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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-162 

Documento

Helena Antipoff e a educação social na Rússia após a revolução dos bolcheviques

Helena Antipoff and social education in Russia after the Bolshevik revolution

Helena Antipoff y la educación social en Rusia tras la revolución bolchevique

Regina Helena de Freitas Campos1 
lattes: 5350842157910835; http://orcid.org/0000-0001-6228-7076

Sérgio Faleiro Farnese2 
lattes: 8252255558938740; http://orcid.org/0000-0001-9936-563X

1Universidade Federal de Minas Gerais. regihfc@terra.com.br

2Universidade Federal de Minas Gerais. livraria@bol.com.br


O artigo “L’expérience russe - L’éducation sociale des enfants” (Antipoff, 1924), reproduzido a seguir, foi escrito pela psicóloga e educadora russo-brasileira Helena Antipoff (1892-1974) e publicado na revista La Semaine Littéraire1, em Genebra, em 1924. Trata-se de documento expressivo, original, uma espécie de documento-monumento, no sentido proposto por Zumthor (1960), peça histórica única, testemunho de uma época e de ações humanas empreendidas em um determinado contexto com sentido propositivo, destinado a se tornar um clássico para a posteridade.

A narrativa é constituída por um relato de primeira mão sobre o projeto de educação social formulado na Rússia pelos bolcheviques nos primeiros anos após a revolução comunista2 de 1917 e seus desdobramentos, observados na aplicação prática dos princípios idealizados. Resulta de observação da autora como participante direta de instituições encarregadas de colocar em operação propostas educativas decorrentes das políticas implantadas no território russo naquele período conturbado, de grande instabilidade social. Período marcado também pelas tentativas nem sempre bem sucedidas de realizar os ideais revolucionários inspirados na crítica ao capitalismo formulada por Karl Marx e interpretada pela primeira geração de líderes bolcheviques.

A publicação coincide com uma época de muitos debates e propostas inovadoras em educação também nos países ocidentais. Vários acontecimentos contribuíam para estimular os educadores em processo de profissionalização na busca de procedimentos educacionais apropriados àquele momento de intensas transformações sociais no mundo. Entre esses acontecimentos, destacam-se a consolidação da escola pública e gratuita como principal instituição dedicada à educação de crianças e adolescentes, visando a transmissão de conhecimentos, valores e hábitos culturais considerados apropriados, e à profissionalização dos jovens; o desenvolvimento das ciências da educação nas primeiras décadas do século 20, no qual se observa a busca de princípios e procedimentos educativos apropriados à nova realidade social; a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que motivou a reflexão sobre como a educação poderia contribuir na difusão de ideais pacifistas e internacionalistas. São acontecimentos inéditos que inspiraram os educadores de todo o mundo na busca de propostas educacionais inovadoras, em um movimento sem fronteiras definidas, multifacetado, conhecido como movimento da Educação Nova3. Movimento que é caracterizado por Soëtard como “um imenso sonho da humanidade que a pedagogia ficou então encarregada de realizar” (1995, p. 232), uma espécie de “ilusão perdida” (expressão também utilizada por Soëtard ao se referir à Éducation Nouvelle), representada pelo brasão do Bureau Internacional de Educação: dois jovens erguendo o mundo com as mãos, imagem acompanhada da inscrição: Ut per juvenis ascendat mundus (Para que o mundo possa ascender através da juventude):

Figura 1 Capa do livro de Pierre Bovet La paix par l’école com os anais da conferência internacional sobre o tema realizada em Praga em 1927, promovida pelo Bureau Internacional de Educação (BIE) e a Sociedade Pedagógica Comenius, mostrando o brasão do BIE. 

Esse movimento se espalhava pelo mundo, tornando-se cada vez mais internacional, especialmente a partir da fundação do Instituto Jean-Jacques Rousseau, primeira escola de ciências da educação a ser instalada na Europa, de várias outras instituições internacionais estabelecidas em Genebra, e da organização da Liga Internacional da Educação Nova fundada em Calais, na França, em 1921, com grande participação de mulheres educadoras, administradores educacionais, pais e estudiosos da educação (Droux & Hofstetter, 2015; Gutierrez, 2021; Haengelli-Jenni, 2015; Hofstetter, 2012).

Por outro lado, durante e após o desastre da Primeira Guerra Mundial, educadores de vanguarda passaram a compreender a escola como uma instituição de grande relevância na luta pela superação dos conflitos sociais e políticos que se avolumavam e na promoção da paz e da solidariedade internacionais. Os defensores da Educação Nova na Europa, inspirados em Pestalozzi e Rousseau, já vinham defendendo, desde o início do século 20, a ideia de que era preciso conhecer a criança para melhor educá-la, e de que os métodos ativos, promovendo o protagonismo e iniciativa do estudante, seriam mais recomendados na formação de pessoas mais solidárias e com autonomia de pensamento. O objetivo era respeitar o desenvolvimento espontâneo do estudante, a natureza o guiaria para as melhores direções, a partir da concepção de uma “natureza humana” idealizada por esses educadores reformistas. Adolphe Ferrière (1879-1960), por exemplo, um dos fundadores do Instituto Rousseau, defensor da autonomia e protagonismo dos estudantes nas práticas educativas, pensava que a educação escolar teria por finalidade revelar as hierarquias sociais prescritas pela natureza - as capacidades inatas, individuais - contrariando as pressões que emanam de poderes arbitrários, sociais ou econômicos. Para ele, a promoção da autonomia levaria necessariamente à formação de cidadãos responsáveis para a pátria e para a humanidade. Nesse ponto, Ferrière se alinhava aos pedagogos alemães da época como Hermann Lietz (1868-1919) e Georg Kerchensteiner (1854-1932), também participantes do movimento da Educação Nova, que enfatizavam a ideia de que às crianças caberia a tarefa de regeneração do mundo (Helmchen, 1995; Ferrière, 1921).

No período entreguerras, o movimento de defesa de reformas na educação se voltou para teses internacionalistas e pacifistas. Caberia à educação um esforço para evitar que acontecessem novas guerras. Nasceu assim o movimento da educação para a paz, capitaneado pelo Bureau Internacional de Educação, sob a direção de Jean Piaget, em Genebra (Campos, 2010). Além disso, crescentes reivindicações de movimentos de trabalhadores por uma escola que incorporasse a cultura popular, com maior atenção às maneiras de aprender e aos padrões culturais dos meios operários e seus projetos de transformação social, verão nascer propostas como a de Celestin Freinet (1896-1966), na França, de tendência socialista (Testanière, 1995; Mole, 2021; Carlin & Clendenin, 2019). Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), instituições inspiradas em ideais comunitários e auto gestionários e voltadas à promoção da solidariedade e da cooperação foram organizadas pelo governo socialista para abrigar as crianças abandonadas e órfãs. (Andrés & Braster, 2006).

Foi nesse contexto de efervescência de ideias e novas propostas no campo da educação pública que, após a revolução de 1917, educadores russos como Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888 - 1940) vieram a elaborar as propostas de educação socialista a serem implantadas pelo novo governo. Pistrak propunha a transformação da escola burguesa em uma escola revolucionária, uma escola nova, destinada a formar pessoas comprometidas com os ideais da revolução. Essa nova escola deveria promover o protagonismo infantil e juvenil e valorizar o trabalho cooperativo e a solidariedade entre os trabalhadores (Tragtenberg,1981).

Assim, o relato de Helena Antipoff sobre as primeiras iniciativas de implantação de um modelo de educação social na Rússia e suas vicissitudes é um documento de valor inestimável como testemunho dessas iniciativas. Suas preocupações mostram também vivamente como se estruturaram alguns dos temas que viriam a ocupar a reflexão de educadores e a elaboração das ciências da educação ao longo do século 20, inclusive inspirando as perspectivas teóricas que a própria autora elaborou em seu trabalho no Brasil, sobre o impacto da cultura no desenvolvimento da inteligência humana, os processos de avaliação psicológica do desenvolvimento infantil e a promoção da democracia na educação, como se pode observar nos trabalhos publicados neste volume do periódico Cadernos de História da Educação pelos pesquisadoras Marina Sorokina, Natasha Masolikova, Adriana Borges e Fernando Gouvea.

Nesta apresentação, o artigo de Antipoff é analisado no contexto de sua trajetória como psicóloga e educadora e de sua correspondência com o médico-psicólogo Édouard Claparède (1876-1940) (Ruchat, 2010), fundador do Instituto Jean Jacques Rousseau em Genebra, primeira escola de nível superior destinada especificamente ao ensino e à pesquisa em ciências da educação a ser instalada na Europa (Hofstetter, 2012) e referência importante no trabalho da autora na Rússia, Suíça e Brasil.

A educação social na Rússia soviética

No artigo de Helena Antipoff, feito por encomenda de Édouard Clararède para publicação no periódico genebrino La Semaine Littéraire, em 1924, a autora pretendia mostrar o que estava acontecendo na educação russa naquela época em que muitas informações desencontradas sobre o regime soviético chegavam ao Ocidente.

Nascida na Rússia em 1892, Antipoff havia sido aluna, entre 1912 e 1914, da primeira turma do Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra. De volta à Rússia, em 1917, havia testemunhado pessoalmente as transformações propostas pelo novo regime, trabalhando em instituições de educação infantil e em estações médico-pedagógicas então criadas para acolher crianças e adolescentes em situação de risco social, avaliá-las do ponto de vista da saúde física e mental, e encaminhá-las a instituições educacionais apropriadas a cada caso. Em 1924 deixou o país com o filho Daniel, de 5 anos, para encontrar o marido Viktor Iretzky (1882-1936), escritor e crítico literário então exilado em Berlim e impedido de voltar ao território russo.

Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff. Museu Helena Antipoff, Ibirité, MG.

Figura 2 Helena Antipoff, o filho Daniel e o marido Viktor Iretsky em Berlim, c. 1925

Na chegada a Berlim, Antipoff procurou retomar o contato com Claparède, que havia sido seu professor e orientador no Instituto Rousseau. Em carta datada de 18 de outubro de 1924, informa sobre sua gratidão pelo aprendizado adquirido em Genebra, que lhe havia permitido trabalhar na Rússia em estabelecimentos dedicados ao estudo psicológico da criança. Sobre a pesquisa pedológica feita na época, informa ao mestre:

Apesar da revolução, da fome e da desordem geral que caracterizam os últimos anos na Rússia, as instituições dedicadas à pesquisa pedológica funcionaram de maneira satisfatória e recolheram um bem rico material empírico. De minha parte, pude estudar em diferentes laboratórios em São Petersburgo e em Viatka durante os últimos cinco anos de trabalho cotidiano mais de um milhar de crianças, órfãos em sua maioria, que o governo recolhia em suas casas de crianças de tipo normal e anormal. As crianças foram submetidas a diversas provas psicológicas e foram tratadas com diversos métodos de investigação pedológica. (Antipoff a Claparède, Berlim, 18/10/1924, inRuchat, 2010, p. 5)4

Na mesma carta, Antipoff informa que estava à procura de algum trabalho que denomina “literário”, provavelmente artigos e traduções de originais de psicólogos russos, e solicita ajuda e conselho de Claparède sobre o que fazer. Pergunta se os psicólogos europeus estariam informados sobre as pesquisas sobre a psicologia individual e a caracterologia realizadas pelo psicólogo russo Alexander Lazursky (1874-1917), e avisa que estará disponível para traduzir alguns desses trabalhos para publicação na França ou na Suíça.

Não temos acesso à resposta de Claparède, que foi perdida, mas na próxima carta de Antipoff, datada de 8/11/1924, ela relata ter recebido a correspondência do mestre com grande alegria:

Não posso dizer o quanto fiquei feliz de receber notícias do senhor, e de receber uma carta tão bela. Lendo a carta na agência dos correios não pude me impedir de pular de alegria como uma criança de 5 anos. Meu filho, me vendo nesse estado, começou a fazer o mesmo. O público se perguntava, creio, se não tínhamos enlouquecido. Agradeço infinitamente a ajuda que me proporcionou.5 (Antipoff a Claparède, Berlim, 8/11/1924, in Ruchat, 2010, p. 7, tradução nossa)

A seguir, informa que já havia escrito um artigo “de caráter geral e muito popular”, que seria apropriado para publicação em alguma revista na Suíça.

Em carta datada de 5/12/1924, ainda tratando do artigo, Antipoff responde a Claparède. Aparentemente ele lhe havia perguntado sobre suas relações com os bolcheviques. Ela respondeu que em 1917, quando aconteceu a revolução, deixou Paris e voltou à Rússia por via marítima, a partir da Inglaterra, preocupada com o pai, então oficial do exército russo. Informa que logo a seguir o pai havia perdido a posição como militar, tornando-se então sapateiro. Na carta, Helena afirma sua postura de neutralidade em relação aos bolcheviques:

Sem ter nada em comum com os bolcheviques, sem me ocupar de assuntos políticos, (...), e como todo trabalho pedagógico ficou concentrado nas mãos do governo, e, mais que isso, todo trabalho privado foi proibido, tive que procurar ocupação. Foi em 1918 que comecei a trabalhar em escolas maternais, depois, como eu entendia um pouco de psicologia da criança, fui atuar nessas estações médico-pedagógicas, esses “Pontos de crianças” onde postos de psicólogos-observadores foram criados. (Antipoff a Claparède, Berlim, 5/12/1924, in Ruchat, 2010, p. 9, tradução nossa)6

Sobre o marido, a psicóloga informa:

Meu marido, acho que já lhe escrevi sobre isso, escritor russo, foi em 1922, depois de passar uns meses na prisão, expulso com uns outros tantos escritores e sábios no estrangeiro. Como naquele momento não tínhamos muitos recursos e eu não queria abandonar imediatamente o trabalho, só vim a me reunir a ele de novo em setembro de 1924. (Antipoff a Claparède, Berlim, 5/12/1924, in Ruchat, 2010, p. 9)7

Sobre o artigo a ser publicado na Semaine Littéraire, esclarece que não tinha intenção de fazer política, e comenta:

A política não é nunca objetiva. Tudo o que se escreve a propósito da Rússia fica ordinariamente além da verdade. É sempre ou muito ruim ou muito bom, segunda a cor política de quem escreve. A verdade se encontra no meio. Procurei dar uma ideia imparcial e mais ou menos objetiva da grande infelicidade sofrida sem o saber pela população infantil, que se torna cada dia maior. Procurei mostrar também os meios que buscamos para sanar o mal. (Antipoff a Claparède, Berlim, 5/12/1924, in Ruchat, 2010, p. 10)8

Comenta também que estava já pensando em outro artigo que descreveria outros meios utilizados pelos bolcheviques para organizar as crianças que não se adaptavam aos “Pontos de Crianças”, e que fugiam deles como “o diabo da cruz”. Para ela, a intenção do artigo já escrito seria “mostrar, ao lado dos fatos desastrosos e absurdos, alguns caminhos e medidas positivas do grande trabalho que se fazia para combater as anomalias da infância russa” (Antipoff a Claparède, Berlim, 5/12/1924, in Ruchat, 2010, p. 10)9.

A psicóloga parecia, portanto, empenhada em manter uma posição neutra tanto em relação aos soviéticos quanto aos críticos ocidentais. Certamente estava preocupada com sua condição de exilada na Alemanha, enquanto fazia esforços para retornar a Genebra. O retorno parecia difícil. Claparède a havia convidado a assumir o posto de assistente do Laboratório de Psicologia da Universidade de Genebra, dirigido por ele, mas as autoridades suíças não estavam dispostas a conceder o visto para a entrada de Antipoff na Suíça. O professor buscava de todas as formas influir nas decisões dos responsáveis pela imigração, sem sucesso. A situação de Antipoff se agravava, pois o passaporte russo iria vencer em breve, e ela buscava também obter um passaporte Nansen10 junto à Liga das Nações11 para superar o impasse.

Enquanto os dois missivistas buscam, de um lado e de outro da fronteira, solucionar a questão da estadia de Helena na Suíça, o artigo é publicado, com a apresentação orientada por Claparède:

A autora das páginas que seguem é uma jovem mulher russa, pedagoga de profissão. Depois de trabalhar em Paris no Laboratório-escola do Dr. Simon, ela fez um estágio em 1912-1913 no Instituto Rousseau em Genebra, onde ela foi uma das mais brilhantes alunas. Muito ligada a seu país, ela ganhou novamente a Rússia quando aconteceu a Revolução. Lá ficou por cinco anos, estranha à política, tratando de colocar seu saber, sua experiência e sua dedicação a serviço da educação, seja em escolas maternais, seja na qualidade de psicóloga-observadora oficial em estações médico-pedagógicas. Trata-se, portanto, de um testemunho informado de primeira mão que nós damos aqui, tanto mais objetivo e digno de fé por seu autor se encontrar fora das fronteiras russas. (Apresentação do redator, Semaine Littéraire, 1924, p. 592)

Helena fica encantada com a apresentação, que comenta em carta de 29/12/1924:

O senhor me pergunta se estou satisfeita com a maneira como foi publicado meu artigo. Tão bem arranjado e ornado de uma tão bela introdução, ele me pareceu um bonito presente de Natal. Somente... a muito elogiosa introdução é um pouco superior ao modelo, não é mesmo? Mas, no entanto, mil vezes agradeço por vossa grande gentileza e hospitalidade, pois trata-se mesmo de hospitalidade a ação de ajudar uma estrangeira a ser recebida em uma revista de vosso país. (Antipoff a Claparède, 29/12/1924, in Ruchat, 2010, p. 12)12

Logo a seguir Antipoff informa que o redator da Semaine Littéraire havia encomendado também a seu marido um artigo sobre a vida intelectual na Rússia. O artigo de Iretzky é efetivamente publicado em março de 1925, tratando dos problemas enfrentados por escritores na União Soviética, devido à censura e aos impedimentos à liberdade de expressão (Iretzky, 1925).

O que diz Helena Antipoff sobre a educação na Rússia após a revolução de 1917

O artigo publicado na Semaine Littéraire (Antipoff, 1924) inicia dizendo que a educação das crianças na Rússia soviética é tratada como questão de suma importância. A educação de futuros cidadãos era pensada como a possibilidade de formação de uma nova geração ligada organicamente ao novo regime. Nessa linha de raciocínio, a família era considerada prejudicial, pois que ligada ao antigo regime burguês, e mantenedora de tradições contra-revolucionárias e de preconceitos incompatíveis com o bolchevismo. Para evitar essas influências consideradas indesejáveis, era preciso que o Estado comunista chamasse para si o monopólio da educação. Através de intensa propaganda, o governo prometia alimentação, vestimentas e educação a todas as crianças sob sua guarda, em instituições especialmente organizadas para cuidar das crianças como internatos, colônias e cidades infantis. As novas instituições deveriam ser organizadas como “comunas de trabalho” em que se praticava o self-government. As instituições seriam dirigidas por comitês executivos compostos pelas próprias crianças. Segundo Antipoff, a expectativa era que:

A espontaneidade das crianças, deixadas a si mesmas, deveria resultar, pensava-se, na criação de comunas puramente socialistas, onde seria forjada essa geração nova, digna de portar a bandeira comunista. (Antipoff, 1924, p.592)

No entanto, o experimento durou pouco. Logo o número de crianças a serem educadas ultrapassou as possibilidades de pessoal qualificado e de edifícios disponíveis para cuidar e abrigar as crianças. Problemas variados se apresentaram, como negligência, abusos na administração, exploração de crianças, criando situações extremas de caos, doenças, desentendimentos. As próprias crianças, descontentes com a vida nessas comunidades desorganizadas, fugiam delas e perambulavam pelo país em busca de alimento, abrigo ou até de reencontrar suas famílias, e assim se envolviam com a criminalidade e a vida desregrada nas ruas. Mesmo após sua chegada ao Brasil, Antipoff descreveu as cenas que presenciou nessa época, na Rússia, e que a levaram a iniciar a elaboração de sua própria interpretação sobre a questão da definição e medida da inteligência (Antipoff, 1992; Campos, 2003, 2012, 2021). Em trabalho publicado já no Brasil, quando assumiu a direção do Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte, e comparando as crianças de rua observadas na Rússia a crianças que trabalhavam nas ruas da Belo Horizonte dos anos de 1930, ela assim se expressa em relação à situação dos jovens russos:

A grande guerra, as epidemias, a fome de 1921, a revolução, devastaram uma infinidade de lares russos, matando os chefes de família, deportando-os, expulsando as famílias de seus lares, dispersando seus membros para todas as direções do imenso território russo. Foi assim que se formou um grupo considerável de indivíduos menores, sem família, sem domicílio, sem ocupação determinada, vivendo ao léu, de esmola ou de rapina, passando a noite ao abrigo de uma casa em ruína, de uma ponte, de um esconderijo qualquer... (Antipoff, 1992, p. 77-78)

Essas crianças e adolescentes abandonados passaram a viver e perambular sozinhos pelas ruas das cidades russas, no campo, por toda parte. Segundo o depoimento de Antipoff, não existiam estatísticas para avaliar o número de meninos que se encontravam nessas condições terríveis, mas eles eram vistos em hordas nômades, em geral crianças do sexo masculino, com idades médias entre oito e nove anos, fixando-se aqui e ali, viajando nos trens, percorrendo a imensa Rússia para todos os lados, pedindo auxílio aos adultos que encontravam. Sorokina e Masolikova informam (neste volume) que em 1921 havia cerca de seis milhões de crianças nessas condições na Rússia.

Foi quando a desorganização do sistema educacional atingiu esses níveis alarmantes que o Comissariado de Instrução Pública, órgão do governo soviético, decidiu criar as chamadas “estações médico-pedagógicas”, isto é, instituições destinadas a abrigar essas crianças abandonadas e encaminhá-las a internatos onde pudessem ser reeducadas. Foi trabalhando em estações desse tipo, em São Petersburgo e em Viatka, que a educadora observou os fatos relatados no artigo de 1924, e iniciou a construção do conceito de inteligência como produto da sociedade e da cultura (mais que um atributo “natural”, inato, como se pensava na época), e dos procedimentos de organização da educação e tratamento psicológico e psicossocial de crianças e adolescentes excepcionais e em situação de risco social que iria caracterizar mais tarde seu trabalho no Brasil, conforme relatam Sorokina e Masolikova (neste volume), a própria Antipoff após sua chegada ao Brasil (Antipoff, 1992), e vários estudos feitos sobre sua obra (Borges e Campos, 2014; Campos & Borges, 2017; Campos, 2021).

Helena Antipoff no Brasil - Ecos da psicologia histórico-cultural e da experiência na Rússia

Helena Antipoff permaneceu como assistente de Édouard Claparède no Laboratório de Psicologia da Universidade de Genebra e como professora no Instituto Jean-Jacques Rousseau entre 1926 e 1929, lecionando disciplinas na área da Psicologia e realizando pesquisas sobre desenvolvimento mental e psicomotor de crianças e adolescentes nas escolas locais (Campos, 2012).

Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, Museu Helena Antipoff, Ibirité, MG.

Figura 3 Programa do semestre de inverno (outubro de 1927 a março de 1928) no Instituto Jean-Jacques Rousseau - École des Sciences de l’Éducation, Genebra, Suíça, indicando que Helena Antipoff lecionou os cursos de Psicologia Experimental (com E. Claparède), Psicologia da criança (Diagnóstico da inteligência) e Enquetes psicológicas nas escolas (com Richard Meili).  

Por causa dessa experiência, em 1929 Antipoff recebeu convite do governo do Estado de Minas Gerais para lecionar Psicologia Educacional e dirigir o Laboratório de Psicologia da recém-instalada Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte. A Escola era destinada a acolher normalistas já atuando no magistério nas escolas públicas estaduais, selecionadas por mérito em todo o Estado, em um programa de aperfeiçoamento, de nível superior, com forte ênfase na pesquisa e no diálogo com a produção da época em ciências da educação, no Brasil, nos Estados Unidos da América e na Europa. O objetivo era a formação de pessoal qualificado para a administração educacional e supervisão do sistema de ensino público então em expansão. O contrato inicial de dois anos foi sucessivamente renovado, e Antipoff permaneceu nessa posição até 1944, desenvolvendo extenso programa de pesquisa sobre o desenvolvimento mental e psicossocial dos escolares mineiros e promovendo a criação de instituições de educação especial para o cuidado com crianças e adolescentes com deficiências várias e/ou em situação de risco social, como a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais e a Casa do Pequeno Jornaleiro, entre outras (Campos, 2012; Campos & Borges, 2017; Borges & Campos, 2014).

Nos trabalhos científicos e de aplicação prática dos conhecimentos da psicologia e das ciências da educação realizados por Antipoff no Brasil, nas áreas da educação básica, educação especial e educação rural, observa-se que a educadora conhecia as tendências teóricas dos trabalhos da equipe do Instituto Rousseau, em Genebra, em especial a psicologia funcional de Édouard Claparède, o construtivismo de Jean Piaget, a abordagem de Alice Descoeudres para a educação especial. Conhecia também a obra dos psicólogos de orientação sociocultural da psicologia russa e soviética (Campos, 2012).

Na psicologia russa, Antipoff buscou inspiração especialmente na obra de Alexander Lazursky, que inventou um método de investigação das características psicológicas e psicossociais de indivíduos e grupos denominado “experimentação natural”. Com essa abordagem, Lazursky pretendia superar as limitações do método de pesquisa psicológica utilizado no ambiente dos laboratórios ou através de testes padronizados. A ideia era estudar as características psicológicas e psicossociais de indivíduos e grupos através de observações sistemáticas em situações da vida cotidiana, semelhantes aos trabalhos etnográficos realizados por antropólogos, combinando a observação com o método experimental. Através dessas observações seria possível conhecer melhor as pessoas em seu ambiente dito “natural”, de maneira mais próxima à realidade vivida. O método foi ampliado e aperfeiçoado no Brasil por Helena Antipoff no estudo da personalidade e das interações sociais no ambiente escolar, visando conhecer os participantes em seus aspectos intelectuais, afetivos, motores, volitivos, e também como técnica educativa destinada ao desenvolvimento dos educandos. (Bravo, 2019)

O diálogo de Antipoff com a psicologia russa e soviética pode ser observado também no desenvolvimento do conceito de “inteligência civilizada” para designar a inteligência medida pelos testes psicológicos padronizados, como um atributo já polido pela ação da cultura e da educação recebida pela pessoa. Sorokina & Masolikova (neste volume) mostram que este conceito começou a ser desenvolvido por Antipoff na Rússia, quando teve a oportunidade de estudar as características psicológicas de crianças abandonadas nos abrigos em que trabalhou como psicóloga observadora, em São Petersburgo e em Viatka. Essas observações mostravam que os resultados obtidos nos testes padronizados por crianças vivendo nas ruas, sem acesso à escola, eram sistematicamente inferiores aos resultados obtidos pelas crianças educadas em situações normais. A mesma observação foi feita em Belo Horizonte, na análise dos resultados obtidos por crianças de famílias pobres ou em situação de risco social. A análise mais aprofundada de suas características psicológicas mostrava que possuíam sim um tipo de inteligência diferente, mais adaptado à resolução de problemas práticos da vida cotidiana. Essas observações eram semelhantes àquelas relatadas pelo psicólogo e neurocientista russo Alexander Luria (1902-1977) em pesquisas realizadas sobre formação de conceitos em comunidades tradicionais em comparação com as pessoas que viviam em comunidades recentemente urbanizadas na União Soviética no início dos anos de 1930, visando confirmar os efeitos da cultura no desenvolvimento mental (Antipoff, 1992a; Campos, 2012; Luria, 1988).

Outras evidências do diálogo da educadora com as tendências da psicologia e da educação na Rússia soviética podem ser observadas na sua abordagem à psicologia do excepcional, conceito por ela utilizado a partir de 1934 no Brasil visando evitar o estigma de denominações como anormal, aleijado, retardado, para referir-se a indivíduos que, pela sua própria natureza ou pelas condições do meio em que foram educados, achavam-se, comparados a outros da mesma faixa etária, sem o ajustamento necessário para se desenvolverem de forma sadia, nas dimensões física, afetiva ou intelectual, na convivência com a família, escola ou comunidade (Antipoff, 1992b). Esta concepção guarda semelhanças com a análise das deficiências intelectuais elaborada por Lev Vigotsky (1896-1934) na obra sobre a defectologia (Vygotsky, 1997).

Todas essas evidências demonstram que a passagem de Helena Antipoff pela Rússia entre os anos de 1917 e 1924 marcaram profundamente sua obra no Brasil. Essa marca se expressa especialmente na sua preocupação com o cuidado dos educadores em relação a crianças e adolescentes com deficiências várias e em situação de risco social. A propósito da assistência educacional e social a esses grupos de indivíduos, que considerava um dever das instituições públicas de educação, saúde e assistência social, como observou, em seu trabalho no Brasil.

Por outro lado, seu relato sobre as tendências da Educação Social na Rússia, naquele período conturbado, ajuda a compreender os rumos posteriores do regime soviético, com grande influência nos corações e mentes dos educadores ao longo do século 20. Assim, vale a pena ler o relato antipoffiano, fruto de uma experiência vivida e das reflexões científicas e emoções por ela despertadas, que transcrevemos a seguir.

Considerações finais

Três meses depois da publicação, em dezembro de 1924, do artigo de Helena Antipoff, o La Semaine Littéraire divulga, em 28 de março de 1925, o artigo “L'Expérience Russe - La littérature prescrite” (Iretzky, 1925), de autoria de seu esposo, Viktor Iretzky, como um segundo capítulo sobre os acontecimentos na Rússia. Num tom mais político e crítico sobre os rumos do regime soviético, verificados pelo termômetro da falta de liberdade para a expressão artística e literária, o artigo nos fornece o contexto sociocultural das experiências antipoffianas relatadas, pelo menos nos três anos que antecederam sua saída da Rússia. Desde o afastamento de Lênin, em 1923, uma segunda geração começava a ocupar cargos de direção partidária, da polícia política e de censura cultural, substituindo os bolcheviques históricos.

O controle sobre o que se podia e o que não se podia criar em termos literários e artísticos, que extravazava a censura oficial e penetrava na imaginação de jovens escritores, estimulava a emulação com a “velha” geração e seus heróis “burgueses” acossados por sentimentalismos, dúvidas, lutas e sofrimentos incompatíveis com a temática “proletária” em ascensão. Podemos imaginar o quanto essas limitações iam atingindo os conteúdos programáticos das escolas, a liberdade acadêmica, acirrando uma vigilância paulatina sobre os docentes, os artistas e os escritores. Pintores famosos, como Kandinsky, compositores de renome, como Shostakovitch, poetas, como Maiakovski, educadores como Vygotsky que, como o casal Antipoff e Iretzky, estiveram ombro a ombro com o proletariado e o campesinato russos no soerguimento socialista no país, nos primeiros anos da Revolução, foram pouco a pouco colocados à margem sob o espectro de “contra-revolucionários”, espectro que ocultava a ascensão de um novo grupo ao poder, sob o comando de Joseph Stalin.

O final das experiências russas de Helena e de Viktor coincidia com uma nova era de embates na política de condução dos rumos da revolução. Num elogio aos pendores literários da pluma de Trotsky, Viktor destaca sutilmente sua posição crítica à mentalidade que acabou por se impor na sucessão de Lênin. Helena Antipoff prefere manter um distanciamento explícito desse debate no relato de seu trabalho naquele período turbulento, mas é possível que ela tenha colaborado na revisão desse artigo do marido, pois como revelam suas cartas posteriores, anos depois encontradas nos arquivos nacionais da Rússia pelas pesquisadoras do Centro Alexander Solzhenitsyn, em Moscou, Helena não media palavras para criticar alguma debilidade nos escritos dele.

Como os grandes humanistas de todos os tempos, o casal encerra sua participação no hebdomadário genebrino com a certeza e a esperança de que, um dia, ventos libertadores assoprariam generosamente uma leve brisa sobre o povo de sua terra. Sob o testemunho, em vida, de seu querido filho, Daniel, o alvorecer da década de 1991 foi orvalhado por um frescor breve de liberdade e estremeceu a cortina de ferro, assoprou até o chão o muro de Berlim e balançou como pôde as muralhas da China. Nunca saberemos os nomes dos carcereiros que prenderam, dos diplomatas que exilaram e de todos que tentaram, por meios vis, calar o apelo de tantos casais pelo bem da humanidade. Entretanto, certos nomes - como Helena Antipoff e Viktor Iretzky - passados quase cem anos, ainda desafiam os que procuram compreender seu pensamento e sua ação em meio às contradições sociais e políticas que vivenciaram.

LA SEMAINE LITTÉRAIRE - GENÈVE - V. 32 - N. 1615 - 1924 - p. 592-594

A autora das páginas que seguem é uma jovem mulher russa, pedagoga de profissão. Depois de trabalhar em Paris no Laboratório-escola do Dr. Simon, ela fez um estágio em 1912-1913 no Instituto Rousseau em Genebra, onde ela foi uma das mais brilhantes alunas. Muito ligada a seu país, ela ganhou novamente a Rússia quando aconteceu a Revolução. Lá ficou por cinco anos, estranha à política, tratando de colocar seu saber, sua experiência e sua dedicação a serviço da educação, seja em escolas maternais, seja na qualidade de psicóloga-observadora oficial em estações médico-pedagógicas. Trata-se, portanto, de um testemunho informado de primeira mão que nós damos aqui, tanto mais objetivo e digno de fé por seu autor se encontrar fora das fronteiras russas. (Apresentação do redator)

A EXPERIÊNCIA RUSSA

A educação social das crianças

O problema da educação das crianças na Rússia de hoje era, para o governo dos Sovietes, de primeira importância. Tratava-se não somente de fazer a educação dos futuros cidadãos, mas de criar uma geração toda nova, ligada de maneira orgânica ao novo regime, e para a qual um retorno ao passado deveria aparecer como um paradoxo. Este é o problema essencial da pedagogia russa atual.

O comunismo considera a família como uma forma social do regime capitalista. A família é necessariamente a sede de tradições contra-revolucionárias e de “preconceitos” incompatíveis com o regime bolchevista. O governo bolchevista pretende, portanto, subtrair a criança à influência corruptora da família, e por isso se atribui o monopólio da educação. Isso explica sua intensa propaganda nesse sentido desde o início. Essa propaganda, que comportava garantias oficiais de nutrição, vestimentas e de ensino, permitiu ao estado soviético agrupar nuvens de crianças de todas as idades, cujo encargo e responsabilidade lhe incumbiam a partir de então.

Foi assim que do dia para a noite, como ao toque de uma varinha mágica, surgiram na superfície da terra russa uma quantidade prodigiosa de casas, de colônias e mesmo de cidades infantis. A cidade de Petersburgo, só ela, enviou, no início de 1918, milhares de crianças para as estepes de Oremburgo, em cereais, para as florestas da Sibéria e para o Volga. Três mil pequenos de 3 a 12 anos foram concentrados em Tsarkoe-Selo (cidade do Czar), a antiga residência imperial, que, desde o ano de 1918, foi nomeada Detskoe-Selo (cidade das crianças). Instalaram-se também crianças em propriedades sequestradas às famílias da aristocracia e da alta burguesia, expulsas ou anuladas pelo Terror vermelho. Os pequenos dormiam nas camas suntuosas dos príncipes ou dos ricaços.

Mas bem depressa o número de crianças que o governo devia abrigar ultrapassou a totalidade dos palácios, das moradias e dos leitos de que dispunha. Por falta de lugar, os pequenos cidadãos foram obrigados a dormir, como Robinson Crusoé, ao ar livre, sobre um solo por vezes úmido e frio.

Depois, o conjunto dos mestres e educadores que deveriam acompanhar as crianças se revelou muito depressa insuficiente. Eram, em sua quase totalidade, moças e rapazes jovens sem ocupações determinadas, aos quais o governo não pedia nem diploma de estudos ou de estágio pedagógico. Contentavam-se com um curto exame destinado a assegurar as simpatias do candidato pela revolução bolchevista e de seu desejo de servi-la.

As novas casas de crianças deviam ser estabelecidas sob a forma de “comunas de trabalho” comportando o self-government. Nelas o poder era reservado aos Ispolcomes (comitês executivos) eleitos pelas próprias crianças. Era, portanto, das crianças que dependia a direção da vida das comunas. Os educadores não tinham senão um papel passivo e só podiam oferecer sua ajuda às crianças quando reclamados.

A espontaneidade dos meninos e meninas, deixados a si mesmos, deveria resultar, pensava-se, na criação de comunas puramente socialistas, onde seria forjada essa geração nova, digna de portar a bandeira comunista.

Mas a distância é grande que separa a noção toda abstrata de uma pedagogia ideal de sua realização prática. Não tardaram a se fazer descobertas aflitivas: negligência na organização das expedições, abusos da administração central da qual dependia o abastecimento; educadores desprovidos de toda experiência, desonestos em muitos casos, que não se haviam aproximado das crianças senão para explorá-las; meninos e meninas misturados sem supervisão; brutalidade dos maiores em relação aos menores, sem falar do estado latente de guerra entre “tropas brancas” e bolchevistas - tudo isso criou, desde o início, nessas aglomerações de crianças, o caos, a fome, as doenças, as brigas e muitas outras coisas mais terríveis ainda. A sorte da maioria dessas expedições e casas de crianças foi verdadeiramente deplorável.

Logo as crianças, descontentes elas próprias com a vida nessas comunas desorganizadas, começaram a deixá-las e passaram a circular pelo país. Alguns saíam à procura de pão, de trabalho... ou de seus pais; outros saíam em busca de aventuras e de crimes.

A guerra, a revolução, as lutas civis, a fome, as epidemias, a desagregação progressiva da família em consequência do abandono de seus deveres em relação aos menores, todos esses males sociais faziam crescer a cada dia a armada dos pobres meninos errantes, privados de teto, de pão, de cuidado e de alegria. O governo continuava a desconfiar da família e recusava qualquer ajuda, mesmo parcial, às crianças que ficavam ao lado de seus pais. Por outro lado, o decreto que proibia crianças de menos de dezesseis anos de trabalhar nas oficinas e usinas e mesmo no pequeno comércio de rua (venda de cigarros, de bombons, limpeza de sapatos, etc.) fazia crescer ainda mais o número dos necessitados e dos sem trabalho. Privados de ganha-pão e de ocupação, as crianças se tornavam mendigos e pedintes, e não tardavam a perder definitivamente o gosto pelo trabalho ou pelos estudos.

É compreensível que a força das coisas tenha obrigado então o governo a relegar a segundo plano a ideia que havia prevalecido de realizar a ideologia comunista, trocando-a por uma tarefa mais elementar e muito mais urgente, de salvar a vida e a saúde moral de milhares de crianças.

A ausência de estatística não permite estabelecer o número de crianças de rua abandonados e sem recursos, mas é certo que era um número considerável. Muitas delas viviam como nômades, fixando-se aqui e acolá momentaneamente no curso de suas peregrinações, durante os invernos gelados. Viam-se muitos jovens errarem assim, muitas vezes com oito ou nove anos, geralmente meninos. Obedecendo talvez a um instinto atávico, esses pobres pequenos percorriam a imensa Rússia por toda parte, a pé ou de trem. E enquanto um adulto não podia dar um passo sem estar de posse de uma autorização especial, de um monte de papéis concedidos por escritórios políticos ou civis, os pequenos mudavam de domicílio à vontade, sem nenhum documento ou bilhete de entrada, “au petit lièvre”, como se diz. Eles demonstravam uma habilidade extraordinária para se insinuar nos vagões lotados, parecendo-se com macaquinhos adestrados, escalando os degraus dos trens já em movimento, se aninhando sob os bancos, entre os pés de algum viajante compadecido com a miséria da criança esfarrapada; eles se erguiam sobre o teto dos vagões, ou ainda escorregavam, não se sabe como, entre as rodas do veículo para se agarrar a uma caixa de freios, arriscando a todo momento suas pernas, ou mesmo sua vida... De que se nutriam? O povo russo raramente recusa a esmola. Nos acampamentos de operários e nas casernas, os pequenos mendigos recebiam a sopa quente e o tabaco, que quase todos tinham desenvolvido o hábito de usar, como fumantes inveterados. Os camponeses lhes davam pão ou torradas. No verão, eles ficavam ao ar livre, como pequenos pastores, mas quando chegava o frio, eles não tardavam a subir de novo nas cabines ambulantes dos trens de ferro, para ir para longe, sem destinação precisa, ao acaso.

Essas peregrinações infantis não tardaram a tomar a forma de uma vagabundagem epidêmica. Cada vagão, tomado ao acaso, transportava pelo menos dez a quinze desses pobres aventureiros. Frequentemente, os viajantes pouco atentos ou que dormiam eram roubados pelos mais espertos entre eles.

Nas grandes cidades, contavam-se aos milhares as crianças que viviam nas ruas. Durante o dia eles se ocupavam como podiam. Chegando a noite, eles se reuniam em pequenos grupos para compartilhar a receita, se gabar reciprocamente de suas proezas, e esboçar os planos para o dia seguinte. Geralmente um deles desempenhava o papel de “ataman”13, e os outros o obedeciam de forma absoluta. Quando ele não mais os agradava, um outro era nomeado em seu lugar, mas o grupo não podia ficar sem chefes.

Eles se alojavam casualmente nas margens dos rios, embaixo das pontes, em buracos feitos na terra, nas bordas das cidades. Eram achados às vezes nas caixas de asfalto ainda tépido que os operários haviam deixado para o dia seguinte. Outros se acomodavam nos andaimes de construções, se aninhavam em casas em ruínas que a revolução semeou por toda parte na Rússia. Um belo dia os habitantes de Moscou viram o relógio gigante da Praça Souchareff parar. Qual não foi a surpresa do guarda que subiu para consertá-lo quando encontrou lá no alto um ninho de pivetes instalado no mecanismo do relógio.

De ano em ano, as crianças ficavam mais ousadas, mas insolentes, mais experientes. Elas constituíam verdadeiramente um perigo público. Organizadas em bandos, elas penetravam frequentemente nos meios criminosos, que os recebiam facilmente e os transformavam em cúmplices úteis. Logo a maior parte dos grandes crimes eram cometidos com a ajuda das crianças. E a cocaínomania fazia entre eles devastações sérias.

***

Para combater esse mal crescente e colocar um pouco de ordem no sistema educacional, o Comissariado de Instrução Pública imaginou de criar Estações médico-pedagógicas. Essas Estações apareceram a partir de 1919-1920 em todos os departamentos russos, mais particularmente no percurso das redes de linhas férreas. Toda criança necessitada ou abandonada podia procurar asilo nessas Estações, noite e dia. A milícia tinha ordem de conduzir as crianças para lá recolhidas nas ruas, nos trens ou nos prostíbulos. Essas Estações médico-pedagógicas eram destinadas a servir de antecâmaras, de “filtros” para as crianças que o governo daí para a frente iria enviar para as casas destinadas a prover a Educação social.

Quem nunca viu, com seus próprios olhos, essas aglomerações em um só lugar, de seres tão diversos e disparatados quanto possível, não tendo em comum senão sua condição de crianças e sua indizível miséria, não saberia fazer uma ideia delas. Os motivos de inscrição, as categorias sociais, os costumes, os hábitos, as vestimentas, a expressão dos rostos, tudo era lá de uma diversidade extraordinária. Alguns vinham com boa vontade, famintos, não pediam senão para se aquecer com a sopa que lhes era oferecida; outros, trazidos à força, furiosos, não esperavam senão a ocasião de escapar para retomar a bela vida vagabunda e livre; havia alguns que sorriam, outros soltavam gritos de cortar o coração ao se separar dos pais; ali, encolhidos no canto mais sombrio, se agrupavam crianças de uma mesma família, mudos, com a mesma indizível expressão de susto espalhada por seus traços: talvez tivessem assistido a cenas terríveis, visto mutilar ou fuzilar seus pais sob seus olhos! Havia pobres órfãos tímidos, com os olhos ainda vermelhos: ontem haviam sido separados de uma mãe morrendo de tísica. Havia outros limpos e de aparência bem tratada, a fisionomia ingênua e serena: seus olhos não haviam visto até então senão o quarto cheio de brinquedos; outros em andrajos assustadores cheios de insetos recolhidos no vagão, no contato com algum moribundo com febre tifoide. Sob a cabeleira caindo na testa, brilham às vezes os olhos velhacos de uma criança que tudo viu, tudo ousou.

Essas Estações médico-pedagógicas eram antes de tudo casas de quarentena, portanto de estadia temporária. Sem isso elas não tardariam a se tornar, para a cidade inteira, lugares de infecção. A duração da estadia era fixada em vinte e um dias, durante os quais uma observação médica era instituída.

O objetivo dessas Estações era duplo:

1 - Do ponto de vista médico, tratava-se de não permitir a entrada nas casas de crianças de nenhuma criança doente;

2 - Do ponto de vista pedagógico, separar as crianças, agrupá-las de maneira mais ou menos homogênea; essencialmente, não deixar passar para as casas ditas “normais” nenhuma criança com taras psíquicas, sobretudo de ordem moral.

As comunas e casas de crianças ainda existentes exigiam, elas também, um sério trabalho de depuração. Somente uma ínfima minoria entre elas podia ainda, e graças aos esforços ingentes de alguns educadores devotados e competentes, levar o nome de instituições pedagógicas. Em outros lugares, os presídios de crianças encarregados de dirigir toda a vida da comunidade tinham tido resultados deploráveis. Eram sobretudo os defeitos desses “diretores” que se espalhavam entre as crianças à maneira de doenças contagiosas e com uma rapidez espantosa. Havia internatos onde quase todas as crianças roubavam, considerando o roubo a coisa mais natural do mundo. Outros eram típicos do ponto de vista da depravação sexual (pederastia, onanismo). Outros ainda se distinguiam por um tipo específico de brutalidade, de grosseria. Frequentemente todos esses vícios estavam reunidos.

O mal atacava quase todas as crianças, sem exceção; mas enquanto alguns eram atingidos profundamente, outros, a maioria, felizmente, o eram apenas na superfície.

As Estações médico-pedagógicas eram, portanto, destinadas a servir de lugares de triagem. Separavam-se primeiro as crianças normais das anormais. Esses últimos - se se pode apresentar uma estatística bastante aproximativa - constituíam perto do terço do conjunto das crianças.

As cidades importantes haviam desenvolvido toda uma rede de instituições com vistas a essa categoria de crianças. Eram primeiro as escolas auxiliares com internatos para crianças retardadas; a seguir os asilos para os imbecis e os idiotas; as clínicas para os nervosos e os dementes; os institutos ditos de “educação social individual” para os desequilibrados; os institutos de educação moral para as crianças depravadas e viciadas; enfim os reformatórios para delinquentes e recidivistas. (Desde o ano de 1918 já, nenhuma criança podia ser internada em uma prisão para adultos).

As crianças ditas normais foram também classificadas em diversas categorias, para serem repartidas nas casas especiais criadas em sua intenção. Entre elas encontrava-se uma proporção considerável de crianças que já tinham ultrapassado a idade de onze anos e eram completamente iletradas: nunca tendo frequentado a escola, elas formavam uma espécie à parte, dita “excedentes escolares”. Foi decidido dar-lhes um mínimo de ensino elementar e prepará-las, por meio de um aprendizado aprofundado, para algum ofício. Aqueles entre as crianças que pareciam dotadas para as ciências foram dirigidos para os internatos que possuíam as melhores escolas. As crianças que revelavam aptidões para o desenho ou a música eram encaminhadas para casas apropriadas. As escolas rurais foram destinadas às crianças que manifestavam aptidões para a vida campestre. Às crianças fisicamente fracas ou nervosamente menos resistentes eram reservadas as casas tranquilas, onde se encontravam grupos de trinta a quarenta crianças no máximo.

Em soma, essas Estações médico-pedagógicas dispunham livremente do futuro das crianças. Médicos, psicólogos e pedagogos eram chamados, nelas, a estudar as crianças dos pontos de vista antropológico, sociológico, psicológico e escolar.

Os resultados agrupados e comparados desses diferentes ramos davam a “característica” de cada criança, sua “fisionomia espiritual e física”. Depois disso ela era dirigida ao estabelecimento médico ou pedagógico que se esperava ser mais conveniente para ela.

Teremos talvez a oportunidade de falar dos resultados dessa tentativa nova de educação.

Hélène Antipoff (1924)

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1A revista Semaine Littéraire, publicada em Genebra entre 1893 e 1927, era um periódico dedicado à literatura, cujo conteúdo incluía folhetins em capítulos, contos, ensaios e crônicas, e também notícias variadas sobre política, moda, cuidados com crianças e outros assuntos variados (Gallica, bnf.fr).

2No artigo, Helena Antipoff utiliza a palavra comunismo de maneira genérica. A partir de 1919, com a criação da Internacional Comunista, os partidos a ela filiados mudaram o nome para Partidos Comunistas. Desse modo, quando a educadora deixou a Rússia em 1924 o país era governado pelo Partido Comunista da União Soviética. Em O Estado e a Revolução (Lênin, 1983), Lênin retoma conceitos de etapas formulados por Marx, em 1875. Marx distinguia uma Sociedade Comunista consolidada de uma Ditadura Revolucionária do Proletariado. A Revolução Russa pretendia executar, pela primeira vez na história, a transição da propriedade privada dos meios de produção do campo e da cidade em direção à apropriação social desses meios de vida: “Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da transformação revolucionária de uma na outra. A ele corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado.” (Marx, 2012, p. 43) “Nosso objeto aqui é uma sociedade comunista, não como ela se desenvolveu a partir de suas próprias bases, mas ao contrário, como ela acaba de sair da sociedade capitalista, portanto trazendo de nascença as marcas econômicas, morais e espirituais herdadas da velha sociedade de cujo ventre ela saiu.” (Marx, 2012, p. 29).“Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver-se tornado a primeira necessidade vital; quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes de riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira: De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”. (Marx, 2012, p. 31-32)

3O movimento da Educação Nova ficou conhecido como “Éducation Nouvelle”, nos países francófonos, Reformpädagogik nos países de língua alemã, “Progressive education movement”, na América do Norte e Escola Nova no Brasil. (Hameline, Helmechen & Oelkers, 1995; Tyack, 1974; Saviani, 2010).

4Malgré la révolution, la famine et le désordre general qui caractérisent les dernières années en Russie, les institutions ayant pour but des recherches pédologiques ont fonctionné de façon satisfaisante et ont recueilli un bien riche matériel empirique. Pour ma part, j’ai pu étudier dans différents laboratoires de St. Pétersbourg et de Viatka durant les dernières cinq années de travail quotidien plus d’un millier d’enfants, orphelins dans la majeure partie, que le gouvernement recueillissait dans ses maisons d’enfants de type normal et anormal. Les enfants ont subi de différentes épreuves psychologiques et ont été traité (sic) par diverses méthodes d’investigation pédologique. (Esta e as demais traduções das cartas de Antipoff a Claparède, do francês para o português, foram feitas pelos autores)

5Je ne puis vous dire combien j’ai été heureuse de recevoir de vos nouvelles et d’avoir de vous une si belle lettre. Em la lisant au bureau des postes je n’ai pas pu m’empêcher de sauter de joie comme um enfant de 5 ans. Mon fils me voyant dans cet état a commencé à faire de même. Le public se demandait, je crois, si nous n’étions pas devenus fous. Je vous remercie infiniment de l’aide que vous avez été bon de me montrer.

6Sans rien avoir de commun avec les bolchéviques, ne m’occupant jamais d’aucune sorte de politique - je voyais quand même à côté d’eux la patrie, les enfants russes, la science - et comme tout travail pédagogique fut concentré dans les mains du gouvernement et plus même, comme tout travail privé fut interdit - j’ai du commencer la besogne. Ce fut em 1918 d’abord dans le service des écoles maternelles, puis comme j’entendais um peu dans la psychologie de l’enfant je me mis à travailler dans les stations medico-pédagogiques, des Points d’enfants où des postes de psychologues-observateurs furent créés.

7Mon mari, je crois l’avoir déjà écrit, écrivain russe fut en 1922 après avoir passé en prison quelques mois, expulsé avec nombre d’autres ecrivains et savants à l’étranger. Comme à ce moment nous fûmes sans beaucoup de ressources et que je ne voudrais pas immédiatement abandonner le travail je ne suis venue rejoindre mon mari qu’en septembre 1924.

8La politique n’est jamais objective. Tout ce que l’on écrit à propos de Russie est ordinairement au délà du vrai. C’est toujours ou trop mal ou trop bien, et selon la teinte politique de celui qui écrit. La vérité se trouve dans le milieu. J’ai tâché de donner une idée impartiale et plus ou mois objective du grand malheur qui subit sans le savoir la population enfantine devenant de jour en jour plus considérable. J’ai tâché de montrer aussi les moyens que nous avons tous cherché pour guérir le mal.

9J’ai donc tâché de montrer à côté des faits désastreux et absurdes quelques sentiers et mesures positives du grand travail qui s’effectue en vue de combattre les anomalies de l’enfance russe.

10O passaporte Nansen era um documento concedido a cidadãos considerados apátridas (excluídos de identidade nacional), permitindo-lhes circular de um país a outro. (Ruchat, 2010, p. 15)

11A Liga ou Sociedade das Nações foi um organismo internacional criado pelo Tratado de Versailles com os objetivos de desenvolver a cooperação entre as nações e garantir a paz e a segurança internacionais sediada em Genebra entre 1920 e 1946, quando foi substituída pela ONU (Organização das Nações Unidas). (Le Petit Larousse Illustré, 2001, p. 1669)

12 Vous me demandez, si je suis satisfaite de la façon dont paru mon article. Si bien arrangé et orné d’une si belle introduction qu’il m’a paru être un beau cadeau de Noël. Seulement…la très flatteuse introduction est un peu au-dessus du modèle, n’est-ce pas? Mais, toutefois, mille fois merci pour votre grande gentilesse et l’hospitalité, car c’est bien de l’hospitalité n’est-ce pas que d’aider une étrangère de se faire recevoir dans une revue de votre pays.

13 Ataman: chefe de uma vila ou comandante militar na tradição dos cossacos, durante o período imperial na Rússia. Cf https://en.wikipedia.org/wiki/Ataman

Recebido: 26 de Junho de 2022; Aceito: 06 de Setembro de 2022

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