, os estudantes eram preparados para a escrita ao colorir e desenhar formas. Eles também se envolviam em atividades de pré-leitura, escrita e numeramento. Um cronograma de aula mais estruturado era seguido durante as oito semanas subsequentes. Sobre a rotina da classe e distribuição do tempo, Lovell e Fatema relatam que:

A jornada de duas horas e meia é dividido em 30 minutos de leitura com exercícios de leitura estruturados, 20 minutos de escrita incluindo escrita à mão, soletração, formação de palavras e ditado, 35 minutos de matemáticas, 25 minutos de estudos sociais e 40 minutos de atividades extracurriculares. Em cada dia da semana certas atividades pré-estabelecidas deveriam ser incluídas e uma folha com sugestão de rotina de classe é utilizada. Conforme o professor ganha experiência, o ritmo e ênfase podem variar para atender as necessidades de um grupo específico de crianças.70

As escolas de EPNF da BRAC eram flexíveis e acomodativas para oferecerem uma oportunidade para o máximo de estudantes possível irem à escola. A proporção de estudantes para professores em turmas EPNF era 30:1, enquanto nas escolas públicas era 60:1.71 O custo por estudante das escolas era de cerca de 20 dólares por ano.72 Enquanto os pais e a comunidade eram responsáveis pela manutenção das salas de aulas, a BRAC pagava todas as outras despesas. Entretanto, os pais e as comunidades se envolviam na escolha do cronograma da classe e no fornecimento de mão-de-obra e materiais para construir a escola em suas comunidades.73 Diferentemente das escolas primárias do governo, as escolas da BRAC não tinham exames anuais. Os estudantes eram avaliados por meio de testes semanais e mensais e seu desempenho era regularmente documentado.74 Baseado nos auxílios dos professores e no desempenho dos estudantes, o apoio aos estudantes com dificuldades de aprendizagem e os problemas individuais eram debatidos em reuniões mensais de professores. Diferentemente da educação nas escolas públicas, as aulas da BRAC eram centradas nos estudantes, os quais eram encorajados a não serem passivos, mas contribuidores ativos no processo de ensino e aprendizado. A ênfase estava no aprendizado funcional para aprimorar e encorajar o interesse e a curiosidade das crianças.75

Depois de analisar o currículo da EPNF, argumenta-se que, assim como seu currículo de Educação Funcional foi baseado na pedagogia e letramento críticos de Freire, o currículo da EPNF também foi influenciado pelos conceitos freirianos. Embora não haja nenhum componente radical e político de completa liberdade, humanização, conscientização e práxis no currículo da EPNF, ele é inspirado, até certo ponto, pelos conceitos de Freire quanto à seleção de professores, elaboração de currículo, aulas dialógicas, relação estudante-professor, respeito mútuo, organização de assentos e e temas geradores.

É importante ressaltar que o programa de EPNF da BRAC não foi introduzido da noite para o dia depois de ser exigido pelos moradores das comunidades. Pelo contrário, o interesse da BRAC pela educação primária para crianças remonta à segunda fase da ONG, em proposta de projeto de 1972, apresentada para seu doador, Oxfam.76 Nele, a BRAC sugeriu lançar um programa para fortalecer a admissão de crianças em idade escolar em escolas primárias do governo. Em uma declaração dizia-se que “a BRAC propõe lançar uma campanha para conseguir que todas as crianças na faixa etária de cinco a onze anos sejam admitidas em escolas primárias e, onde as instalações sejam falhas, cooperar com o governo”.77 A BRAC também distribuiu para centenas de escolas primárias uma revista mensal chamada Gonokendra, elaborada para pessoas neoalfabetizadas em seu programa de Educação Funcional.

Enquanto o programa de Educação Funcional para adultos da BRAC era inspirado pela Pedagogia do oprimido (1971) de Freire, com o objetivo de organizar as pessoas em desvantagem de poder (desempoderadas) por meio da consciência crítica obtida por letramento funcional, para tornar seus estudantes cientes de sua situação e “porque a privação acontece na sociedade, porque as relações de poder precisam ser compreendidas, e também como se pode desafiar certos grupos de poder para obter seus direitos”,78 o objetivo do programa de da BRAC era diferente. Diferentemente do programa de Educação Funcional (EF), a EPNF tinha os mesmos objetivos que as escolas primárias do governo.79 A BRAC alegava que seu currículo de Educação Funcional era influenciado por conceitos freirianos e pedagogia para conscientizar e mobilizar os pobres rurais80, mas o programa objetivava qualificar as crianças com habilidades básicas de letramento e numeramento, e prepará-los para escolas secundárias financiadas pelo governo.81 Ao fazer isso, a BRAC estava preparando seus estudantes para as escolas do governo que seguiam o método de educação, o qual não é dialógico, não mútuo e faz entregas não comunicativas de conhecimento, tal como o modelo que é fortemente criticado por Freire.82

Argumenta-se que, embora as mulheres da comunidade expressassem sua preocupação com a educação de seus filhos à BRAC, essas preocupações não foram o único motivo para a BRAC elaborar, desenvolver e lançar o programa. Levanta-se a questão sobre o porquê de a BRAC não lançar um programa de educação para crianças quando já tinha introduzido um programa de educação para adultos. Argumenta-se que a BRAC gradualmente minimizou e abandonou seu programa de educação para adultos no fim dos anos 1980 para adotar o programa de EPNF para obedecer à ideologia neoliberal e à campanha de educação para todos que ganhou atenção no começo dos anos 1980. Portanto, enxergamos o programa da BRAC para crianças em desvantagem social não como uma resposta às mulheres das comunidades, mas como uma mudança de paradigma em sua política de desenvolvimento, alinhada à campanha global de educação para todos para obedecer à ideologia neoliberal e os mandatos da indústria de auxílio internacional, dentro do panorama de suas necessidades organizacionais e de desenvolvimento.

Educação para liberdade versus educação para desenvolvimento

A educação é um componente crítico das iniciativas de desenvolvimento social da BRAC e a “BRAC considera a educação como uma chave para a mobilidade social”.83 Desde o começo de seu trabalho de desenvolvimento “a BRAC era toda sobre educação”84 e a educação chegava para a BRAC em diferentes formas e tamanhos experimentais. A BRAC reconhecia que o analfabetismo era um dos maiores motivos para a pobreza sistemática na Bangladesh rural.85 As pessoas precisavam ser educadas para aliviar a pobreza, o propósito principal do desenvolvimento. A BRAC compreendia que o desenvolvimento sustentável constrói o desenvolvimento humano e este estava enraizado na educação.86

Abed, o principal arquiteto do programa EPNF da BRAC, estava convencido de que a educação era o grande equalizador para os pobres,87 e que atender às necessidades educacionais era imprescindível para melhorar o crescimento socioeconômico. Abed via a educação como uma ferramenta de desenvolvimento e um componente crítico na luta contra a pobreza, na reconstrução pós-guerra e para o povo da Bangladesh recém-independente.88 Ele também lia amplamente sobre o desenvolvimento na década de 197089 e inspirava-se nas teorias de dependência de Andre Gundar Frank. Portanto, levando em consideração a reciprocidade da educação e do desenvolvimento, a BRAC iniciou um programa de Educação Funcional em Sulla, nordeste de Bangladesh, em 1973, com uma campanha intensa de letramento para adultos.90 Referindo-se a esse letramento como um componente chave de sua iniciativa de desenvolvimento rural, a BRAC declarou que “um movimento de alfabetização forte foi, portanto, lançado no começo de 1973 como um elemento da estratégia de desenvolvimento rural da BRAC”.91 A BRAC também usou seus programas de educação para formar organizações comunitárias, cooperativas e círculos culturais para apoiar os programas de desenvolvimento rural. A estratégia de desenvolvimento da BRAC do início dos anos 1970 foi amplamente construída sobre seus programas de educação para adultos.

A BRAC, por fim, abandou seu programa de Educação Funcional e moveu-se para o programa de EPNF na metade dos anos 1980. Ela usou o programa para conectar as crianças em desvantagem à educação. Seu objetivo era dar às crianças de famílias pobres uma segunda chance de assumir responsabilidades pelo desenvolvimento de seu próprio futuro. Desse modo, o propósito do programa EPNF não era muito diferente do programa de educação primária do governo. O foco do programa era desenvolver habilidades de letramento e alfabetização matemática, tais como do programa de educação primária do governo. Com relação à similaridade entre os objetivos da EPNF e dos programas de educação primária do governo, John Ahmed e Islam comentaram que “[o programa EPNF] era o mesmo das escolas primárias: equipar as crianças com habilidades de letramento e alfabetização matemática e prepará-los para a escola secundária”.

Argumenta-se que a BRAC introduziu o programa como um componente de seu objetivo maior de desenvolvimento integrado, e não como uma extensão de sua abordagem de conscientização (programa de Educação Funcional) dos conceitos educacionais de Freire. O objetivo do programa EPNF era apoiar o sistema de escolas do governo para educar as crianças não alcançadas pelas escolas, alinhando-se com as iniciativas de desenvolvimento mais amplas da BRAC. Enquanto Abed se inspirava pela filosofia libertadora de Freire (Rafi, 2003), o programa de EPNF era puramente uma campanha de educação em longo prazo orientada pelo mercado (leia-se “desenvolvimento de habilidades e capacitação”), para criar para os mais necessitados melhores oportunidades de renda e ajuste da pobreza. A EPNF não pretendia libertar as crianças da opressão sistemática, tampouco humanizá-las, tirando-as de seu estado de desumanização, como Freire sugeria. O objetivo fundamental era conduzir as crianças ao desenvolvimento neoliberal, de modo a apoiar o sistema de produção existente, não desafiar a estrutura social injusta e a hegemonia opressora. Argumenta-se que, embora Freire considerasse “a essência da educação como uma prática de liberdade”,92 a BRAC enxergava a educação como uma ferramenta baseada no mercado para criar oportunidades melhores de emprego na economia de mercado neoliberal e no sistema de produção. Em resumo, a BRAC não considerava a educação como liberdade, mas a usava como prática de desenvolvimento neoliberal.

Sem desafio à hegemonia, sem risco para a BRAC

Na década de 1970, ONGs internacionais em locais em países afetados pela pobreza eram predominantemente influenciadas por Schumacher (1973). Elas começavam a investir principalmente no crescimento qualitativo dos seres humanos e em infraestrutura humana como um processo de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, as ONGs envolvidas em atividades de autoajuda reconheciam as limitações as atividades de desenvolvimento organizadas por grupos em desvantagem social e observavam que seus trabalhos eram contrapostos pela estrutura social opressiva.93 Elas também notavam que as iniciativas de desenvolvimento pelas pessoas em desvantagem eram barradas pelas elites políticas, econômicas e sociais. ONGs de desenvolvimento respondiam a esses problemas gradualmente e consideravam o desenvolvimento um método de libertar os necessitados e as pessoas em desvantagem social do status quo dominante, dos opressores humanos e da pobreza sistemática (Clark, 1991).94 A BRAC também se envolvia no desenvolvimento qualitativo de seres humanos. Embora tivesse programas de combate à pobreza, seu foco era empoderar95os pobres e inseri-los no desenvolvimento (Rafi, 2003).96

Como declarado anteriormente, já que Abed estava ciente das filosofias, teorias e ideias de Frantz Fanon, Ivan Illich, Paulo Freire, Andre Gundar Frank e Ernst Friedrich Schumacher,97 suas ideias sobre desenvolvimento humano e social foram traduzidas nas iniciativas de desenvolvimento social da BRAC. Portanto, no começo dos anos 1970 a BRAC também enxergava o desenvolvimento em Bangladesh como um processo de investir nas pessoas e em sua educação, organizar cooperativas e desenvolver infraestrutura. A BRAC percebeu que os pobres deveriam se tornar cientes de seus problemas imediatos, a natureza complexa da pobreza sistemática e do processo dominante de exploração praticado pelos opressores (BRAC, 1977). Entendia, ainda, que se aqueles em situação de vulneabilidade não percebessem que eram explorados sistematicamente, todos os resultados econômicos e o trabalho de desenvolvimento “seriam desviados ou extraviados por setores mais abastados dentro da sociedade”.98 Por essas razões, a BRAC adotava a política de sistematicamente conscientizar os participantes de seu programa na hora de estabelecer suas organizações de vila e “de 1978 em diante a BRAC fez esforços deliberados de conscientizar os membros das organizações de vilas por meio do programa de Educação Funcional”.99 Portanto, argumenta-se que conforme as ideias de desenvolvimento dominantes na década de 1970 e as influências de Frantz Fanon, Paulo Freire, Ivan Illich, Andre Gundar Frank e Ernst Friedrich Schumacher foram traduzidas nos trabalhos da BRAC depois de 1972 para apoiar os pobres rurais, a BRAC era, em princípio, uma organização principalmente altruísta, como outras ONGs em Bangladesh naquela década.

A abordagem da BRAC no que dizia respeito ao desenvolvimento em termos de mudanças estruturais, libertação e humanização dos pobres seguiu direções diferentes (Fateh, 2022) depois que seus projetos de desenvolvimento foram lançados. A BRAC agregou uma versão não política, não radical e não revolucionária da pedagogia e letramento críticos de Freire.100 Entretanto, logo depois de introduzir sua campanha de educação funcional para conscientizar os pobres rurais em 1974, a BRAC enfrentou resistência das elites locais e da estrutura de poder dominante.101 Os grupos de poder existentes consideravam o programa de Educação Funcional da BRAC, carregada de conscientização, como uma ameaça à sua dominância e aos seus privilégios.102 Independentemente de suas crenças em democracia liberal, pluralismo e movimento político radical, secularismo e ideologia progressiva, a BRAC descobriu que seus programas, principalmente o programa de Educação Funcional, se opunham às estruturas de poder locais e outros grupos. O sócio de Abed, Rafi, declarou que a educação conscientizadora da BRAC “era um desafio direto à base de poder rural, se os participantes (os pobres) demandassem ou não justiça econômica, política ou social, com ou sem mudança no sistema.”103

Por outro lado, o governo central e a administração local não apoiavam o programa de educação para adultos da BRAC. Eles se opunham à campanha conscientizadora da BRAC e outras ONGs porque dependiam da estrutura de poder local para implementar as agendas social e política e manter o status quo. Governos antidemocráticos consecutivos e militares das décadas de 1970 e 1980 também desconfiavam e se sentiam desconfortáveis com o programa de conscientização das ONGs, temendo uma revolta política. Relutavam em promover uma mudança estrutural pelo risco de perturbar a estrutura de poder local nas comunidades.104 Consequentemente, resistência e pressão na BRAC por grupos de poder locais, partidos políticos, grupos de administração, negócios e grupos religiosos conservadores levaram a BRAC a redefinir sua abordagem ao programa de educação funcional. Tal oposição de diferentes lados desafiava o crescimento da BRAC e ameaçava sua existência como organização (Khanna, 2014).105 Em tais circunstâncias, a BRAC “não quis entrar em conflito com as elites políticas e sociais ou arriscar enfurecer o governo”.106 Assim, decidiu-se por não desafiar a hegemonia do status quo estabelecido e se afastou da noção de “empoderar” os pobres. Como resultado, gradualmente minimizou e comprometeu seu programa de educação e conscientização e moveu-se para o crédito (microfinanças) e outros programas de desenvolvimento focados em renda (Smillie, 2009; Rafi, 2003),107 além do programa EPNF, nenhum dos quais desafiaria de forma convincente as forças poderosas, como Freire desejava.

Embora Abed entendesse que a pobreza era causada pela impotência dos pobres e que eles deveriam se organizar por poder por meio do processo de conscientização, a BRAC abandonou essa abordagem e focou na EPNF para complementar a educação fornecida pelo governo, fortemente criticada por Freire. A BRAC sabia que os fazendeiros ricos, os credores, as elites rurais e os líderes políticos eram grupos dominantes opressivos na sociedade e reconhecia que a natureza complexa da pobreza em Bangladesh estava enraizada em uma estrutura de poder neocolonial.108 No entanto, adotou o programa de EPNF em conformidade com a estrutura de poder local em vez de implementar as ideias radicais, políticas e revolucionárias de Fanon e Freire. Abed sabia que a educação funcional era a chave para os pobres alcançarem a liberdade da pobreza, da opressão e da desumanização, mas a BRAC abandonou o programa para se alinhar aos grupos de poder local e à hegemonia do governo. Argumenta-se que a BRAC comprometeu os conceitos radicais e revolucionários de Freire sobre educação popular quando adotou o programa para evitar antagonizar as estruturas de poder locais e a hegemonia do governo.

Mohammad Rafi,109 sócio de Abed e funcionário da BRAC, alega que a BRAC empoderava os pobres ao combater (leia-se “ajustar”) sua pobreza e conectá-los ao “desenvolvimento”.110 Ele declarou também que, por meio da Educação Funcional, a BRAC pretendia organizar os pobres para desenvolverem autoiniciativas e motivá-los a procurar ações e soluções para seus problemas (Rafi, 2003).111 Mas Fateh (2022)112 contra-argumentou que a BRAC adotava uma versão pacificada e materialista da conscientização radical de Freire em seu programa de educação para adultos, para tornar seus participantes cientes de seus habilidades acerca de oportunidades econômicas e de geração de renda. O principal objetivo da BRAC era mobilidade econômica para os pobres, não humanização e libertação completa como Freire sugeria. Fateh declarou que, enquanto os conceitos de Freire eram revolucionários e altamente políticos, a BRAC intencionalmente despolitizou o seu currículo e limitou a luta real dos pobres para procurar abordar as causas de seus problemas.113 Em vez de motivar e mobilizar os pobres rurais a lutarem contra o status quo dominante para estabelecer justiça social e um tratamento justo para todos, a BRAC focou em programas de ajustes da pobreza.

Claramente, a adoção da BRAC do programa de EPNF estava conectada à sua submissão à estrutura de poder local, às forças políticas antidemocráticas e à hegemonia do governo de modo a minimizar riscos e fortalecer seu crescimento como organização.

Retorno lento da conscientização versus retorno rápido da oferta de serviços

A orientação da BRAC no sentido da oferta de serviços, ao contrário de conscientização para obter retorno rápido e tangível, explica por que razão ela adotou o programa EPNF. Alinhada a Freire, a BRAC entendia que a educação conscientizadora é um trabalho de ação política, organização social e com raízes no desenvolvimento (Rafi, 2003).114 Mas superar a estrutura de poder prevalecente ao tornar as pessoas criticamente conscientes ou conscientizadas não é uma tarefa fácil e requer comprometimento duradouro. Exige tempo e uma grande base de poder organicamente formada pelos próprios oprimidos. Considerando que a conscientização é um processo psicossocial seguido de ação e reflexão contra o status quo estabelecido na realidade social dos oprimidos, a luta dos pobres e oprimidos é resistida pelos opressores. Para a BRAC, o processo de conscientização precisava de uma meta de longo prazo e um incremento de recursos durante um período de tempo estendido. Ela tinha que investir tempo e dinheiro e então esperar para ver as ações e as reações (“práxis”, termo usado por Freire) dos participantes. Em contrapartida, os resultados de atividades de serviços de uma ONG são rápidos e palpáveis. Por exemplo, atividades com base em crédito, fazendas, pesca, saneamento, saúde e trabalhos agriculturas têm, todas, retornos mais rápidos do que a educação conscientizadora. O programa de extensão da BRAC, as operações de crédito, a loja Aarong, o sistema de saúde, o serviço de planejamento familiar, entre outros, também geravam ganhos rápidos e tangíveis. Mais importante, esses serviços também geravam fluxo de caixa rápido, alcançando mais pessoas e atraindo mais financiamento externo.

Em correspondência, organizações neoliberais e agências de auxílio ocidentais também preferiam investir em projetos de oferta de serviços, refletindo uma mudança em sua política de desenvolvimento, influenciada pelas recomendações do Consenso de Washington.115 Durante os anos 1980, com a crescente influência do neoliberalismo, as agências de auxílio também ficaram gradualmente menos interessadas em investir em projetos que não tinham sido testados no campo, tido impactos positivos e não se sabia se funcionavam de forma eficaz.116 Eles se tornaram mais seletivos e prescritivos e começaram a impor condições em projetos de financiamento para promover suas próprias agendas.117 Também encaminhavam soluções para o combate (leia-se “ajuste”) da pobreza baseadas no mercado, com programas de oferta de serviços que se alinhavam à ideologia neoliberal. Cada vez mais eles procuravam as ONGs para a oferta de serviços e queriam ver resultados palpáveis de seus investimentos em um período de tempo relativamente curto.

Organizações neoliberais e entidades de auxílio ocidentais começaram a pedir às ONGs para supri-las com detalhes de projetos, relatórios de atividades e provas de resultados.118 Visto que os doadores estavam se tornando menos interessados em projetos conscientizadores, estes passaram a receber menos atenção tanto por parte dos doadores quanto das ONGs. E porque as ONGs em países pós-coloniais nas décadas de 1970 e 1980 dependiam fortemente de financiamento de doadores, tinham que obedecer às exigências das entidades doadoras. As ONGs começaram a implementar projetos de entrega de serviços com resultados rápidos e visíveis para assegurar financiamento e apoio para seus projetos e crescimento organizacional. Programas de conscientização se tornaram menos financiados do que os projetos que envolviam serviços.

Durante esse período, a BRAC também enfrentou as mesmas circunstâncias que outras ONGs quanto ao apoio de entidades de auxílio ocidentais em termos de conscientização versus projetos de serviços. Com a influência crescente do neoliberalismo (de 1980 até 1995) e a pressão da indústria de auxílio ocidental, a BRAC também moveu seu programa de conscientização para uma solução da pobreza baseada no mercado (Fateh, 2022). Antecipando a globalização neoliberal e as mudanças no cenário de auxílio e a política nos próximos anos, em 1986 a BRAC combinou seu Programa de Crédito e Treinamento Rural (RCTP, na sigla em inglês), ao seu programa de extensão de desenvolvimento rural (Ahmed e Hopper, 2012), de modo a apoiar o benefício econômico dos pobres rurais por meio da construção de instituições, operações de crédito, geração de emprego e outros programas de apoio e de serviços (Hower e Sattar, 1992). Com a mudança da BRAC para programas que forneciam ganhos rápidos e tangíveis ao invés de educação conscientizadora (funcional), ela deixou de ser uma organização dirigida pelo valor, mas uma entidade dirigida pelo mercado que cedia às preferências dos doadores.

Argumenta-se que, ao seguir a mudança política das entidades de auxílio internacionais em direção à entrega de serviços, a BRAC passou de transformações estruturais lentas e longas para a entrega de serviços rápidos e palpáveis. Durante essa mudança, a BRAC comprometeu os princípios revolucionários de Freire como uma organização de valor social, abandonou seu programa de Educação Funcional e adotou um programa para apoiar um sistema de educação financiado por governos antidemocráticos consecutivos. Resumidamente, a BRAC afastou-se de sua abordagem conscientizadora, elaborada para empoderar rurais pobres para submeter à hegemonia de entrega de serviço, para capitalizar as oportunidades que emergiram dessa obediência.

Pequeno é lindo, mas ser gigante é necessário

Após a guerra de independência em 1971, uma Bangladesh devastada pela guerra herdou uma mistura de desafios relacionados a pobreza, analfabetismo, saúde, higiene, água limpa, desnutrição e planejamento familiar etc., os quais precisavam de pronta ajuda financeira e atenção do governo (Mittal Harvard, 1 de maio, 2014). No entanto, os serviços do governo eram insuficientes em atender às necessidades do povo (Jonker, 2009; Back com a BRAC, 75). Serviços básicos eram geralmente limitados a áreas urbanas e não existiam em outros lugares (Smillie, 2009). O sistema de educação estabelecido no passado colonial nunca foi feito para desenvolver e florescer e a pequena infraestrutura presente no local foi destruída pela guerra. Havia uma enorme necessidade de mais programas de educação em grande escala juntamente a projetos de oferta de serviços, por toda a nação.

Em tais circunstâncias, o fracasso do governo em fornecer serviços básicos criou oportunidades para as ONGs como a BRAC de se envolverem na educação e na oferta de serviços. Para doadores ocidentais, as ONGs emergiram como alternativas mais adequadas do que o governo para oferecer serviços básicos (Ahmed e Hopper, 2014). Abed observou a crise e percebeu que atividades em larga escala e de longo prazo eram necessárias para se ter um impacto significativo e rápido nas vidas das pessoas em situação de vulnerabilidade no país (Ahmed e Rafi, 1999). Ele também viu a oportunidade de incrementar programas para atender a mais pessoas em diferentes regiões pelo país (Ahmed and Rafi, 1999) e tornar a BRAC uma organização sustentável. Portanto, decidiu expandir os projetos da BRAC para oferecer serviços tanto quanto possível (Smillie, 2009). Com relação às ideias de Ernst Friedrich Schumacher em Small Is Beautiful: A Study of Economics as If People Mattered (1973), que pode ser traduzido como “Pequeno é lindo: um estudo econômico que leva em consideração as pessoas”, Abed rebateu que pequeno era mesmo lindo, mas que ser gigante era necessário no contexto socioeconômico de Bangladesh (Fateh, 2022; Smillie, 2009). Tal movimento da BRAC de crescer e gerenciar mais projetos de oferta de serviços para mais e mais pessoas era uma mudança significativa de sua política de desenvolvimento inicial (Ahmed e Rafi, 1999) e dos princípios organizacionais enraizados na filosofia de Freire.

A BRAC entendia que, para se tornar uma gigante, atender mais pessoas e gerenciar mais projetos, ela precisava de recursos e do apoio de doadores. Ao mesmo tempo, a BRAC não queria ser dependente de entidades de auxílio e do apoio do governo para gerenciar seus projetos. Por essa razão, mudou sua estratégia de desenvolvimento e iniciou os seus “próprios negócios para gerar fluxo de caixa e suplementar doações, de modo a apoiar seus projetos” (Fateh, 2022, p. 14). Em 1975, fundaram uma gráfica que gerou lucro de 17.400 dólares em seu primeiro ano e, em 1978, uma loja de varejo de artesanato comunitário chamada Aarong. Esta se tornou uma das grandes fontes de caixa para a BRAC em poucos anos. O centro de aprendizagem da BRAD foi estabelecido em 1978 e também se tornou uma fonte de renda ao fornecer capacitação para pessoas e funcionários de outras instituições e ONGs, trabalhando na área de desenvolvimento social (Fateh, 2020). Por volta de 1980, a BRAC tinha investido em aves, frigoríficos, gado, numa fábrica de sal iodado, num laboratório de cultura de tecidos e em centros de criação de gado em todo o país. A BRAC cresceu exponencialmente a partir do final da década de 1970 e “em seu sétimo ano, a BRAC estava claramente bem estabelecida e ganhava reconhecimento em Bangladesh e no exterior” (Smillie, 2009, p. 137).

Embora Freire fosse um crítico do neoliberalismo e das intervenções neoliberais na educação, a BRAC abraçou a ideologia neoliberal. A mudança da BRAC para focar na geração de renda e soluções para o combate à pobreza com base na lógica de mercado, indica sua adoção ao neoliberalismo. Em vez de fortalecer a abordagem conscientizadora da Educação Funcional, investiu em projetos de geração de renda e com foco em se tornar uma organização grande e sustentável. Visto que os programas estavam gerando caixa, a liderança da BRAC ganhou confiança para investir os fundos em outros empreendimentos sociais e projetos pilotos (Jonker, 2009, p. 75). De acordo com Abed, a BRAC era capaz de investir em novos projetos e experimentar ideias inovadoras ao gerar seus próprios recursos (Jonker, 2009). Por exemplo, a BRAC investiu em um programa de reidratração oral com o lucro gerado pela exposição na imprensa. Portanto, entende-se que tal movimento da BRAC sinaliza sua transição de uma organização de valor social para uma organização neoliberal em nome de “ser pequeno é lindo, mas tornar-se um gigante é necessário”, contradizendo o movimento “pequeno é lindo” promovido por Schumacher (1973).

O desejo da BRAC de expandir seu programa de desenvolvimento pelo país é outro motivo para eles terem adotado o programa de EPNF. Desde o início de seu programa, o propósito da BRAC era elaborar e demonstrar um sistema de educação econômico, de alto padrão e relevante para crianças rurais em situação de vulnerabilidade, que poderia ser replicado pelo próprio país (BRAC, relatório NFPE de 1984 até 1986). Em seu relatório anual (BRAC, relatório EPNF, 1988, p. 2), a BRAC declarou que queria desenvolver uma comunidade de professores paraprofissionais no país e “experimentar diferentes modalidades de participação comunitária para encorajar mais apoio ao programa de EPNF em escala nacional”.

Após lançar seu programa conscientizador de Educação Funcional, a BRAC se sentiu ameaçada pelas elites rurais e por grupos poderosos. Percebeu que as estruturas de poder locais tinham começado a enxergar esse modo de educação como uma ameaça à sua dominação (Rafi, 2003). Houve um recuo por parte de certos grupos poderosos que queriam que a BRAC fosse desconectada e desprezada. Abed percebeu que, se permanecesse pequena e “linda”, a BRAC poderia ser facilmente eliminada por forças opressoras. Mas, se crescesse e se tornasse poderosa, ela não poderia ser removida facilmente (Abed, 2014). Visando a incrementar os projetos da BRAC, Abed declarou que queria deliberadamente expandir a BRAC e buscou o apoio de seus doadores para crescer e lidar com as ameaças dos grupos poderosos locais. Isso significa que, para salvar a BRAC de ser intimidada e removida pelas forças dominantes, Abed intencionalmente começou a expandir os seus programas. Por volta de 1979, a BRAC possuía uma equipe de 400 pessoas, com muitos projetos em andamento. Embora não fosse ainda uma grande organização, era substantiva o suficiente para enfrentar as ameaças e os desafios das forças dominantes (Khanna, 2014).

Apesar de Abed apelar aos desafios impostos por forças dominantes para justificar o aumento de seus projetos, o resultado foi a mudança da BRAC de uma organização de valor social para uma corporação movida pelas forças do mercado. Além disso, Abed percebeu que a cooperação de forças locais dominantes era necessária para a expansão, segurança e sustentabilidade dos projetos da BRAC. Não era possível para a BRAC gerenciar e expandir projetos pelo país sem ganhar a “confiança” das elites locais. Visto que as estruturas de poder dominantes já enxergavam o programa de Educação Funcional da BRAC como uma ameaça e resistiam ao programa (Rafi, 2003), a BRAC não queria contrariar a estrutura de poder rural em nome da expansão de seus projetos.

Constata-se o interesse crescente da BRAC pela oferta de serviços e as políticas neoliberais, tornado-se, por isso, uma organização de desenvolvimento com base em mercado (leia-se empresa “corporativa”), grande e sustentável, bem como de expandir seus projetos pelo país e se salvar da ameaça de ser eliminada. A BRAC adotou o programa EPNF no panorama de sua política de desenvolvimento e de suas necessidades organizacionais. Resumidamente, a BRAC iniciou o programa EPNF não apenas para apoiar as crianças das famílias em situação de vulnerabilidade, mas também para servir às suas próprias necessidades organizacionais.

Conclusão

A BRAC tem feito um ótimo trabalho ao fornecer educação básica para crianças, principalmente meninas em idade escolar e comunidades indígenas em Bangladesh. Seu modelo de educação primária se mostrou um programa eficaz em diferentes partes do mundo. No entanto, conclui-se que a BRAC adotou o programa de EPNF por outros motivos além de uma resposta aos pedidos das comunidades desfavorecidas. Ao lançar este programa, a BRAC viu o potencial de apoiar crianças rurais em situação de vulnerabilidade social, mas também viu oportunidades de crescer como organização e incrementar seus projetos de desenvolvimento pelo país. A liderança da BRAC entendia claramente a mudança de interesse das agências de ajuda internacional no contexto emergente do neoliberalismo nos anos 1980 e viu nisso uma oportunidade.

Visto que era muito dependente do financiamento de doadores nos anos 1970 e 1980 para gerenciar seus programas, a BRAC quis seguir os passos de suas agências de financiamento. Como resultado, abandonou a abordagem conscientizadora e gradualmente mudou para um modelo de serviço e microcrédito. De forma notável, embora Abed tenha lido Freire em 1970, reconhecido o papel da educação no desenvolvimento humano, e ciente da importância da educação primária para crianças de comunidades rurais e em vulnerabilidade, a BRAC, uma organização de desenvolvimento rural de um país de terceiro mundo - como os países em desenvolvimento eram rotulados na época - não lançou seu programa de educação primária até 1985. A organização estava fortemente envolvida com habitantes da zona rural, sobretudo mulheres, por meio de projetos de desenvolvimento rural, e já tinha lançado projetos comerciais e de microcrédito, tornando-se a maior ONG em Bangladesh no começo dos anos 1980. Mas ela não lançou seu programa de educação básica para as crianças rurais até muito depois. Além disso, em sua primeira proposta de desenvolvimento para a Oxfam (BRAC, 1972), a BRAC focou amplamente em projetos de desenvolvimento rural (agricultura, pesca e formação de cooperativas etc.) para criar mais oportunidades de geração de renda, embora reconhecesse a importância da educação funcional em desenvolver habilidades básicas de letramento e alfabetização matemática. Antes de 1985, a BRAC tinha lançado muitos programas de desenvolvimento e mobilidade econômica para centenas de milhares de pessoas em Bangladesh, mas não havia iniciado programas para crianças em situação de vulnerabilidade social. Nesta análise das declarações, entrevistas e da biografia de Abed, notou-se que a BRAC adotou uma abordagem calculada, agindo passo a passo, informando-se e esperando o tempo e a oportunidade certa para o lançamento da EPNF. Entende-se que, embora a BRAC tenha respondido às preocupações das mulheres das comunidades, o programa EPNF não foi unicamente o resultado desses pedidos.

Por outro lado, a BRAC queria incrementar seus programas pelo país para fornecer seus serviços para mais e mais pessoas. Ela também queria crescer, tornar-se grande e poderosa para combater as ameaças de influentes forças locais e nacionais. Para a BRAC, a EPNF era um programa com esse potencial de crescimento. Ademais, embora o programa de Educação Funcional da BRAC tenha apresentado alguns impactos positivos em termos de formar organizações e cooperativas em comunidades (BRAC, 1980), ele se limitava a poucas regiões, não conseguindo alcançar todo o país. Enquanto a educação funcional trouxe algumas mudanças positivas entre os participantes (BRAC, 1977), ela falhou em se tornar um programa de educação significativo entre os pobres e explorados. Além disso, o programa de Educação Funcional era considerado uma ameaça à estrutura de poder local e seus privilégios. Em contraste, o programa EPNF tinha potencial para se espalhar por todo o país sem contrariar as elites rurais. Portanto, conclui-se que o programa de EPNF da BRAC foi lançado não apenas para apoiar crianças rurais, mas também para substituir o programa de Educação Funcional, para não perturbar a estrutura de poder local e para alcançar o desejo da BRAC de incrementar programas pelo país. Pode-se argumentar que a intenção de crescimento da BRAC e o fracasso de seu programa de Educação Funcional em se expandir pelo país criaram uma oportunidade para a BRAC lançar o programa de EPNF.

Nesta análise, aponta-se que o programa de EPNF da BRAC foi adotado como um componente de sua abordagem de desenvolvimento integrada. A BRAC nunca pretendeu usar a EPNF como uma ferramenta para incutir consciência e pensamento crítico nos estudantes. Em vez disso, era uma ferramenta para apoiar a educação tradicional, o sistema de produção existente e o desenvolvimento neoliberal. Embora alguns conceitos de pedagogia e letramento de Freire fossem usados para selecionar professores, determinar a organização dos assentos nas salas, promover aulas dialógicas119 e desenvolver um currículo centrado no estudante, eles nunca quiseram ser radicais, políticos ou críticos. Quanto ao desenvolvimento do letramento e numeramento básicos, o objetivo do programa não era totalmente diferente daquele das escolas do governo. Enquanto as escolas primárias do governo preparavam os estudantes para as escolas secundárias, o programa de EPNF fazia o mesmo para conectar crianças menos favorecidas às escolas secundárias do governo. Assim, era uma grande oportunidade para elas acessarem a educação pública e desenvolverem as habilidades necessárias para serem empregadas no mercado neoliberal sem questionar a estrutura social opressiva e o status quo.

Além disso, a EPNF também tinha o potencial de atrair o financiamento de doadores e o apoio de entidades de ajuda humanitária internacional. Descobrimos que a USAID e o UNICEF, em particular, tinham interesse no papel que o programa de EPNF queria alcançar na esfera da educação primária universal em Bangladesh. Embora a BRAC tivesse outrora se inspirado em Freire e demonstrado conhecimento da teoria da dependência de Gundar Frank, sua adesão ao programa de EPNF foi um sinal de submissão à estrutura de poder local e à hegemonia internacional diante do surgimento do neoliberalismo nos anos 1980, em favor do crescimento da organização.

Hoje em dia a BRAC é provavelmente a maior organização de desenvolvimento híbrido do mundo (Ahmed; Hopper e Wickramasinghe, 2012). Ainda que seja uma organização sem fins lucrativos e não governamental (ONG), a BRAC é agora uma corporação centrada no lucro em sua abordagem de desenvolvimento. Ela é dirigida por empreendimentos comerciais lucrativos, que vão de fábricas de sal até bancos e empresas de aluguel. Curiosamente, sendo uma organização sem fins lucrativos, a maioria dos maiores executivos atuais da BRAC e os membros da equipe de gestão sênior trabalhavam em empresas multinacionais de boa reputação antes de se juntarem à BRAC. Atualmente a ONG é também a segunda maior empregadora no país, atrás apenas do governo de Bangladesh. Em termos de microcrédito e de combate à pobreza, a BRAC é agora a empresa mais inovadora e diversificada no campo do desenvolvimento. Ela oferece educação não formal para milhões de pessoas ao redor do mundo com foco em habilidades mercadológicas e capacitação.

Assim, embora a BRAC tenha se inspirado inicialmente na filosofia de Freire, o programa EPNF e seu currículo estão enraizados em uma abordagem de desenvolvimento comunitário. Devido à sua abordagem mercadológica de capacitação e desenvolvimento de habilidades, o programa é muito bem-sucedido. Entretanto, quando os estudantes da EPNF vão para as escolas primárias e secundárias do governo, enfrentam desafios diferentes. Essa transição não é tranquila, e eles são vistos de forma diferente pelos professores e estudantes das escolas públicas. Como as avaliações, os estilos de ensino e o histórico socioeconômico dos estudantes em escolas públicas são diferentes das de escolas da BRAC, há dificuldade na transição do programa EPNF para o novo sistema escolar. Isso cria uma tensão entre eles, o que resulta em dois grupos de estudantes na educação secundária e superior.

Não se pode afirmar, porém, que o lançamento do programa de EPNF tenha sido motivado apenas por interesse e aspirações de crescimento da BRAC. O currículo primário da EPNF, os relatórios e os documentos foram analisados, mas teria sido ideal entrevistar Abed e a equipe envolvida no começo do programa. Também seria sido útil entrevistar os professores da BRAC, educadores e os elaboradores do currículo de EPNF na década de 1980, responsáveis pelos objetivos e atividades propostas. Mas, obviamente, nada disso foi possível.

Nos últimos 37 anos, a BRAC implementou o programa NFPE tanto nacional quanto internacionalmente, estabelecendo-se como pioneira em iniciar modelos de escola de baixo custo, com um professor, para crianças socialmente desfavorecidas em todo o mundo. No entanto, a essa altura, ela também se destacou como a maior, mais sustentável e mais empresarial ONG do mundo. Parece que o crescimento e a sustentabilidade da BRAC como organização têm maior proeminência do que o crescimento e a resiliência dos clientes a que serve e para os quais foi inicialmente estabelecida. Portanto, mais pesquisas são necessárias para determinar os principais beneficiários do programa NFPE: o próprio BRAC ou as crianças socialmente desfavorecidas que receberam o programa por um período prolongado. A resposta a esta pergunta continua a ser determinada.

REFERÊNCIAS

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2Mohammad Abul Fateh, “A Historical Analysis on Bangladesh Rural Advancement Committee (BRAC) and Abed’s Reception of Paulo Freire’s Critical Literacy in Designing BRAC’s Functional Education Curriculum in Bangladesh from 1972 to 1981”, dissertação de mestrado em educação não publicada, (Queen’s University, 2020); Anu Muhammad, “Rise of the Corporate NGO in Bangladesh”, Economic and Political Weekly 53, n. 39 (setembro, 2018): 45-52.

3Mohammad Abul Fateh, “Bangladesh: An Analysis of BRAC’s Shift from Freire’s Critical ‘Conscientization’ to a Neoliberal Self-Optimization Approach of Development”, Espacio, Tiempo y Educacion 9, n. 1 (janeiro-junho, 2022): p. 99-121; Manzurul Mannan, “BRAC: Anatomy of a ‘Poverty Enterprise’”, Nonprofit Management and Leadership 20, n. 2 (04 de dezembro, 2009): p. 219-233; https://doi.org/10.1002/nml.250.

4Fateh, “A Historical Analysis”; Muhammad, “Rise”; Subhabrata Bobby Banerjee and Laurel Jackson, “Microfinance and the Business of Poverty Reduction: Critical Perspectives from Rural Bangladesh”, Human Relations 70, n. 1 (2017), p. 63–91.

5Christian Seelos and Johanna Mair, BRAC–An Enabling Structure for Social and Economic Development (Madrid: IESE Business School–University of Navara, 2006).

6Samir Ranjan Nath, Quality of BRAC Education Programme: A Review of Existing Studies, Research Monograph Series No. 29 (Dhaka: BRAC, 2006).

7Fateh, “Historical Analysis.”

8Manzoor Ahmed et al., Primary Education for All: Learning from the BRAC Experience. A Case Study, (Washington, DC: Academy for Educational Development, 1993).

9Glenn A. Bowen, “Document Analysis as a Qualitative Research Method”, Qualitative Research Journal 9, n. 2 (2009): p. 27-40. DOI: https://doi.org/10.3316/QRJ0902027.

10Quentin Skinner, “Meaning and Understanding in the History of Ideas”, History and Theory: Studies in The Philosophy of History 8, n. 1 (1969): p. 3–53.

11Martyn P. Thompson, “Reception Theory and the Interpretation of Historical Meaning,” History and Theory: Studies in The Philosophy of History 32, n. 3 (1993): p. 248–272.

12Frantz Fanon, Black Skin, White Masks (New York: Grove Press, 1967); Andre Gunder Frank, “The Development of Underdevelopment,” Monthly Review 18, n. 4 (1966): p. 17-31; Anibal Quijano, “Coloniality of Power and Eurocentrism in Latin America,” International Sociology 15, n. 2 (2000): p. 215–32.

13Tina Rosenberg, “Where Private School is Not a Privilege,” New York Times, 8 de maio, 2013; Scott Macmillan, “Glorious Failure: The Joy of Learning From Your Mistakes,” The Guardian, 30 de março, 2015.

14BRAC, From Progress to Development in Sulla (Dhaka: BRAC, 1974).

15Ian Smillie, Freedom From Want: The Remarkable Success Story of BRAC, The Global Grassroots Organization That’s Winning The Fight Against Poverty (Sterling, VA: Kumarian Press, 2009), p. 35.

16BRAC, Annual Report (Dhaka: BRAC, 2004), p. 9.

17John K. Davis, "NGOs and Development in Bangladesh: Whose Sustainability Counts?” in Global Poverty: Sustainable Solutions. Proceedings of the Anti-Poverty Academic Conference with International Participation (Perth: Murdoch University Institute for Sustainability and Technology Policy, 2006), p. 6.

18Muhammad, “Rise.”

19BRAC, Report on Development of Innovative Methodologies in Functional Education for Bangladesh (Dhaka: BRAC, 1977), p. 3.

20Davis, “NGOs and Development;” Mohammad Rafi, “Freire and Experiments in Conscientization in a Bangladesh Village,” Economic and Political Weekly 38, n. 37 (setembro. 13-19): 3908–14.

21Smillie, Freedom From Want.

22Fateh, “A Historical Analysis;” Muhammad, “Rise.”

23Muhammad, “Rise;”; Zahir Ahmed, Trevor Hopper and Danture Wickramasinghe, The BRAC Independence Movement: Accountability to Whom? (26 de outubro, 2015). Disponível em https://ssrn.com/abstract=2680208.

24Economist. “BRAC in Business; Face value” 2010. Extraído de https://www.economist.com/business/2010/02/18/brac-in-business.

25A BRAC se tornou uma organização de desenvolvimento social sem fins lucrativos que busca lucros e investe em empreendimentos comerciais.

26BRAC, Annual Report, Non-Formal Primary Education (Under Rural Development Programme) (Dhaka: BRAC, dezembro, 1987).

27Samirah Mustafa, “Non-Formal Primary Education (NFPE) in Bangladesh: Um estudo de caso sobre o papel da BRAC”, IOSR Journal of Humanities And Social Science (IOSR-JHSS) 25, n. 12 (2020): p. 01-08.

28Catherine H. Lovell and Kaniz Fatema, The BRAC Non-Formal Primary Education Programme in Bangladesh. (New York: United Nations Childrens Fund, 1989).

29BRAC, Sulla Project, An Integrated Program for Development, 1972–73 (Dhaka: BRAC, 1972). http://dspace.bracu.ac.bd/xmlui/handle/10361/5708.

30Smillie, Freedom From Want.

31Mohammad Abul Fateh, “Bangladesh: An Analysis of BRAC’s Shift from Freire’s Critical «Conscientization» to a Neoliberal Self-Optimization Approach of Development”, Espacio, Tiempo y Educacion 9, n. 1 (janeiro-junho, 2022).

32“Conscientização” se refere ao aumento de consciência crítica entre os oprimidos, de modo a realizar mudanças estruturais.

33Rafi, “Freire and Experiments”.

34No início, a BRAC adotava a filosofia de Freire como um de seus princípios organizacionais.

35Smillie, Freedom From Want, 153.

36BRAC, Report on Development of Innovative Methodologies in Functional Education for Bangladesh (Dhaka: BRAC, 1977).

37Smillie, Freedom From Want.

38BRAC, BRAC’s Functional Education: An Overview (Dhaka: BRAC, 1980), http://dspace.bracu.ac.bd/ xmlui/handle/10361/5710.

39BRAC, Innovative Methodologies.

40BRAC, Innovative Methodologies; BRAC, Functional Education.

41BRAC, Innovative Methodologies, 10.

42BRAC, Innovative Methodologies.

43John Richards, Manzoor Ahmed and Shahidul Islam, The Political Economy of Education in South Asia: Fighting Poverty, Inequality, and Exclusion. (Toronto: University of Toronto Press, 2022)

44Lovell and Fatema, BRAC Non-formal, 21.

45Salehuddin Ahmed and Micaela French, “Scaling Up: The BRAC Experience”, BRAC University Journal 3, n. 2 (2006): p. 35-40.

46Ahmed Zahir, Trevor Hopper, and Danture Wickramsinghe, “Counter Hegemony and Accountability in BRAC - A Bangladesh NGO”, Sixth Asia Pacitic Interdisciplinary Research in Accounting Conference, Sydney, Australia. 2010.

47Ahmed and French, “Scaling Up”.

48Lovell and Fatema, BRAC Non-formal.

49BRAC, Interim Report of Non-Formal Primary Education Program (Dhaka: BRAC, 1987).

50Ahmed et al., Primary Education for All.

51Rafi, “Freire and Experiments;” BRAC, Innovative Methodologies.

52Smillie, Freedom.

53Rafi, “Freire and Experiments.”

54Kamrunnessa Begum, Salma Akhter and Sidiqur. Rahman, An Evaluation of BRAC's Primary Education Program (Dhaka: Institute of Education and Research, 1988).

55Paulo Freire, Letters to Cristina: Reflections on My Life and Work, trans. Donaldo Macedo (Nova York e Londres: Routledge, 1996).

56Rafi, “Freire and Experiments”; Smillie, Freedom.

57Ahmed et al., Primary Education for All.

58Fateh, “Historical Analysis”; Ahmed et al., Primary Education for All.

59Ahmed et al.,Primary Education for All.

60BRAC, Non-Formal Primary Education Program Report: outubro de 84 até março de 86 (Dhaka: BRAC, 1986).

61Lovell and Fatema, BRAC Non-Formal, 5.

62Mustafa, "Non-Formal”; BRAC, Annual Report, dezembro, 1987.

63“BRAC Education Program Bangladesh,” BRAC, acesso em 25 de setembro, 2022, http://www.brac.net/ program/wp-content/uploads/2019/12/Factsheet-BRAC-Education-Programme-June-2019.pdf.

64Lovell and Fatema, BRAC Non-Formal.

65Brenda M. Haiplik, “An Educational Success Story from Bangladesh: Understanding the BRAC Non-Formal Primary Education Model and Its Teacher Training and Development System” (PhD diss., University of Toronto, 2004.

66BRAC, Non-Formal Primary Education Program Report October 84 to March 86 (Dhaka: BRAC, 1986), p. 1.

67Haiplik, “Success Story”.

68BRAC, Program Report.

69Lovell and Fatema, BRAC Non-Formal, 18.

70Lovell and Fatema, BRAC Non-Formal, 17.

71Kabeer, Naila, Simeen Mahmud, and Jairo G. Isaza Castro. “NGOs and the Political Empowerment of Poor People in Rural Bangladesh: Cultivating the Habits of Democracy?” World development 40, n. 10 (2012): p. 2044–2062.

72Md. Moshiur Rahman, Azam Md. Golam, Enhancing Children’ Enthusiasm towards Learning at Rural Areas in Bangladesh: The Case of BRAC Non–Formal Education, acesso em 25 de setembro, 2022, https://www.researchgate. .net/publication/348590131_Brac_Non_formal_Education_Dr_Moshiur_Rahman.

73Md. Altaf Hossain, Community Participation in Improving Non-Formal Primary Education in Bangladesh: A BRAC Experience (Dhaka: BRAC Research and Evaluation Division, 1999).

74Begum, Akhter, and Rahman, An Evaluation.

75Lovell and Fatema, BRAC Non-Formal.

76BRAC, Sulla Project.

77BRAC, Sulla Project, 7.

78Fazle Hasan Abed, “Interview with Fazle Hasan Abed,” entrevistado por Tarun Khanna, Creating Emerging Markets Oral History Collection, Baker Library Historical Collections, Harvard Business School, 24 de abril, 2014,https://www.hbs.edu/businesshistory/Documents/emerging-markets-transcripts/Abed_Fazle_Web%20Copy.pdf.

79Richards, Manzoor, and Islam, The Political Economy.

80Rafi, “Freire and Experiments”.

81Richards, Manzoor, and Islam, The Political Economy.

82Freire, Pedagogy of the Oppressed, p. 109.

83Mustafa, "Non-Formal,” p. 3.

84Smillie, Freedom, p. 153.

85BRAC, Sulla Project.

86BRAC, Annual Report 1987.

87Fazle Hasan Abed, (Laureate speech for the Wise Prize for Education at the Wise Summit, Qatar, 04 de novembro, 2011), https://blog.brac.net/wise-prize-for-education-laureate-speech-by-sir-fazle-hasan-abed/.

88Richards, Manzoor, and Islam, The Political Economy.

89Rafi, “Freire and Experiments.”

90Fateh, “BRAC’s Shift.”

91BRAC, BRAC’s Functional Education: An Overview. (Dhaka: BRAC, 1980), p. 2.

92Freire, Pedagogia, 87.

93Rafi, “Freire and Experiments.”

94John Clark, Democratizing Development, (West Hartford, CT: Kumarian Press, 1991).

95Fateh (2020) argumenta que a abordagem da BRAC ao desenvolvimento não pretendia empoderar os pobres rurais no verdadeiro sentido do termo e na prática na realidade.

96Rafi, “Freire and Experiments.”

97Smillie, Freedom; Rafi, “Freire and Experiments”; Nobonita Chowdhury, “Sir Fazle Hasan Abed KCMG in Conversation with Nobonita Chowdhury”, vídeo do YouTube, 43:16, 28 de novembro, 2019, https://www.youtube.com/watch?v=JDrAP551X00&t=637s.

98Rafi, “Freire and Experiments”, 3908.

99Rafi, “Freire and Experiments”, 3909.

100Fateh, “BRAC’s Shift.”

101Smillie, Freedom.

102Rafi, “Freire and Experiments”.

103Rafi, “Freire and Experiments”, p. 3909.

104Syed Hashemi, “NGO Accountability in Bangladesh: Beneficiaries, Donors and the State”, in Non-governmental Organizations: Performance and Accountability Beyond the Magic Bullet eds. Michael Edwards e David Hulme (London: Routledge, 1995), p. 103–110.

105Fazle Hasan Abed, “Interview with Fazle Hasan Abed,” entrevistado por Tarun Khanna, Creating Emerging Markets Oral History Collection, Baker Library Historical Collections, Harvard Business School, 24 de abril, 2014, https://www.hbs.edu/businesshistory/Documents/emerging-markets-transcripts/Abed_Fazle_Web%20Copy.pdf.

106 Fateh, “BRAC’s shift”, 110.

107Smillie, Freedom; Rafi, “Freire and Experiments”.

108Fateh, “BRAC’s Shift”; Muhammad, “Rise of Corporate NGO”.

109Mohammad Rafi era um sociólogo pesquisador sênior na BRAC e trabalhava próximo de Abed.

110Rafi, “Freire and Experiments”, p. 3909.

111Rafi, “Freire and Experiments”.

112Fateh, “BRAC’s Shift”.

113Fateh, “BRAC’s Shift”.

114Rafi, “Freire and Experiments”.

115Muhammad, “Rise of Corporate NGO”.

116Kim Jonker, “In the Black with BRAC”, Stanford Social Innovation Review 7 n. 1 (Winter): p. 74–79.

117Zahir Ahmed and Trevor Hopper, “Politics, Development and NGO Accountability”, in Performance Management in Nonprofit Organizations, eds. Zahirul Hoque e Lee Parker (New York: Routledge, 2014), p. 39-64.

118Fateh, “BRAC’s Shift”.

119Uma técnica de ensino usada para promover diálogo entre estudantes e professores em salas de aula.

Recebido: 11 de Outubro de 2022; Aceito: 31 de Janeiro de 2023

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