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Cadernos de História da Educação

On-line version ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub Aug 07, 2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-209 

Artigos

Imprensa e Educação: a tradição conservadora Católica no Jornal Folha do Norte do Paraná (1962-1979)

Prensa y Educación: la tradición católica conservadora en el periódico Folha Norte do Paraná (1962-1979)

Fabricia de Cassia Grou de Paula1 
http://orcid.org/0000-0002-8348-0470; lattes: 2204040490009488

Marco Antônio de Oliveira Gomes2 
http://orcid.org/0000-0002-2397-5615; lattes: 0581840246394811

1Universidade Estadual de Maringá (Brasil). fabigrou@hotmail.com

2Universidade Estadual de Maringá (Brasil). marco1964.ma@gmail.com


Resumo

Este artigo é resultado de um estudo sobre a imprensa católica em Maringá, efetuado por meio dos artigos publicados pelo jornal Folha do Norte do Paraná entre 1962 e 1979. O objetivo é compreender a contribuição desse jornal para a difusão do ideário conservador na região. Nos artigos publicados, alguns de autoria de Dom Jaime, na época bispo de Maringá, a preservação dos hábitos e das tradições católicas é entendida como um dever dos fiéis para a consagração da vontade de Deus. Tratou-se de uma estratégia educativa da Igreja Católica com vistas à difusão da fé e à ampliação de seu espaço de atuação na sociedade maringaense e seu entorno. Como resultado, a pesquisa sugere que os intelectuais orgânicos, no caso Dom Jaime, tiveram um papel importante na formação educativa de parte dos habitantes da cidade e cercanias. O percurso da pesquisa inscreve-se no campo da história da educação e problematiza as ações da hierarquia católica para consolidar a presença do ideário conservador e contrapor-se aos adversários, tanto políticos quanto outros sujeitos considerados inimigos da Igreja.

Palavras-chave: Igreja Católica; Maringá; Dom Jaime Luiz Coelho

Resumen

Este artículo es el resultado de un estudio sobre la prensa católica en Maringá a través de artículos publicados por el periódico Folha do Norte do Paraná entre 1962 y 1979. El objetivo es comprender la contribución de este periódico a la difusión de ideias conservadoras en la región. En los artículos publicados (algunos de Dom Jaime - bispo de Maringá en la época) se entiende la preservación de los hábitos y tradiciones católicos como un deber de los fieles para la consagración de la voluntad de Dios. Fue una estrategia educativa de la Iglesia Católica con el propósito de difundir la fe y ampliar su espacio de acción en la sociedad maringaense y sus alrededores. Como resultado, la investigación sugiere que los intelectuales orgánicos, en el caso de Dom Jaime, tuvieron un papel importante en la formación educativa de parte de los habitantes de la ciudad y alrededores. El rumbo de la pesquisa se escribe en el campo de la historia de la educación y cuestiona las acciones de la jerarquía católica para consolidar la presencia de las ideas conservadores y oponerse a los adversarios, tanto políticos como otros, considerados enemigos de la Iglesia.

Palabras clave: Iglesia Católica; Maringá; Dom Jaime Luiz Coelho

Abstract

This article is the result of a study of the Catholic press in Maringá based on articles published by the newspaper “Folha do Norte do Paraná” between 1962 and 1979. The objective is to understand the influence of this newspaper on the dissemination of conservative ideology in Maringá city. In the published articles, some signed by Dom Jaime, who was the bishop of Maringá, the preservation of Catholic habits and traditions is understood as a duty of the worshippersto consecrate the will of God. It was an educational strategy of the Catholic Church with the objective of spreading the faith and expanding its space of activity in Maringá society and around. As a result, the research suggests that organic intellectuals from Maringá, followers of Dom Jaime's ideas, played an important role in educating a portion of the population of the city and surrounding areas. The research path is part of the field of the history of education and discusses the actions of the Catholic hierarchy to consolidate the presence of the conservative ideology and to oppose opponents, both political and other individuals considered enemies of the Church.

Keywords: Catholic Church; Maringá; Dom Jaime Luiz Coelho

Introdução

A Igreja Católica, sob inspiração da Contra Reforma, foi parte constituinte do processo de colonização do Brasil por Portugal. Preocupados em impedir a difusão do protestantismo nas terras colonizadas, zelar pela preservação dos valores religiosos entre os colonos e difundir a fé entre os nativos, os padres católicos das diferentes ordens forneceram, aos elementos da classe dominante, as instâncias de legitimação da ordem colonial escravocrata.

Nem mesmo o ideário iluminista, presente no território europeu, as mudanças promovidas com a chegada da Família Real portuguesa em 1808 ou o processo de independência do Brasil foram capazes de alterar significativamente o quadro herdado do passado colonial. Em síntese, a Igreja participou efetivamente, por meio de alianças com o Estado e com as classes dominantes, como instituição fiadora da ordem social.

Entretanto, a Proclamação da República, em 1889, trouxe a laicização do Estado. Determinada pelo processo de secularização dos estados europeus, bem como pela separação entre Estado e Igreja no Brasil, com a primeira Constituição da República, em 1891, a Igreja Católica se organizou para reivindicar a ampliação do seu espaço na sociedade brasileira. Nesse interim, posicionou-se contra o que considerava uma ameaça aos valores cristãos e às tradições católicas, o que fez com que o clero estimulasse a organização dos fiéis como forma de interpelar as autoridades na defesa de seus interesses. Não se tratava, portanto, de uma ação inocente do clero e dos intelectuais católicos, mas da expressão dos interesses de classe, da qual a Igreja era parte indissolúvel.

Acrescente-se que a participação do clero e do laicato católico não se restringiu ao início do período republicano. Isso porque, ao longo do referido século, a Igreja participou efetivamente, por meio de alianças com o Estado, como instituição fiadora da ordem social. Entre as inúmeras iniciativas, encontra-se a imprensa, que se consolidou nos anos iniciais do século XX, como parte de uma estratégia ampla de difusão dos valores caros ao clero. Tratava-se de difundir e de defender formas de pensar e de agir condizentes com a defesa da fé. Em outras palavras, a imprensa periódica católica objetivava intervir de forma ativa no dia a dia das famílias por meio de orientações pastorais.

Isto posto, para o pesquisador em História da Educação, a imprensa constitui uma fonte importante, na medida em que retrata os posicionamentos e os compromissos de classe que se materializam em suas páginas. Dessa forma, é possível compreender as contradições, os conflitos e as disputas locais, que não podem ser desconectadas da totalidade em que estão inseridas. Nestes termos, o periódico Folha do Norte do Paraná destacava, em suas páginas, os projetos em disputa que se faziam presentes na sociedade maringaense.

D. Jaime Luiz Coelho, bispo de Maringá, marcou presença constante nas páginas da imprensa local. Homem de sólida formação intelectual, defendeu a difusão da fé católica, e era contra as transformações que marcavam a modernidade. Dessa forma, sua conduta era respeitada e obedecida pela comunidade local, sendo que sua forma de agir e o estilo de vestir-se representavam o caráter conservador e educativo da igreja católica. Sua atuação mobilizou ações e contribuiu para dar forma a um modelo de comportamento alinhado aos interesses hegemônicos presentes na Igreja da época.

Em 1962, o bispo fundou o jornal Folha do Norte do Paraná, que trazia informações relacionadas aos diversos problemas sociais e políticos do contexto histórico da época, de Maringá e do mundo. Os artigos de tal periódico propagavam o discurso ideológico com viés voltado à moral e à educação de um “bom cristão”, que deveria respeitar os valores propagados pela igreja.

Ora, no âmbito da sociedade dividida em interesses antagônicos, a classe que detém os meios de produção material também exerce hegemonia sobre a produção das formas de compreensão do mundo. Fato é que Dom Jaime, assim como qualquer outro individuo, para além dos interesses individuais, não pode ser desvinculado dos interesses de classes. Isso porque a preocupação em relação aos grandes temas que atravessavam a sociedade e, entre eles, a modernidade e o comunismo, representam uma forma de controle social. Nessa perspectiva, à imprensa contribuiu para a consolidação do pensamento político educacional voltado para os interesses da classe dominante presente na sociedade maringaense.

Por fim, as análises buscam estabelecer os aspectos históricos da ação da Igreja em relação à modernidade a partir de três aspectos: a reação católica diante do mundo moderno, marcado pelo aprofundamento da laicização da cultura; a presença do movimento ultramontano no Brasil e a cisão entre Igreja e Estado; e a imprensa como espaço estratégico de defesa da doutrina católica.

1. A reação católica diante do mundo moderno

Ao longo do século XIX, fundamentalmente a partir do pontificado de Pio IX (1846-1878) e de Leão XIII (1878-1903), a Igreja Católica compreendeu a importância de divulgar seus valores e suas posições doutrinárias pela imprensa, com o propósito de combater os “inimigos” da fé: o liberalismo e o socialismo. É bem verdade que o avanço da modernidade nos séculos anteriores trouxe inúmeros problemas para a hegemonia católica, mas o processo de laicização dos estados europeus e a secularização do ensino geravam inúmeros temores na intelectualidade católica.

O cenário geral do século XIX expressou o resultado dos diferentes movimentos que ascenderam a partir do século XVI. Nesse sentido, a Reforma Protestante, o nascimento das ciências modernas, o Iluminismo, a crença na razão, a Revolução Francesa e seus desdobramentos para a sociedade europeia se colocaram como obstáculos à autoridade da Igreja Católica. Como reação a esse movimento, a hierarquia eclesiástica buscou defender-se com todas as armas disponíveis: a reafirmação da soberania absoluta do papa constituiu-se em mais um elemento de defesa das tradições e dos valores do catolicismo.

Em oposição ao mundo moderno, o movimento conhecido como ultramontano buscou ampliar espaços católicos em um mundo secularizado. Segundo Gomes (2018), a Igreja procurava novas estratégias, por meio da romanização ou europeização do catolicismo, pois estava perdendo espaço, devido ao surgimento de outras instituições religiosas. Nesse cenário, o Vaticano percebeu que havia a necessidade de reconquistar os espaços perdidos, e utilizou-se de mecanismos para combater seus adversários.

Não por acaso, no período oitocentista em questão, o Vaticano buscou reorganizar-se internamente, com vistas a manter a infalibilidade Papal, privilegiando, assim, a manutenção da autoridade da hierarquia. Dessa forma, a nova orientação política e teológica da Igreja centralizou as decisões na matéria doutrinal, com vistas a impedir que as ideias modernas penetrassem no interior da instituição.

Entre os elementos que contribuíram para a constituição do pensamento ultramontano, pode-se elencar o conservadorismo, presente em diferentes manifestações ao longo do século XIX; o receio de perder espaços cada vez maiores diante do avanço do liberalismo e, principalmente, dos movimentos revolucionários; a necessidade de adaptar-se ao novo cenário, como forma de combater o espírito da modernidade; e a convicção de encontrar a Revelação e no passado católico a solução para os problemas do mundo moderno.

2. O movimento ultramontano e sua presença em terras brasileiras

A história do Brasil não pode ser compreendida sem a presença da Igreja Católica desde a chegada dos portugueses, pois os colonizadores que buscaram comércio e riquezas nas terras invadidas e conquistadas trouxeram em suas embarcações os representantes da hierarquia católica. Desde então, a Igreja se fez presente no processo de colonização.

Vale destacar que as relações entre Estado e Igreja no Brasil foram materializadas pelo regime de padroado que consistiu na designação do conjunto de prerrogativas concedidas pelo Papa aos reis da Espanha e de Portugal. Tratava-se de um instrumento que permitia o domínio da Coroa sobre os negócios religiosos, fundamentalmente no âmbito dos aspectos financeiros, jurídicos e administrativos.

Trata-se, também, da designação do conjunto de privilégios concedidos pela Santa Sé aos reis de Portugal e da Espanha. Tais privilégios também foram estendidos aos imperadores do Brasil. Era um instrumento jurídico tipicamente medieval, que possibilitava um domínio direto da Coroa nos negócios religiosos, especialmente nos aspectos administrativos, jurídicos e financeiros, conforme mencionado anteriormente. Como desdobramento de tais prerrogativas concedidas ao Estado, religiosos, padres e bispos tornaram-se funcionários da Coroa no Brasil colonial. Não por acaso, coube ao Estado português a tarefa de proteger a Igreja que, por sua vez, contribuiu para a tarefa colonizadora e de legitimação da ordem.

Nem mesmo a independência removeu o arcabouço jurídico do padroado, que foi transferido para o monarca do império do Brasil. Entretanto, as transformações ocorridas ao longo do século XIX se fizeram sentir nas relações entre Igreja e Estado. Como afirmado acima, a Igreja romana orientou-se de forma mais incisiva na centralização, em defesa da fé católica contra o mundo moderno. Assim, como decorrência da afirmação da autoridade papal e da igreja, bispos e padres vivenciaram a transição do modelo colonial presente em nossas terras para um catolicismo de caráter mais universal, caracterizado pela maior rigidez doutrinária. Entre os membros da hierarquia católica que se destacaram no processo de defesa intransigente da doutrina católica, pode-se destacar Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878) e Dom Antônio de Macedo Costa (1861-1890).

É preciso mencionar que o processo de romanização da hierarquia ocorreu em paralelo com a crise do Império no Brasil e teve como ápice a separação entre Estado e Igreja com a promulgação da primeira Constituição Republicana de 1891. Nesse sentido, o fim do regime de padroado contribuiu para um vínculo mais expressivo entre a hierarquia católica com a cúria romana, fato que já estava em andamento desde as décadas anteriores.

Ainda que o Vaticano declaradamente avaliasse a separação legal entre Igreja e Estado como uma heresia, no Brasil a separação libertou a Igreja de uma relação de submissão aos interesses do Estado (MAINWARING, 1989). Desse modo, percebe-se que a característica do movimento ultramontano católico no Brasil não se fez pela defesa pelo retorno da união com o Estado.

O movimento de centralização da igreja durante o século XIX ficou conhecido como ultramontanismo, caracterizado por uma série de atitudes da Igreja Católica de reação a determinadas correntes teológicas, ao regalismo dos estados católicos, as tendências políticas desenvolvidas após a Revolução Francesa e a secularização da sociedade moderna (ANDRADE,2018, p. 81).

Em linhas gerais, os bispos brasileiros, formados nos últimos decênios do século XIX e no início do século XX, se posicionaram contrários ao pensamento liberal e aos seguimentos revolucionários do movimento operário, ao mesmo tempo em que reivindicavam a liberdade eclesial e os valores defendidos pela Igreja Católica.

A nova postura defendida pela hierarquia eclesiástica no Brasil levou parte significativa dos bispos a uma ação pastoral, com o propósito de inserir a moral religiosa cristã nas relações sociais. Dessa forma, padres e bispos, ao mesmo tempo em que passaram a usufruir de independência em relação ao Estado, passaram a organizar fieis na luta por construir novas formas de interferir no espaço público.

Um dos instrumentos utilizados pela hierarquia católica foi a imprensa. Assim, diferentes periódicos foram organizados com vistas à militância católica, que procurou atingir o maior número possível de fiéis. Além da imprensa, o Centro Dom Vital, fundado em 1922, tendo à frente Jackson de Figueiredo, exerceu grande papel na apologia da fé católica, se caracterizando pela forte oposição às experiências oriundas da Revolução Francesa.

Isto posto, o movimento ultramontano no Brasil, tal qual o europeu, buscou organizar-se com o propósito de construir e de preservar a ordem alicerçada nos valores católicos, na qual a Igreja ocuparia um papel importante.

3. Breves apontamentos sobre a imprensa católica.

A difusão da imprensa católica no Brasil não pode ser dissociada do cenário da segunda metade do século XIX, marcado pelas transformações que deram início ao processo de crise da monarquia.

a Imprensa, sobretudo os periódicos, foi o canal privilegiado, utilizado bem ou mal pela hierarquia e pelos católicos, para defender a fé e os costumes, para reivindicar direitos, para lutar contra os adversários e, em uma palavra, para informar e formar (LUSTOSA, 1983, p.8).

No cenário de questionamento dos valores caros à hierarquia católica, o episcopado realizou um trabalho organizado para a consolidação da imprensa que, a princípio, sofreu com a precariedade de recursos para o financiamento dos periódicos. Somente a partir de 1870, segundo Lustosa (1983), verifica-se o processo de consolidação da imprensa católica, associado às transformações econômicas, sociais e políticas, que rumou para uma progressiva organização e para a especialização ao longo do século XX.

Some-se a isso o fato de que o fim do regime monárquico, a laicização do Estado com o regime republicano e as questões sociais presentes no período foram elementos importantes para a tomada de posicionamento do clero, que foi refletido, também, na imprensa católica no que diz respeito à defesa dos “direitos” da Igreja.

A hierarquia eclesiástica brasileira posicionava-se como força legitimadora do poder, disciplinadora da sociedade e defensora do caráter nacional e do processo civilizatório. Tratava-se de afirmar a importância da Igreja por meio da cristianização social, apoiada nas alianças e nas colaborações com o Estado e as elites, a fim de pleitear o reconhecimento dos seus princípios. Entre as metas, estavam a legalização do ensino religioso nas escolas públicas, a moralização da gestão pública, a não legalização do divórcio e o combate ao comunismo e ao agnosticismo do regime republicano (MARIN, 2001, p. 152).

Segundo Silveira (2013), “a gênese da imprensa católica no Brasil esteve ligada ao pensamento conservador e à defesa da tradição” (SILVEIRA, 2013, p. 05). Tratava-se de ampliar a inserção política da presença e a participação da Igreja, visando pleitear seus valores e princípios.

Nesse contexto, a imprensa católica ocupou um espaço importante na disseminação das ideologias cristã - na esfera social e política - e dos interesses da instituição, ampliando progressivamente o número de periódicos. Buscava-se, dessa forma, mobilizar os católicos para os embates enfrentados pela Igreja, apresentada como grande interlocutora dos interesses gerais da sociedade.

Maringá, cuja fundação remonta a 1947, destacou-se, na história, por se tornar uma região estratégica na ocupação da região Norte do Paraná. No decênio posterior à sua fundação, o município já representava um ponto importante para os interesses eclesiásticos na região. Nesse cenário, a luta pela hegemonia passou pelos intelectuais da hierarquia católica.

Temos orgulho de afirmar que a ‘’Folha do Norte’’ acompanha o desenvolvimento da região. A cada dia sem modéstia falsa, estamos crescendo, melhorando a apresentação da nossa edição. [...]Tudo vai bem por aqui. A prefeitura está entregue a um homem de bem, que trabalhe assessorado por uma equipe dinâmica. Existe harmonia perfeita entre os poderes, há um ambiente de paz em todos os sentidos, criando um conjunto de motivos que influem, de fato, para que a cidade se consolide e se destaque em todos os setores [...] (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1966, p. 11).

Dessa forma, a participação da imprensa católica na região assumiu um caráter educativo e mobilizador da causa cristã. Essa percepção pode ser evidenciada a partir de uma série de textos publicados nos jornais, que abordaram desde as divergências entre protestantes e católicos, a presença e ação de missionários católicos pelo mundo ou, ainda, os problemas sociais e os embates políticos em âmbito regional ou nacional. Tratava-se de uma estratégia da Igreja e seus intelectuais, que buscavam interferir na constituição de uma visão cristã de mundo.

4. Apontamentos sobre o papel do clero e da imprensa na difusão da consciência católica em Maringá (1962-1979)

Diante das transformações do mundo contemporâneo, a imprensa ocupou um papel estratégico para a Igreja na defesa contra os movimentos ideológicos que se posicionaram contra os pontos capitais defendidos pela instituição. Inúmeros intelectuais, entre os quais Dom Jaime Luiz Coelho, constituíram-se como organizadores da vida prática, criando revistas e jornais, publicando artigos sobre os problemas da sociedade e influenciando na formação da comunidade em que estavam inseridos, buscando, assim, mobilizar os indivíduos em defesa do projeto católico.

Destacam-se, inicialmente, as ações do Bispo Dom Jaime Luiz Coelho, responsável pelo periódico Folha do Norte do Paraná, fundado em 1962.

A Diocese de Maringá era instalada canonicamente e tomava posse seu 1° e atual Bispo Dom Jaime Luiz Coelho, revivendo esses vintes anos passados, A Folha do Norte do Paraná quer levar aos seus milhares de leitores dados históricos desse crescimento espiritual na diocese de Maringá (FOLHA DO NORTE, 1977, s/p).

O conteúdo do jornal expressou a estratégia católica de difundir os valores cristãos por meio de seus leitores. Isso não significa que outros veículos não se dispusessem a veicular os valores defendidos pela Igreja Católica. Entretanto, diante das circunstâncias e da estratégia traçada pela hierarquia eclesiástica, era fundamental ter um veículo próprio que fosse capaz de atribuir novos conteúdos aos valores modernos, por meio de elementos veiculados aos elementos dos valores católicos.

No entanto, antes mesmo da criação da Folha do Norte do Paraná, em 26 de março de 1957, O Jornal de Maringá estampou a seguinte Manchete: “Verdadeira apoteose a recepção a Dom Jaime Luiz Coelho: Cerca de 30.000 pessoas aplaudiram a chegada do primeiro bispo de Maringá” (SALVATERRA, 2018, p. 23). Em suas páginas, foi publicada, na integra, sua Carta Pastoral, que enfatizava o dever do pastor que conduz o povo em união com a Igreja. “No seu coração a lugar para todos, pois para eles foi enviado” (O JORNAL DE MARINGÁ, 1957 s.p).

Nesse sentido, a presença do novo Bispo na cidade representava a convicção da presença de um pastor que conduziria o rebanho diante da instabilidade de uma região recém ocupada pela colonização. Diante das incertezas, a Igreja representaria um porto seguro para os fiéis. Conforme Dias, a Igreja Católica acreditava que:

[a] imprensa católica deveria contribuir com a restauração social efetivando as seguintes tarefas: divulgar a doutrina social da Igreja, informar sobre as atividades dos inimigos e sobre os meios de combate já experimentados nas diversas regiões, propor sugestões alertar contra os comunistas. (DIAS, 1993, p.109).

Dessa forma, inúmeras publicações católicas e, entre elas, a Folha do Norte do Paraná - devido a forma pela qual articulou os valores religiosos com o político - contribuiu não apenas com o processo de negação das propostas identificadas como perigosas para a manutenção da ordem social, mas, também, com o fortalecimento da ordem burguesa no Brasil.

Nesse sentido, não é demais recordar que a conjuntura histórica do final da década de 1950 e início dos anos 1960 expressou, no cenário mundial, um momento rico e de acirramento de lutas contra diferentes formas de opressão: a Revolução Cubana (1959), a Guerra do Vietnã (1955-1975), o crescimento do movimento estudantil, as mobilizações populares, a pílula anticoncepcional, as ditaduras em nações latino-americanas, o crescimento do movimento feminista e, fundamentalmente no Brasil, destaca-se também o Golpe Civil Militar de 1964.

Diante do aguçamento das contradições sociais, os intelectuais católicos identificavam no abandono das coisas de Deus o pior de todos os males da sociedade e, dessa forma, era preciso combater os princípios negadores dos valores cristãos. Por conseguinte, a Igreja invocava a tradição com vistas à convocação dos católicos para a luta em defesa da fé e da divulgação de sua doutrina entre os não leitores.

Na perspectiva de Faria (1998), o conservadorismo católico contribuiu para a manutenção da ordem hegemônica no Brasil. Isso porque os pressupostos da religião foram utilizados para acalmar os trabalhadores e mobilizá-los em torno da doutrina católica que negava a luta de classes. Assim, o surgimento dos primeiros movimentos sociais na região e a organização de sindicatos eram vistos pela instituição católica como inimigos a ser combatidos.

Havia um rapaz que via de longe um ‘tipo’ negro, mas que era muito ativo. Rapaz muito astuto, fazia facilmente muitos vários amigos. Ele começou a trabalhar com a organização das associações e dos sindicatos de orientação de esquerda. Logo, nós da igreja, os padres das paróquias; alguns observamos isso a tempo. Outros nem haviam se apercebido. Mas nós dentro da igreja, dois, três bispos da região norte, que percebíamos isso, pensamos que deveríamos fazer alguma coisa, em oposição a esse movimento (FOLHA DO NORTE, apud, DIAS; GONÇALVEZ 1999, p. 161).

Como fica evidenciado, a atuação dos intelectuais católicos articulava-se com os interesses burgueses, ao combater as orientações de esquerda presentes nas associações e em sindicatos, tal qual demonstra a Folha do Norte do Paraná

Sob essa perspectiva, é possível analisar a direção de Dom Jaime no periódico, o que nos permite compreender as posições assumidas pelo catolicismo frente aos desafios de uma cidade que se erguia em meio a um mundo em crise. Como afirmado acima, Dom Jaime desembarcou em Maringá em 1957. Seus primeiros artigos foram publicados no periódico O Jornal de Maringá. Em 1962, com a criação da Folha do Norte do Paraná, a atuação do bispo tornou-se mais intensa.

A Folha do Norte do Paraná, mais conhecida por Folha do Norte inclui-se entre muitas iniciativas do espirito empreendedor do 1° bispo de Maringá. No alvorecer dos anos 60 ensaiaram-se os passos iniciais daquele que seria, na época, o segundo maior jornal do norte Paranaense, abaixo apenas da folha de Londrina, do grupo Milanez. Constituiu-se em 1961 uma empresa de capital aberto, a Editora Folha do Norte do Paraná S.A., sociedade anônima registrada na junta comercial do Paraná, onde consta o dia 28 de setembro de 1961 como início das atividades (ROBLES, 2017, p. 318).

Como espaço privilegiado ao pensamento católico, os textos possuíam uma finalidade pedagógica: a educação das elites, pois estas teriam a incumbência de educar o “povo’’ que, com a ausência da religião, se afastava de Deus. Para Robles (2017), a iniciativa do Bispo objetivava “ter um meio de comunicação para o evangelho, da palavra de Deus, Neste Norte do Paraná” (ROBLES,2017, p. 318). Na coluna “Reconstruir o mundo” do jornal Folha do Norte, escrita por Agenor Catoni, o artigo intitulado “Fogem Do Paraiso” apresentava notícias referentes ao comunismo, pedindo para os cristãos fugirem.

O Paraiso é um lugar de felicidade, bem-estar, alegria perene, confiança mutua, liberdade, etc... Lugar onde não a lutas, porque todos os seus habitantes se sentem perfeitamente felizes. Onde reina o amor se desconhece a morte. Onde a face de Deus é festa perene para os olhos e o coração. O Comunismo tem por meta única dar aos proletários e a todos os socialistas o paraíso terrestre. E a propaganda que vem da Rússia afirma que atrás da cortina de ferro já existe o paraíso. [...] O comunismo falhou na sua finalidade primordial, que é de dar aos homens o paraíso terrestre. Se a Rússia, em 46 anos de regime comunista, não conseguiu implantar o Paraiso, em sua própria casa, não me venha dizer que implantarão nas nossas democracias. Porque um paraíso terrestre é a maior utopia que se inventou no mundo. Cristo afirmou que a só um paraíso o Celeste (FOLHA DO NORTE, 1964, p.2).

Colocando-se historicamente ao lado das classes dominantes, a Igreja Católica nos decênios anteriores elegeu o comunismo como seu principal inimigo nas décadas de 1920 e de 1930, visto que, aos olhos da hierarquia eclesiástica, tal instância representava uma verdadeira ameaça aos interesses da Igreja Católica. Nesse sentido, nem mesmo as mudanças promovidas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) foram suficientes para superar a hegemonia conservadora dentro da Igreja.

Assim, a ação de Dom Jaime não constituiu um caso isolado dentro da Igreja. Para os intelectuais católicos, tratava-se de ensinar a doutrina católica, uma vez que os fiéis a desconheciam. Afinal, como restaurar a sociedade sem a presença de Deus entre os homens?

Queridos diocesanos:

Tende cuidado em vós e em todo rebanho, sobre qual o espirito Santo vos constituiu bispo, para governardes a igreja de Deus (Atos 20, 28). Infinito com o próprio Deus, continuávamos, é o amor que ele tem para com os homens, por mais que vivamos a realidade desse amor, por mais que sintamos os efeitos salutares da sua presença, jamais alcançaremos a plenitude de suas manifestações. pequeninas criaturas, poderemos medir sua profundidade? Enleados com pensamentos terrenos, poderemos sentir toda a extensão do seu domínio? mistério insondável de Deus, que governa o mundo com sua sabedoria infinita, e cujo melhor conhecimento por nós, é prostrarmos diante da sua vontade santíssima e adorar seus eternos desígnios [...] (FOLHA DO NORTE, 24 de março de 1977, sp).

Os intelectuais católicos oriundos de uma perspectiva vinculada à restauração pretendida pela Igreja, assim como Dom Jaime, colocavam-se como portadores de soluções para os problemas oriundos dos problemas da modernidade. Por conseguinte, a laicização da sociedade era entendida como uma espécie de doença e a religião católica como o remédio de cura. Nesse aspecto, para a correta intervenção entre os homens, seria fundamental organizar e estruturar uma elite intelectual, capaz de dar sustentação às ações pastorais da Igreja. Para o bispo, a sociedade seria melhor quando o evangelho pregado fosse vivido e contemplado pela sociedade já que, nas entrelinhas, a religião e o desenvolvimento da cidade ocorreram juntos, pelo viés da fé e pela preocupação com o próximo’’ (UBINGE, SANTOS, 2007).

Nessa perspectiva, é inegável o papel de destaque da imprensa entre os intelectuais vinculados à Igreja na difusão da doutrina católica. Desse modo, a estratégia de Dom Jaime em Maringá integrou-se a outras ações empreendidas por intelectuais leigos e religiosos, com a finalidade de ampliar a influência católica entre os fiéis e estabelecer diretrizes para toda a sociedade.

Dessa forma, a Igreja, por meio da imprensa, ocupou um papel importante na difusão do perigo do avanço do comunismo em nossas terras, a fim de que fosse percebido como uma ameaça à família e aos valores cristãos na sociedade. Fica evidente, por meio das leituras, que a ameaça “comunista” era o principal perigo aos desígnios da Igreja.

Em sua cruzada contra o pensamento comunista, os intelectuais católicos forjaram diversos argumentos, com vistas a ampliar os espaços da Igreja. Nesse sentido, em oposição ao caos representado pela desordem, somente o espírito cristão poderia representar a salvação aos fiéis. Em Maringá, além da divulgação de artigos e de matérias contrárias ao comunismo, a Igreja local, bem como a população católica da cidade, se organizou no sentido de combater o que era considerado uma ameaça aos valores cristãos.

Em 1961, as Ligas Camponesas, organizadas pelo Partido Comunista Brasileiro a partir de 1945, planejaram para o mês de agosto um congresso de trabalhadores rurais, do qual participava Francisco Julião, liderança do movimento.

Como um furacão, por onde Julião passava, havia conflito. A sua chegada ao aeroporto de Maringá foi esperada com impaciência pelos militantes das congregações marianas. Dom Jaime tinha preparado o povo católico para que não deixasse o avião pousar. Apesar disso Julião conseguir chegar ao congresso dos sindicalistas do PCB. Segundo um padre, o confronto começou logo na sessão de abertura da reunião, quando estudantes questionaram Julião, no momento que ele expunha suas visões sobre a reforma agrária. O conferencista recusou a polemica e os estudantes foram expulsos do local. À tarde, durante o desfile da FAP, em nome de Deus, o congresso dos “vermelhos” foi cercado e agredido [...] (SILVA, 2006, p. 239-241).

Para os católicos, a presença do deputado Julião era um atentado aos princípios católicos, pois suas ideias esquerdistas corrompiam os trabalhadores rurais. Dessa forma, o bispo, os alunos do Colégio Marista e o padre organizaram um movimento para expulsá-lo da cidade.

A igreja Católica tem uma função social, perfeitamente definida. Esse conjunto de princípios desde muito tempo proposto, foi recentemente atualizado e adaptado as exigências dos nossos tempos pelas encíclicas de João XXIII e pelos pronunciamentos de Paulo VI. A doutrina social cristã é contra o comunismo sim, mas é também favorável as reformas profundas e extensas. A igreja é a família de Deus aberta a todos, mas evidentemente, está na defesa intransigente dos que sofrem contra os opressores. No concreto do Brasil, a exposição da igreja é a mesma. E simples e nítidas: pelas reformas e, pois, contra o comunismo [...] (FOLHA DO NORTE, 28 de julho de 1964, p. 2).

Como fica evidente, a hierarquia católica estava pronta para reagir a quaisquer projetos inovadores que viessem a ameaçar sua hegemonia. Por isso, o posicionamento do bispo não deve ser compreendido de forma isolada. A hierarquia católica no Brasil posicionou-se como força de legitimação do poder, defensora dos valores entendidos como formadores da tradição brasileira. Assim, buscava-se reafirmar a importância da Igreja por meio da difusão da fé, o que convergia para as alianças entre Estado, Igreja e burguesia.

Nesse sentido, a imprensa teria também a atuação apostólica de defender a Igreja, estimulando a obediência aos preceitos do catolicismo, como o propósito de cristianizar e salvar a sociedade do pecado.

As recomendações de Dom Jaime e da Folha do Norte do Paraná não se restringiam ao combate ao comunismo, mas se estendiam a outras esferas das relações sociais, tais como o comportamento feminino. O núcleo dos artigos ou das reportagens apresentava um modelo de comportamento que deveria ser cultivado pela mulher. Nesse sentido, valorizava-se o papel de mãe, de esposa e de educadora. A mulher era, então, apresentada como dona da casa, e deveria, portanto, cuidar família e da casa com carinho e zelo.

A Folha do Norte do Paraná, publicou em 07/08/1977, o artigo ‘’Depois do Divórcio’’. Observe-se, nesse sentido, o posicionamento do periódico sobre o tema:

Agora o governo sem consultar o congresso e nem a consciência cristã do Brasil, por si mesmo, como consequência lógica do divórcio, o que já estava previsto nessa derrocada dos princípios morais, lança o’’ PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE AUTO RISCO’’ ou, em outras palavras a distribuição gratuita de pílulas anticoncepcionais ás mulheres pobres, uma vez que declarou um tal senador da República, não podendo o governo acabar com a miséria procura acabar com os miseráveis [...] (FOLHA DO NORTE, 07 de agosto de 1977,sp) .

A Igreja defendia a posição do matrimônio como rito indissolúvel e exigia dos cônjuges uma conduta condizente com a doutrina católica. Dessa forma, a questão do divórcio nunca foi vista com bons olhos pela hierarquia católica, pois a mulher divorciada era malvista pela sociedade e feria a moralidade da família nuclear. A distribuição de pílulas anticoncepcionais pelo governo atacava a família cristã, sendo contra os princípios da igreja, que pregavam o imperativo “crescei e multiplicai”, sendo contra os métodos de contracepção. O modelo de sociedade veiculado pelos jornais representava a mulher ideologicamente presa num grupo social ao qual pertencia, subordinada às questões da igreja.

E o mundo será infinitamente melhor, no dia que a humanidade for constituída de elementos educados para a paz, que desde o berço recebam suas mães uma orientação no sentido da não violência. Que as mães maravilhosas orientadoras exercitem seus filhos, no amor a inteligência e todas virtudes [...] (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ 12 de maio 1968, p. 03).

A recristianização da sociedade estava conformada, desse modo, ao cumprimento dos dogmas católicos, nos quais a mulher ocupava um espaço estratégico. Depreende-se a partir dos artigos presentes no Jornal Folha do Norte do Paraná que a educação do povo jamais poderá prescindir da religião, pois nenhum aspecto da formação poderá ser completo sem o fundamento moral da Igreja. É nesse sentido que se pode afirmar que os artigos do periódico romantizavam e idealizavam a realidade histórico-cultural de modo a defender os valores dominantes. O que se percebe é que as mulheres e as esposas eram submetidas a rígidos códigos morais, sendo vistas como propriedade dos seus respectivos maridos. A citação abaixo relata como a mulher deveria comportar-se diante da presença do esposo.

Não fale em doenças e seus pequenos aborrecimentos diários; o melhor é resolve-los sem incomodar terceiros e a você própria, remoendo ou ruminando-os. Esqueça o passado, por mais agradável que ele tenha sido, e viva intensamente os momentos presentes. Olhe cada paisagem, sinta cada filme, ouça cada pessoa com prazer de que o faz por uma única vez [...] (FOLHA DO NORTE, DO PARANÁ,1964, p. 2).

A separação era outo aspecto discutido nos artigos, visto que poucos casos ocorriam e, para a dissolução de vínculo matrimonial, não bastava o vínculo legal. Desse modo, a mulher era malvista socialmente, “pois havia falhado na importante tarefa de constituir uma família” (LUCA, 2012, p. 21).

Dom Jaime exerceu a função de intelectual, explicitada por Gramsci, liderando “moralmente” amplos segmentos sociais por meio da ação educativa e da organização da cultura, e não pelos caminhos tradicionais utilizados amplamente pelo Estado, tais como a coação jurídica e policial.

Some-se a isso o fato de que, no que se refere aos segmentos sociais, os artigos davam destaque a vários movimentos que tinham a finalidade da preservação da ordem estabelecida na sociedade. As políticas sociais voltadas para a filantropia e para a caridade eram realizadas pelas mulheres diretamente ligadas à igreja, sendo o papel doméstico uma responsabilidade da mulher, por meio do qual ela deveria viver uma harmonia com as tarefas do lar (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ 1964). Esse conceito ideológico de que a esposa é feliz em seu lar, preocupando-se com os afazeres, faz “desaparecer” as contradições existentes na sociedade: a mulher exerce a função do lar de forma “natural”, pois nasceu “para isso”. Nesse interim, os artigos traziam como destaque instâncias como a campanha do agasalho, os bingos beneficentes, a festa do sorvete e as quermesses realizadas com o intuito de arrecadar fundos para ajudar os mais necessitados, produzindo um efeito de neutralização das desigualdades sociais.

As dicas de beleza e de moda eram encontradas com frequência no periódico, pois os artigos apresentavam como as mulheres deveriam se comportar, por exemplo, e, entre as informações ligadas à moda, era apresentado o modelo ideal para cada característica feminina. Para as mulheres gordinhas, eram apresentadas sugestões de modelo, onde se destacava o que podiam usar - vestidos ou conjuntos de duas peças e duas cores contrastantes -, quando vestir saia e blusa - escolha duas da mesma cor, não use pregas, não se vista com cores muito claras, não use saias curtas (FOLHA DO NORTE, DO PARANÁ,10 de maio 1962). O periódico, como veículo educativo, além de informar, tinha a função de educar, pois as mulheres que tinham acesso ao Jornal seguiam à risca os artigos encontrados nas colunas femininas. Muitas senhoras da sociedade repassavam, inclusive, às suas empregadas, ensinamentos diários publicado pelo bispado, passando a ser um modelo de boa conduta, sendo, então, seguidas pelas mulheres das classes inferiores.

Considerações finais

Ao realizar a pesquisa, identificou-se que a imprensa, como veículo educativo, tem por finalidade educar a população de massa. Assim, a Folha do Norte do Paraná, de propriedade do bispo Dom Jaime Coelho, difundia a fé cristã por meio de seus artigos ideológicos, que traziam o ideário conservador defendido pelo bispo seguido pela sociedade maringaense no entorno de um viés moralista, tendo como objetivo manter a ordem na cidade.

A apresentação dos artigos da Folha do Norte do Paraná e sua análise permitem afirmar que os artigos publicados se constituíram em um exercício educativo constante em defesa da ordem estabelecida. De fato, sua presença, reconhecida por amplos seguimentos sociais em Maringá, se traduziu em valores difundidos entre os fiéis que tomaram tais preceitos como regras a serem seguidas. Desse modo, a Folha do Norte funcionava como um partido, divulgando determinada visão de mundo e naturalizando as relações sociais, ao mesmo tempo em que oferecia o caminho a ser trilhado pelos leitores. Como espaço privilegiado do pensamento católico, pode ser mencionado que seus textos possuíam uma finalidade pedagógica: a educação das elites, pois estas teriam a incumbência de educar o “povo”.

Dom Jaime, como uma figura pública na cidade, teve uma importante função no âmbito da disseminação de ideias conservadoras que constituíram a base da formação da sociedade maringaense. Assim, o Jornal por ele criado serviu aos interesses burgueses, mesmo que de maneira subliminar.

Conclui-se, ainda, que a realização desta reflexão não se encerra aqui e nem pretende dar conta da complexidade social que marca o período de 1962 a 1970 em Maringá, em que o jornal Folha do Norte do Paraná foi um porta voz da Igreja Católica. Ela deixa espaço para que novos estudos ocorram na área da historiografia da Educação.

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Recebido: 20 de Janeiro de 2023; Aceito: 14 de Abril de 2023

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