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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub Aug 07, 2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-192 

Artigos

Delinquência infantojuvenil e respetiva taxonomia do Padre António d’Oliveira (1867-1923) no contexto da 1.ª República portuguesa

La delincuencia infantil y juvenil y su taxonomía del Padre António d'Oliveira (1867-1923) en el contexto de la 1ª República Portuguesa

Ernesto Candeias Martins1 
http://orcid.org/0000-0003-4841-1215

1Instituto Politecnico de Castelo Branco (Portugal). ernesto@ipcb.pt


Resumo

O estudo de teor histórico-descritivo e documental, assente na metodologia hermenêutica aos escritos do Padre Oliveira, abrange os princípios do séc. XX e insere-se no âmbito da História da Educação Social. A análise hermenêutica deambula entre fontes primárias e secundárias sobre aquele pedagogo relacionadas com áreas da proteção à infância, da pedagogia da delinquência e criminalidade infantojuvenil e da reeducação. Norteamo-nos nos seguintes objetivos: revisitar historicamente o pensamento Pe. Oliveira como protetor da infância e pedagogo social; analisar os pressupostos Lei de Proteção à Infância, de 1911; descrever a sua taxonomia de menores delinquentes institucionalizados, fruto das suas observações e experimentações. Ele foi o mentor da proteção à infância em Portugal, um reformador social nas questões da delinquência e marginalidade, um educador social na intervenção com menores institucionalizados nas casas de correção, tendo dado um grande contributo à História da Assistência à Infância e História da Educação Social, em Portugal.

Palavras-chave: Pedagogia da delinquência; António d’ Oliveira; Menor

Resumen

El estudio es de contenido histórico-descriptivo y documental, basado en la metodología hermenéutica a los escritos del Padre Oliveira, en los principios del siglo XX y inserido en la Historia de la Educación Social. El análisis hermenéutico deambula entre el análisis a las fuentes primarias y secundarias de éste pedagogo, relacionadas con las áreas de protección infantil, pedagogía de la delincuencia y criminología infantil y juvenil y pedagogía de la reeducación. Los objetivos han sido los siguientes: revisar históricamente el pensamiento del P. Oliveira sobre la protección a la infancia y pedagoga social; analizar los supuestos de la Ley de Protección de la Infancia de 1911; describir su taxonomía sobre los delincuentes juveniles institucionalizados, que es el resultado de sus observaciones y experimentaciones. Él fue el mentor de la protección de la infancia en Portugal, un reformador social en los temas de delincuencia y marginalidad juvenil, un educador social en la intervención con menores institucionalizados, habiendo hecho una gran contribución a la Historia del Cuidado Infantil y la Historia de la Educación Social en Portugal.

Palabras clave: Pedagogía de la delincuencia; António d’ Oliveira; Delincuente juvenil

Abstract

The historical-descriptive and documental study, based on the hermeneutic methodology of the writings of Father Oliveira, covers the beginning of the 20th century and falls within the scope of the History of Social Education. The hermeneutic analysis wanders among primary and secondary sources on that pedagogue related to child protection, pedagogy of delinquency and juvenile criminality and reeducation. The following objectives guide us: to revisit the thought of Father Oliveira as a child protector and social pedagogue historically; to analyse the assumptions of the Childhood Protection Law of 1911; to describe his taxonomy of institutionalised delinquent minors, the fruit of his observations and experiments. He was the mentor of child protection in Portugal, a social reformer on the issues of delinquency and marginality, and a social educator in the intervention with minors institutionalised in the houses of correction, having given a significant contribution to the History of Child Care and the History of Social Education, in Portugal.

Keywords: Pedagogy of delinquency; António d' Oliveira; Juvenile delinquent

Introdução

O perfil e a personalidade do Padre António d’Oliveira (1867-1923), como Homem e Padre nos ambientes monárquicos e republicanos, como Legislador e Reformador social e, principalmente como Pedagogo social deu um grande contributo à História da Assistência à Infância e História da Educação Social, em Portugal (Figura 1).

Fonte: Museu em Caxias (Ministério da Justiça, 1958).

Figura nº1: Padre António d’Oliveira, Inspetor Geral dos serviços Jurisdicionais e Tutelares de Menores em Portugal (1911-23). 

Ao longo da sua biografia de vida expressa o seu caráter sensível pelas coisas e pelas pessoas, tendo certas circunstâncias influenciado no seu modo de ser como por exemplo: a formação no Seminário de Lamego, sua terra natal; a morte da mãe e do seu tio António, com o qual mantinha um grande afeto, em 1875; o ser padre nas paróquias de Gouviães e Dalvares, perto de Lamego (1892-95), naquelas ‘rudes paragens’, inundadas de crendices e bruxarias; a sua permanência na Santa Casa da Misericórdia do Porto curando-se da sua doença pulmonar (1896-98) a entrada na Casa de Detenção e Correção de Lisboa (masculina) nas Mónicas e depois em Caxias, como Capelão, onde conheceu crianças/jovens como espectros humanos degradados (1899); a modernização na organização do estabelecimento (regulamento) em 1901, dotando-o como casa de formação; o suicídio de um menor, por enforcamento em 1905, nessa instituição, que provocou por parte da imprensa da época uma critica e reprovação geral, pois ventilavam a hipótese do internado ter sido morto à pancada, por um funcionário, o que originou um processo de investigação policial; como membro da Comissão em janeiro de 1911 (Colégio de S. Patrício, em Lisboa), encarregado, pelo Governo da República, de elaborar projeto de lei para a proteção à Infância, tendo sofrido e agravado a sua doença “devido ao cansaço, uma hemoptise e paragem cardíaca, na sala onde ele rascunhou, durante muitas noites de vela, o decreto de Lei de 27 de maio de 1911 em tiras de papel” (BARRETO, 1929a, p. 60), mas o seu esforço e vontade, em realizar um Código de Infância -Lei de Proteção à Infância (LPI), que protegesse as crianças, superando essa sua enfermidade, a pesar das sequelas; a nomeação em 1912 como Inspetor Geral dos Serviços Tutelares e Jurisdicionais de Menores até final da vida, na labuta de supervisão e adequação ao direito tutelar de menores, à implementação de dispositivos, medidas de intervenção para proteção à infância e juventude, o modelo de organização e estrutura reeducativa nos estabelecimentos do Estado em todo país e, ainda como divulgador à sociedade portuguesa da obra tutelar da infância (MARTINS, 2006).

De facto, este pedagogo do social que se ocupou dos menores delinquentes expressava carinho e perseverança no que empreendia na Casa de Correção de Lisboa, reelaborando as suas ideias, para em seguida experimentá-las nessa instituição ou em estabelecimentos de assistência educativa (BARRETO, 1911). Apesar das contrariedades de saúde possuía qualidades de ‘clínico do crime’ na observação, com uma sagacidade para não se deixar ludibriar com dissimulações, mentiras e truques dos menores reclusos e dos seus familiares:

no estudo da delinquência infantil o que mais deve interessar aos que se empenham pela solução do problema da criminalidade, no sentido da defesa social, é a parte que diz respeito ao prognóstico dos hábitos maus e das disposições predominantes das crianças, visto que o que mais convém àquela defesa é descobrir no embrião de hoje o homem perigoso de amanhã (OLIVEIRA, 1923e, p. 372).

Ao dar-se a implantação da República, em 1910, o Governo Provisório, quis legislar medidas, de modo a ampliar os serviços de assistência, de ação social e proteção aos menores. Foi com essa intenção que o Ministro da Justiça, Dr. Afonso Costa, aprova por decreto, a 1 de janeiro, de 1911, uma comissão, em Lisboa e uma outra no Porto (4 de fevereiro) com a tarefa de organizar uma grande obra de proteção à infância, convidando o Pe. Oliveira, a participar na elaboração legislativa dum Código para a Infância (Costa, 1939: 100). Como o Pe. António d’ Oliveira não era jurista o Ministro Afonso Costa (Figura 2) pôs a seu lado o jovem jurista A. Sousa Costa, que viria a ser um dos seus mais fiéis admiradores do Padre de Caxias. Eis como Sousa Costa, narra este episódio:

O Ministro pôs-me no pomar, investido do cargo de ajuda do pomareiro […] foi como amador do direito e profissional de modinhas melódicas, a puxarem ao sentimento, que a providência do Destino me conferiu a honra de ser o adjunto do Legislador adventício, sem carta de jurista, o acólito do Poeta admirável, sem livro de versos! Não há dúvida: Ele nunca tinha lido o artigo 1º do Código Penal. (COSTA, 1945, p. 35)

Fonte: https://valedaterrugem.blogspot.com/2010_10_01_archive.html.

Figura nº2: Visita Ministro Afonso Costa e Governador Civil de Lisboa à Casa de Correção Caxias novembro/1910. 

Pe. Oliveira não tinha ideia do que diziam os códigos penais, pois ignorava as teorias dos problemas da jurisprudência e os codificadores do direito substantivo e adjetivo, nem dominava as teorias da criminologia moderna ou da delinquência juvenil, mas sabia tudo o que, nas famílias, provocava a degeneração, a doença ou anormalidades na formação física e moral, o que nos meandros das cidades provocava a desviação e marginalidade social, que arrastava os menores para a crápula e o crime/delito e, ainda, o que na Casa de Correção de Lisboa, se devia aplicar como recurso preventivo, de medicação curativa de correção ou de reeducação para corrigir e regenerar. Ou seja, era mestre em saber dos contextos onde se originava a degenerescência social e a criminalidade ou delinquência infantojuvenil (COSTA, 1947). A sua tenacidade, sem conhecer o desânimo, marcava o essencial da sua ação de intervenção socioeducativa com os menores (MARTINS, 2006). Estava, sempre, atento às motivações e expectativas dos seus pupilos nesse terreno agreste da institucionalização, estando sempre disposto a orientar, aconselhar e a apoiar os menores internados, carentes de afetos e apoios socioeducativo, de modo a converterem-se em cidadãos úteis à sociedade.

O nosso estudo abrange os princípios do séc. XX, sendo de cariz histórico-descritivo e documental, no âmbito da História da Educação Social, elencado na metodologia hermenêutica de análise ao conteúdo: escritos - fontes primárias, do Pe. Oliveira (1917, 1918, 1922, 1923 a, b, c, d, e, f, 1924 a, b) sobre pedagogia delinquência infantojuvenil, criminalidade juvenil e reeducação menores institucionalizados, baseados em fundamentos sociopedagógicos; em fontes primárias de autores que conviveram na época com aquele padre (BARRETO, 1911, 1921, 1929, 1931; BELEZA DOS SANTOS, 1931; CORRÊA, 1915; COSTA, 1935, 1939, 1945, 1947, 1952; GONLAVES, 1922; MEIRELLES, 1947); fontes secundárias e outras fontes relacionadas com a temática da delinquência/criminologia infantojuvenil e/ou contexto histórico. Consideramos que nenhum documento apresenta neutralidade, à medida que contêm especificidades e intencionalidades e, assim a sua apreensão constitui uma verdade que é necessário compreender no contexto da conjuntura histórica em que foi produzido (LE GOFF, 2012). O investigar o fazer e o saber de personagens, instituições e/ou acontecimentos num tempo histórico determinado não é só realizar um resgate e reconstituição da memória, é também acrescentar novos dados de interpretação à historiográfica da Educação Social. Nesse processo de articulação do presente com o passado, (re)ativamos a memória histórico-educativa do Pe. Oliveira sobre a proteção à infância, através da constituição de evidências coordenadas e interpretadas, fundamentadas no tempo histórico de análise.

Norteamo-nos nos seguintes objetivos: revisitar historicamente a obra e pensamento do Padre Oliveira como protetor da infância e pedagogo social; analisar a estrutura e pressupostos da Lei de Proteção à Infância (LPI), de 1911, do qual aquele padre foi seu mentor; compreender, no contexto da época, os fundamentos da pedagogia (social) sobre a delinquência infantojuvenil, na perspetiva do Pe. Oliveira; descrever a taxonomia da tipologia dos menores delinquentes proposta pelo Pe. Oliveira, fruto das suas observações e experimentações nas Casas de Correção. Lembramos que neste período histórico vivia-se muito a influência de várias teorias sobre a criminologia e delinquência, para além dos contributos de outras ciências (antropologia, pedologia ou paidologia, a medicina com influxo da psiquiatria, o higienismo e eugenismo), etc.) que foram determinantes para conhecer a infância e juventude em situação de desviação social e comportamentos delitivos, para além dos discursos políticos (reformas sociais). Metodologicamente o estudo está dividido em 3 pontos, articulados ao relacionarem-se com os objetivos e propósito do estudo e que são: os olhares à pedagogia da delinquência e criminologia infantojuvenil; os pressupostos jurídico-sociais e pedagógicos na LPI; a taxonomia caraterizadora dos tipos dos menores delinquentes e criminosos.

De facto, à medida que o tempo histórico passou, os continuadores da obra emérita do Pe. Oliveira e outros educadores, defensores da proteção e (re) educação das crianças e jovens em conflito/desviação social ou com dificuldades socio-assistenciais, têm naquela figura a possibilidade de refletirem sobre as medidas e inovações sociopedagógicas efetuadas sobre a proteção de infância, as instituições de internato, o tratamento médico-pedagógico e/ou reeducativo. É um dever para os pedagogos/educadores sociais recordarem e trazerem à luz o pensamento daquele ‘Paladino’ de menores e ‘Mentor da LPI, contribuindo com as suas análises à reconstrução da memória e da História da Educação Social. O Pe. Oliveira foi um reformista dos problemas da delinquência infantojuvenil, mesmo que por vezes fosse alcunhado de ‘ferrenho’ monárquico, ou de ‘radicalíssimo republicano e maçom’, de ‘lunático e idealista ou de ‘fantasmagórico nas ideias da proteção à infância’ (OLIVEIRA, 1923b, p. XLIV-V). De facto, muitos estudiosos contemporâneos reconheceram o mérito do seu trabalho em prol da criança/infância portuguesa, sempre como padre e pedagogo: “Se rebuscarem os documentos, oficiais ou não, nenhum aparecerá assinado com o seu nome que não seja precedido da palavra padre” (MEIRELES, 1947, p. 6), pois como ele próprio afirmou “Só um homem moral pode pregar uma obra moral” (OLIVEIRA, 1923b, p. IL). Foi com aquele propósito de educador social que intentámos nesta abordagem metodológica relacionar, segundo Justino Magalhães (2007, p. 70-71), a história construída da(s) memória(s) para o arquivo e deste para a memória.

Olhares à pedagogia da delinquência e criminologia infantojuvenil

Sem ter conhecimentos dos ‘Mestres’ do direito e da criminologia correcional Pe. Oliveira sentiu a ‘Vida institucional’ dos menores delinquentes internados e detetou neles as causas que originavam a sua desviação social. Pouco a pouco imbuiu-se das teorias da criminologia da época, desde Beccaria à frenologia de Gall (psicologia de faculdades associada a uma anatomorfisiologia cerebral), da psicologia criminal de H. Gross à antropologia criminal (escola italiana de Lombroso, a inglesa de Maudsley e a argentina de J. Ingenieros) ou sociologismo positivista (Quetelet). Toda estas influências é-lhe dada pelos seus amigos juristas, médicos, intelectuais ou pedagogos correccionalistas, que lhe cedem livros, revistas, documentação jurídica, psicológica e de antropologia criminal, relatórios de conclusões de congressos ou de missões de visitas a estabelecimentos prisionais de menores no estrangeiro, pedagogia correcional. Ora toda esta amalgama de ideias permitem-lhe conhecer:

*-Escola clássica (Beccaria e Bentham). Esta escola integrava: a correccionalista, que defendia a correção ou emenda do delinquente nos estabelecimentos prisionais, cadeias ou casas de correção; e a penitencialista (a tradicional de Makarewiscz, a reformista de Listz, Prins e Van Hamel e os radicais de Dorado, Tolstoy e Soloviev), que criticava os rigores das penas, defendendo a regeneração dos criminosos pelo trabalho e educação, admitindo a intimidação, a correção e o castigo ao delinquente. Os sistemas penitenciários propostos na época eram o sistema de filadélfia (regime celular), sistema de Auburn de N. York e o sistema progressivo irlandês, por períodos (Coronel Montesinos). As críticas do padre de Caxias orientavam-se à não modernização dos estabelecimentos prisionais aos novos modelos.

*-Escola criminal positiva na base das teorias de Lombroso, Ferri e Garofalo, que estudavam com o método causal-explicativo as causas, comportamentos e fundamentos da pena sobre a personalidade dos criminosos e delinquentes e a sua capacidade de adaptação, etc. Esta escola surge da evolução das ciências sociais, que determinou novas orientações para a criminologia. O crime não era só um comportamento individual, mas também era um facto humano e social. Assim, a criminologia deslocava o centro da norma jurídica para a realidade. Havia diferença, entre a escola criminal francesa (Lacassagne, Tarde), para quem o delito e a delinquência era um fenómeno social e não biológico e anatómico, e a escola antropológica italiana (teorias do atavismo e da degeneração). Por isso, Lombroso estuda as características físicas dos criminosos (atavismo), considerando que o infrator já nascia com traços físicos que o identificavam como tal (estigmas físicos do criminal nato). P. Oliveira aceita com reservas algumas ideias de Lombroso, admitindo que muitos elementos biológicos hereditários (mórbidos) implicavam uma pré-disposição em certos indivíduos para cometerem crimes ou delinquirem, assim como, que a cárcere ou prisão eram lugares de influência para os delinquentes predispostos a delinquir e cometer delitos. Contudo, coincide, com Ferri, que há certas condições sociais, que servem de imitação e extensão a determinadas tendências que acarretam alguns delinquentes. Nesta perspetiva, a vagabundagem, segundo a criminologia era o estado de certos indivíduos que viviam à margem da sociedade. O vagabundo (associável, moralmente abandonado, corrupto, indigente, mendigo) era um predisposto a delinquir, daí a promulgação da lei de 1912.

Por conseguinte, as ideias provenientes da criminologia exigiam novas conceções científico-pedagógicas aos estados de desviação infantojuvenil implementando medidas de internamento em estabelecimentos de correção, como meio mais eficaz à sua regeneração. Nas suas posições de análise, o Pe. Oliveira sustenta uma vertente positivista, em que o menor delinquente revelava nas suas ações as suas tendências, sendo impulsionado por forças que ele não tinha consciência e, por isso, devia ser corrigido e institucionalizado. Nessa incursão pela antropologia criminal e da delinquência juvenil, em algumas ocasiões, critica a Lombroso por dizer que “só criminosos geram criminosos” (OLIVEIRA, 1923e, p. 376), pois, no caso do menor ‘Galatea’, ele não deixava de ter qualidades nobres adquiridas na família, mas a influência do meio e a mania criminosa de atuar (tendência), tinham-no perdido para o crime.

O Pe. Oliveira (1922) entendia que a pedagogia se devia centralizar no comportamento delitivo do menor (fatores), em termos sociopedagógicos (pedagogia social) e, daí que a intervenção social fosse na base da regeneração moral, pela educação e trabalho (oficinal). Devido à importância social do fenómeno criminalidade e delinquência, aquele padre propõe metodologias de proteção socioeducativa, destacando a ação dos prefeitos-professores e/ou precetores, dos mestres, guardas e responsáveis dos internatos, para além da instrução e das atividades educativas não formais propostas na regeneração correcional. Por isso, adota um programa educativo às características dos educandos internados, em cada Secção e/ou divisão do estabelecimento de internamento, seja para as ‘troupes’ ou trupes de ‘pilhas’ (menores que cometiam roubos), ‘paivantes’ (viciados no tabagismo), da ‘canhola’ (sodomia), dos ‘subentos’ (menores com falta de higiene), conspiradores (maledicência), ‘espiantes’ (menores tendência à fuga/evasão), aos jogadores, etc. (OLIVEIRA, 1923c, p. 55-57).

Recordamos que no livro ‘Criminalidade - Educação’ Pe. Oliveira (1918) faz um estudo profundo, através de uma rigorosa observação aos reclusos na Casa de Correção masculina de Lisboa, nas Mónicas (1899-19032 e depois em Caxias (1903-1911), quer nas suas caraterísticas e relações com os outros pares (‘troupes’), quer nas atividades socioeducativas (instrução, aprendizagem nas oficinas), de modo a averiguar as suas ascendências (fatores endógenos) e o meio em que viveram (fatores exógenos). As suas teses de pedagogia correcional e de sociologia criminal, para quem não tinha um corpus concetual de base, orientavam-se a “Pôr o corpo social ao abrigo do crime, dando à família, á escola, à oficina, aos tribunais e à polícia a missão de prevenirem a criminalidade das novas gerações” (OLIVEIRA, 1918, p. II). Reconhece que estes pressupostos não eram possíveis numa só geração, pois obrigava a uma articulação e cooperação de serviços e instituições sociais e educativas, que, por um lado, fizessem mudar as leis jurídicas e os costumes burocráticos/administrativos e, por outro lado, que transformassem as mentalidades das pessoas, perante a proteção, a prevenção e a profilaxia social (ALVIM, 1961). Das suas observações sistemáticas aos menores que entravam na Casa de Correção levou-o a dividi-los em três grupos: menores vítimas das ‘leis da geração’; menores vítimas das ‘leis da imitação’ (família, rua, ambiente envolvente); e menores vítimas das duas leis. Distinguia conceptualmente os termos da linguagem da pedagogia da correção de delinquentes institucionalizados, como entre ‘regenerar - corrigir’ e ‘reeducar - reformar’ (OLIVEIRA, 1923c, p. 102): “(…) a reeducação ou reformação das vítimas das leis da imitação consiste num simples tratamento pedagógico, enquanto, que a regeneração ou correção das vítimas das leis de geração, já é um tratamento médico-pedagógico”. Uma coisa era renovar a vontade, os pensamentos, sentimentos e hábitos (comportamentos e atitudes de desviação), e outra coisa distinta era tratar os instintos fracos e modificar as disposições e tendências pessoais (inatas, patológicas). Ou seja, a transformação biológica e moral, das menores vítimas das leis de geração requeria a intervenção conjunta do médico e do pedagogo/educador, enquanto a regeneração ou renovação moral dos menores vitimas das leis de imitação era trabalho exclusivo dos pedagogos ou educadores (sociais).

Nessas narrações etnográficas, explica o Padre ‘Paladino’ da proteção de menores, que havia cinco estações da ‘via infamante’ percorrida pelos menores na sua trajetória, desde a transformação de inocentes em delinquentes, por vezes de forma acidental ou ocasional, mas cujo trilho do delinquir era constituído, antes da LPI de 1911: pela detenção policial para o calabouço da polícia com a colocação de um capuz na cabeça e de um traje; do calabouço ao ‘Juízo’ em tribunal (penal); a mescla proveniente da enxovia da cadeia/prisão ou cárcere entre os vários tipos de criminosos e delinquentes e idades; pelo espetáculo público do julgamento ou da condena que incentivava a conduta ou traumatizava o menor; e pela medida fixa do Código Penal ao atribuir a pena pelo delito/infração cometida (COSTA, 1949, p. 17-25). Perante o cenário delinquência infantojuvenil o Pe. Oliveira (1923d, e, f) quis reformar e introduzir medidas tutelares de proteção e prevenção, na base de uma intervenção socioeducativa para colmatar essa via infamante por onde passavam muitos dos menores.

Efetivamente, no campo da pedagogia da delinquência, da inadaptação e desviação social infantil e juvenil, foram surgindo medidas legislativas, socioeducativas e médico-pedagógicas, programas sociais e educativos e estabelecimentos de internamento ou observação (Tutorias, Refúgios, escolas de reforma, reformatórios, casas agrícolas correcionais) ao longo da República. Reconhecemos alguma capacidade limitada de penetração na ação social e educativa por parte da comunidade científica da época na elaboração dessas ideias ou por dificuldades económicas e financeiras na execução das medidas jurídicas e tutelares nas instituições e dispositivos de proteção (ALVIM, 1961).

O objetivo fulcral da reeducação sobre a delinquência era o de habituar os menores à ordem disciplinar, ao trabalho (oficinal, agrícola) e aos princípios da moralidade, e da formação para a cidadania. Ou seja, pretendia educá-los para terem uma conduta cívica e social honrada e ativa: “(…) não receio afirmar que tanto a pena como o trabalho vão ser das substâncias mais ricas da futura farmacopeia criminológica. E o trabalho sobretudo nos casos dos menores, visto que a sua função é mais formar do que reformar” (OLIVEIRA, 1923c, p. 11). Para haver eficácia nesse processo reeducativo e regenerador havia que conhecer a personalidade do menor recluso, o seu diagnóstico, o género e o tipo de delinquência ou do delinquir, de modo a descobrir as possibilidades de regeneração e as aptidões para aprenderem um ofício em internamento. Essas ações terapêuticas e profiláticas sociais na regeneração do menor assentavam numa educação para “o trabalho como uma panaceia universal na obra da regeneração” (OLIVEIRA, 1923c, p. 12). O sentido de reeducar o menor pelo trabalho constituía o tónico e o motor dessa reconversão, unida ao estímulo e à motivação de sentirem a força de vontade e a (auto) confiança nas suas capacidades pessoais e sociais, para poderem adequadamente reinserirem-se na sociedade e serem úteis. Por isso, reconhecia que desenvolver nos internados o ‘senso executivo’ e o ‘senso económico’, era fundamental para a sua regeneração (OLIVEIRA, 1923c, p. 128). O padre pedagogo sugeria que não era só as leis (o poder) que regulavam o funcionamento dos diversos estabelecimentos de internamento era “(…) transformar-lhes, sobretudo, a sua atmosfera moral, e esta transformação só se poderá conseguir com um pessoal muito diferente do que em geral neles se encontra” (OLIVEIRA, LSJDCJ: 434). Este constituía um dos pontos essenciais nos internatos a existência de pessoal tecnicamente competente e formado humanamente para intervir e tratar com estes menores.

Não é por acaso que a Casa de Correção de Lisboa com as reformas sociais e estruturais efetuadas, sobretudo ao nível da instrução ou educação ministrada (trabalhos manuais, lição das coisas, educação musical/filarmónica, educação física, aprendizagem oficinal, atividades curriculares e desportivas, etc.), tendo no caso da ginástica pedagógica (método Ling) ganhado um prémio no Congresso Internacional de Educação Física em Paris 1913 (Figura 3).

Fonte: Museu em Caxias (Ministério da Justiça, 1958).

Figura nº3: Presença da Casa de Correção de Caxias no Congresso Internacional de Educação Física (Paris), em 1913, onde foi premiada. 

Pressupostos jurídico-sociais e pedagógicos na Lei de Proteção à Infância

Pe. Oliveira apreendeu e absorveu, de um dia para o outro, nas Casas de Detenção e Correção de Lisboa (masculina e feminina), onde era capelão e subdiretor, o essencial para elaborar o Código de Infância. Ele era, no dizer de Sousa Costa (1945, p. 36) uma jorna de amor que contagiava os que estavam sua volta e este jurista no “cargo de ajuda do pomareiro”. Com muito empenho o padre redige o Decreto de 27 de maio de 1911 da Lei de Proteção à Infância (LPI), aprovado no último Conselho de Ministros do Governo Provisório e publicada no Diário do Governo a 14 de junho. Este diploma no seu art.º 1.º cria as Tutorias Centrais de Infância e a Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças (art.º 112.º) e, ainda, os Refúgios anexos às Tutorias (art.º 108º), destinados a recolher temporariamente menores abandonados, desamparados, em perigo moral ou delinquentes. A criação destes Refúgios obedecia a características específicas e de composição, decretados nos art.ºs 132º ao 143º. No segundo parágrafo do Prólogo da Lei, a criança é reconhecida como “(…) a base das sociedades, a matéria prima com que hão de construir-se a cimentar-se alicerces, ergue-se a arquitetura desempanada duma nacionalidade nova, solidamente organizada.” (MARTINS, 2015, p. 102). Com vista a garantir a sua proteção e o seu pleno desenvolvimento, consignaram-se naquela Lei as situações em que a criança era considerada em perigo moral, sujeita à necessidade de uma medida que a proteja (art.º 26º). Desta forma, o Estado assumia a responsabilidade em acolher e tutelar as situações dos menores ao nível da educação, formação e desenvolvimento social, inibindo o poder paternal ou tutelar, sempre que se verificasse situações de negligência, maus exemplos, crueldade, desprezo ou maus tratos, fracas condições económicas, a menores de dezasseis anos, que pudessem pôr em causa a saúde, segurança ou moralidade do menor (várias formas de inibição do poder paternal ou tutelar - art.º s 17º ao 25º). Estes menores ficavam sujeitos à aplicação de medidas jurídicas, com possibilidade, em casos excecionais, de serem aplicadas até perfazerem 18 anos. Estas medidas não tinham um definido limite temporal.

Na verdade, a LPI, não só foi um documento inovador para a época, como apresenta uma visão clara da diferença entre criança e adulto, considerando que ambos devem ter tratamentos judiciais distintos. Portugal é assim dos primeiros países a introduzir no seu sistema de proteção judiciária, o objetivo protetor e pedagógico. Os menores de idade inferior a 16 anos, com este diploma, tornaram-se penalmente inimputáveis e passaram a comparecer perante tribunais especiais, as Tutorias da Infância, segundo regras particulares de processo, aplicando-se-lhes medidas próprias, essencialmente distintas das que vigoravam para os adultos.

Efetivamente, na 1.ª República o internato passou a ser medida de proteção e reeducação de menores, mas com mais acuidade, visto que se começou a fazer a separação entre a ‘criança carenciada’ e a ‘criança desviante’ ou em desviação social, impondo-se a noção de que a ‘criança abandonada’ ou ‘pobre e marginalizada’ tinha necessidades socioeducativas diferentes da ‘criança delinquente’ e processos de intervenção reeducativa (MARTINS, 2015). Além disso, acentuaram-se os receios de desordem e de conflito social na época do nosso estudo. As questões levantadas no final do seculo XIX começam a ser pensadas e acauteladas no início do século XX. Surge um conjunto de diplomas legislativos, nacionais e internacionais, pensados especificamente para a proteção dos menores. A promulgação da Lei de Proteção à Infância de 1911 (LPI) indica as medidas reeducativas de proteção e de regeneração, cria as Tutorias da infância e a Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças e tem uma atenção especial para os menores em perigo de decadência ou de delinquir. Assim, a lei apresentava e definia-se nos seguintes grupos de menores (POIARES, 2010, p. 19-25):

  • - menores em perigo moral. Eram aquelas crianças/jovens sem domicílio certo ou viviam com as famílias que, por várias razões, eram incapazes de assegurar o seu sustento e educação.

  • - menores em perigo moral - abandonados. Foram abandonados pelos pais/família ou tutores devido à emigração, à detenção prisional ou fugiram de casa para lugar conhecido ou desconhecido e, por isso essas crianças não tinham quem cuidasse deles.

  • - menores em perigo moral - pobres. Eram aquelas crianças, cujas famílias não tinham meios financeiros/económicos para os sustentar. As famílias tinham que dar autorização para que os seus filhos ou pupilos fossem institucionalizados, a não ser que padecessem de tuberculose, pois nesse caso, seriam forçosamente internados.

  • - menores em perigo moral - maltratados. Tratava-se de crianças que foram sinalizados por alguém, por alguma autoridade, instituição ou por si mesmo, devido a maus tratos por parte de um familiar/tutor. O processo iniciava-se com um exame médico (antropométrico) e com depoimentos escritos sobre esse ambiente, podendo dar origem a inibição do poder paternal.

  • - menores desamparados: ociosos, vadios, mendigos ou libertinos, quando sozinhos ou acompanhados por outros criminosos, viviam em estado habitual de ociosidade, vadiagem, mendicidade ou libertinagem.

Aquele diploma previu a reconfiguração das práticas de assistência e proteção da infância em risco, visando a construção de um futuro providente para a mesma (MARTINS, 2015). O Pe. Oliveira, como distinto pedagogo da delinquência infantojuvenil, considerava que os menores delinquentes eram ‘pessoas’ educáveis e corrigíveis, para as quais a “intimidação exercida pelas penas era mínima, sendo máximas as probabilidades de correção e reeducação pelo amor, trabalho (aprendizagem de um ofício), educação moral adequada e pelo exercício da liberdade responsável no internato” (POIARES, 2010, p. 97). Defendia aquele pedagogo do social que se deveria cuidar dos menores, dando-lhes assistência e educação, no sentido da sua correção, ou seja, “proteger as crianças é defender simultaneamente a família e a sociedade”, uma vez que a “criança é o adulto em formação” (OLIVEIRA, 1923a, p. 2-3).

O Estado português teve em consideração a experiência e as ideias sociopedagógicas do Pe. Oliveira, para implementar um conjunto de princípios que regulassem a atuação das instituições de internato. Assim, planeou-se uma atuação baseada em princípios disciplinares reguladores para acolher/atender os menores, buscando confluir as ações medidas de índole médica, pedagógica e jurídico-social. Aquele padre pedagogo contribuiu para que os reformadores sociais portugueses criassem dispositivos e instrumentos que regulasse a proteção da infância. De facto, aquele diploma - LPI de 1911, rompe com o regime dos Códigos Penais do século XIX, segundo os quais, as crianças eram punidas nos mesmos moldes que os adultos, sempre que tivessem atuado com discernimento, criando na intenção dos menores de idade inferior aos 16 anos um sistema de intervenção inovador e com traços característicos, como nos resume Beleza dos Santos (1926: 54-70):

o caráter inovador da LPI manifesta-se não só face à nossa tradição jurídica, mas também perante a situação que se vivia na Europa. Portugal foi o primeiro país europeu a criar legalmente tribunais específicos para apreciar as causas dos menores, embora à data da publicação da LPI esses tribunais já funcionassem, numa base de facto, em algumas cidades estrangeiras. O nosso regime pode considerar-se mais 'generoso' do que a maioria dos sistemas europeus, nos quais se admitia a possibilidade de prisão a partir de um limite etário inferior ao de 16 anos (BELEZA DOS SANTOS, 1926, p. 54).

Os menores passavam a cumprir as medidas que lhes eram aplicadas em estabelecimentos próprios, acabando com a promiscuidade que se verificava até à data, entre menores e adultos que cumpriam as suas penas nas prisões de direito comum. A LPI inicia o direito tutelar de menores tendo por base dar início a várias medidas jurídicas que contribuíssem para modificar o direito sobre os menores e o modo de ver e organizar as instituições especiais de correção ou reeducação. Lutava-se por uma educação preventiva na promoção da higiene, da profilaxia social, no envolvimento social e nas estratégias de reeducação. Com esse propósito as Casas de Detenção e Correção passaram a designar-se Escolas de Reforma. O Estado devia assumir uma responsabilidade (tutela) sobre as crianças ao nível educativo, formativo e desenvolvimento social. Essa responsabilidade deveria ser incutida aos progenitores, já que só “na prática das leis sociais que formam atividades positivas, se poderá construir uma sociedade que à salubridade dos costumes reúna as ansiedades fecundas do saber e do trabalho” (Preâmbulo, da LPI) (MARTINS, 2015, p. 103). O art.º 2º designa por Tutoria de Infância “(…) um tribunal coletivo especial, essencialmente de equidade, que se destina a guardar, defender e proteger os menores em perigo moral, desamparados ou delinquentes, sob a divisa ‘educação e trabalho’. Cabia àquele tribunal julgar todos os processos, civis e criminais, relativos aos menores em perigo moral, menores desamparados e menores delinquentes (art. 10º). A prevenção, a tutela e a individualização irão ser os princípios subjacentes ao direito de menores, enunciados, no seu art.º 1ºda LPI, como objetivo primordial: “(…) prevenir os males sociais que podem produzir a perversão ou o crime entre os menores de dezasseis anos completos ou comprometer a sua vida e saúde e de curar os efeitos desses males”. (MARTINS, 2015, p. 104-106)

Em relação, à Federação Nacional dos Amigos e Defensores da Criança (art.º 1.º e 112.º), organismo jurídico constituído por várias instituições oficiais e privadas, ela visava, não só a prevenção e a divulgação dos interesses das crianças, e como auxiliar da Tutoria, na execução dos acórdãos relativos aos menores. A sua missão tutelar era o de regenerar (pedagogia terapêutica) os menores ‘em perigo moral’, nessas instituições de assistência ou instituições da Federação para, posteriormente, seriam encaminhados para casas de famílias adotivas ou para estabelecimentos de educação de caráter preventivo ou inseridos na sociedade.

Pe. Oliveira (1918, 1923a, b, c, d), considerava que os menores delinquentes eram 'pessoas' educáveis e corrigíveis, para os quais a intimidação geral exercida pelas penas era mínima, sendo máximas as probabilidades de correção e de reeducação pelo amor, pelo trabalho (aprendizagem de um ofício), por uma educação moral adequada e pelo exercício da liberdade responsável no internato. Mas também considerava que havia outros menores ‘incorrigíveis’ que eram de difícil correção e reeducação, necessitando de um ambiente adequado (rural).

Os princípios fundamentais, que norteiam este diploma tutelar de menores, em termos jurídico-legais, jurídico-sociais e de pedagogia social (correcional), podem resumir-se nos seguintes aspetos:

  • a.)-Regime de intervenção judiciário como sistema preventivo. Pretendia-se evitar que os menores enveredassem pela via da delinquência. A Tutoria da Infância agia sem aguardar que a criança cometesse um crime, já atuava sempre que o comportamento dela demostrasse estar 'pervertida' ou 'corrompida' (expressões usadas no Preâmbulo e nos art.º s 1º, 61º, 63º, 65º, 76.º e 77º, da LPI. Equiparavam-se aos delinquentes, com medidas preventivas análogas, os menores denominados: desamparados “(...) em estado habitual de ociosidade, vadiagem, mendicidade ou libertinagem” (art.º 58º); indisciplinados, os chamados incorrigíveis pelos pais, tutores ou estabelecimentos de assistência onde estavam internados (art.º 59). O caráter preventivo da intervenção era amplo ao considerar-se que a tutoria devia atuar pelo simples facto do menor viver num meio familiar ou social que não oferecesse condições educativas imorais, o que implicava a sua exposição ao perigo de cair no crime (MARTINS, 2015). Era o caso dos menores ditos 'em perigo moral', abandonados, maltratados ou pobres.

  • b.)- Finalidade assistencial e 'curativa' (pedagogia curativa e/ou terapêutica) aos menores 'em perigo moral'. A intervenção da tutoria tinha um caráter de proteção, principalmente no tocante à sua colocação numa família idónea ou numa instituição de assistência. Esta medida jurídica familiar da criança, aplicava-se pela inibição do poder paternal (art.º 17.ºss). Em relação aos menores 'indisciplinados', 'desamparados' ou mesmo os 'delinquentes', a ação da Tutoria era curativa e não punitiva (exclusão de penas criminais aos menores de idade inferior aos 16 anos) (CASTRO, 1912). Exclusivamente previa-se a aplicação de medidas destinadas à correção e melhoramento do menor. Estas medidas consistiam, à semelhança das aplicadas aos menores 'em perigo moral', em colocá-los em famílias idóneas ou em instituições assistenciais e educativas (CORRÊA, 1915). Outras medidas a aplicar, podiam ser as sanções pecuniárias aos pais, colocar o menor em liberdade vigiada sob a vigilância do delegado judicial e, ainda, o internamento em estabelecimentos (Escolas Centrais de Reforma e para os mais graves as Escolas Agrícolas de Correção em povoações rurais).

  • c.)- Individualização das decisões jurídicas adotadas. As medidas correcionais eram orientadas, essencialmente, ao estado pessoal e às carências sociais e educativas do menor. A Tutoria julgava sempre no interesse do menor (art.º 2º), tendo em conta a idade, a instrução, a saúde, a profissão, o abandono ou a perversão, etc., fatores que no caso dos 'delinquentes' se acrescentavam à natureza do crime, às circunstâncias (agravantes e atenuantes), à situação social, moral e económica dos pais ou dos tutores do menor. Esta individualização das decisões e o cunho educativo das medidas, eram de duração indeterminada ou fixada pela Tutoria (art.º s 61º a 63º e 65º). Havia a possibilidade de alterar essas medidas, dentro de certos limites, mas sempre que a conduta do menor o justificasse (art.º s 86º, 87º e 89º).

  • d.)- Reformulação dos órgãos judiciários a quem era confiada a aplicação de medidas às categorias de menores mencionadas na LPI. Este normativo criou as Tutorias da Infância (Centrais e Comarcãs) como tribunais coletivos, compostos por um 'juiz' de carreira (presidente) e por dois 'juízes adjuntos' (médico e professor). LPI expressa e reflete um conhecimento científico - pedagógico e jurídico, profundo das leis de proteção de menores. Integra ideias e princípios consagrados no Congresso Internacional de Tribunais da Infância (setembro, de 1911) e as decisões do II Congresso Internacional de Proteção de Infância (Bruxelas em julho de 1921), de tal modo, que influenciou leis congéneres na Europa e Brasil.

A preocupação pela criança está bem clara naquele normativo jurídico. Pe. Oliveira (OLIVEIRA, 1923b, p. III e 1924b, p. 357-358) considera a criança portuguesa como a “crisálide do verdadeiro produtor manual”, mas a “Sociedade deve dar-lhe ensino do dever e do trabalho”. Só com o auxílio de novos métodos, programas e recursos didáticos se regenerava e educava a criança, despertando-lhe as suas aptidões e capacidades, de modo a por em prática as suas faculdades e, além disso incorporava os princípios normativos das modernas pesquisas cientificas (OLIVEIRA, 1923b, p. LX).

É óbvio que a LPI possui nos seus princípios uma forte ideologização (republicana, positivista) e moralização (educativa), presente nos próprios termos do diploma (ideais de ‘Pátria - Família - Trabalho’ e Reeducação, adjetivação de situações de maus-tratos, de regeneração da sociedade, a partir da família e da criança) (OLIVEIRA, 1918). É óbvio que o contexto republicano se expressava na prioridade de atender educativa, assistencial e higienicamente (eugenismo) a criança, devido ao perigo social, que a sua negligência, vagabundagem, marginalidade, mendicidade e delinquência supunha publicamente. Assim, privilegia-se a escolarização, a disciplina, a aprendizagem de um ofício/trabalho e uma adequada educação moral (BELEZA DOS SANTOS, 1926). Nela se veicula um direito preventivo e tutelar, subjetivo que dá atenção especial às dificuldades sociais e de conflito social de muitas crianças/jovens (RAMOS, 1947).

A taxonomia caraterizadora dos tipos dos menores delinquentes e criminosos

A classificação de menores delinquentes ou criminosos, realizada pelo Pe. Oliveira, fruto da sua experiência como pedagogo/educador social, não se inspira em nenhum dos afamados criminólogos, estudiosos do crime ou do delito da época mesmo que, em alguns dos seus escritos, refira classificações de criminosos, por exemplo, dos antropólogos criminólogos, Quintiliano Saldanha, José Ingenieros e Francisco Veyga. Saldanha classifica, na linha correcionalista, os criminosos em criminoso ocasional, com intervenção na base da intimidação em asilos e refúgios, o criminoso habitual tratado com medidas de correção (casas de correção e reformatórios), e criminoso incorrigível tratado por ‘inoculação’ (colónias agrícolas correcionais) (OLIVEIIRA, 1923d, p. 187-189; 1923e, p. 343-374). O segundo, J. Ingenieros, responsável do Instituto de Criminologia da Argentina, classifica os criminosos nas suas psicopatologias (congénitas, adquiridas e transitórias) em: anomalias morais; anomalias intelectuais e tipos combinados (afetivos intelectuais e impulsivos, intelectuais volitivos, afetivos impulsivos intelectuais (OLIVEIIRA, 1923b, p. 357-359 e 446-448; 1923d, p. 337-338). F. Veyga, professor na Universidade de Buenos Aires, caracteriza e analisa psicologicamente o ‘lunfardo’ (= aquele que pilha, sendo idêntico ao ‘chacal’ da escória portuguesa) nas suas diversas manifestações criminosas (OLIVEIIRA, 1923d, p. 445-455).

Pe. Oliveira elabora a sua classificação de menores delinquentes e criminosos, na base da linguagem semântica utilizada nessa subcultura de delinquência na época, caracterizando-os nos seus comportamentos (psicologia social) e ações delitivas e até exemplificando com apelidos/apodos de menores da Casa de Correção de Lisboa. Todas essas designações e caraterizações estabelecidas eram fruto da observação (participante e natural) e da análise conduta delitiva e infratora feita por ele ao nível institucional. Eis a sua tipologia taxonómica:

(A)- Os ‘súcias’ (menores raquíticos morais) integravam ‘boémia’ (aparência de rico e de maneiras elegantes - boémios) e a ‘escória’ (súcias pobres que agiam por imitação, espontaneidade e pensavam pouco nas coisas, como o ‘Mega Galatea’ da Casa de Correção (OLIVEIRA, 1923b, p. 443-445).

(B)- A ‘Escória’ era como um grupo social, constituída por três castas: a superior, pareciam tigres (tipos rijos e devoradores); a média pareciam ‘lobos’ (criminosos noturnos atuavam pela sombra da obscuridade); e a inferior identificada com ‘chacais’ (OLIVEIRA, 1923b, p. 464-467). Esta classe de ‘escória’ compunha-se de:

-‘rufias’ são menores tipos rijos/ferozes na ação e espontâneos e usavam navalhas, dividindo-se em ‘gangas’ (ladrões que agem como profissionais legítimos) e ‘viciosos’ (OLIVEIRA, 1923f, p. 66);

-‘profissionais’ do roubo (doidos com juízo, tipos rijos) que se dividiam em: ‘pilhas’ com figura de mendigos (exemplos: o ‘Lata’, ‘M.ª Alcântara’ prostituta); cardanholas’ com tendências para serem duros, violentos e reles, que agiam na cultura do ‘fado baixo’ ao frequentarem as tabernas e prostíbulos (exemplos: o ‘Arroz-doce’, ‘Chata’ prostituta, o ‘Galatea’), os quais se subdividiam em ‘mosqueiros’ eespadistas’; e os ‘punguistas’ janotas bem vestidos, com postura elegante, estéticos e ajanotados, que frequentavam cafés e restaurantes procurando ‘meninas de figurino’ (exemplos: o ‘Mega’ e a ‘Virgínia’ prostituta, o ’Lagarto’ e o ‘Ilhéu’), que se subdividiam em seinhista, vigarista e ‘tralheiro (OLIVEIRA, 1923e, p. 461-470).

A esta taxonomia de delinquência o Pe. Oliveira (1923e, p. 477) acrescentava a figura de ‘fadista’ que “se bamboleava, arrastava os pés, punha o clássico lenço ao pescoço, e, sobretudo, penteava a melena, de guisa a cair-lhe bem sobre a testa sem que o desfeasse!”, que sendo um fidalgo e/ou plebeu caracterizava-se por ser: amoroso e cruel, nobre e pulha, bondoso e faquista, honrado e ladrão, leal e cobarde, valente e poltrão, amigo e inimigo, ou seja, numa ambiguidade e contradição de atitudes comportamentais (OLIVEIRA, 1923f, p. 67-68). Dava, como exemplo para estes tipos de delinquente juvenil o ‘Cigarinho’ e a ‘Alcobia’, lamentando que esta “casta de criminosos, genuinamente alfacinha, não tivesse podido ser estudada à luz da moderna ciência criminológica, pois (…) havia de mostrar um tipo de criminoso muito interessante e especial pela junção em si dos mais antagónicos sentimentos e tendências” (OLIVEIRA, 1923e, p. 478).

No âmbito da profilaxia do crime, aquele padre pedagogo pensava combater os ‘auxiliares da delinquência’ de todas estas espécies de profissionais do roubo (gatunos, ladrões e ratoneiros), assim como, os ‘negociantes de roubos’ e os proxenetas (corretores, engajadoras), já que todos estes adultos (jovens) faziam degenerar crianças/adolescentes que incrementavam o surgimento da criminalidade juvenil (OLIVEIRA, 1923d, p. 306; 1923e, p. 475-476).

Nesta genealogia cartográfica do delinquente e criminoso da época, Pe. Oliveira (1918, p. 82-84; 1923c, p. 63; 1923f, p. 36-50 e 61-63) tipificou os menores delinquentes internados na Casa de Correção, nos princípios do séc. XX, como ‘doidos com juízo’ segundo ao delito e infração cometida em: punguistas’ (ladrões que não usam geralmente a violência) que integravam os ‘tralheiros’ (gatunos de correntes, relógios, alfinetes, etc.), ‘vigaristas’ (gatuno burlão), ’seinhista’ (gatuno de carteiras que age com rapidez e exatidão); os ‘cardanholas’ (ladrões que usavam a violência e agressão) subdivididos em ‘mosqueiros’ e ‘espadistas’; os ‘súcias’ (boémios e escória); os ‘unhacas’, os pategos e ‘alonços’; os carteiristas; os sovaqueiros, golpistas e vigaristas; os fadistas e ‘faquistas’; os da ‘tríbade feminina’ (sedutora, reles, libertina e sem escrúpulos, por exemplo: ‘Palmira’); pederastas e ‘souteneurs’; ‘fraldiqueira’ (mulher do ‘fado baixo’, como por exemplo a Margarida, a ‘Chata’), a ‘mafarrica’ (pequena vadia prostituta, como a ‘Palmira’), a ‘ramalheira’ de prostíbulos, etc.

Para além desta identificação, com as suas respetivas alcunhas/apodos atribuídos a estas ‘castas’ de menores delinquentes/criminosos e marginalizados, que Pe. Oliveira inseria na ‘terra estranha’, com características e atitudes degradadas e com uma subcultura própria, refere, ainda, a sua linguagem vulgar utilizada como obscena e de calão, por exemplo, os termos de: magotes de maltrapilhos, estábulo de gado humano, ‘lábia’, ‘chiça’, ‘lixar à carunfa’, trabalhinho, encanadas, ‘manca em flagra’, ‘dar bomba’, pôr-se a ‘cavanir’, chinada, afiança, ‘camoeca de escachar’, etc. (OLIVEIRA, 1923b, p. 312-316; 1923d, p. 215-218; 1923f, p. 64-98). É significativo a seguinte frase proferida nessa subcultura delinquente, que expressa bem o domínio da linguagem grosseira: “Emília do F. fez um pau de cinco quilos na estala do Rossio, à chegada do estambre, miscando-se depois para a Tripa com o malandro do filho” (Emília do F. fez um roubo de cinco contos na estação do Rossio, à chegada do comboio, fugindo depois para o Porto) (OLIVEIRA, 1923e, p. 477)

Por conseguinte, Pe. Oliveira analisa e realiza uma etnografia do crime de menores delinquentes nos seus textos (elabora biogramas e/ou retalhos de vida/histórias de vida com algumas narrações sociopsicológicas), em especial refere: o ‘Galatea’, Margarida - a ‘Chat, a Palmira, o ‘Ganga’, o ‘Cigarinho’, o Manuel Chamiço - ‘O Terrível’, o Raul Gameiro - ‘Pé-Leve’, o ‘Chico da Malveira’, o ‘Caretas’, o ‘Ladrão Fino’, o ‘Espinhola’, 0 ‘Macaco Azul’, ‘Queixos de Rebeca’, ‘Chico da Alfama’, etc. etc. Todos elas provenientes de situações, condições e circunstâncias sociais, familiares, culturais e de miséria e pobreza do ambiente em que viviam. Igualmente aborda a prostituição infantojuvenil, descrevendo o papel do ‘proxeneta’, as características (flexão, extensão) das reclusas menores em reclusão (casas de correção, cadeias ou colónias correcionais), a forma do seu agir nessa vida de promiscuidade moral, o processo difícil de reeducar e regeneração moralmente pelo trabalho, a disciplina acatada com revolta, etc.

Ideias a reter do estudo

Pe. Oliveira foi um dos pedagogistas portugueses, que melhor representou o movimento de proteção e da regeneração moral à infância/juventude, em especial aquela em situação de risco, de dificuldades e conflitos sociais, assim como dos pressupostos de pedagogia reeducativa aos internados em estabelecimentos especiais de correção na época (pedagogia da delinquência e criminologia infantojuvenil). Foi um pedagogo social na ação e intervenção aos menores delinquentes e marginalizados. Na prática converteu-se num educador social pelo regulamento em 1902 inovador para a Casa de Correção de Lisboa como o programa reeducativo que propôs por seções/divisões nos estabelecimentos de reforma em 1911. Sabia que o indivíduo nada é fora da sociedade, por isso o fim da educação é socializá-lo, para depois inseri-lo como cidadão útil e ativo. Ora esta era a ação do educador social na regeneração e reinserção social dos jovens. Conseguiu unir as técnicas pedagógicas com as sociais na intervenção, constituindo as bases da ‘educação e trabalho’ a seguir para o controlo social. Estabelece, pois, uma interação social (perceção) com o menor, em situação de desviação.

Pe. Oliveira tem consciência que havia uma série de dificuldades nessa correção ou regeneração dos menores delinquentes, por exemplo (OLIVEIRA, 1918, 1923a, 1923f, 1924a): as diferenças de personalidade, os tipos e inclinações e os antecedentes causadores do seu estado de desviação, marginalização e infração; de como perdurar o efeito das ações educativas no internado para não poder recair posteriormente (evadir-se e/ou reincidência); de como a privação da liberdade, em internato, como medida de defesa social, não criava uma etiqueta e trauma de privação difícil de superar no processo de inserção social; o efeito da liberdade vigiada e da semiliberdade no processo de regeneração e reeducação; a elevada percentagem de menores com anormalidades psíquicas e/ou cognitivas (patologias) entre os menores internados nos estabelecimentos de correção; falta de meios e de pessoal qualificado para realizar as tarefas de reeducação; falta de financiamento adequado; etc.~

Foi mentor da LPI, que foi um normativo jurídico profundamente inovadora, que colocou Portugal entre os primeiros países da Europa a legislar uma área do direito até então descorada, instituindo-se como marco histórico, no que tange à História da Infância. A LPI, para além de estabelecer medidas educativas cria as Tutorias da infância e a Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças estabeleceu medidas educativas e de regeneração. Aquele diploma jurídico refere as várias disposições, indicando todas as variantes possíveis de perversão, tipo de correção dos menores, obrigações da tutela e também a estrutura de trabalho da Tutoria de Infância (processos). O Pe. Oliveira analisou as características, as personalidades e as capacidades dos menores internados nos estabelecimentos especiais, mas reconheceu que os objetivos da LPI não foram totalmente compreendidos pelo povo e pela sociedade portuguesa (daí a alteração daquela lei em 1919 e 1925), já que o Preâmbulo deste diploma jurídico, pouco ou nada dizia sobre os seus objetivos tutelares, além da sua redação estar imperfeita e algo deficiente em termos jurídicos. Ele próprio afirma depois que:

essa lei sofre, no entanto, de dois enormes defeitos: primeiro, ter sido publicada antes de haver sido criado o seu apostolado, quer dizer, antes de os seus altos objetivos terem penetrado no cérebro e no coração de todos os homens de boa vontade; segundo, não ter sido devidamente revista e coordenada por um jurisconsulto competente (OLIVEIRA, 1923b, p. LXIII).

Admitia ter sido um borrão jurídico-social em contexto e conjeturas politicas da República:

mesmo em borrão, foi uma grande honra para o país, visto com essa lei se mostrar que foi Portugal a primeira nação do mundo, pelo menos que eu saiba, que estabeleceu a Tutoria da Infância com uma missão puramente preventiva e de proteção, além da função corretiva dos primeiros tribunais de crianças (OLIVEIRA, 1923b, p. LXIII).

Na verdade, em 1912 publica-se um diploma regulador da vadiagem no País. Pe. Oliveira reúne um conjunto de elementos, fruto da sua experiência, que o capacitam a participar em comissões de serviço na organização e criação de instituições e, principalmente, a comunicar à opinião pública nos jornais e em livros, explicando á nação a finalidade da obra tutelar de proteção à infância. Naquele mesmo ano propõe a instalação da ‘Secção Preparatória’, em Benfica, do 1.º Grau de menores, idos de Caxias. Nesta secção fundou-se um jornal, tipo gazeta, «O Principiante» (não existem exemplares) que era realizado pelos alunos ao copiógrafo, e depois, impresso, num prelo que pertencera aos jesuítas do Quelhas. Aquela Seção transferiu-se definitivamente para Caxias, em 1921. Em 1919, pelo Decreto-Lei n.º 5611, de 10 de maio, é criada a Inspeção-geral dos Serviços de Proteção a Menores, de que foi primeiro inspetor o Pe. Oliveira. Devido ao estado doentio e às funções de inspetor-geral, é nomeado em 1920 o Dr. António Ilídio Teixeira de Vasconcelos para superintendente da Escola Central de Reforma de Caxias.

Por conseguinte, a nossa abordagem à pedagogia da delinquência infantojuvenil no princípio do séc. XX tem na figura do Pe. Oliveira uma referência pois ele foi um grande pedagogo social, mas esquecido na História da Educação Social em Portugal. Ele realizou uma obra educativa de grande visão sociopedagógica, uma proposta de reeducação dos menores delinquentes institucionalizados, legando-nos uma “cartilha” de moral que tem por título o mandamento básico da sua doutrina educativa: “Deixemos os pais, cuidemos dos filhos” (OLIVEIRA, 1923B). Ou seja, pretendia “salvar a criança para salvar a raça” (oliveira, 1923a), exigindo a adoção de uma moral doméstica, premeditada e consciente, no internato e na escola uma educação completa mais técnica e profissional, estimulante e refundida sobre bases pedagógicas mais modernas (métodos ativo).

Referências

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Recebido: 23 de Agosto de 2022; Aceito: 08 de Novembro de 2022

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