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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-181 

Artigos

Práticas educativas em Matemática no Colégio de Aplicação da UMG/UFMG (1954-1968) e suas relações com os livros didáticos

Prácticas educativas en Matemática en Colégio de Aplicação - UMG/UFMG (1954-1968) y su relación con los libros de texto

Renata Alves Costa1 
http://orcid.org/0000-0001-7526-6880; lattes: 1977785680297345

Maria Laura Magalhães Gomes2 
http://orcid.org/0000-0003-2423-7750; lattes: 5671580360415081

Bruno Alves Dassie3 
http://orcid.org/0000-0001-8117-3867; lattes: 5971602580983458

1Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil). renata.mat@gmail.com

2Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil). mlauramgomes@gmail.com

3Universidade Federal Fluminense (Brasil). badassie@gmail.com


Resumo

Este artigo focaliza livros didáticos de Matemática no Colégio de Aplicação da Universidade de Minas Gerais/Universidade Federal de Minas Gerais no período 1954-1968. O estudo teve como objetivo realizar uma análise com base no cruzamento de documentação escrita e narrativas de antigos estudantes e professores colhidas em entrevistas com a metodologia da História Oral. A investigação evidenciou o protagonismo dos livros didáticos num contexto de ensino centrado no professor, grande carga de exercícios e presença de instrumentos avaliativos rigorosos. Procurou-se articular, no estudo dos livros, que tiveram papel fundamental nas práticas educativas em Matemática do Colégio de Aplicação, as formas de organização do campo da educação no período investigado, a estrutura das obras envolvidas e sua recepção por alunos e professores.

Palavras-chave: Colégio de Aplicação da UMG/UFMG; Livros Didáticos de Matemática; História Oral

Resúmen

Este artículo se centra en los libros de texto de Matemática en Colégio de Aplicação de la Universidade de Minas Gerais/Universidade Federal de Minas Gerais en el período 1954-1968. El estudio tuvo como objetivo realizar un análisis a partir del cruce de documentación escrita y narrativas de exalumnos y docentes recolectadas en entrevistas con la metodología de la Historia Oral. La investigación evidenció el protagonismo de los libros de texto en un contexto de enseñanza centrado en el docente, con gran cantidad de ejercicios y presencia de rigurosos instrumentos de evaluación. Se buscó articular, en el estudio de los libros, que jugaron un papel fundamental en las prácticas educativas en Matemática del Colégio de Aplicação, las formas de organización del campo de la educación en el período investigado, la estructura de las obras involucradas y su recepción por parte de alumnos y profesores.

Palabras clave: Colégio de Aplicação - UMG/UFMG; Libros de texto de matemáticas; Historia oral

Abstract

This article focuses on Mathematics textbooks at School of Application of Universidade de Minas Gerais/Universidade Federal de Minas Gerais in the period 1954-1968. The study aimed to conduct an analysis based on the crossing of written documentation and narratives of former students and teachers collected in interviews with the methodology of Oral History. The investigation evidenced the protagonism of textbooks in a teaching context centered on the teacher, with many exercises and the presence of rigorous evaluation instruments. It was sought to articulate, in the study of the books, which played a fundamental role in the educational practices in Mathematics of School of Application, the forms of organization of the field of education in the investigated period, the structure of the works involved and their reception by students and teachers.

Keywords: School of Application - UMG/UFMG; Mathematics Textbooks; Oral History

Introdução

Os livros didáticos, também designados como manuais escolares, livros-texto, livros escolares ou manuais de ensino, ocupam, há muito tempo, um lugar expressivo na investigação histórica em Educação. Diversos estudos os tomam como fonte ou objeto; outros, por sua vez, dedicam-se às dimensões teórico-metodológicas relevantes para sua análise, com o oferecimento de perspectivas variadas. A presença desses trabalhos pode ser facilmente constatada em dossiês de periódicos educacionais, a exemplo do publicado em 2012 na revista Pro-Posições, denominado “Manuais escolares: as múltiplas facetas de um objeto cultural”, do promovido pela Cadernos de História da Educação em 2018, com o título “Manuais escolares, mediações tecnológico-pedagógicas da Escola Moderna”, e do mais recente, de 2020, da Revista Brasileira de História da Educação, chamado “Questões teórico-metodológicas em manualística”.

Cigales e Badanelli (2020) enfatizam a ausência de consenso acerca da conceituação do manual escolar, tanto pela diversidade de contextos nacionais em que ele aparece quanto pelas dimensões linguística, política, educacional e cultural, que tornam muito complexa a questão de produção de um termo abrangente o suficiente para abarcar suas significações. Contudo, explicitam algumas

características básicas do que pode ser considerado um manual escolar, tais como a intencionalidade do autor ou editor de ser expressamente voltado para o ensino escolar; sistematicidade e sequencialidade na exposição dos conteúdos; adequação para o trabalho pedagógico; estilo textual expositivo; combinação de imagem com texto; presença de recursos didáticos explícitos, como tabelas, quadros, exercícios etc.; regulamentação dos conteúdos segundo os planos de ensino oficial e fiscalização do Estado sobre a produção e circulação desses artefatos culturais (CIGALES; BADANELLI, 2020, p.1)

No que diz respeito aos livros didáticos destinados ao ensino escolar da Matemática, é enorme o número de trabalhos, que focalizam diferentes níveis e modalidades de ensino. Apenas para citar alguns exemplos recentes, lembramos Mendes e Valente (2017), Dassie (2018), Búrigo (2019), Soares (2019), Silva e Silva (2019) e Rodriguês e Costa (2021). Como um exemplo do contexto internacional, destacamos o número especial da revista ZDM Mathematics Education de 2018, que focalizou os avanços recentes na pesquisa sobre os livros didáticos de Matemática (SCHUBRING; FAN, 2018). Entre os muitos e variados trabalhos, um foco menos explorado do que o dos conteúdos veiculados e sua abordagem ou mesmo o dos aspectos materiais e editoriais é o da recepção e dos usos do manual no ambiente escolar. Contribuições nesse sentido são representadas por Giani (2004), Vieira e Gomes (2014) e Melillo e Gomes (2019), que se valem de narrativas produzidas em entrevistas com a metodologia da História Oral. Neste artigo, apresentamos e discutimos parte dos resultados de uma pesquisa (COSTA, 2021) cujo objetivo foi construir uma história das práticas educativas em Matemática em uma escola de Belo Horizonte no período 1954-1968. Trata-se do Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais (UMG), instituição federalizada em 1949 cujo nome foi modificado para Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1965. A pesquisa mostrou a forte participação dos livros didáticos, que constituíam o guia para a seleção de conteúdos e o planejamento das aulas pelos professores. Como os trabalhos que acabamos de mencionar, essa investigação também fez uso da História Oral.

Na sequência, as próximas seções abordam a instituição escolar focalizada, a História Oral e os entrevistados da pesquisa, as práticas educativas em Matemática no Colégio de Aplicação e o papel desempenhado pelos livros didáticos nesse contexto.

O Colégio de Aplicação da UMG/UFMG

Em 12 de março de 1946, o Decreto-Lei nº 9053 criou os ginásios de aplicação, escolas a serem mantidas pelas Faculdades de Filosofia da esfera federal, na época responsáveis pela formação de professores para o ensino secundário. O decreto se aplicava de forma compulsória e visava o aprimoramento da preparação pedagógica dos futuros docentes, que, matriculados no curso de Didática, obrigatório para os licenciandos, teriam nessas escolas um lugar de desenvolvimento de sua prática pedagógica. Previa-se que o Ginásio deveria funcionar na sede da Faculdade ou próximo a ela. De acordo com o Decreto, tais colégios teriam como dirigente o professor catedrático de Didática da Faculdade de Filosofia.

Para ofertar essas escolas, as Faculdades de Filosofia teriam um ano, tendo esse prazo posteriormente sido prorrogado até 1949. Ginásio de Aplicação era o nome da escola que ministrava apenas o curso ginasial, enquanto Colégio de Aplicação designava as escolas que ofereciam os cursos ginasial e colegial. Essa nomenclatura se deve essencialmente à função desempenhada pelo estabelecimento de ensino, justificação primeira sob a qual foi criado: proporcionar que os alunos do curso de Didática realizassem a aplicação dos conhecimentos teóricos adquiridos nos cursos de licenciatura em situações reais de ensino e aprendizagem. Surgiram assim os Colégios de Aplicação, com uma funcionalidade e um modo de organização claros e definidos.

O Ginásio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais foi instalado em 23 de março de 1954, nos termos do Decreto-Lei nº 9053, destinando-se à Prática de Ensino dos estudantes de licenciatura. Transformado em Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais em 1957, passou a manter também o 2º ciclo secundário, o Colegial, incluindo, em 1965, o Curso Normal.

É importante explicar as razões da demora na criação do Colégio de Aplicação de Belo Horizonte, ligadas ao contexto da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais, instituição privada cuja data de fundação foi 21 de abril de 1939 e que iniciou suas atividades acadêmicas em 1941. Tratava-se de uma instituição independente e privada e, portanto, não se enquadrava nas condições do Decreto-Lei no 9053, de 1946, que instituiu a obrigatoriedade de que as Faculdades de Filosofia de âmbito federal criassem um ginásio de aplicação. O reconhecimento dessa Faculdade de Filosofia como instituição de ensino oficial veio apenas em 1946 e posteriormente, em 1948, ela foi incorporada à Universidade de Minas Gerais1, sendo federalizada no ano seguinte, em 1949.

Após a federalização, a instituição precisava adequar-se às normas que regiam o ensino superior em nível federal e uma das exigências era, justamente, a criação do ginásio de aplicação. Assim, em 1951, o professor Tabajara Pedroso, ex-diretor da Faculdade de Filosofia, apresentou um projeto de instalação de um ginásio de aplicação, de acordo com o Decreto-Lei no 9053 de 1946. Esse projeto previa a instalação de um ginásio para o ano seguinte, 1952, e sua transformação em colégio de aplicação quando a primeira turma concluísse a 4ª série do primeiro ciclo secundário. Dificuldades na obtenção de um espaço para a instalação da escola só foram solucionadas no início de 19542, quando ela passou a funcionar num prédio que tinha abrigado anteriormente uma Escola de Agricultura e Veterinária e o Ginásio Afonso Arinos, uma escola particular.

No momento de sua inauguração, o Ginásio de Aplicação recebeu dezoito alunos na primeira série, doze alunos na segunda série, cinco alunos na terceira série e quatro alunos na quarta série do ginásio. Após a formatura da primeira turma, no ano seguinte, 1958, o Ginásio de Aplicação foi convertido em Colégio de Aplicação, o que marcou uma nova fase para a instituição, caracterizada pelo crescimento do número de alunos, pela diminuição da repetência3, pela grande procura da parte dos estudantes e pela presença de um exame de admissão muito exigente (COSTA, 2021). O Colégio de Aplicação existiu durante 13 anos, de 1954, data de sua criação, até 28 de fevereiro de 1968, quando, no bojo da Reforma Universitária, foi convertido na unidade da UFMG ainda hoje designada como Centro Pedagógico. Nesse período, ofertou os cursos Ginasial, Clássico, Científico e Normal.

História Oral e as entrevistas realizadas

A pesquisa que tem parte de seus resultados focalizados no presente texto priorizou a constituição de fontes históricas por meio de entrevistas com ex-alunos, funcionários e professores, realizadas mediante a metodologia da História Oral. As onze entrevistas, dez individuais e uma coletiva4, visaram à elaboração de memórias sobre as práticas educativas no Colégio de Aplicação, bem como a conhecer as percepções dos sujeitos sobre a Matemática na escola desde sua criação, em 1954, até o ano de 1968. Os livros de ponto da escola foram as fontes que conduziram aos nomes dos professores de Matemática no período visado. Embora alguns tivessem falecido, mediante o setor de recursos humanos do Centro Pedagógico foi possível localizar, além de três docentes, uma orientadora educacional, todos eles aposentados. Contatos estabelecidos pela primeira autora em um grupo do Facebook dedicado a fotografias antigas de Belo Horizonte, no início de 2017, levaram a duas (de um total de quatro) respostas afirmativas à pergunta quanto à concessão de uma entrevista sobre a escola. Apenas um dos respondentes, que mantinha encontros periódicos com sua turma, concluinte do curso Científico no Colégio de Aplicação em 1965, prosseguiu no diálogo. Foi esse antigo aluno, Carlos Tassara, o responsável por promover uma reunião dos antigos colegas na qual esteve presente a primeira autora do artigo. Nesse encontro, a pesquisadora obteve os números de telefone e e-mails desses ex-alunos, dez dos quais, posteriormente, em 2019, em novo encontro, concederam a ela a entrevista coletiva. Antes, porém, em junho de 2018, uma antiga colega de Carlos Tassara, Paula Apgaua Britto, integrante daquele grupo, concordou com a realização de uma entrevista individual. Paula fez a indicação de um ex-aluno que era de outra turma, que, embora não pudesse participar, recomendou o nome de outro aluno, Gilvan Westin Cosenza, que, por sua vez, ofereceu mais números de telefone e e-mails de antigos estudantes da escola. Gilvan, além de conceder a entrevista, foi o responsável por contatar sua irmã Gilvânia Westin Cosenza e outros dois, Rafael Rabelo Guimarães e Camélia Elizabeth dos Santos Cassimiro; os três aceitaram dar a entrevista. Camélia lembrou-se de outra ex-aluna, Ana Maria Reis de Souza, que também foi entrevistada. Configurou-se, assim, o denominado “critério de rede”, em que um entrevistado apresenta outros possíveis colaboradores. As quatro entrevistas individuais com os três professores de Matemática e a orientadora educacional contatados somam-se às seis com ex-alunos e à entrevista coletiva para perfazer as onze entrevistas mencionadas, que envolveram, no total, 18 colaboradores.

Os alunos, professores e a orientadora foram entrevistados a partir de um roteiro que contemplou o cotidiano escolar, as práticas pedagógicas, as metodologias, os recursos empregados e os materiais didáticos utilizados, com ênfase no ensino de Matemática. As conversas foram gravadas em áudio, transcritas e textualizadas5 para constituir um conjunto de onze narrativas. Além dessas narrativas, foram analisados documentos diversos da escola, tais como os livros de atas, os boletins, as fotografias, o livro de ponto e o livro de admissão. Desse modo, a adoção da História Oral, com a produção e utilização das entrevistas, não pressupôs o abandono de outros tipos documentais. Nesse sentido, os depoimentos caracterizaram-se como as fontes primordiais, mas convocaram, para o cruzamento de fontes, outros potenciais documentos, de diferentes naturezas, para que se estabelecessem diálogos entre as informações apresentadas em uns e outros. Em síntese, o que foi pensado como essencial foi a natureza qualitativa diferenciada das informações incorporadas pelos testemunhos provocados pelas entrevistas em relação aos outros materiais documentais anteriormente existentes. Para nós, utilizar a História Oral na operação historiográfica significa

inaugurar essa operação com as fontes produzidas a partir da oralidade e, segundo as circunstâncias, incorporar paulatinamente fontes outras que possam apoiar a criação da narrativa. Não se trata de recorrer à oralidade apenas quando as fontes escritas são insuficientes, nem de teimar em restringir-se apenas às fontes orais quando há disponíveis inúmeras fontes de outra natureza (escritas, pictóricas, arquiteturais, etc). Trata-se de iniciar um processo a partir de uma perspectiva singular, a da narrativa de um sujeito situado, e ir aos poucos abrindo esse diálogo, incorporando escritos e informações outras, ampliando essa perspectiva não para checar a (ou chegar à) verdade do sujeito, mas para criar um enredo plausível no qual narrador e ouvinte se reconheçam: um enredo que narrador e pesquisador julguem significativo como parte do acervo de que dispõem para conhecer determinado aspecto do mundo (GARNICA, 2015, p. 42).

A memória dos narradores, como resultado de um trabalho de organização e de seleção do que é importante para o sentido de unidade, de continuidade e de coerência - isto é, de identidade” (ALBERTI, 2006, p.167), assumiu, assim, uma posição central no trabalho investigativo empreendido. As narrativas orais, de acordo com Fernandes (2011), possibilitam compreender as experiências sociais compartilhadas em tempos cruzados, o do relato e o do acontecido, contribuindo para uma relação entre o colaborador e o pesquisador que ultrapassa a busca pela veracidade dos fatos. Nesse sentido, Portelli (2013) assinala que devemos considerar que as fontes orais não são sempre fiáveis em termos factuais. “Mas isso, em vez de resultar numa fraqueza, resulta numa força: erros, invenções e mitos guiam-nos através e para lá dos fatos, permitindo-nos descobrir seus significados” (p.103).

Consultas a documentos e contatos com ex-estudantes do Colégio de Aplicação levaram às pessoas entrevistadas. Os nomes dos três professores de Matemática, seus anos de nascimento e período de atuação na escola são: Aloys de Meira Carvalho (1933; 1955-1984), Clemenceau Chiabi Saliba (1934; 1962-1972) e Paulo Sérgio Wanner (1945; 1968-1997). Maria Leonor Vianna Ferrari (1936; 1965-1999) foi a orientadora educacional. Os dezesseis ex-estudantes, nascidos nas décadas de 1940 e 1950, são: Marco Antônio Ferreira, Paulo Ângelo de Pinho, Carlos Eduardo Rezende Braga, Eduardo Belisário, José Lima Oliveira Júnior, Camélia Elizabeth Cassimiro, Gilvan Westin Cosenza, Rafael Rabelo Guimarães, Carlos Tassara, Cláudio Berenstein, Luiz Santana Ivo, Marcus Gontijo, Paula Apgaua Brito, Ana Maria Reis de Souza e Gilvânia Westin Cosenza.

Percebemos que o grupo de colaboradores constituiu uma comunidade de memória marcada pela referência ao Colégio de Aplicação; em suas narrativas, articularam experiências individuais e coletivas. Ao falar, escolheram aquilo que lhes pareceu relevante, mostrando seu pertencimento ao grupo e selecionando lembranças conforme o lugar que ocupavam no momento da entrevista (ALMEIDA, 2009). É preciso considerar a distância entre o tempo do vivido e o tempo do lembrado e narrado.

O indivíduo que rememora amadureceu durante esse intervalo, ele reelabora o que viveu a partir do tempo transcorrido, no qual absorveu as decorrências da situação outrora experimentada. Aquele que lembra não é mais o que viveu. No seu relato já há reflexão, julgamento, ressignificação do fato rememorado. Ele incorpora não só o relembrado no plano da memória pessoal, mas também o que foi preservado ao nível de uma memória social, partilhada, ressignificada, fruto de uma sanção e de um trabalho coletivo. Ou seja, a memória individual se mescla com a presença de uma memória social, pois aquele que lembra, rememora em um contexto dado, já marcado por um jogo de lembrar e esquecer (PESAVENTO, 2012, p. 95).

Ao examinar as narrativas e relacioná-las a outros documentos, tivemos em mente essas ponderações. Nas páginas seguintes, procuramos caracterizar as práticas educativas em Matemática desenvolvidas no Colégio de Aplicação e articulá-las ao papel desempenhado pelos livros didáticos.

Práticas educativas em Matemática no Colégio de Aplicação

As práticas pedagógicas dos professores de Matemática do Colégio de Aplicação comentadas pelos entrevistados parecem ter acompanhado o processo de ensino e aprendizagem descrito por Fiorentini (1995): ensino centrado no professor e postura passiva do aluno. Os antigos estudantes e professores da escola destacaram, unanimemente, um primeiro aspecto das práticas, a saber, a hegemonia das aulas expositivas de Matemática. Conforme a ex-aluna Ana Maria, estudante do Colégio de 1966 a 1968, os professores falavam e os alunos copiavam e anotavam. Nas palavras de outro ex-aluno, Rafael, que cursou o ginásio e parte do Científico de 1962 a 1968:

Os professores geralmente, praticamente todos, davam aula no quadro negro. Sempre davam alguma coisa, explicavam e ficavam escrevendo, quer dizer, inclusive na época se perdia muito tempo escrevendo. Escreviam tudo no quadro negro, explicavam. Alguns tinham mais facilidade do que outros para explicar, mas o método era basicamente escrever no quadro negro.

Um segundo aspecto sempre presente nos depoimentos dos ex-alunos foi sua lembrança do uso de um número enorme de exercícios como metodologia principal do ensino de Matemática. Por exemplo, o antigo estudante Luiz Santana contou como eram as aulas de Matemática durante o Científico, que cursou de 1963 a 1965. As aulas de Matemática eram baseadas em exercícios. Lembro que, quando fiz cursinho, tinha livros onde fazia 100, 200, 500 exercícios. Não era como hoje, era maçante, era exaustivo, exercício em cima de exercício, tudo que você pensar, tinha que fazer.

O professor Clemenceau explicou os modos como prescrevia exercícios e expôs suas concepções acerca de seu efeito positivo na aprendizagem:

Damos uma série de exercícios em grau de dificuldade crescente para os alunos resolverem. Pega o primeiro exercício e verifica se há alguma dificuldade. O primeiro exercício, que é muito fácil, você dá de propósito para todo mundo acertar.

O estímulo é uma resposta. Quando falavam que é um absurdo o que eu fazia, eu falava: "Eu uso condicionamento operante". Você estimula, o “cara” acerta e quer acertar de novo. É igual ao joguinho de criança: "Menino, para de jogar". Ninguém nunca falou: "Menino, você tem que jogar". Ninguém nunca falou. Sempre falam: "Para de jogar". Por quê? Porque ele vai fazer o menino acertar e tomar gosto e queremos acertar de novo, é estímulo-resposta.

Na Matemática é a mesma coisa. Dou um exercício, o aluno acerta e fica feliz. Dou outro exercício um pouquinho mais difícil, ele acerta. Dou outro um pouquinho mais difícil, mais complicado, e eles ficam entusiasmados. Agora, se você der logo de cara um difícil e ele erra ou não sabe, pensa: "Eu sou burro mesmo". Então o que você faz? Você estimula. A melhorar o quê? A autoestima dele.

Terminada essa etapa em que você vê que ele está indo bem, chegará um ponto que ele vai ter dificuldades. Você está dando exercícios até um grau que os alunos conseguem acertar, acertar, acertar. A partir de agora, entrava com atividade autônoma. Dava exercícios para fazer em casa. Os exercícios do 17 até o 50 e depois de amanhã eu vou ver os cadernos. Mas não tinha conversa, eles não faziam apenas dois exercícios.

Um terceiro aspecto das práticas educativas a ser considerado é o da avaliação. De acordo com os entrevistados, em Matemática prioritariamente havia provas, sem a presença de outros instrumentos, como trabalhos, por exemplo. Nas entrevistas, os antigos estudantes e professores narraram lembranças a respeito do formato, da aplicação e da correção das provas.

Com relação às avaliações, em Matemática era prova, prova mesmo. Entregava a prova para você fazer, resolver as questões, as equações. Devolvia a prova toda rabiscada com uma nota boa ou mais ou menos (Gilvânia, aluna de 1966 a 1970).

Durante o processo de avaliação, em Matemática, os alunos obtinham seus pontos fazendo somente provas. Todas as notas eram de provas. Notas não eram atribuídas a trabalhos, pois muitas vezes um aluno faz o trabalho e os outros copiam. Então, eram somente avaliações por meio de provas. A nota final era o somatório das notas das provas. (Paulo Wanner, ex-professor)

As provas eram mimeografadas ou passadas no quadro para que você copiasse em folha de papel almaço e apresentasse a resolução de cada problema (Carlos Braga, aluno no período 1961-1965). Os professores exigiam que nós juntássemos na prova o rascunho (Luiz Santana, ex-aluno). Era feita à caneta, não era a lápis (Carlos Braga, ex-aluno). Às vezes, você dava uma resposta errada, mas o professor pegava o seu raciocínio e falava: “você errou porque fez essa conta errada aqui” (...). Não tínhamos prova de múltipla escolha. Você tinha que resolver. Fazer todo o desenvolvimento e raciocínio até chegar ao resultado. Não tinha como chutar (Luiz Santana, ex-aluno).

De acordo com o livro de atas de provas parciais do Colégio de Aplicação, havia duas dessas provas, uma em junho e outra em novembro. Os registros do livro trazem as notas de cada disciplina, bem como a assinatura da secretária, do inspetor federal e da diretora. No caso do ginásio, também havia a prova oral aplicada em dezembro, acompanhada pelo inspetor, com uma comissão avaliadora constituída por professores. Os registros incluem as notas dos candidatos com suas respectivas médias, com as assinaturas do presidente da comissão, que lavrava a ata, dos outros dois membros e do Inspetor Federal. Verificamos que os registros de avaliação eram apresentados de acordo com a legislação vigente, ou seja, o Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, da Reforma Capanema. Assim, era um processo que controlava os instrumentos de avaliação do professor.

Segundo o artigo 49 do decreto citado, as duas provas parciais de Matemática seriam escritas, uma em junho e a outra em outubro. No Colégio de Aplicação, tais provas ocorriam em novembro, e a prova final, que seria oral, perante a banca examinadora, seria realizada em dezembro. Indagamos a professora Aloys sobre como as provas orais eram realizadas no Colégio de Aplicação, mas, ainda que tenhamos apresentado à docente o livro de atas de provas orais, que continha sua própria assinatura, ela não se recordou da execução daquele tipo de atividade avaliativa. Entretanto, reconheceu sua assinatura e disse que, se assinara o documento, isso era indicativo de que as provas haviam ocorrido. Contudo, ela não se lembrava em função do muito tempo decorrido.

Alguns professores utilizavam arguições orais para dar notas para os estudantes, conforme o relato do professor Clemenceau.

A média era cinco. Mas para tirar cinco tinha que ser bom. Não tinha nota de participação. A nota era de prova, fez ou não fez, zero e acabou. Eu dava muita arguição valendo nota. Colocava o menino no quadro e pedia para resolver um problema para mim, nesse caso avaliava como ele resolvia o problema. “Faz esse limite, faz essa equação aqui para mim”.

A ex-aluna Gilvânia recordou seu desconforto com esse tipo de atividade e expressou seu ponto de vista de que a arguição afetava emocionalmente os alunos.

Tínhamos que estar prontos para responder às demandas da escola, do colégio. Então, você chegava, tinha as arguições que a gente morria de medo. Você tinha que falar. Falar na frente da turma toda. Colocavam uma equação no quadro para você resolver. Era a eterna morte, de tanto pavor que tinha e era a lição de surpresa, de arguição.

Era aleatória. Passava o dedo na lista de chamada. Era sempre aleatória, dizem que era. Fulano! Quem é que não sabe onde está o A, B, C ou D em ordem alfabética, enfim, a gente morria de medo de ser sorteado ali. E o dia em que o professor estivesse de mau humor, acho que ele escolhia aqueles que sabia que ia ferrar. Então, você tinha que estar com as matérias em dia, porque senão “pagava muito mico”. Era muito ruim, era humilhante, você ficar, tudo bem se tirar uma nota ruim um dia você recupera no outro dia, tudo certo. Agora tirar várias notas ruins, ir para uma arguição e não saber nada, ficar gaguejando... Eu estudava terrivelmente, mas morria de medo de chegar lá na frente e não saber responder nada. Olha, tinha alguns professores que gostavam mais de fazer arguição. Tinha a prova oral, mas essa era surpresa.

Outro processo avaliativo enfrentado pelos estudantes do Colégio de Aplicação era o exame de segunda época, destinado aos alunos que não atingiam a média na disciplina. Ocorria em fevereiro e envolvia toda a matéria do ano letivo, conforme o relato de Camélia, estudante da escola de 1962 a 1966.

A prova da segunda época era em fevereiro. Fiz aula particular, pois não tinha aula suplementar, não tinha isso. O aluno estudava por conta própria e ia fazer a prova no dia que marcavam. O conteúdo da prova era o conteúdo do ano todo.

Para Rafael, o processo de avaliação era muito exigente, sendo indispensável uma grande dedicação para o estudante ser aprovado. Era difícil demais, nossa, para eu passar numa prova. Conheço vários amigos que realmente foram reprovados, então, a reprovação não era rara. A minha prima mesmo era boa em Matemática e acabou levando bomba em Matemática, não sei por quê. Acho que o professor não foi muito com a cara dela.

A reprovação não ocorria apenas na disciplina de Matemática e o poder de decisão sobre a reprovação ou não do aluno centrava-se unicamente nas mãos do professor. Nesse processo, cada docente atribuía sua nota e entregava para a secretaria os resultados.

A chegada, em 1965, da supervisora Maria Leonor modificou significativamente o lugar de centralidade do professor no processo de aprovação ou reprovação dos alunos. Isso porque, como argumentou em seu relato, Maria Leonor iniciou um trabalho junto aos docentes para que pudessem avaliar os estudantes de forma mais ampla.

Realizamos, também, um trabalho, juntamente com os professores de avaliação coletiva, que posteriormente denominou-se conselho de classe. Era feita uma avaliação não só de rendimento intelectual, mas também psicoemocional, o que me permitiu uma participação mais efetiva.

Valente (2008b) explicita que o período da história da educação no Brasil coberto por nossa pesquisa caracterizou-se como uma “transição no processo de avaliação, da autoridade extraescolar (examinadores estranhos) para a autoridade interna, a dos professores, na tarefa de avaliar seus próprios alunos.” O autor assinala que a autoridade do professor sempre foi controlada pelas autoridades educacionais, por meio da legislação e da fiscalização dos estabelecimentos de ensino realizada pelos inspetores. No Colégio de Aplicação, a fiscalização ocorria por meio do inspetor federal. Valente complementa dizendo que relatórios com mapas das notas parciais e outros instrumentos foram criados para vigiar os processos de avaliação realizados pelos próprios professores (VALENTE, 2008b, p. 30). O autor argumenta ainda que os professores tinham uma liberdade controlada, em que o Ministério da Educação parecia “não medir esforços para orientar os inspetores sobre como devem controlar o trabalho dos mestres na avaliação dos alunos” (p.31).

Como um quarto aspecto característico das práticas educativas em Matemática no Colégio de Aplicação, está a realização do ensino de modo não articulado ou compartilhado entre os docentes. Cada professor concebia seu plano de aula e o seguia de acordo com seus conhecimentos individuais, suas crenças e suas convicções sobre o melhor modo de ensino e suas próprias práticas pedagógicas. Como era um Colégio pequeno, normalmente cada professor era responsável por uma série. Os professores organizavam suas atividades de forma autônoma, sem qualquer inspeção ou fiscalização da direção, conforme o relato da ex-diretora, professora Alaíde, concedido a Collares (1989, p. 141): “Foi uma norma da Diretoria o respeito à autonomia do professor. Cada um fazia o seu programa, organizava o seu plano, e o executava, sem nenhuma preocupação de fiscalização da diretoria, mas sim de estímulos”.

A ocorrência de algum diálogo se dava, eventualmente, entre os professores da mesma série, como relatou o professor Paulo Wanner: não tínhamos um coordenador de Matemática como hoje têm em muitas escolas. Não era exigido um plano de curso e as provas não eram avaliadas. Não havia essa fiscalização mais sistemática, como hoje. Cada um fazia o seu plano de aula. Mesmo porque o colégio não era grande. Então, por exemplo, no turno da manhã, quem trabalhava no primeiro, no segundo e no terceiro ano Científico era apenas eu, não havia outro professor. Eu conversava com o professor Raimundo, que era o professor de Matemática do turno da Noite e tentávamos fazer algo juntos. À tarde funcionava o curso Ginasial, e os professores Paulo Roberto, a dona Aloys e o Rogério eram os responsáveis pelo ensino de Matemática, à época.

Nesse modelo em que os professores trabalhavam individualmente, havia muitos docentes atuando de formas diferentes e com didáticas diversas, o que trazia alguns problemas. Embora os professores seguissem os livros didáticos como roteiro para suas aulas e para os planos de ensino, não compartilhavam com os pares os conteúdos ensinados ou os modos de trabalhá-los. Conforme o relato da ex-aluna Paula, os professores não conseguiam cumprir os programas propostos para cada série e, sem um diálogo entre eles, instaurava-se uma dificuldade: os conteúdos não abordados em uma série não eram contemplados na série seguinte, o que ocasionava uma lacuna no ensino, ficando os estudantes responsáveis por estudar autonomamente os conteúdos não trabalhados.

Nas falas de antigos alunos e professores, o livro didático sobressaiu-se como componente essencial para o ensino de Matemática no Colégio de Aplicação. O protagonismo dos manuais foi manifestado nos testemunhos de que seus modos de abordagem dos conteúdos eram tomados como base para as aulas de Matemática. Percebemos que os livros podem revelar indícios das relações estabelecidas entre os professores e seus alunos e indicar as tendências presentes no ensino da disciplina, permitindo-nos construir conexões entre tais tendências e os programas oficiais vigentes naquele período.

Caracterização e protagonismo dos livros didáticos de Matemática no Colégio de Aplicação

Consta no Regimento do Colégio de Aplicação como dever do professor a escolha do livro didático a ser adotado, embora fosse necessário dar conhecimento sobre essa escolha ao diretor da instituição. Dito isso, foi possível observar que os professores da instituição, em geral, eram adeptos do uso de livros didáticos. Para o ensino de Matemática não havia muito material disponível, como assinalou o professor Clemenceau: naquela época, não tínhamos muitos recursos, mas não éramos muito exigentes. Na realidade, usávamos o que tínhamos. Tecnologia era quadro negro e giz. Quando começou o cursinho, tínhamos a apostila, mas no colégio era o livro didático, giz e quadro negro, não tinha muita coisa.

As narrativas revelam o papel fundamental do livro didático nas práticas dos professores, em especial, considerando o fato de que esse material funcionava como guia para o currículo e o plano das aulas. Os programas de ensino de Matemática do Colégio de Aplicação eram seguidos de acordo com recomendações dos conteúdos dos livros adotados pelos professores, como relatou a professora Aloys: com relação ao ensino de Matemática, nós trabalhávamos os conteúdos que vinham no livro que era adotado. A gente não fazia um currículo. Houve uma época aqui em que a Magda6até deu um curso para nós que você tinha que especificar tudo. O conteúdo trabalhado. Mas nós não fazíamos nada disso. Não fazíamos o currículo, seguíamos através de livros, de livros, entendeu? E éramos praticamente obrigados a seguir o currículo daquele livro que tinha sido adotado. Isso há 60 anos, é muito tempo atrás.

Essa prática parece ter perdurado por todos os anos de funcionamento do Colégio, pois, de acordo com o professor Paulo Wanner, que ingressou no C.A. em 1968, último ano de nosso recorte temporal, não havia um plano de ensino de Matemática na instituição. Segundo seu relato, era responsabilidade de cada docente a elaboração de um plano individual e o que deveria ser seguido encontrava-se no livro didático adotado para a escola: o nosso plano de aula era baseado no conteúdo do livro. Assim, por exemplo, no livro do 1º ano, usávamos todos aqueles tópicos. Fazíamos assim também para o 2º e 3º anos. E ao final desses três anos, deveríamos ter cumprido todo o programa do vestibular da Federal.

Essa relação entre livro didático e constituição de currículos aponta para o cumprimento de normas e de programas oficiais vigentes como um elemento da prática pedagógica frequente no Colégio. Nesse sentido, Corrêa (2000, p.3) ao expressar o elo entre escolarização e livros didáticos, vistos como fontes de pesquisa em História da Educação, afirma que os livros escolares constituem um objeto em circulação

e, por essa razão, são veículos de circulação de idéias que traduzem valores, como já dissemos, e comportamentos que se desejou fossem ensinados. Some-se a isso o fato de que a relação entre livro escolar e escolarização permitem pensar na possibilidade de uma aproximação maior do ponto de vista histórico acerca da circulação de idéias sobre o que a escola deveria transmitir/ensinar e, ao mesmo tempo, saber qual concepção educativa estaria permeando a proposta de formação dos sujeitos escolares. Nesse sentido, então, esse tipo de fonte pode servir como um indicador de projeto de formação social desencadeado pela escola. Isso é permitido por meio das interrogações que podem ser feitas, quer em termos do conteúdo, quer de discurso, sem deixar de levar em consideração aspectos referentes a temporalidade e espaço. O que, por sua vez, possibilita indagar sobre a que e a quem serviu como um dos instrumentos da prática institucional escolar. Nesse aspecto em particular, vincula-se à história das instituições escolares e, amplamente, à das políticas educacionais.

A autora enfatiza, ainda, que do ponto de vista das instituições escolares, a contribuição dos manuais escolares está também em possibilitar entender a instituição escolar por dentro, porque esse tipo de material apresenta parte dos conteúdos do currículo escolar naquilo que diz respeito ao conhecimento. Conforme o período no qual for tomado como fonte, o livro didático material pode ser considerado como o portador supremo do currículo escolar no que tange aos conhecimentos transmitidos nas diferentes áreas, por ter se constituído em única referência para professores e alunos (CORRÊA, 2020).

O protagonismo do livro didático e a constituição de um currículo baseado nele foram observados em todos os níveis de ensino do C.A, a partir das narrativas dos professores e dos ex-alunos, que mencionaram títulos específicos de livros e de outros impressos, como veremos ao focalizar especificamente os cursos de admissão, ginasial e colegial.

Livros didáticos no Curso de Admissão

Os estabelecimentos de ensino elaboravam os seus próprios exames de admissão7 e, em muitos casos, como no C.A., eram criadas classes específicas, uma espécie de curso preparatório. A professora Aloys ingressou no C.A. em 1955, mais especificamente em janeiro, para dar aulas no Curso de Admissão. Durante a entrevista, apesar de nos ter doado alguns exemplares de livros didáticos de Matemática, ela não se recordou imediatamente de tê-los utilizado em suas aulas. Contudo, num momento posterior, a docente compartilhou conosco algumas memórias a respeito dos livros com os quais trabalhou na instituição. Ela havia guardado alguns exemplares dessas obras, que, segundo disse, foram direcionadas ao curso de admissão oferecido no Colégio como preparação para os que nele desejassem ingressar. O primeiro foi o livro Programa de Admissão, da Companhia Editora Nacional, publicado em 1956. O outro impresso é o Curso de Admissão ao Ginásio, de 1958, de Antônio de Souza Teixeira Junior, publicado pela Editora do Brasil8.

O primeiro título acima é sugestivo e nos leva à legislação então vigente. Aksenen (2013) apresenta uma cronologia sobre as instruções nacionais para os exames de admissão na qual se destacam os programas para os referidos exames, publicados pela Portaria 501 de 19 maio de 19529. Os itens do programa de Matemática eram os seguintes:

Números inteiros. Algarismos arábicos e romanos. Numeração decimal. Operações fundamentais sobre números inteiros. Divisibilidade por 10, 2, 5, 9 e 3. Prova real e dos nove. Números primes. Decomposição de um número em fatores primes. Máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum de dois ou mais números. Frações ordinárias: simplificação e comparação. Operações sobre frações ordinárias e números mistos. Números decimais fracionários; operações. Conversão das frações ordinárias em números decimais e vice-versa; números decimais periódicos. Noções sobre o sistema legal de unidades de medir. Metro, metro quadrado e metro cúbico; múltiplos e submúltiplos usuais. Litro; múltiplos e submúltiplos usuais. Quilograma; múltiplos e submúltiplos usuais. Sistema monetário brasileiro. Problemas simples, inclusive sobre o sistema legal de unidades de medir (BRASIL, Portaria n° 501/1952 apud AKSENEN, 2013, p.93).

Aksenen cita, ainda, as orientações em relação aos exames de Matemática e sublinha que que as provas escritas deveriam propor 10 questões, cinco “simples, sob a forma de problemas”, e cinco “de caráter prático imediato”. As provas orais seriam sobre “pontos sorteados dentre 20 (vinte) formulados sobre a matéria dos respectivos programas” (BRASIL, Portaria 501/1952 apudAKSENEN, 2013, p.92). Em relação às provas escritas, Machado (2002, p.48), apresenta uma prova do Colégio Pedro II, de 1954, considerando essa estrutura. Apenas como exemplo vamos destacar duas das questões, uma de cada um desses tipos:

1) Escreva, em algarismos romanos, a diferença entre os números sete milhões e cinco mil quatrocentos e três milhões e duas unidades. [...]

3) Duas peças de uma mesma fazenda custaram, respectivamente, Cr$ 8.000,00 e Cr$ 7.000,00. Sabendo-se que a primeira peça tem 8 metros a mais que a segunda, pergunta-se: qual é o comprimento de cada uma? (apud MACHADO, 2002, p.48).

Com isso, pode-se perceber as delimitações desses exames em relação aos conteúdos selecionados, às orientações e, por consequência, à estrutura das provas, com destaque para as tipologias de questões (simples e de caráter prático). Assim, é possível inferir sobre as práticas pedagógicas realizadas nos cursos de admissão, como por exemplo, no C.A. Como comentado, foi observada, a partir das narrativas, uma movimentação em torno de um número enorme de exercícios e, considerando a particularidade de uma perspectiva preparatória, esse aspecto e a sequência de apresentação dos conteúdos se sobressaem quando retornamos aos livros didáticos indicados pela professora Aloys.

O primeiro desses livros, Programas de Admissão, é uma obra coletiva,10 e a parte destinada ao ensino da Matemática foi escrita por Osvaldo Sangiorgi11. Cada seção do livro é destinada a uma das disciplinas escolares, que, por sua vez, é subdividida em capítulos. Cabe realçar, como era comum em práticas editoriais em livros didáticos, que a referência aos programas (nesse caso, dos exames de admissão) está presente na obra como um elemento paratextual, tanto com o indicativo “de acordo com” quanto com a apresentação das orientações para as provas escritas e orais de cada disciplina.

A parte de Matemática é composta por três capítulos, que abarcam os pontos dos programas citados anteriormente, como pode ser visto no Índice do livro: Cap. I - Números inteiros. Operações fundamentais. Problemas-modelo. Divisibilidade. M.D.C. [e] M.M.C.; Cap. II - Números fracionários. Operações fundamentais. Números decimais.; Cap. III - sistema legal de unidades de medir. Sistema métrico decimal. Sistema monetário brasileiro.

Cada um desses capítulos é composto por parágrafos, na sequência listada no índice para cada capítulo, detalhando o tópico anunciado e corroborando a lista dos programas dos exames. Por exemplo, o parágrafo primeiro do capítulo 1 trata de: números inteiros; numeração decimal; algarismos arábicos e algarismos romanos. A apresentação dos conteúdos em cada uma dessas partes é dada por meio de uma síntese com exemplos, seguida de seções destinadas às tarefas. Esse bloco de atividades inicia-se com os denominados Exercícios-modelo e Questionário. Os Exercícios sobre o tópico tratado figuram como o parágrafo terceiro12. É interessante observar que no primeiro bloco das atividades modelo as soluções seguem logo após cada exercício, levando-nos a crer que cumpriam a função de exemplos a serem apresentados pelos professores. Outro destaque é a natureza das perguntas da parte denominada Questionário. São questões do tipo: “O que é Aritmética?”; “Por que o nosso sistema de numeração é denominado decimal”? Diferentemente do bloco anterior, que serve de modelo para a resolução da parte destinada aos exercícios sobre o tópico abordado, essa seção aponta para os exames orais.

Na segunda obra mencionada pela professora Aloys, Curso de Admissão ao Ginásio, a perspectiva de execução de tarefas é ainda mais evidente, visto que o livro só traz exercícios propostos, característica comum no mercado editorial brasileiro para os impressos destinados aos exames de admissão. Em relação aos programas oficiais, a sequência de apresentação também é a mesma. As particularidades desse livro também são importantes para a compreensão de nossas problematizações.

Cada bloco de exercícios indica o conteúdo ao qual se refere e, em todos os casos, cada separação proposta pelo autor para a lista de conteúdos apresenta ao menos dois blocos de exercícios e, em alguns momentos, percebe-se uma retomada dos conteúdos. Alguns dos blocos são compostos por exercícios de múltipla escolha e observa-se, em alguns casos, a presença de exercícios-modelo, com o uso dessa expressão ou indicados como exemplo. Por fim, e não menos relevante, cabe mencionar que cada um dos blocos de atividades é destacável e exibe um cabeçalho. Esse modelo de materialidade pode proporcionar uma prática interessante de execução de tarefa por parte dos alunos e correção por parte dos docentes.

Considerando, portanto, ambos os volumes mostrados pela professora Aloys e as indicações feitas por nós, é possível fazer inferências sobre a prática na preparação para os exames de admissão. É clara a presença de uma proposta baseada em resolução de tarefas com fiel atendimento aos programas de exames e suas respectivas orientações em relação aos tipos de atividades das provas.

Curso ginasial: três autores e seus livros

Os depoimentos da professora Aloys também nos revelam movimentações no curso ginasial. Conforme registrado no livro de ponto da instituição, ela também atuou nesse nível de ensino, em todas as séries, ao menos até o ano de 1967.

A professora Aloys relatou ter utilizado o livro de Jacomo Stávale intitulado Elementos de Matemática e presenteou a primeira autora deste artigo com outro livro desse autor, Problemas de Matemática, da primeira série ginasial, de 1954. Ambos os volumes foram elaborados a partir dos novos programas de ensino, estabelecidos pela Portaria de 1951. Cabe destacar que Jacomo Stávale figura como autor de livros didáticos de Matemática desde a década de 1930, com coleções que atendiam as Reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema. Seus livros eram publicados pela Companhia Editora Nacional, na Série 2ª - Livros didáticos, da Biblioteca Pedagógica Brasileira.

Miorim (2006) destaca um aspecto importante da perspectiva de Stávale, tendo em vista o pertencimento desses livros a um investimento editorial dado como renovador, o que contribui para a reflexão sobre as funções dos livros didáticos no CA:

Embora o discurso da editora, especialmente nas palavras de Fernando de Azevedo, fosse o de produzir livros didáticos com características renovadoras que pudessem se constituir em “uma ofensiva contra a literatura escolar tradicional, viciada, antiquada e mal apresentada”, os livros de Jacomo Stávale, recordistas desse segmento do mercado editorial, não tinham essas características. Apesar de suas obras apresentarem os conteúdos propostos pela Reforma Francisco Campos, o professor Jacomo Stávale não assume as orientações metodológicas propostas pela “nova orientação do ensino”. O autor concorda que seria conveniente “os quatro ramos da matemática elementar” serem abordados “paralelamente desde o primeiro ano do curso ginasial”, mas considera que “o ensino simultâneo destes quatro ramos não pode ser feito atabalhoadamente, como o pretendem alguns autores” (Stávale, 1932, p. VIII13). Por essa razão, Stávale apresenta em seus livros os assuntos de maneira compartimentalizada, “como os livros de uma biblioteca” (p. VIII). Outros aspectos da obra de Stávale - utilização do método dedutivo no primeiro ano do ensino secundário, uso excessivo da linguagem matemática, sem articulação com outras linguagens, não-utilização do conceito de função como elemento unificador, uso de aplicações apenas em exercícios ao final de alguns capítulos - confirmam a sua resistência à introdução de elementos renovadores (Souza, 199814). (MIORIM, 2006, p.12).

Com efeito, já no primeiro capítulo dos Elementos de Matemática, do primeiro ano, percebemos a opção didática do autor. De início, Stávale expõe uma série de definições e explicações; em seguida, propõe exercícios orais sobre numeração, com alguns “modelos” de atividades para serem seguidos. Logo após, traz uma lista de exercícios sem as respectivas soluções. Apresenta, ainda, problemas, em sua maioria contextualizados e resolvidos, seguidos de uma lista de questões intercaladas com exercícios resolvidos. De modo geral, cada assunto tratado no livro é abordado inicialmente com a definição, seguida de alguns exemplos que, em sua maioria, são aplicações diretas, mas que, por vezes, são apresentados como problemas. Além disso, há numerosos exercícios orais e problemas a serem feitos em classe, perfazendo um total de 1000 atividades. O grande número de tarefas também é uma característica da coleção de problemas. Por exemplo, o livro do primeiro ano presenteado à primeira autora do presente texto traz 1160 exercícios com respostas.

Como já comentado, os testemunhos dos ex-alunos confirmaram que o alicerce das aulas de Matemática era a grande quantidade de exercícios, corroborando a estrutura que se pode observar nos livros mencionados.

Os entrevistados também rememoraram que o colégio utilizou livros de Osvaldo Sangiorgi e Ary Quintella.

Nas aulas de Matemática usamos o livro do Osvaldo Sangiorgi na primeira, segunda, terceira e quarta série do Ginásio (Camélia, ex-aluna).

Os livros do Osvaldo Sangiorgi e Ary Quintella eram os livros de Matemática mais utilizados no Ginásio. (Carlos Braga).

Eu não saberia dizer com certeza quais os livros utilizei, mas foram muitos, como o do Alberto Serrão, Ary Quintella e Osvaldo Sangiorgi dentre outros. [...]. Os livros adotados pela escola, parece-me, que eram o do Ary Quintella e do Osvaldo Sangiorgi.

[...]acredito que o livro do Ary Quintella era o grande livro de Matemática da época, porque tinha Matemática e Desenho. (Paulo Wanner).

Os livros de Osvaldo Sangiorgi também eram publicados pela Companhia Editora Nacional, de São Paulo, mesma editora das obras de Jacomo Stávale. A Companhia Editora Nacional tornou-se a maior editora paulista, dedicando-se principalmente à produção de impressos de caráter didático-pedagógico. Na década de 1950, atingiu a sua maior produção graças à ampliação da rede de ginásios (DUTRA, 2004).

Valente (2008) comenta a atuação de Sangiorgi e sua forte participação e da editora pela qual seus livros eram publicados no mercado editorial brasileiro.

O acesso aos jornais, a participação em encontros nacionais para a discussão de programas de ensino de matemática e sistemática presença com artigos em revistas pedagógicas de alcance nacional foram elementos importantes para a consolidação de Osvaldo Sangiorgi como referência para o ensino de Matemática. O sucesso de seus livros atestava isso. A coleção de Sangiorgi, nos três anos seguintes ao lançamento do primeiro volume para a primeira série do curso ginasial, teve grande aceitação. A tiragem não parou de subir atingindo, em 1957, para o primeiro volume, a marca dos 100 mil exemplares. A partir daí, permaneceu, anualmente, com esta tiragem, até 1963, ano em que, de acordo com os arquivos da Cia Editora Nacional, foi publicada a 134ª edição do livro. [...] Um sucesso editorial maior ainda ocorreu, a partir de 1963, com o lançamento de uma nova coleção para o ginásio: foram os tempos da Matemática Moderna (Valente, 2008, p. 9).

Valente (2008) ressalta ainda que, na década de 1960, o autor era visto como uma autoridade matemática e didática. Acrescenta que Sangiorgi realizava ações conjuntas com a Cia. Editora Nacional e a Secretaria da Educação de São Paulo, nas quais promovia encontros e cursos para professores.

O outro autor mencionado, Ary Norton de Murat Quintella, apesar de ser paulista, passou a parte mais importante de sua vida profissional no Rio de Janeiro. Valente (2008a) destaca que a carreira profissional de Ary Quintella lhe permitiu publicar seu trabalho por meio da Companhia Editora Nacional e que os livros didáticos de Matemática de sua autoria foram transformados em best-sellers educacionais, tendo alcançado grande números de edições no início dos anos 1950. Assinala, ademais, que Quintella garantiu à editora grande parte do mercado do Rio de Janeiro, rivalizando com as editoras cariocas, que tinham dominado a produção de obras didáticas de Matemática desde o final do século XIX.

Obras de Ary Quintella e Osvaldo Sangiorgi foram analisadas por Thiengo (2001), que buscou compreender como ocorreu a passagem da “Matemática Tradicional” para a “Matemática Moderna”, movimento internacional de ensino que penetrou no Brasil na década de 1960, a partir dos livros didáticos de ambos os autores. O pesquisador concluiu que os dois autores se apropriaram de forma diferenciada das propostas então disseminadas15. Ao falar da Matemática Moderna, o professor Clemenceau, em conversa posterior a sua entrevista, relatou que, ao lecionar uma aula no Colégio de Aplicação a convite das professoras Alaíde e Magda, optou pelo conteúdo dos “conjuntos”, no qual pôde trabalhar com noções da Matemática Moderna, mesmo que sem menção explícita ao movimento modernista. O assunto era familiar ao docente devido ao seu movimento constante de estudo e aperfeiçoamento. Avaliou que tinha trabalhado muito bem a Matemática clássica em suas aulas ao usar os conceitos modernos da Matemática.

Observa-se, portanto, no nível ginasial, novamente a presença de práticas baseadas em procedimentos, a partir de numerosos exercícios, e um equilíbrio entre uma abordagem carregada da tradição vigente no ensino secundário ao menos desde a década de 1930 vista nos livros de Stávale e os movimentos de renovação pelas apropriações do Movimento da Matemática Moderna, por meio dos autores Ary Quintella e Osvaldo Sangiorgi16.

Os livros didáticos no curso colegial do Colégio de Aplicação

Como foi comentado, no final de 1957, a primeira turma finalizou a 4ª série do ginásio e, no ano seguinte, o Ginásio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais foi convertido em Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais.

Em relação aos livros utilizados no colegial, o professor Clemenceau referiu-se aos próprios materiais que os docentes produziam: eu escrevi um livro com exercícios com alto grau de dificuldade, mas os meninos eram feras, a gente podia apertar que eles respondiam. O Mário de Oliveira escreveu diversos livros que a gente usava17. Eu escrevi uma parte do livro do primeiro ano do Científico e também exercícios de limites. Escrevi também um livro sobre números complexos. No Científico, usávamos um livro de quatro autores de São Paulo, não lembro o nome dele.

Durante a entrevista coletiva, os ex-alunos também rememoraram o uso dos materiais de autoria dos professores Mário de Oliveira e Clemenceau. De Matemática era apostila. Cada professor tinha sua apostila, tinha a do Mário de Oliveira, do Clemenceau (Luiz Santana). O Clemenceau rodava no mimeógrafo da escola e distribuía os capítulos para você estudar. Tinha a parte teórica, descrita, e tinha também problemas para resolver (Carlos Braga).

O professor Clemenceau presenteou a primeira autora deste artigo com alguns materiais de sua autoria, alguns em parceria com o professor Mário de Oliveira. Um deles foi o volume I de Álgebra e Análise, 8ª edição, de 1963, de Mário de Oliveira e Clemenceau Chiabi Saliba. Além desse livro, mostrou uma apostila de capa dura preta, Exercícios de Limites, constituída por uma coleção de exercícios resolvidos por processos elementares, de 1962, e uma apostila mimeografada de exercícios de Álgebra, Equações do 2º grau, de 1963.

A indicação desse tipo de material é relevante para compreender as práticas dos professores no Colégio, por dois motivos interrelacionados. O primeiro deles se refere à gênese do texto, pois, em geral, são produções elaboradas a partir de notas de aula e experiências vividas e praticadas. Batista (1999, p.537), ao tratar das dificuldades de conceituação do livro didático no Brasil, associa esse processo de produção aos diferentes meios de reprodução do material didático por meio da “imprensa” escolar18. Além disso, Matos (2020) afirma que edições locais de textos didáticos, como é o caso daquelas dos professores Mário e Clemenceau usadas no Colégio de Aplicação, permitem que nos aproximemos da cultura local, em geral obscurecida nos livros de grande circulação.

O segundo motivo se relaciona à execução dos programas oficiais e aos diferentes blocos de conteúdos para o segundo ciclo do ensino secundário. As produções indicadas por Clemenceau abordam assuntos específicos do Colegial que estão presentes nos programas oficiais e, a partir da década de 1960, por meio das Sugestões para um roteiro de Programa para a cadeira de Matemática19, texto publicado pelo Grupo de Estudos do Ensino da Matemática - GEEM. Assim, podemos estabelecer uma relação entre programas de ensino, práticas docentes e livros didáticos no Colégio de Aplicação. Com efeito, o ensino secundário na Reforma Campos foi separado em dois ciclos, o Fundamental, com duração de cinco anos, e o Complementar, com duração de 2 anos. O decreto n. 21.241, de 4 de abril de 1932, indica a obrigatoriedade do curso complementar para os candidatos ao ensino superior e apresenta uma lista de disciplinas diferenciadas segundo a natureza dos cursos. Os livros didáticos publicados para atender a Reforma Campos foram elaborados, em sua maioria, em formato de coleção para os cinco anos do curso Fundamental20 e em volumes temáticos para atender o Curso Complementar21. Com as alterações operadas na estrutura curricular da Reforma Capanema, a maioria das coleções destinadas ao ciclo Fundamental foi adaptada para os quatro anos do ciclo Ginasial e poucos autores se aventuraram na escrita de coleções para o ciclo Colegial22, prevalecendo os livros temáticos23.

O que se observa nas três últimas séries, portanto, são práticas dessa fragmentação por assunto, reforçando o curso como propedêutico. Como relatado por Clemenceau, sua atuação se deu, em boa parte do tempo, no curso Científico, e sua fala caracteriza não apenas sua própria prática, mas a do Colégio, com a oferta de um ciclo preparatório para os exames de vestibular.

Assim, em relação a essa questão, em seu depoimento, o professor Clemenceau ressaltou: Os alunos do terceiro ano entravam direto nos vestibulares nas melhores universidades. Não faziam cursinho, eles entravam direto. Eles saíam muito preparados. Um colégio bom dá condições para o aluno ter o privilégio de escolher onde quer estudar. Assim como Clemenceau, o professor Paulo Wanner reforçou o argumento: Era um colégio famoso em Belo Horizonte, porque quase todos os alunos que estudavam no Colégio de Aplicação não faziam “cursinho” para entrar na UFMG. Eles faziam o vestibular e eram bem-sucedidos porque eles já tinham tido acesso a todos os conteúdos cobrados na Universidade. Desse modo, o Colégio de Aplicação, que era originalmente apenas uma unidade de estágio para os alunos do Curso de Didática, tornou-se uma escola preparatória para os cursos superiores, o que lhe conferiu maior visibilidade na cidade de Belo Horizonte.

Retornando aos livros doados por Clemenceau, o primeiro volume da obra Álgebra e Análise apresenta em seu sumário os conteúdos: progressões, logaritmos, equações exponenciais, equações logarítmicas e símbolo somatório. Esse livro, de autoria dos professores Mário de Oliveira e Clemenceau, apresenta a ordem das sugestões curriculares sugeridas pelo GEEM e aprovadas no IV Congresso Brasileiro de Educação Matemática, em 1962, posteriormente publicadas em 19 de janeiro de 1965 no Diário Oficial do Estado de São Paulo. A apostila de Exercícios de Limite, do professor Clemenceau, que contém 18 páginas com exercícios resolvidos por processos elementares, exibe a definição de limites e posteriormente uma lista com 54 exercícios resolvidos. Nessa lista, encontramos exercícios de demonstração que utilizam a definição de limite. Além disso, há aqueles sobre limites laterais, limites trigonométricos, limites de funções irracionais, limites de funções racionais, entre outros.

Analisando os impressos e a metodologia de trabalho conforme o relato de Clemenceau, constatamos a coerência do material com sua exposição. Inicialmente, o professor explicava a matéria e resolvia algumas atividades; progressivamente, aumentava o grau de dificuldade dos exercícios. Para garantir que o aluno não se esquecesse do conteúdo, o professor elaborava uma apostila com um repertório amplo de exercícios possíveis sobre aquele assunto. Assim, o material didático acabava se configurando como um “complemento” da aula. Nesse caso, é possível pensarmos o aluno como um repetidor, já que lhe era proporcionado o acesso ao modelo de resolução de determinado exercício, o qual poderia ser replicado em todas as outras atividades semelhantes.

Considerações finais

Este estudo acerca da recepção e do uso dos livros didáticos no ambiente escolar do Colégio de Aplicação da UMG/UFMG no período 1954-1968 foi realizado com base no diálogo que procuramos estabelecer ao examinar conjuntamente fontes de natureza variada: relatos de antigos professores e alunos colhidos com a metodologia da História Oral, documentos legislativos e livros didáticos foram analisados à luz de diversos trabalhos que se debruçaram sobre o ensino de Matemática da época, predecessora da grande disseminação do movimento da Matemática Moderna no Brasil.

Naquele momento, uma característica relevante da educação no país era a pequena parcela da população que tinha acesso aos níveis de ensino posteriores ao primário; naquele contexto, era forte o filtro representado pelos exames de admissão, de aprovação difícil e viável, sobretudo, apenas às classes socioeconômicas mais favorecidas.

O Colégio de Aplicação, concebido como local de prática de futuros professores que cursavam a UMG/UFMG, recebia alunos que passavam pela seleção rigorosa do Exame de Admissão ao Ginásio. Em seus primeiros anos de funcionamento, os candidatos a uma vaga tiveram a possibilidade de frequentar um curso preparatório oferecido pela própria escola.

A investigação sobre as práticas educativas em Matemática no Colégio de Aplicação colocou em evidência a existência de um ensino centrado no professor, tendo o estudante um papel pouco ativo; com ênfase na realização de um número muito grande de exercícios e critérios de aprovação alicerçados em exames parciais, finais e de segunda época, como regia a legislação ginasial brasileira; com o trabalho docente realizado individualmente por cada professor e raras trocas entre os pares. Ligando todos esses aspectos estão os livros didáticos, basilares para o ensino e a avaliação, o que fica claro quando analisamos com atenção os relatos dos ex-estudantes e professores.

No que diz respeito a esse material, percebemos atributos específicos dos livros para os cursos de Admissão, Ginasial e Colegial no Colégio de Aplicação. A análise dos livros usados na escola mostra, no primeiro caso, a base no treinamento para as questões formuladas a partir dos programas do Exame de Admissão e a presença de material produzido especialmente para os exames em São Paulo.

Em relação ao curso ginasial, três autores de destaque na Companhia Editora Nacional, também de São Paulo, figuram entre os lembrados especificamente pelos antigos alunos - Jácomo Stávale, Osvaldo Sangiorgi e Ary Quintella -, com obras portadoras de enormes listas de exercícios acompanhados de modelos para guiar a resolução pelos estudantes. Configura-se nitidamente uma caracterização do ensino de Matemática alicerçado nos procedimentos e na repetição de tarefas.

Por fim, o nível colegial na Matemática ensinada no Colégio de Aplicação foi retratado, nas falas de alunos e professores, com ênfase em seu sucesso na preparação para os exames de seleção para o ensino universitário, a que somente uma pequena porcentagem de estudantes tinha acesso. Nesse nível, é interessante observar a utilização de livros didáticos produzidos localmente, em Belo Horizonte, por autores que eram professores do Colégio, a exemplo do professor Clemenceau. Esses autores parecem ter se esforçado em marcar sua presença no campo educacional quando houve essa oportunidade, tendo em vista o número pequeno de autores que produziram livros de Matemática para o nível colegial.

Neste trabalho, ao perceber nas práticas educativas em Matemática no Colégio de Aplicação o papel fundamental dos livros didáticos, procuramos articular, no estudo dessas obras, as formas de organização do campo da educação no período investigado, a estrutura das obras envolvidas e sua recepção por alunos e professores; nossa intenção foi a de oferecer uma contribuição para a História da Educação.

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1A Universidade de Minas Gerais foi inicialmente uma instituição privada, subsidiada pelo Estado, tendo permanecido assim até 17 de dezembro de 1949, quando foi federalizada. Durante o governo militar, por sua determinação, a partir do ano de 1965, passou a se denominar Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Ela “passa ser jurídica de direito público, de ensino gratuito, mantida pela União, dotada de autonomia didático-científica, administrativa, disciplinar e de gestão financeira e patrimonial”. https://ufmg.br/a-universidade/apresentacao/linha-do-tempo último acesso em: 25 de fev. 2021.

2Oficialmente, o Ginásio de Aplicação foi inaugurado aos 21 dias do mês de abril de 1954 e sua primeira diretora foi a professora Filocelina da Costa Matos Almeida, catedrática de Didática Geral e Especial na Faculdade de Filosofia (COSTA, 2021).

3A turma do primeiro ano do ginásio, que começou em 1954 com 18 alunos, teve apenas um aluno como concluinte do quarto ano em 1957. No ano de 1955, apenas nove alunos dessa turma efetuaram a matrícula para a segunda série e para o terceiro ano apenas três alunos da turma ingressante em 1954 se matricularam (COSTA, 2021).

4As entrevistas foram realizadas em 2018 e 2019. A entrevista coletiva reuniu um grupo de 11 ex-alunos da turma de formandos do Científico do ano de 1965.

5Após a transcrição, isto é, da passagem do registro oral para o escrito, foi realizada a textualização, isto é, foi feita uma reescrita do texto, com a retirada das marcas mais fortes e dos enganos gramaticais próprios da oralidade, bem como das afirmações repetidas e dos ruídos. Procurou-se, assim, organizar um texto coerente, para tornar a leitura dos depoimentos mais fluente. Nesse processo de reescrita da transcrição, também foram reunidos trechos relativos a temas específicos, que algumas vezes apareciam em lugares diferentes na transcrição.

6Ela se referia à professora Magda Soares que, inicialmente, fazia parte do corpo docente da Faculdade de Filosofia e foi vice-diretora da professora Alaíde Lisboa no Colégio de Aplicação. Magda Soares (1932-2023) foi uma das fundadoras do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita, autora de diversas publicações e professora titular emérita da Faculdade de Educação da UFMG (COSTA, 2021).

7O exame de admissão foi criado pela Reforma Francisco Campos para acesso ao primeiro ano do curso ginasial e foi extinto apenas em 1971, com a promulgação da Lei nº 5692, quando foi implantado o ensino obrigatório de 1º grau, com duração de oito anos, integrando o primário e o ginásio em um único ciclo de estudos. Apesar de sofrer alterações legais em sua forma e conteúdo, os exames eram considerados como vestibulares.

8Antonio de Souza Teixeira Junior formou-se em Matemática pela Faculdade de Filosofia da USP, em 1944, na mesma turma do também autor de livros didáticos Carlos Galante (GOMES, 2018).

9Ao longo da existência dos exames de admissão, observa-se uma variação muito pequena na lista de conteúdo dos programas.

10Utilizamos a 5ª edição, publicada em 1959. A edição mostrada pela professora Aloys era a 2ª, de 1956. Apesar de estar registrado na folha de rosto que a 5ª edição foi inteiramente revista e ampliada, não acreditamos que as alterações feitas afetam a análise aqui proposta. As edições subsequentes, especialmente a partir da década de 1960, sofreram alterações mais significativas em relação ao ensino da Matemática devido ao Movimento da Matemática Moderna, como pode ser observado na 19ª edição de 1968. Os professores responsáveis pelos demais textos, nessa 5ª edição, eram: J.B. Damasco Penna (Coordenação geral de texto); Aroldo de Azevedo (Geografia); Joaquim da Silva e José Arruda Penteado (História do Brasil); José Cretella Júnior (Português).

11Osvaldo Sangiorgi nasceu em 9 de maio de 1921 e faleceu em 7 de julho de 2017. Foi professor de Matemática, autor de livros didáticos e líder do Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM).

12Por exemplo, Exercícios sobre numeração (VALENTE, 2008).

13STÁVALE, J. Segundo ano de mathematica. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1932.

14SOUZA, R. M. de. Um estudo sobre as influências do Primeiro Movimento Internacional de Modernização do Ensino de Matemática nos livros didáticos brasileiros. Relatório final de iniciação científica à FAPESP. Campinas: Unicamp, 1998.

15Enquanto Sangiorgi foi muito influenciado pelos estadunidenses, tendo incorporado elementos de suas recomendações aos livros que havia produzido anteriormente, Ary Quintella demonstra, em suas obras, resistência às mudanças. Segundo Thiengo (2001), Quintella teria enfrentado pressões da comunidade científica, das secretarias de Estado da Educação, das editoras e de grupos de professores e optou por fazer uma apropriação parcial e cautelosa da Matemática Moderna, sem descaracterizar suas concepções em torno da Matemática. Thiengo (2001) conclui que Sangiorgi e Quintella posicionaram-se em relação à Matemática Moderna de acordo com suas trajetórias individuais, pelas relações que mantinham com a Matemática e pela comunidade acadêmica da época.

16Enquanto Sangiorgi foi muito influenciado pelos estadunidenses, tendo incorporado elementos de suas recomendações aos livros que havia produzido anteriormente, Ary Quintella demonstra, em suas obras, resistência às mudanças. Segundo Thiengo (2001), Quintella teria enfrentado pressões da comunidade científica, das secretarias de Estado da Educação, das editoras e de grupos de professores e optou por fazer uma apropriação parcial e cautelosa da Matemática Moderna, sem descaracterizar suas concepções em torno da Matemática. Thiengo (2001) conclui que Sangiorgi e Quintella posicionaram-se em relação à Matemática Moderna de acordo com suas trajetórias individuais, pelas relações que mantinham com a Matemática e pela comunidade acadêmica da época.

17Podemos citar, por exemplo, os demais volumes da coleção Álgebra e Análise, com edições publicadas entre as décadas de 1950 e 1960 pelo Curso Mário de Oliveira, em uma série denominada Publicações para vestibulares. Em algumas das edições, apenas Mário de Oliveira assina como autor.

18Destaca-se que diversas coleções de livros didáticos têm por origem esse tipo de produção escolar.

19Essas orientações foram publicadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 01 de janeiro de 1965, p. 42-43 (Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/4202309/pg-42-poder-executivo-parte-1-diario-oficial-doestado-de-sao-paulo-dosp-de-19-01-1965 último acesso em: 28 set. 2020) e também se encontram no livro Matemática Moderna para o ensino secundário, com segunda edição datada de 1965.

20Além da coleção de Jácomo Stávale, podemos mencionar a parceria de Euclides Roxo e Cecil Thiré com Mello e Souza e a coleção de Agricola Bethlem, publicada em Porto Alegre, bem como a de Algacyr Munhoz Maeder, publicada em São Paulo.

21Por exemplo, Lições de matemática professadas no curso complementar - III, números complexos, de Euclides Roxo, Geometria analítica, em duas partes, de autoria de Julio César de Mello e Souza e Elementos de cálculo vetorial e Elementos de geometria analítica, ambos de autoria de Roberto Peixoto.

22Por exemplo, podemos citar as coleções Matemática 2º ciclo, de Euclides Roxo, Haroldo Lisboa da Cunha, Roberto Peixoto e César Dacorso Netto e Matemática, de Ary Quintella.

23Por exemplo, Francisco Antônio Lacaz Netto foi autor de diversos títulos de livros didáticos temáticos.

Recebido: 14 de Abril de 2022; Aceito: 12 de Julho de 2022

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