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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-163 

Artigos

Discurso republicano e o debate sobre a formação do povo brasileiro na trajetória de Virgílio Cardoso de Oliveira

Discurso republicano y el debate sobre la formación del pueblo brasileño en la trayectoria de Virgilio Cardoso de Oliveira

1Universidade Federal do Pará (Brasil). albertod@ufpa.br

2Universidade Federal do Paraná (Brasil). cevieira9@gmail.com


Resumo

O objetivo deste artigo é discutir a trajetória de Virgílio Cardoso de Oliveira (1868-1935), tendo como foco a relação entre o discurso republicano e os debates sobre a formação do povo brasileiro no contexto da Primeira República, especialmente no período do entresséculos, na região amazônica. Em termos teóricos, exploraremos, o conceito de intelectual, as noções de espaço de experiência e horizontes de expectativas, além dos conceitos de jogos de linguagem e conceitos normativos. Entre as fontes utilizadas para a análise destacamos: jornais, documentos do Estado, livros e imagens. Concluímos afirmando que Virgílio Cardoso representou uma posição importante dentro do discurso e da prática republicana, ainda que seu poder de transformar a realidade educacional do país tenha sido limitada, pelas resistências, explícitas e implícitas, em tornar a República um projeto democrático e capaz de promover inclusão política e a justiça social.

Palavras chave: Virgílio Cardoso de Oliveira; Intelectuais; Formação do povo

Resumen

El objetivo de este artículo es discutir la trayectoria de Virgílio Cardoso de Oliveira (1868-1935), teniendo como foco la relación entre el discurso republicano y los debates sobre la formación del pueblo brasileño en el contexto de la Primera República, especialmente en el período del entresséculos, en la región amazónica. En términos teóricos, exploraremos, el concepto de intelectual, las nociones de espacio de experiencia y horizontes de expectativas, además de los conceptos de juegos de lenguaje y conceptos normativos. Entre las fuentes utilizadas para el análisis destacamos: periódicos, documentos del Estado, libros e imágenes. Concluimos afirmando que Virgilio Cardoso representó una posición importante dentro del discurso y de la práctica republicana, aunque su poder de transformar la realidad educativa del país haya sido limitada, por las resistencias, explícitas e implícitas, hacer de la República un proyecto democrático y capaz de promover la inclusión política y la justicia social.

Palabras clave: Virgilio Cardoso de Oliveira; Intelectuales; Formación del pueblo

Abstract

This article aims at discussing the trajectory of Virgilio Cardoso de Oliveira (1868-1935), focusing on the relation between the republican discourse and the debates on the formation of the Brazilian people in the context of the First Republic, especially in the period between centuries, in the Amazon region. In theoretical terms, we will explore the concept of intellectual, the notions of space of experience and horizons of expectations, as well as the concepts of language games and normative concepts. Among the sources used for the analysis, we highlight: newspapers, state documents, books, and images. We conclude by stating that Virgilio Cardoso represented an important position within republican discourse and practice, even though his power to transform the country's educational reality has been limited, by explicit and implicit resistance, to make the Republic a democratic project and capable of promoting political inclusion, and social justice.

Keywords: Virgilio Cardoso de Oliveira; Intellectuals; Formation of the people

Introdução

O objetivo deste artigo é discutir a trajetória intelectual de Virgílio Cardoso de Oliveira (1868-1935), tendo como foco a relação entre o discurso republicano e os debates sobre a formação do povo brasileiro no contexto da Primeira República, especialmente no período do entresséculos, na região amazônica1.

Temos como hipótese que Virgílio Cardoso representou uma vertente radical do republicanismo, que defendia a educação do povo como um princípio basilar para a construção da República, confrontando tendências prevalentes nos meios republicanos que, sem romper com o elitismo monarquista, mantiveram as classes populares à margem da política, à medida que não investiram de forma substantiva nos processos de formação do povo. Estamos convencidos de que a trajetória de Virgílio Cardoso representa, em grande medida, um percurso comum a muitos intelectuais republicanos, que projetaram na República uma mudança que incluía e ultrapassava a questão da forma de governo. Entre estas reformas sociais almejadas estava a questão da escola e dos processos formativos do cidadão e da cidadã republicanos, uma vez que, segundo as crenças desse grupo, só este tipo de investimento levaria o país a um patamar novo de civilidade, modernidade e desenvolvimento. Sendo assim, a análise que propomos permitirá, a um só tempo, entender o comportamento público de Virgílio Cardoso e do grupo de intelectuais ao qual ele se vinculava2.

Para essa reflexão em torno da trajetória desse personagem - compreendido como intelectual influente na educação dos estados do Amazonas e, sobretudo, do Pará, no final do século XIX e início do século XX - partiremos de quatro aspectos que, segundo Vieira (2011), nos auxiliam a compreender o comportamento público dos intelectuais brasileiros nesse período:

a) sentimento de pertencimento ao estrato social que, ao longo dos séculos XIX e XX, produziu a identidade social do intelectual; b) engajamento político propiciado pelo sentimento de missão ou de dever social; c) elaboração e veiculação do discurso que estabelece a relação entre educação e modernidade; d) assunção da centralidade do Estado como agente político para a efetivação do projeto moderno de reforma social (VIEIRA, 2011, p. 29).

Em termos teóricos, exploraremos, também, as noções de espaço de experiência e horizontes de expectativas, presentes nas formulações da história dos conceitos, e, nas conclusões, problematizaremos, de forma pontual, as noções de jogos de linguagem e conceitos normativos, próprios da teoria da interpretação sustentada pelo contextualismo linguístico3. A combinação dessas abordagens se justifica pelo objeto em comum: a linguagem praticada pelos atores políticos.

Entre as fontes utilizadas para a análise do discurso de Virgílio Cardoso destacamos a brochura intitulada O Instituto Civico-Juridico, publicado em 1898, que reúne sete artigos publicados no jornal A Provincia do Pará. Nessa publicação, Virgílio Cardoso expõe as suas ideias sobre a educação republicana e, embora ocupando na época o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública do estado do Pará, optou por não assinar os artigos, mantendo-os anônimos. Justificou essa opção argumentando, posteriormente, ter deixado que os artigos em questão entrassem na cena da publicidade alheios ao seu nome, obedecendo “a uma imposição de minha sinceridade para com a causa do povo e da República, que eu advoguei, sem brilhantismo é certo, mas com a maxima lealdade” (VIRGÍLIO CARDOSO, 1898, s.p.).

Outro documento que exploraremos registra um discurso proferido por Virgílio Cardoso, na condição de Diretor Geral da Instrução do Pará, dirigido aos membros do Conselho Superior da Instrução Pública, em 30 de setembro de 1899, por ocasião de sua posse como Presidente daquele colegiado, que foi publicado na revista A Escola. Desta mesma revista analisaremos outros materiais publicados. As obras escritas por Virgílio Cardoso são numerosas e muitas destas serão analisadas, não obstante cabe destaque para o livro A Patria Brazileira, de 1903, que, posteriormente, foi reeditada e intitulada como Nossa Patria. Outros documentos, oriundos da imprensa e dos diários oficiais, além de dicionários biográficos, também fazem parte do corpus documental analisado. A interpretação dessas fontes nos permitirá acessar o discurso, a linguagem, as crenças, os comportamentos públicos de Virgílio Cardoso, especialmente aqueles relacionados à sua condição de intelectual engajado na defesa da educação popular, bem como suas relações com o Estado e a elite política da época4.

Definidos os documentos que apoiam essa análise, gostaríamos de afirmar, apoiados em Koselleck, que o historiador, ao mergulhar no passado, ultrapassa

suas próprias vivências e recordações, conduzido por perguntas, mas também por desejos, esperanças e inquietudes, ele se confronta primeiramente com vestígios, que se conservaram até hoje, e que em maior ou menor número chegaram até nós. Ao transformar esses vestígios em fontes que dão testemunho da história que deseja apreender, o historiador sempre se movimenta em dois planos. Ou ele analisa fatos que já foram anteriormente articulados na linguagem ou então, com a ajuda de hipóteses e métodos, reconstrói fatos que ainda não chegaram a ser articulados, mas que ele revela a partir desses vestígios (KOSELLECK, 2006, p. 305).

Nesse sentido, com base nos vestígios disponíveis, seguiremos apreendendo diferentes aspectos da trajetória de Virgílio Cardoso, desde o seu processo formativo em Salvador até a sua chegada em Belém, onde se tornou uma figura proeminente na instrução pública do estado. Este estudo se situa na interseção entre a história intelectual, da educação e dos intelectuais, dialogando também com a história política, especialmente, no entresséculos, no cenário da Primeira República.

Trajetória de um intelectual viajante: entre o espaço de experiência e os horizontes de expectativas

Na folha de rosto do livro Meu Lar (s.d), Virgílio Cardoso resume o seu currículo: Bacharel em Direito; Procurador da República do Estado de Minas Gerais; Diretor Geral de Instrução Pública do Pará; Secretário Geral do Estado do Pará; Secretário de Estado da Justiça, Interior e Instrução Pública do Pará; Administrador dos Correios do Estado do Pará; Diretor do Ensino Municipal de Belém; e Diretor do Instituto Cívico Jurídico Paes de Carvalho de Belém. Uma carreira, sem qualquer dúvida, marcada pela ocupação de inúmeras posições de destaque no serviço público. Contudo, nos interessa saber como foi percorrido esse processo, do anonimato da vida privada à consagração no espaço público.

Virgílio Cardoso nasceu em Salvador, na Bahia, em 15 de dezembro de 1868. Filho de Rodolpho Cardoso de Oliveira e Maria Virginia da Motta, teve um irmão, médico, chamado Climério Cardoso de Oliveira5. De sua infância e juventude poucas informações estão disponíveis, sabemos apenas que estudou Direito na prestigiosa Faculdade de Direito de Recife. A Escola de Recife, tal como ficou denominada e consagrada esta instituição na história intelectual no Brasil, se notabilizou por uma formação jurídica enciclopédica, que articulava o saber jurídico à filosofia, à crítica literária, à sociologia e à antropologia. Virgílio Cardoso concluiu o seu curso jurídico em 1889, justamente quando o movimento republicano triunfou e as esperanças de mudanças no país se intensificaram.

Fonte: Livro Nossa Patria

Figura 1 Foto de Virgílio Cardoso de Oliveira 

Os filhos da família Cardoso de Oliveira, Climério e Virgílio, médico e advogado respectivamente, evidenciaram nas suas opções profissionais traços comuns aos jovens oriundos das famílias abastadas, interessadas em projetar socialmente os seus filhos, a partir do prestígio das carreiras liberais, típicas nas escolhas de formação da elite intelectual brasileira do último quartel do século XIX. Formado, Virgílio Cardoso retorna a Salvador e contribui para a fundação da Faculdade de Direito da Bahia, tornando-se membro do corpo docente dessa instituição, criada em 1891. De Salvador transferiu-se para Manaus, provavelmente motivado por razões profissionais. Nessa cidade ele começou a exercer a advocacia.

Fonte: Jornal Amazonas 28-07-1892 p. 4.

Figura 2: Anúncio do escritório de advocacia de Virgílio Cardoso de Oliveira 

Além de manter um escritório de advocacia com seu sócio, Virgílio Cardoso foi funcionário do Estado, onde desempenhou as funções de Procurador Fiscal da Fazenda, Secretário da Junta Comercial, Curador das Massas Falidas, examinador em concursos públicos em provas de português e francês e membro do Conselho Superior da Instrução. Nessas primeiras incursões no serviço público, já identificamos uma preocupação em atuar na área de educação, seja como examinador de concursos ou como Conselheiro responsável por refletir sobre os rumos da educação pública no estado do Amazonas.

Durante a estadia em Manaus, ele escreveu as Memorias sobre a historia do Estado, divulgado amplamente na imprensa amazonense e reportado por Augusto Blake em seu Diccionario Bibliographico Brazileiro.

No âmbito do jornalismo foi proprietário e redator de periódico denominado Archivo Juridico e redator-chefe do jornal Correio da Manhã, definido por ele como

completamente alheio ás luctas partidarias, tendo por principal objectivo tratar dos melhoramentos que reclama o Amazonas, e de interesses de elevada politica que possão auxiliar a administração nos seus planos de utilidade geral, sem prejuiso da justa censura, quando esta for necessaria (Diario de Manáos, 20/04/1893, p. 1).

A atuação na imprensa revela a sua preocupação de intervenção no espaço público, vocalizando e pautando problemas relacionados à vida citadina e, sobretudo, associados à experiência de construção do projeto republicano.

Nesse período Virgílio Cardoso se iniciou como escritor de livros didáticos e de leitura, todos com forte teor cívico, a exemplo de Ligeiros traços e Leitura amena, obras elementares que o Conselho Fiscal de Instrução Pública do Amazonas autorizou para uso das escolas primárias e pelos quais recebeu o prêmio de Rs2:000$000 (dois contos de réis) do governo do estado.

Estes escritos já mostram de forma inconteste a crença de Virgílio Cardoso em relação aos valores republicanos e à importância da instrução pública para a consolidação da nova forma de organização do Estado. O seu republicanismo estava associado ao grupo de Silva Jardim, um dos expoentes do radicalismo republicano e notório intérprete da obra de August Comte no Brasil 6. Justificando essa opção, Virgílio Cardoso ponderou que

emprehendida a reacção por todos os meios arbitrarios, a ponto de já não ser mais permittido pela policia um ‘viva’ á Republica, não era possível mais apellar para a dôce paz das escholas, para a lenta acção da propaganda. Tornei-me então sectario da dissidencia Silva Jardim: - a Republica por quaesquer meios (VIRGÍLIO CARDOSO, 1898, p. 12).

A mudança para Belém representou o momento de culminância na sua trajetória, especialmente em relação à atuação na esfera educacional e na ocupação de espaços de poder nas estruturas do estado. Acreditamos que essa transferência ocorreu entre 1898 e 1899, uma vez que identificamos Virgílio Cardoso na relação de eleitores que mudaram de residência, em uma fonte oficial do estado (Diario Official do Amazonas, 7/7/1899, p. 16522).

No Pará, ele estabeleceu forte relação com o jornal A Provincia do Pará, de propriedade de Antonio Lemos, Intendente de Belém e um aliado de primeira hora que lhe permitiria alçar voos mais altos no âmbito da instrução pública. Ao longo de sua atuação no estado ele ocupou diferentes cargos públicos, entre eles o de suplente de Juiz Substituto Federal; Diretor Geral da Instrução Pública do Estado do Pará; Chefe da Secretaria do Interior, Justiça e Viação; Diretor do Instituto Cívico Jurídico Paes de Carvalho; Diretor do Ensino Municipal e Administrador dos Correios. No exercício dessas funções sempre manifestou o seu posicionamento intransigente em defesa da República e em favor de uma educação pautada em valores morais e cívicos. Foi fundador e redator chefe da revista oficial de ensino do município de Belém, denominada A Escola. Esta foi criada em 1900 e se caracterizava por difundir temas que se propunham a apoiar os professores em suas práticas escolares.

Virgílio Cardoso foi um dos sócios fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Pará - IHGP, instituição criada em 3 de maio de 1900 durante o governo de José Paes de Carvalho, sob a denominação de Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Pará. Também escreveu livros e artigos em jornais sobre variados assuntos, que iam da poesia a assuntos jurídicos e educacionais.

Como já referido, sua obra mais importante foi A Patria brazileira, patrocinada pelo Intendente Municipal de Belém, Antonio Lemos que, em ofício ao Conselho Municipal, solicitou um valor pecuniário para financiar a publicação, o que foi concedido sob o argumento da importância da obra para a instrução e difusão dos valores republicanos. Os pareceristas consideraram que o referido trabalho era “effectivamente de valor, não só como elemento de educação nacional, mas ainda como propaganda valiosa pelas coisas brazileiras, e propaganda tanto mais proveitosa quanto deverá ser o livro illustrado com 260 gravuras” (VIRGÍLIO CARDOSO, 1903, p. III).

Importante ressaltar que a primeira dessas gravuras é uma foto de seus filhos, seguida de uma dedicatória com a seguinte mensagem: “Aos meus queridos filhos - Rodolpho, Maria Angelita e Virgilina: Pertence-vos este livro - amae vossa Patria ainda mais do que eu vos amo. Virgilio” (VIRGÍLIO CARDOSO, 1903, p. V).

Fonte: Livro A Patria Brazileira

Figura 3 Foto dos filhos de Virgílio Cardoso com dedicatória 

O livro mereceu “elogios e louvores, em pareceres unanimemente approvados pelos conselhos superiores de Instrução Pública dos Estados do Pará, Parahyba e Goyaz” (BAHIA ILLUSTRADA, setembro/1918, p. 6) e foi exaltado pela revista baiana como sendo “um dos melhores, senão o melhor que possuimos no gênero, devendo figurar em todas as escólas, para cujos directores e professores appelamos, em nome da República” (idem, p. 6).

Em outra edição dessa revista, em uma coluna denominada Notas sobre a instrução primária baiana, o autor disserta sobre a importância da leitura da obra de Virgílio Cardoso pela infância e o compara com Olavo Bilac, Coelho Neto e Manoel Bomfim, uma vez que escreveu “com carinho paternal livros cheios de assumptos instructivos, preceitos de moral e de civismo salutarissimos” (BAHIA ILUSTRADA, fevereiro de 1919, p. 46).

Apoiados nessas evidências temos condições de afirmar que a trajetória de Virgílio Cardoso articulou os campos do direito, da educação e da política, projetando um intelectual polígrafo, versado em diferentes assuntos e atuante como advogado, funcionário público graduado, jornalista e escritor7.

Para Koselleck (2006), “todas as histórias foram constituídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas” (KOSELLECK, 2006, p. 306). Segundo o historiador alemão:

A experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem tanto a elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento [...] Além disso, na experiência de cada um, transmitida por gerações e instituições, sempre está contida e é conservada uma experiência alheia. Nesse sentido, também a história é desde sempre concebida como conhecimento de experiências alheias. Algo semelhante se pode dizer da expectativa: também ela é ao mesmo tempo ligada à pessoa e ao interpessoal, também a expectativa se realiza no hoje, é futuro presente, voltado para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas pode ser previsto. Esperança e medo, desejo e vontade, a inquietude, mas também a análise racional (2006, p.310) 8.

Sendo assim, Virgílio Cardoso, como intelectual que se propunha a cumprir uma missão vital para a implantação da República, acumulava experiências nos campos político e educacional e projetava seus desejos, seus horizontes de expectativas em relação a uma República organizada, educada e moldada pelo espírito cívico e patriótico. Na sua abnegação ao projeto republicado ele sustentava que

no desenvolvimento de nossos idéaes, em cada acto ou funcção pública que fôrmos chamados a exercer, e mesmo em qualquer relação da vida social ou privada, nos convençamos de que esses dois poderosos elementos não serão inteiramente efficazes si não fôrem secundados, de perto, pela - Paz - e pela - Concordia -, sem as quaes não poderá ser assegurada a - Ordem - , base de toda organização estavel, e alcançado o - Progresso -, corôamento de todos os esforços sociaes (VIRGÍLIO CARDOSO, 1903, p. 357).

No binômio de inspiração positivista da ordem e do progresso, identificamos, especialmente, no segundo termo do par, um conceito que marcou os horizontes de expectativas do século XIX, incluído, como é sabido, na bandeira do Brasil republicano. De acordo com Koselleck, o conceito de

"profectos" espiritual foi substituído por um "progressus" mundano. O objetivo de uma perfeição possível, que antes só podia ser alcançado no além, foi posto a serviço de um melhoramento da existência terrena, que permitiu que a doutrina dos últimos fins fosse ultrapassada, assumindo-se o risco de um futuro aberto (2006, p.316).

O espaço de experiência no qual atuava o intelectual Virgílio Cardoso situava-se no entresséculos, quando o Brasil deixou de ser regido por uma Monarquia e passou a se organizar como República. Sob a égide do télos do progresso, o país passou a experimentar, gradualmente, mudanças modernizadoras em seu cotidiano, entre as quais podem ser destacadas a preocupação com a saúde e a higiene públicas, a incorporação de avanços científicos e tecnológicos na vida social e a implementação de um novo modelo de instrução pública. Este modelo, esboçado na Reforma de Benjamim Constant, de 1890, previa: a escola primária graduada, organizada na forma de grupos escolares; as reformas nos níveis secundário e superior; a criação do Pedagogium, instituição que visava transformar os processos de formação de professores; os novos métodos de ensino intuitivos e práticos; e a ênfase nas ciências e nas matemáticas, em detrimento dos estudos literários.

O intelectual, a educação e o campo político: conflitos republicanos na belle époque amazônica

Na Amazônia, desde o século XVIII, as estratégias econômicas já se diferenciavam do restante do país. Nesse sentido, Souza (2002) adverte que

No Grão-Pará e Rio Negro, a economia era fundada na produção manufaturada, a partir das transformações do látex. Era uma indústria florescente, produzindo objetos de fama mundial, como sapatos e galochas, capas impermeáveis, molas e instrumentos cirúrgicos, destinados à exportação ou ao consumo interno. Baseava-se também na indústria naval e numa agricultura de pequenos proprietários. (SOUZA, 2002, p. 32).

A cidade de Belém foi construída para ser a capital administrativa da região e para isso recorreu-se ao arquiteto e urbanista bolonhês Antônio José Landi. No estado do Pará, esse foi um período de prosperidade econômica, pois situa-se na chamada era da borracha:

Nesse período, se instalaram 15 novos estabelecimentos, entre os quais, dois importantes jornais: “A Província do Pará” (1876) e “A Folha do Norte” (1896), que contribuíram para a difusão de informações sobre o Pará e a região amazônica. O censo industrial de 1892 constatou a existência de 89 estabelecimentos, excluídos os engenhos de açúcar e aguardente e oficinas gráficas, na qualificação ‘fabris sólidos’, dentre os quais se destacavam 35 serrarias a vapor e 35 olarias articuladas à construção civil. O serviço editorial e gráfico contava com 41 oficinas tipográficas e duas litográficas, responsáveis pela produção e edição de trinta e dois jornais, livros e outros materiais gráficos no Pará (álbuns, Indicador Ilustrado do Pará, revistas etc.). Ressalta-se que todo o material regional para a Exposição Internacional de Turim, de 1911, foi produzido em alguns destes estabelecimentos, assim como os materiais de propaganda das indústrias locais (MOURÃO, 2017, p. 9).

Importante destacar que, na chamada belle époque, Belém era um polo importante de inovações, que não se limitavam somente às grandes transações econômicas ou iniciativas de urbanização nos moldes europeus. Em documento de prestação de contas da área da instrução pública, datado de 1900, o Governador José Paes de Carvalho, assevera que pela primeira vez, na forma de governo republicano, o ensino público teve uma reforma “vasada nos modernos methodos pedagogicos, inspirada nas melhores licções fornecidas pela doutrina e pela pratica, esta refórma foi, podemos dizer, a solida base em·que assentou-se o alicerce que·hoje·sustenta a instrucção publica do Estado”. (PARÁ, 1900, p. 6). E reitera que esta reforma foi a que, pela primeira vez, “deu ao ensino primario o programma mais compativel com as exigencias do nosso meio educativo e mais conforme com os modernos methodos pedagogicos. (PARÁ, 1900, p. 7).

As novas exigências de ordem política, econômica e cultural demandavam recursos humanos capazes de fazer frente aos desafios de um país que almejava o ingresso no mundo desenvolvido e, nesse contexto, a educação se apresentava como instrumento estratégico para a organização da República. Foi sob essas circunstâncias, com o novo regime se impondo, que a instrução pública passou a representar um instrumento para a redenção nacional, formando a nacionalidade que, segundo a retórica das elites republicanas, transformaria os habitantes do território em cidadãos patriotas, civilizados e capazes de corresponder os anseios e os desígnios do país.

Foi em resposta a essas expectativas que se deu “a afirmação do novo regime perante a sociedade, através de políticas de valorização da instrução pública e da exaltação dos valores cívicos e morais” (COSTA; MENEZES NETO, 2016, p. 70). Na mesma linha de pensamento, Shueler e Magaldi (2009) defendem que um elemento chave no projeto da escola primária republicana, “diz respeito ao papel assumido por essa instituição na formação do caráter e no desenvolvimento de virtudes morais, de sentimentos patrióticos e de disciplina na criança” (SCHUELER & MAGALDI, 2009, p. 45).

No Pará a situação não foi diferente, o documento legal que orientava a estrutura e o funcionamento do ensino primário previa a oferta de uma disciplina denominada Cultura Cívica, cujo programa previa a

leitura e explicação da constituição Federal e da do Estado - Noções succintas e praticas do direito pátrio. - Disposições fundamentaes das principaes leis federaes e do estado - Direitos civis e direitos políticos -Requisitos exigidos para o pleno gozo de ambos - Qualidades essenciaes aos contractantes - deveres civicos - civismo e espirito publico (PARÁ, 1890, p. 25).

Para além da cultura cívica, disciplinas como Cultura Moral, também no ensino primário, tinham como finalidade incutir nas crianças “o culto da verdade, do bello e do bom, e preparando n’ellas bons futuros cidadãos, se esforçará por preparar á humanidade em geral - e é este o fim superior da educação - bons e uteis servidores” (PARÁ, 1890, p. 45).

Percebe-se, e a historiografia confirma, que no projeto da escola primária republicana os saberes científicos e matemáticos, ainda que estivessem na base da filosofia positivista, não representaram o principal investimento formativo. Foram os valores morais e cívicos, os hábitos higiênicos e a cultura física os conteúdos privilegiados na formação das crianças e dos jovens. Os conhecimentos históricos, geográficos e linguísticos estiveram, também, associados à veiculação dos valores cívicos e patrióticos no interior de um projeto que engendrou transformações no campo da instrução que se materializaram em novos edifícios, métodos de ensino e materiais didáticos. Um grande investimento foi dedicado à formação de professores, uma vez que estes seriam os intermediadores dos valores republicanos perante os estudantes e as suas famílias.

Foi nesse cenário que Virgílio Cardoso - baiano, advogado, republicano fervoroso, com pouco mais de 30 anos e recém radicado no Pará - assumiu o cargo máximo da instrução pública no Pará. Nessa função criou a Revista A Escola, com o objetivo de informar os professores sobre os programas e as reformas de ensino em curso. Propôs a criação de um centro pedagógico que se constituiria em uma “associação a que só deverão pertencer os membros do magistério e as pessoas dedicadas, por actos ou por trabalhos publicados, á instrucção publica, creando-se uma bibliotheca especial aos fins da instituição” (VIRGÍLIO CARDOSO, 1899, p. 17) e foi o responsável direto pela estruturação e realização do Congresso Pedagogico do Pará9.

À frente da renovação pedagógica no estado, Virgílio Cardoso relativizou alguns símbolos da modernidade e da opulência das principais cidades do país, em nome do que ele considerava como os verdadeiros sinais da modernidade nacional:

Nos orçamentos, antes de cuidar-se de embellezamentos, edificações luxuosas, etc., etc., separe-se uma grande quota para a diffusão, por todos os meios, da instrucção do povo, que mais lucrará ter o espirito esclarecido do que bellos panoramas para deliciar-lhe os olhos. Em que póde adiantar á Republica, ao seu engrandecimento e prestigio, ostentarmos ás vistas extrangeiras as nossas capitaes bem garridas, luxuosamente edificadas, brilhantemente illuminadas, jazendo o povo na mais céga ignorancia do systema de governo que o dirige, dos seus mais rudimentares deveres e direitos politicos? Como é que havemos de disputar na America do Sul o logar de honra, que a natureza destinou-nos, a hegemonia que os Estados-Unidos já conquistaram na America do Norte, se a nossa Republica não passar das paginas da Cọnstituição e das leis para a consciencia do povo, se este não souber compenetrar-se de sua soberania? (VIRGÍLIO CARDOSO, 1898, p. 27).

A modernidade para Virgílio Cardoso tinha por base a instrução pública, fator essencial para a superação da ignorância, reputada por ele como característica marcante do período monárquico. Nesse contexto, a questão da educação do povo e o sucesso da causa republicana se apresentam como aspectos indissociáveis, como podemos verificar nessa manifestação:

A instrucção, senhores, tem occupado em minha vida publica, tem um decennio, uma grande parte de minha alma! (...) Republicano convicto, voltei-me para a instrucção propriamente do povo, o elemento palpitante da vida da Republica, que eu acalentei em meus sonhos de moço, unico ideal político que movimentou ininterruptamente a minha vida de cidadão (VIRGÍLIO CARDOSO, 1900-A, p. 10).

Nessa passagem, fica clara a sua adesão à ideia de Montesquieu de que o “governo republicano é de todos os regimes políticos aquele em que a questão da educação se coloca mais seriamente” (MONTESQUIEU, citado por VIRGÍLIO CARDOSO,1898, p. 20). Não obstante, o projeto educacional republicano não se desenvolveu sem conflitos. No caso do Pará, este foi potencializado pela pujança econômica do estado que experenciava, no entresséculos, o auge do ciclo da borracha. Muitos recursos sempre geram disputas acirradas e, assim, a ascensão de Virgílio Cardoso no serviço público, em uma área estratégica como a educação, foi marcada por fortes lutas entre os principais líderes republicanos estaduais. Entre os principais aliados de Virgílio Cardoso identificamos Antonio Lemos, líder do Partido Republicano do Pará e Intendente de Belém, e José Paes de Carvalho, Governador do Estado. Na oposição Lauro Sodré, líder do Partido Republicano Federal. Lemistas e Lauristas, assim como foram chamados os grupos em confronto, detinham fortes posições na imprensa, constituindo-a em um dos principais palcos das disputas10. Como era comum à época, cada um desses grupos e partidos possuíam seus órgãos de veiculação de ideias, programas e propostas, por isso, o entendimento de suas vinculações é essencial para entender as mensagens dirigidas ou relativas a Virgílio Cardoso, principalmente quando este esteve à frente da Diretoria Geral de Instrução Pública.

Virgílio Cardoso, ciente do clima de antagonismo, advertiu, no seu discurso de posse na Presidência do Conselho Superior da Instrução Pública, que “a grita desordenada, que, por muitos dias após a minha investidura n’este cargo, atou meu obscuro nome ao negro poste das insinuações malignas, possa ter, de alguma forma, prevenido o vosso espirito” (VIRGÍLIO CARDOSO, 1899, p. 9) e continua alegando que “não é por mim, pois, que eu receio; é por vós, em desproveito da instrucção; por vós, que vós possaes manter para commigo em um circulo de desconfiança, de má vontade, de inercia, de retrahimento, prejudicando a bôa marcha dos negocios da instrucção. (VIRGÍLIO CARDOSO, 1899, p. 9).

A crítica dos oposicionistas foi dura e implacável e focaram, principalmente, em duas questões: as conferências cívicas promovidas pela gestão do Diretor Geral da Instrução Pública e o modo como este dirigente se relacionava com os professores primários da capital. As Conferências Cívicas, criadas por Virgílio Cardoso, eram dirigidas às crianças e se constituíam em uma série de palestras proferidas nas escolas por pessoas consideradas de notório saber. Estas tinham forte teor cívico-patriótico e objetivavam transmitir o sentimento de nacionalidade.

Fonte: Jornal O Pará, 5 de setembro de 1900.

Figura 4: Nota jornalística sobre a primeira Conferência Cívica 

Em matéria no jornal República, Virgílio Cardoso é questionado em relação ao projeto: “porque [Virgílio Cardoso] não convidou um professor [...] no respeitavel corpo dos professores primarios deste Estado, não tem um só em condições de fazer uma boa conferencia pedagogica” (REPUBLICA, 01/09/1900, p. 1). Neste mesmo jornal, em sua edição de 9 de setembro, uma coluna intitulada Mosaicos, sem autor identificado, faz críticas irônicas à conferência ministrada por Elyseu Cezar, um dos convidados por Virgílio Cardoso, afirmando que

pela sonolencia que provocou a conferencia, quem não esteve muito pelos ‘autos’ foi a meninada. Levada a ‘forciori’ para assistir prelecções didacticas, tirada dos seus folguedos infantis, arrastada da santa convivencia da familia para ouvir uma cousa que ella não entende nem quer entender”. Finalizando o autor pede piedade e recomenda que “se outra vez v. s. tiver de voltar ás conferencias, compadeça-se dessas pobres criancinhas que não têm culpa de fazerem director da instrucção publica o sr. Virgilio Cardoso. (REPUBLICA, 09/09/1900, p. 2).

As críticas ao Diretor da Instrução não se resumiam às conferências promovidas, mas insistiam, também, na falta de atenção aos professores primários:

Porque o sr. dr. Virgilio não cerca-se dos srs. professores primarios d’esta capital, que em sua maioria absoluta são inteligentes e preparados? Qual a razão por que não se chama o professor primario para a confecção dos regulamentos da instrucção publica? Unico nas condições de adaptal-os ao nosso meio e extirpar os erros vergonhosos tornando-os emfim exequiveis. Não acontece, porem assim; o sr. dr. Virgilio trata os srs. professores como se fossem continuos de sua repartição, vedando-lhes até a entrada na sua secretaria (REPUBLICA, 01/09/1900, p.1).

Em 1 de setembro de 1900 o Republica publicou uma nota, cujo título era Chaos na instrucção, assinada com o pseudônimo Justiça. O autor da nota alegava ser triste o estado em que estava a instrução do povo e argumentava que Virgílio Cardoso queria

elevar o seu nome as altas regiões [e] sonhando com seus triumphos posteros inventa, reforma e detalha todos os dias uma novidade na directoria geral do ensino publico, sem que para isso tenha a menor pratica [...] ao sr. dr. Virgilio não faltará illustração, porém, falta o mais necessario que é circumspecção e bom senso (REPUBLICA, 01/09/1900, p. 1).

Em contrapartida, os aliados políticos também se manifestaram. O jornal O Pará, de 11 de setembro de 1900, publicou na primeira página uma coluna denominada Despeitados, na qual caracterizava os opositores das ideias do dirigente da instrução pública como adversários desleais e cegos pela paixão partidária, argumentando que o “activo illustrado moço que dirige a instrucção publica [é] alvo do odio e despeito dos federaes, que recalcitram em expôor esses sentimentos detestaveis á commiseração publica [...] para deslustre do bom nome d’esta terra” (O PARÁ, 11/09/1900, p. 1) 11. Tentando esclarecer as causas do despeito, o autor da matéria jornalística afirma que Virgílio Cardoso “tem tomado algumas medidas patrioticas, no sentido todas de despertar na infancia o amor ao estudo, de transmittir-lhe desde já os primeiros rudimentos de educação civica que fórma o caracter do cidadão” (O PARÁ, 11/09/1900, p. 1).

As polêmicas de Virgílio Cardoso não se resumiram ao conflito regional entre lauristas e lemistas, suas ideias confrontavam os rumos do projeto educacional republicano. À frente do Conselho Superior de Instrução Pública, em sua primeira fala como seu Presidente, além de acusar a Monarquia de ter, deliberadamente, difundido a ignorância para seu proveito, criticou também a República, que deixou de fazer o que deveria ter sido feito no que tange às suas tarefas para a consolidação do que seria a maior arma no combate à ignorância. Em sua visão “a eschola foi esquecida como um dos principaes factores do caracter nacional, pois é ahi, n’esse meio, que se deve começar a preparar o cidadão” (VIRGÍLIO CARDOSO, 1898, p. 13). Em outra oportunidade, comparando a instrução à luz, afirma que

Um povo sem luz é um povo sem vida; um machinismo que se desdobra inconsciente de si e do mundo exterior, movido apenas pelas necessidades materiaes, sem ambições, sem energias, sem incentivos, indispensaveis ao progredimento da vida social. Isto, sob a Republica, é um perigo para ella e para o proprio povo (VIRGÍLIO CARDOSO, 1900-A, p. 10).

Virgílio Cardoso não poupava a República com suas críticas à negligência do governo em relação à instrução, chegando ao ponto de compará-la à Monarquia. Para ele “o povo, que assistiu ‘bestializado’, na phrase de Aristides Lobo, á proclamação da Republica, continuou na mesma criminosa ignorancia, que nos legou a monarchia” (VIRGÍLIO CARDOSO, 1898, p. 13). Segue no argumento e insiste na tese de que “os governos federal e estaduaes não se compenetraram devidamente, é forçoso dizer, de que a arma mais apropriada, a necessaria mesmo para a consolidação da Republica, a verdadeira Republica, é a instrucção” (VIRGÍLIO CARDOSO, 1898, p. 14).

É marcante no seu discurso uma tensão entre a devoção à forma de governo republicana e o desalento em relação aos governos republicanos em função da falta de iniciativas ou da lentidão na implementação de reformas estruturais na educação popular. Ainda que, na primeira década republicana, o Distrito Federal e algumas cidades, em regra capitais de estados, avançassem em termos de expansão da rede pública de ensino, a realidade no interior do país se mantinha inalterada em comparação com os tempos da Monarquia. As resistências à expansão e à qualificação da educação pública não advinham da oposição monarquista, nesse período já bastante enfraquecida, mas sim das próprias elites políticas e econômicas republicanas, que seguiam insensíveis às demandas da população, especialmente dos setores econômica e socialmente mais vulneráveis.

Esse sentimento ambíguo de Virgílio Cardoso pode ser percebido no seu discurso de abertura da primeira sessão ordinária do Congresso Pedagógico, em janeiro de 1901, no qual ele - na condição de Diretor Geral da Instrução Pública e Presidente do evento - demonstra sua insatisfação com as resistências aos seus projetos:

Lançada, pois, a idéa novamente, amparada apenas pela minha obscura individualidade, em lucta franca com a indifferença de uns e a má vontade de outros, encontrando a cada passo uma palavra de desanimo, de desalento; assoberbado, enfim, pela responsabilidade da tentativa em assumpto de tão grande alcance, não deve ser pequena a satisfação que me vae na alma neste instante, sentado na cadeira da presidencia d’este Congresso, já officialmente installado, em uma sessão solenne e memoravel. Está, portanto, cumprida a minha missão espinhosa (A ESCOLA, 1901, p. 241-242).

Importante destacar que esse grupo de republicanos insatisfeitos com os rumos da República não adotaram a estratégia de mobilizar a população ou o movimento social no sentido de vocalizar suas reivindicações de expansão da instrução e, por extensão, de inclusão da população na política e na vida cidadã. Estes radicais - marcados por suas origens sociais abastadas, pelo seu contato íntimo com as elites econômicas e políticas e, sobretudo, pela adesão às teses positivistas que relativizavam a democracia - vocalizaram o sentimento popular por mais educação, porém mantiveram seus horizontes de expectativas voltados para a ação do Estado. Entenderam que suas retóricas veementes deveriam ter como interlocutor o Estado e o governo, de modo que a reforma social pretendida seguia como uma possibilidade associada à ação eficaz do Estado, que reorganizaria a sociedade a partir da formação do povo.

Considerações finais

Neste artigo nos propusemos a analisar a trajetória de Virgílio Cardoso com ênfase nas suas ideias e nos espaços institucionais onde ele circulou e atuou como intelectual engajado na defesa da educação do povo brasileiro. Adotamos como conceito orientador da análise a perspectiva apresentada por Vieira (2011), que visa definir o comportamento público dos intelectuais brasileiros, associados diretamente ao campo educacional, entre o último quartel do século XIX e a primeira metade do século XX. Esta definição reúne quatro aspectos principais: a adesão à identidade do grupo dos intelectuais, o engajamento político, o discurso sobre a relação entre investimentos em educação e a ascensão do país ao seleto grupo de país desenvolvidos e modernos e a crença na ação do Estado como agente político capaz de efetivar as reformas almejadas.

Acreditamos que a análise realizada aproxima Virgílio Cardoso desse conjunto de características que, sem desconsiderar as singularidades próprias dos intelectuais envolvidos na formação dos campos intelectual e educacional no Brasil, permite articular um comportamento comum, permitindo um grau de generalização no entendimento dessa elite detetora de prestígio social e de influência política.

Apresentamos como hipótese o posicionamento de Virgílio Cardoso em uma franja mais radical do republicanismo que, para além da defesa da forma de governo republicano, defendeu uma pauta social mais ampla, incluindo, especialmente, a questão da educação popular. Essas teses levaram Virgílio Cardoso e muitos republicanos ao confronto com os rumos políticos dos governos republicanos, uma vez que o cenário social brasileiro, após uma década de poder republicano, seguia sem grandes alterações, especialmente em relação à formação do povo. Compondo esse grupo podemos citar alguns nomes: Júlio Mesquita e Caetano de Campos, em São Paulo; Afrânio Peixoto, na Bahia; Dario Vellozo, no Paraná; José Veríssimo, no Pará; Silvio Romero e Manoel Bomfim, no Sergipe; e o próprio Benjamin Constant, no Rio de janeiro.

Em comum entre estes intelectuais, para além do pertencimento à chamada geração de 1870, o republicanismo e o entusiasmo pela educação, na expressão celebrizada por Jorge Nagle, em Educação e sociedade na primeira república. Compartilharam, também, em alguma medida, o desalento em relação ao lugar ocupado pela educação nos sucessivos governos republicanos. José Veríssimo, a quem Virgílio Cardoso sucedeu como Diretor Geral da Instrução Pública do Pará, na sua obra de 1892, A Educação Nacional, que reunia artigos publicados no Jornal do Brasil argumentava que a educação republicana, apesar de alguns avanços, mantinha, mais do que mudava, o cenário da instrução no país. A crítica mais dura de Veríssimo foi em relação aos exageros do federalismo implantado, agravando em muito a situação da escola primária, relegada às iniciativas estaduais e municipais. Os primeiros anos da República não corresponderam aos horizontes de expectativas dos seus mais devotos militantes:

Proclamada por militares, a República foi marcada por constante instabilidade, guerras civis, crise financeira, falta de ordem e de progresso. De 1889 a 1897, foram dois presidentes militares e um civil. O primeiro militar foi forçado a renunciar. O segundo enfrentou duas guerras civis, uma no Sul, outra na capital. O civil, Prudente de Morais, teve um governo perturbado por conflitos com o Partido e com o Congresso, por revoltas militares e populares, e sofreu uma tentativa de assassinato. Deixou o país à beira da falência financeira (CARVALHO, 2011, p.155-6).

O trinômio república-democracia-federalismo, explicitado no Manifesto Republicano de 1870, ficou restrita ao par república-federalismo. A primeira Constituição Republicana estabeleceu que todos eram iguais perante a lei, não admitiu privilégios de nascimento, desconheceu foros de nobreza e extinguiu as ordens honoríficas existentes, assim como todas as suas prerrogativas e regalias, caracterizando formalmente um dado conceito de cidadania vinculado à noção de direito, afastando-se da concepção oligárquica e absolutista de benefício e privilégio para poucos. Todavia, também acabou por excluir os pobres, os analfabetos e as mulheres do exercício do sufrágio universal. O próprio Silva Jardim, líder republicano a quem Virgílio Cardoso declarou fidelidade, não se notabilizou pela defesa da democracia. Este, pelo contrário, defendeu uma ditadura republicana sociocrática, no qual o Estado - como contraponto o povo, que permanecia preso à mentalidade teológica - teria o papel de força civilizadora.

Deste modo, a cidadania republicana no Brasil se consumou a partir de um fundamento de desigualdade e exclusão, não fazendo jus ao sentido da res publica e negando a sua prerrogativa seminal de pertencer “ao povo” e de ser “de todos”. Na expressão de Carvalho (2011) tivemos uma República sem povo, na qual apenas 5% da população exercia o direito de votar e de ser votado.

Identificamos, assim, uma dissintonia entre as origens do movimento e o governo republicano, que Carvalho (2011) problematizou asseverando que

a transformação do radicalismo liberal em republicanismo representou um retrocesso ou, no mínimo, uma parada na luta pelas reformas políticas e sociais. O fato se deveu à concentração do debate, operada após o Manifesto Republicano de 1870, em torno da forma de governo, monarquia ou república, com prejuízo de outros temas de igual, ou maior, relevância (p.142).

O programa da educação do povo, assentado sobre a formação cívica e patriótica, assumido por Virgílio Cardoso e outros intelectuais, visava produzir impactos diretos sobre a distribuição do poder político, já que a alfabetização era uma condição para a inclusão dos indivíduos no universo de eleitores. Não obstante, apesar de avanços no processo de escolarização popular, no período do entresséculos, estes ficaram concentrados nas cidades mais importantes, que já detinham estrutura física e quadros de professores formados em escolas normais. As almejadas reformas sociais, que marcaram a formação do discurso republicano até o advento da proclamação, período de formação do jovem Virgílio Cardoso na Escola de Recife, foram sendo preteridas em nome de uma discussão que privilegiou a forma de governo republicano-federalista.

Em termos práticos, na primeira década do governo republicano, muito pouco foi realizado em termos de instrução pública e, sobretudo, de expansão e de qualificação da escola primária. Na Constituição de 1891, coube ao governo federal a administração da instrução pública apenas no Distrito Federal, na época situado na cidade do Rio de Janeiro, de modo que o princípio federativo descentralizou as ações educativas. Em São Paulo, por exemplo, transformações foram sentidas na dinamização e na organização dos grupos escolares e das novas Escolas Normais. Outras capitais, como a próspera Belém, também revelaram avanços, mas em menor ritmo e extensão. Não obstante, no interior do país e nos estados mais pobres da federação as condições de ensino não se alteraram significativamente em relação aos tempos da Monarquia.

Na senda das reformas de Constant, de 1890, se verificam sutis alterações no ensino secundário e superior, destinado às elites. Porém, o projeto iluminista e, depois, democrático-republicano de massificação da educação popular, que ganhou impulso na Europa e nos Estados Unidos ao longo do século XIX, não vingou no Brasil na primeira fase republicana. A controvertida criação do Ministério da Instrução, Correio e Telégrafos, em 1891, ao ser extinto no ano seguinte, relegou a instrução pública a um departamento no Ministério da Justiça, tal como era no Império. Os ideais democráticos, que articulavam horizontes de expectativas sintonizados com a difusão da escola e de ampliação do nível cultural do povo, foram bloqueados pela vitória do federalismo e pela reconquista do poder pelas oligarquias estaduais nos últimos anos do século XIX. Na chamada Política dos Governadores, a formação do povo perdeu importância, voltando a ter destaque somente nos anos de 1920, no contexto de crise da Velha República12.

Virgílio Cardoso estava situado nesse espaço de experiência e, como isso, teve frustrado seus horizontes de expectativas. Porém, como homem da política, soube ocupar espaços e seguir com suas bandeiras, mesmo enfrentando resistências a seus projetos relativos à instrução pública. As críticas oriundas de parte da imprensa republicana à administração de Virgílio Cardoso, que evidenciamos anteriormente nesse estudo, reforçam a ideia da política como um campo de disputas cruentas, nas quais os adversários não são poupados e os argumentos, em regra, são constituídos por lógicas desqualificadoras, tendo a ironia como uma peça fundamental na produção dessas retóricas. Todavia, Virgílio Cardoso resistiu aos ataques, uma vez que se encontrava bem-posicionado no jogo de forças do estado. É perceptível, também, que os críticos adotaram certos cuidados para não ultrapassar os limites do crível e do plausível, de modo a não atacar a fidelidade republicana, a formação e a qualificação intelectual do Diretor Geral. Sendo assim, a sua condição de político republicano e de intelectual de prestígio permaneceu intocada, reduzindo as críticas às querelas regionais dos grupos lemistas e lauristas, de modo que a memória da sua gestão à frente da instrução pública permaneceu intocada.

Virgílio Cardoso revelou na sua trajetória de intelectual viajante, grande competência para se promover e ser notado, pois, apesar de não ser paraense de nascimento, desfrutou da confiança do governador do Pará e do Intendente de Belém. O intelectual baiano teve uma vida intensamente dedicada à educação nos estados do Amazonas e, principalmente, do Pará, assumindo cargos públicos de destaque e escrevendo obras que impactaram a região e ganharam notoriedade nacional. Sua obra capital, denominada A Patria brazileira, ainda reverbera em trabalhos recentes como o do brasilianista Thomas Skidmore (2012) e das pesquisadoras Lajolo e Zilberman (2019).

O discurso e a linguagem de Virgílio Cardoso foram marcados por um jogo de linguagem peculiar, próprio desse grupo de republicanos engajados na causa educacional. Ao analisarmos o seu livro O Instituto Civico-Jurídico, de 1898, identificamos o núcleo dos conceitos normativos que regiam este jogo de linguagem praticado por Virgílio Cardoso e seus pares. Estes conceitos formam a estrutura do grupo principal de sentidos em circulação e em disputa nesse jogo de linguagem. Os conceitos normativos,

em contraste com os termos ordinários, conformam um grupo de palavras compartilhadas e valoradas como imprescindíveis para expressar o modo de pensar e falar de um determinado grupo social, profissional, político ou religioso. Esses conceitos permitem, por um lado, a percepção e a interpretação do espaço de experiência e, por outro, a elaboração dos projetos e dos horizontes de expectativa daqueles que os enunciam (VIEIRA, 2021, p.18)13.

Analisando o vocabulário de Virgílio Cardoso, identificamos um jogo de linguagem próprio do campo político, que associou termos oriundos dos discursos republicano, cívico nacionalista e educacional.

Fonte: O Instituto Civico-Juridico, elaborada pelos autores, a partir do software NVivo14.

Figura 5: As 50 palavras mais frequentes na brochura Instituto Civico-Juridico 

Essa linguagem vocalizou as crenças e os projetos de intelectuais em diferentes estados brasileiros que, assim como Virgílio Cardoso, aproximaram e conectaram conceitos como: república, nação, soberania, estado, federação, constituição, povo, direitos, ignorância, instrução e educação. A combinação desses conceitos produziu um discurso que destacou a centralidade da instrução dos cidadãos, como forma de combater a ignorância e forjar a consciência nacional. Essa crença no poder da educação representa um fenômeno, ainda muito presente entre nós, denominado por Smeyers e Depaepe (2008), como educacionalização, que imantou os discursos sobre a formação dos modernos estados nacionais em diferentes continentes e se inseriu de forma peculiar no contexto de parte do movimento republicano no Brasil.

O intelectual viajante Virgílio Cardoso, após a experiência em Belém, ainda desempenhou funções públicas em Minas Gerais, onde foi Procurador da República do Estado até retornar a Salvador, onde faleceu aos 66 anos, em 9 de dezembro de 1935. A sua trajetória, discurso e linguagem são exemplares de uma geração de intelectuais brasileiros, engajados nas causas da República e da instrução do povo, que não se notabilizaram por trabalhos originais e inovadores, mas sim pela perseverança em difundir valores caros aos movimentos e aos grupos que pertenceram. Nesse aspecto, cabe retomar a noção de intelectual de Gramsci, que assevera que

criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ´originais`; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, ´socializá-las` por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral (1999, p. 95-96).

Em síntese, podemos concluir que Virgílio Cardoso representou uma posição importante dentro do discurso e da prática republicana, ainda que seu poder de transformar a realidade educacional do país tenha sido limitada, pelas resistências, explícitas e implícitas, em tornar a República um projeto democrático e capaz de promover inclusão política e a justiça social.

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DIARIO DE MANÁOS [ Links ]

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1Entendemos trajetória intelectual da forma como foi formulada por Bourdieu, no clássico argumento sobre a ilusão biográfica. Biografias ilusórias porque impõem uma racionalização arbitrária ao vivido, de modo a produzir um ser uno, coerente e movido, de maneira inabalável, por um propósito de vida. Para Bourdieu a trajetória deve ser compreendida como uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço [..] sujeito a incessantes transformações” (BOURDIEU, 1996, p.189).

2Optamos por referenciar nosso personagem como Virgílio Cardoso, pois foi dessa forma que ele ficou conhecido nos meios políticos e educacionais do período.

3As principais referências para as análises do contextualismo linguístico e da história dos conceitos são as obras e as ideias de Quentin Skinner e Reinhard Koselleck respectivamente.

4Algumas de suas obras são: “Ligeiros traços” e “Leitura amena”, de 1892; “O Instituto cívico-juridico: artigos publicados n’ A Província do Pará”, de 1898; “Os próprios nacionaes: justificação constitucional do direito que aos estados assiste sobre os antigos proprios nacionaes”, de 1898; “Discurso. 2ª Conferência Cívica”, de 1900; “Affonso Celso contra Affonso Celso: contradicta historia ao oito annos de parlamento”, de 1902; “Apontamentos históricos e notícia sobre a Constituição Federal destinados ás escolas publicas.”, de 1902(?); “A Patria Brazileira: Leitura escolar illustrada com 260 gravuras”, de 1903; “A Terra Brasileira: Chorografia dos Estados Unidos do Brazil para uso das escolas primarias brazileiras”, de 1907; “A terra: Curso primário de Geographia e Cosmographia. Ornado de 14 mappas e 59 gravuras”, de 1908; “Nossa pátria: Pequena Encyclopedia Nacional para uso das escólas brazileiras”, de 1908; e “Meu lar: narrativa romântica, poético - illustrada, votada a fins cívicopiedosos”, sem data.

5 No Diccionario Bibliographico Brazileiro, de Augusto Blake (1893), lê-se que Climerio Cardoso de Oliveira nasceu em 1854, na Bahia e foi “doutor em medicina pela faculdade de sua provincia, e professor da cadeira de clinica obstétrica” (p. 126). Também escreveu obras de natureza técnica e literária.

6Silva Jardim era tido como político pouco moderado e por causa de sua postura considerada inflexível foi marginalizado até no interior do próprio Partido Republicano a ponto de, instalada a República, ele ter sido afastado gradativamente do governo. Segundo Silva Jardim registrou em suas memórias, o ministro da Guerra lhe explicou que não o havia posto a par da conspiração contra a monarquia porque tivera informações que o classificavam de ‘republicano sanguinário’, e o movimento se pretendia pacífico (FGV/CPDOC, n.d., n.p.).

7O conceito de campo de Pierre Bourdieu não se constitui em um aparato heurístico central nessa análise, contudo quando utilizamos a expressão estamos apoiados na ideia bourdeusiana que define o campo como espaço social de relações, onde são estabelecidos/impostos os critérios de nomeação, de classificação e de distinção social. Bourdieu ressalta a relação entre os campos, mas sustenta, também, a autonomia relativa desses espaços. Para uma análise dos principais conceitos de Bourdieu, ver O poder simbólico.

8Sobre os conceitos de espaço de experiência e horizonte de expectativas, ver Reinhard Koselleck, Futuro passado: contribuições à semântica dos tempos históricos, especialmente o capítulo: Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas categorias históricas, p.305-329.

9Referido Congresso foi criado em Belém pelo Decreto 874, de 11/07/1900, que “Institue n’esta capital um “Congresso Pedagogico” e approva seu Regimento”.

10 Entre os jornais em circulação na época destacamos: a Folha do Norte, O Estado do Pará e A República, ligados ao grupo laurista; e Província do Pará e O jornal, ligados aos lemistas.

11Essa expressão se deve ao fato de os opositores serem do Partido Republicano Federal.

12Na década de 1920 o sinal mais evidente de fortalecimento do movimento educacional foi a criação da Associação Brasileira de Educação, em 1924. Esta associação reuniu a elite intelectual brasileira e gozou de grande prestígio perante a sociedade e o Estado. O mesmo desalento, sentido por Virgío Cardoso em relação à inoperância dos governos republicações, foi revivido pela geração de 1920 no movimento intitulado “republicanização da república”, que teve como um dos seus expoentes Vicente Licínio Cardoso, organizador da coletânea, À margem da história da república, que objetivou vocalizar as críticas sobre os rumos adotados pela política republicana.

13Os jogos de linguagens, segundo a apropriação do contextualismo linguístico, da teoria do chamado segundo Wittgenstein, são situações de comunicação contextualizadas, no tempo e no espaço, e registradas em fontes empíricas, passíveis de serem tratadas historicamente.

14NVivo é um software de análise qualitativa de dados produzido pela QSR Internacional. O NVivo ajuda os pesquisadores a organizar e analisar dados não estruturados ou qualitativos, como entrevistas, respostas de pesquisas abertas, artigos de periódicos, mídia social e conteúdo da web, onde são necessários níveis profundos de análise em pequenos ou grandes volumes de dados

Recebido: 13 de Junho de 2022; Aceito: 20 de Agosto de 2022

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