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Cadernos de História da Educação

versão On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-211 

Artigos

A Escola Luterana e o rito da confirmação: descontinuidade da escolarização na Serra do Tapes/RS (1938-1971)

La Escuela Luterana y el rito de la confirmación: discontinuidad de la escolaridad en Serra do Tapes/RS (1938-1971)

Karen Laiz Krause Romig1 
http://orcid.org/0000-0002-0809-0835; lattes: 6100789243728896

Patrícia Weiduschadt2 
http://orcid.org/0000-0001-6804-7591; lattes: 0643205535014525

1Universidade Federal de Pelotas (Brasil). karenlaizromig@gmail.com

2Universidade Federal de Pelotas (Brasil). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. prweidus@gmail.com


Resumo

O trabalho tem como objetivo discutir aspectos da escolarização luterana e o rito da confirmação em comunidades étnicas pomeranas da Serra dos Tapes/RS. Pretende-se evidenciar os impactos desse rito na descontinuidade dos estudos de crianças e jovens escolarizados entre o período de 1938 a 1971. Tal interrupção dos estudos esteve ligada ao seguimento do trabalho agrícola nas propriedades rurais dessas famílias pomeranas. Esse grupo teve, ao longo dos anos, dedicação predominante à agricultura, por isso usavam a confirmação como uma justificativa da igreja para que os filhos saíssem da escola. Concluiu-se que a liberdade de escolhas adquirida com a confirmação, a não presença de escolas de ensino secundário nessas zonas rurais, e a legitimação da profissão agrícola dentro do contexto cultural, foram fatores que associados geraram uma descontinuidade nos estudos desse grupo étnico, favorecendo uma baixa escolaridade e uma perpetuação histórica da agricultura e permanência dos pomeranos no meio rural.

Palavras-chave: Escolarização luterana; Rito da Confirmação; Vida na agricultura

Resumen

El trabajo tiene como objetivo discutir aspectos de la escolarización luterana y el rito de la confirmación en las comunidades étnicas de Pomerania en Serra dos Tapes/RS. Se pretende resaltar los impactos de este rito en la discontinuidad de los estudios de los niños y jóvenes educados entre el período de 1938 a 1971. Esta interrupción de los estudios estuvo ligada a la continuación del trabajo agrícola en las propiedades rurales de estas familias pomeranias. Este grupo, a lo largo de los años, se había dedicado predominantemente a la agricultura, por lo que utilizaron la confirmación como una justificación de la iglesia para que sus hijos abandonaran la escuela. Se concluyó que la libertad de elección adquirida con la confirmación, la ausencia de escuelas secundarias en estas zonas rurales y la legitimación del oficio agrícola dentro del contexto cultural, fueron factores que asociados generaron una discontinuidad en los estudios de esta etnia, favoreciendo un bajo nivel educativo y una perpetuación histórica de la agricultura y permanencia de los pomeranianos en las zonas rurales.

Palabras clave: Escolarización luterana; Rito de Confirmación; La vida en la agricultura

Abstract

This paper aims to discuss aspects of Lutheran Education and the rite of Confirmation in Pomeranian ethnic communities from Serra dos Tapes, Rio Grande do Sul. The intention is to highlight the impacts of this rite with the discontinuation of education of children and youths graduated between 1938 and 1971. Such school interruption was linked to agricultural work on the country estates of these Pomeranian families. This group has predominantly dedicated, throughout the years, to agriculture, using, therefore, Confirmation as a religious excuse to let their children drop out of school. It was found that the freedom of choice obtained with Confirmation, the nonpresence of Secondary Education in the countryside and the legitimization of farmer occupation within the cultural context were elements which, altogether, produced an education discontinuation of this ethnic group, promoting low levels of education and a historical perpetuation of agriculture and the stay of Pomeranians in the rural area.

Keywords: Lutheran schooling; Rite of Confirmation; Agricultural way of life

Introdução

Este artigo é um estudo voltado para as escolas paroquiais luteranas, instituições educacionais que funcionaram junto de comunidades religiosas, e que tiveram seu advento no final do século XIX até a segunda metade do século XX. Pretende-se discutir a relação do rito da confirmação com a duração do tempo de estudos dos descendentes de pomeranos, que estudaram majoritariamente nessas escolas paroquias luteranas.

Essas escolas paroquiais tiveram uma grande importância dentro das comunidades luteranas de origem étnica pomerana. Porém, percebeu-se que os alunos, filhos de colonos e descendentes de pomeranos, só estudavam, em sua maioria, o ensino primário, devendo saber aquilo que era o considerado necessário, como ler, escrever e fazer operações básicas de matemática, e que em seguida esses alunos deixavam a escola para se dedicarem à vida na agricultura junto de sua família. Aqui neste artigo serão elucidados alguns aspectos que foram determinantes para essa curta escolarização desse grupo étnico, e motivos que determinavam esse abandono precoce da escola e uma dedicação, desde cedo, para a profissão da agricultura.

De antemão, percebe-se que dentre os principais motivos que determinavam a saída da escola está o rito da confirmação luterana, que será especialmente tratado ao longo deste estudo, como um fator cultural e religioso que interferiu nas decisões estudantis desse grupo étnico. Pode-se salientar que na região estudada há um histórico da população em geral, no período em questão, ter uma baixa escolarização, mas o que necessita um olhar atento é o fato de o grupo étnico dos pomeranos utilizar o rito da confirmação como um motivo religioso para esse abandono precoce das atividades escolares.

Os primeiros imigrantes que vieram da Alemanha para a região de São Lourenço do Sul, no extremo sul gaúcho, chegaram em 18 de janeiro de 1858, sendo em grande parte provenientes do território da Pomerânia (SALAMONI, 2001). Os imigrantes, quando chegaram ao Brasil, receberam terras para o trabalho e construíram suas moradias, nesse movimento de estabelecimento no território brasileiro trouxeram também as igrejas luteranas, e junto delas as escolas étnicas comunitárias, fatos que contribuíram para a constituição de organizações religiosas e escolares no sul do Rio Grande do Sul. Logo, a partir do processo imigratório, até meados da metade do século XX, essas escolas paroquias luteranas foram predominantes no meio rural da Serra dos Tapes/RS. Essas escolas perderam força com a nacionalização do ensino e o surgimento de escolas públicas2 rurais nessas regiões.

Como adiantado, este estudo está inserido no contexto da Serra dos Tapes, na região ao sul do estado brasileiro do Rio Grande Sul. Espaço este historicamente ocupado por grupos imigratórios de origem germânica, especialmente os pomeranos3, um grupo étnico que foi também responsável pela consolidação do luteranismo4 nesta região. A religião luterana, que constitui escolas paroquiais também consolidou a prática dos rituais de passagem na igreja, rituais que impõem condições culturais aos seus participantes.

Os pomeranos vieram ao Brasil em busca de melhores condições de trabalho, mas no território brasileiro foram desassistidos em relação aos aspectos educativos e religiosos. Desta forma, os imigrantes e seus descendentes trataram de edificar suas próprias igrejas e, juntamente delas, as escolas comunitárias. Essas escolas sofreram intervenções pela nacionalização do ensino5, pela Constituição de 1946, e pelas LDBs de 1961 e 1971, mas mesmo com essas mudanças nas políticas educacionais, a escola particular luterana se manteve até meados dos anos de 1970, vinculada ao luteranismo, priorizando a formação básica do aluno, para que este aprendesse a ler, escrever e fazer operações de matemática, sempre sinalizando para uma continuidade na profissão da agricultura.

Metodologia

Este estudo analisa situações que ocorreram em quatro escolas particulares luteranas situadas na região sul do estado do Rio Grande do Sul, especialmente na Serra dos Tapes, em uma pesquisa restrita ao período de 1938 a 1971. Para a concretização de resultados, o estudo contou com a metodologia de história oral, através de entrevistas com pessoas que foram alunas dessas escolas, e também com a conferência em fontes documentais dessas escolas, que trouxeram dados significativos a respeito da frequência escolar dos alunos, dos conteúdos estudados e dos indícios do tempo de permanência dos alunos na escola.

Utilizou-se a metodologia da história oral, pois trabalhou-se com narrativas de sujeitos que vivenciaram o período estudado. Os narradores da pesquisa são moradores da região da Serra dos Tapes, onde há forte predominância de descendência alemã e pomerana. Foram entrevistadas pessoas que estudaram em escolas comunitárias e particulares de igrejas luteranas e que estudaram dentro do período de análise. Segue um resumo dos entrevistados6:

Quadro 1 Apresentação dos entrevistados. 

Nome do Entrevistado Ano de nascimento Instituição Religiosa Ano de confirmação Período de Escolarização Idade de Confirmação
A. G. 1941 Independente 1955 1950 a 1955 14
R. P. 1943 Independente 1957 1952 a 1957 14
C. P. M. 1932 Sínodo Rio-Grandense 1947 1942 a 1947 15
O. M. 1934 Independente 1949 1941 a 1949 15
W. V. 1930 Independente 1945 (25/03/1945) 1938 a 1944 14
E. Q. 1951 Sínodo de Missouri 1964 (13/12/1964) 1959 a 1964 13
B. H. S. 1943 Sínodo de Missouri 1957 (13/01/1957) 1952 a 1956 13
Rosa (pseudônimo) 1943 Sínodo Rio-Grandense 1957 1952 a 1957 14
Hortência (pseudônimo) 1948 Sínodo Rio-Grandense - 1955 a - -

Fonte: Elaborado pelos autores.

Seguindo na perspectiva da consolidação da História Oral com a metodologia elucidada, Verena Alberti (2005) considera a história oral um método de pesquisa, seja ela histórica, antropológica ou sociológica, que passa a privilegiar a realização de entrevistas com indivíduos que testemunharam acontecimentos, fatos, e que expressam visões de mundo que podem trazer dados que aproximem o pesquisador de seu objeto de estudo. É um método que possibilita estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, movimentos e conjunturas, à luz de pessoas que acompanharam esses fatos (ALBERTI, 2005). Ou seja, as pessoas que participaram da escolarização e dos ritos da época puderam participar e contribuir com esse estudo.

Na fala desses entrevistados, narradores de experiências, possuidores de diferentes vivências escolares e religiosas, são percebidas particularidades que contribuem com este estudo. Por isso, Delgado (2003) fala que o tempo confere singularidade a cada experiência concreta da vida humana e também a define como vivência da pluralidade, pois em cada movimento da história entrecruzam-se tempos múltiplos que acoplados às experiências únicas lhe conferem originalidade.

Para a seleção dos entrevistados foi feita uma análise documental prévia de atas e registros escolares das comunidades religiosas pesquisadas e dos documentos encontrados sobre cada escola do estudo. Dessa maneira, foram selecionados nomes de alunos que estudaram nessas escolas, para que pudessem relatar suas lembranças escolares, e principalmente falar sobre seus processos de confirmação.

Nesta pesquisa, os principais documentos analisados são aqueles preservados pelas igrejas e pelas escolas particulares luteranas, documentos esses que em seus fragmentos revelam pistas dessas instituições e de suas práticas escolares e religiosas. Sobre os documentos religiosos, Bacellar (2008) aborda que os arquivos de natureza religiosa no Brasil são detentores de ricos e variados conjuntos documentais, compostos principalmente de registros paroquiais de batismo, casamento e óbito, processos diversos, livros-tombo das paróquias e correspondências, mas que nem sempre são acessíveis. Apresenta-se a seguir alguns dos documentos utilizados neste estudo:

Fonte: Autores, 2019.

Figura 1 Algumas fontes analisadas no estudo.  

Sendo assim, os entrevistados foram selecionados por meio da análise de documentos e por buscas e conversas informais nas respectivas comunidades. Desta maneira, a análise das fontes documentais e das entrevistas é justificada com base em Alberti (2005), que reforça a conveniência em recorrer a fontes documentais para conhecer melhor o tema, e que então, caso não disponha de fontes suficientes para esse conhecimento prévio, torna-se adequado realizar entrevistas, que foram aqui de história oral, para assim conhecer melhor a temática.

Nas análises documentais, por sua vez, percebeu-se que, por alguns momentos, as escolas registraram por escrito que a criança deixava a instituição escolar quando era confirmada. Além disso, a análise documental favoreceu a verificação de datas de confirmação e datas de períodos escolares dos próprios entrevistados. Verificou-se também que as realidades escolar e religiosa, por momentos, se mesclam, pois no currículo da escola apareceram também elementos de estudos religiosos. Ou seja, os cotidianos escolar e religioso foram espaços entrecruzados por muito tempo, sendo possível perceber que esses campos se mesclavam e estavam coesos para uma formação moral, religiosa e escolar.

O rito da confirmação

Os ritos de passagem pertencentes à religião luterana são basicamente quatro: batismo, confirmação, casamento e morte. São ritos que determinam novas fases na vida dos indivíduos, e fazem parte da religiosidade e da etnicidade do grupo.

O batismo é o rito de apresentação das crianças à igreja. O rito da confirmação é marcado como a passagem da vida infantil para a adulta, o do casamento representa a constituição das responsabilidades para a formação da família, e o ritual da morte é visto pela comunidade como o encerramento da vida terrena, pois para a religião luterana a crença é de vida eterna. Esses ritos determinam a formação do habitus7 das comunidades, legitimando e fortalecendo o campo religioso

O ritual de passagem denominado de “confirmação” pode ser considerado uma prática ritualística religiosa. Esse rito assumiu, durante um período, um papel dominante nos quesitos cultural e religioso. A confirmação determinava quando a criança deveria sair da escola para trabalhar com a família, causando, dessa forma, mudanças na vida das crianças e dos jovens que eram confirmados, pois por muito tempo as comunidades campesinas acreditavam que após a confirmação o jovem já seria adulto, e assim já poderia trabalhar na propriedade da família.

Ao focar no rito da confirmação e relacioná-lo com a escolarização, entende-se que a confirmação é um dos ritos de passagem da cultura pomerana característicos da religião luterana. É um ritual semelhante à Crisma da religião católica, praticada por jovens entre 12 e 14 anos (MALACARNE, 2017).

Para Perrot (1996, p. 92), “a primeira comunhão coincide cada vez mais com o início da aprendizagem, por isso muitos pais procuram antecipá-la”. Essa autora ressalta que na primeira metade do século XIX muitos pais buscavam a antecipação da primeira comunhão, para que as crianças já começassem a trabalhar. Segundo Dalla-Déa (2006, p. 10), “a literatura teológica fala da catequese crismal como sendo o sacramento da decisão e da maturidade na fé dos jovens”, cabendo aos adolescentes um momento de escolhas e decisões.

Ao tratar dos ritos de passagem, especificamente da confirmação, os estudos de Malacarne e Streck (2018) e Malacarne (2017)8 discutem a importância que é atribuída aos ritos de passagem e ao ensino confirmatório9, de modo que os ritos de confirmação auxiliam os adolescentes a fazerem a transição da infância para a vida adulta, sendo compreendidos também como ritos de separação, de margem e de agregação.

Dessa maneira, fica esclarecido que a confirmação acontece no período da iniciação à juventude, como um ato que acontece comumente no início da fase da adolescência. No entanto, percebe-se no decorrer deste trabalho, que a fase da adolescência foi, em muitos casos, suprimida por hábitos culturais e religiosos, dentro do contexto de análise.

Trabalho e responsabilidades na juventude

As perspectivas que os ex-alunos das escolas particulares luteranas pesquisadas tinham, à época, com relação ao seu futuro, estavam sempre mais direcionadas para as atividades no campo e a vida na profissão da agricultura, pois os jovens faziam suas escolhas levando em consideração alguns ideais culturais e religiosos que já estavam presentes em seu âmbito familiar.

Leva-se em consideração que os descendentes de pomeranos, desde o processo imigratório, dedicaram-se preferencialmente ao trabalho agrícola, primeiramente para as culturas de subsistência, e em seguida para culturas mais concentradas, como é atualmente com a cultura do tabaco na região da Serra dos Tapes. Logo, o trabalho agrícola é algo presente na memória e nas narrativas dos entrevistados que, ao falarem da sua escola e de sua igreja, mencionaram também as atividades desenvolvidas por suas famílias na lavoura.

Em todas as entrevistas questionou-se aos entrevistados quais foram as suas funções e quais as funções de seus pais, para saber se de fato exerceram a profissão da agricultura ou se tomaram outros rumos profissionais. Do total de nove entrevistados, seis tiveram sua vida dedicada à agricultura, dois foram pastores, e um foi proprietário de comércio, mas suas famílias sempre viveram na zona rural e, assim, tiveram alguma ligação com a realidade agrícola.

Todos os entrevistados moraram na zona rural, mas atualmente a grande maioria reside na zona urbana, por já estar em situação de aposentadoria. Pode-se depreender que a grande maioria desses, na época alunos, não continuava na escola pois, perante a religião, ao serem confirmados tornavam-se adultos detentores de responsabilidades, e a partir de então deveriam buscar seu próprio sustento e ajudar seus pais nas tarefas domésticas e demais atividades campesinas.

Salienta-se que para um povo tão apegado com o trabalho, as tarefas desenvolvidas por crianças, ou seja, o trabalho infantil, era uma maneira de educa-las para o futuro, para que estas “aprendessem” os ofícios da lavoura, e, dessa maneira, se interessassem pelas atividades agrícolas desde cedo, em que o trabalho infantil quase sempre foi visto como algo positivo e promissor, pois aquela criança se tornaria um adulto trabalhador. Mas esse incentivo precoce ao trabalho acabava por distanciar a criança da escola.

Ainda sobre a prática da agricultura, uma das entrevistadas relata que “meus pais eram agricultores, plantavam de tudo, principalmente batata, feijão, milho, até nas áreas mais molhadas se plantava arroz, meu pai tinha um moinho, por isso nós plantávamos coisas bem variadas” (C. P. M, 2020). Tal afirmativa vai ao encontro de Roche (1969), que traz a ideia de que a atividade das colônias de origem alemã e pomerana era basicamente a cultura de subsistência, sobretudo do milho, do feijão preto e da batata.

Outro entrevistado, B. H. S., diz que teve uma vida dedicada para a agricultura, revelando que: “o que mais se plantava era milho, batata inglesa e feijão, naquela época de 10 a 15 sacos de feijão dava para comprar um hectare de terra” (B. H. S, 2020). Este aspecto mostra que, para aquela época, os produtos produzidos na colônia eram valorizados e davam o sustento às famílias, o que atualmente já pode ser repensado, pois a produção monocultora e o maquinário agrícola mudaram esse cenário.

Um dos entrevistados, E. Q., que exerceu a profissão de pastor, diferentemente da maioria, seguiu seus estudos, não se dedicando à agricultura. Entretanto, sua escolha por esta carreira de pastor pode ter relação com a atividade de seus pais, que não eram exclusivamente agricultores. Dessa forma, E. Q. (2020) fala que “meu pai trabalhava na lavoura e também tinha olaria de telhas francesas, que foi desativada por falta de matéria prima (barro) [...] e minha mãe era costureira e também dona de casa”. Sobre a sequência dos estudos, ele diz que: “além de mim, dois ou três alunos da minha turma foram para outros cursos e se formaram, mas os demais continuaram no trabalho da lavoura com os seus pais” (E. Q., 2020). Assim, entende-se essa continuidade dos estudos como uma exceção, pois sua família tinha um histórico de dedicação a outras profissões, para além da agricultura. Também, percebe-se que a grande maioria das famílias de origem pomerana da época se dedicava à agricultura como maneira de sobrevivência, e que apenas as famílias que tinham mais posses financeiras permitiam que seus filhos tomassem outros rumos, pois um filho longe de casa significava a falta de mão de obra.

Ainda E. Q., ao narrar sobre fatos de sua confirmação e escolarização, falou também sobre o trabalho de sua família na agricultura. Segundo ele, na época de sua adolescência cultivava-se batata, milho, feijão, trigo, batata doce e hortaliças de todos os tipos, além de árvores frutíferas (uva, pêssego, ameixa, pera, marmelo entre outros). Mais tarde abandonou-se o trigo, por não ser mais viável, e começou-se o plantio de soja, “meu pai foi um dos pioneiros no plantio da soja. Chegou a plantar fumo de galpão, mas logo abandonou esse cultivo” (E. Q., 2020). Nesta narrativa, ele nos dá detalhes de tudo o que as famílias plantavam naquele período para poderem se sustentar. O mesmo entrevistado ainda destaca que:

Desde cedo, já com dez, doze anos, os meninos e as meninas ajudavam na lavoura ou em casa em toda a mão de obra. A partir da adolescência muitos já saiam para, inclusive, trabalhar de empregado (a), quando não se tinha o suficiente em casa, ou se queria ter um dinheirinho a mais para comprar as suas próprias roupas, ou para gastar no fim de semana (E. Q., 2020).

Neste relato, o entrevistado deixa claro que durante a adolescência os indivíduos ajudavam as famílias na lida doméstica e rural. Tal fato pode estar associado ao de que desde cedo, ou desde o ato confirmatório, os adolescentes, ao serem detentores de responsabilidades adultas, deveriam seguir seus próprios interesses, agindo com certa “independência”, caracterizando tal período de suas vidas como uma transição entre a criança que estudava para o jovem que trabalhava.

De acordo com Weisheimer (2009), a juventude é, justamente, um período de transição. Designa, dessa forma, um estado transitório, uma fase da vida humana com o começo bem definido pelo aparecimento da puberdade e o término variável, mudando de acordo com critérios e pontos de vista adotados em cada sociedade. A transição juvenil, longe de ser definida por princípios biológicos e/ou etários, caracteriza-se como processo de socialização e atribuições de papéis específicos10. A juventude é, portanto, um estágio no qual acontece a entrada na vida social plena e que, como situação de passagem, compõe uma condição de atribuição de direitos e deveres, responsabilidades e independência mais amplas do que as das crianças (WEISHEIMER, 2009). A família tem uma grande influência sobre o pensar e agir das crianças e adolescentes, portanto se os pais entendem o trabalho precoce como natural, porque assim o aprenderam, irão reproduzir este aprendizado para com seus filhos, e esse problema social terá continuidade por várias gerações. As características econômicas e culturais das famílias contribuem nas decisões dos ofícios que serão desenvolvidos pelas crianças e adolescentes que compõem as gerações futuras (MARIN, 2006).

Sobre o trabalho infantil e o trabalho precoce nas colônias, utiliza-se Rizzini (1996), que trata da temática, sendo que essa atribuição do trabalho pode ser entendida muitas vezes com objetivo disciplinador, que pode desenvolver o senso de responsabilidade no jovem e, assim, ser um meio de prevenir atos considerados inadequados. Neste caso, o ato de trabalhar poderia servir como instrumento de disciplina e formação, preparando o indivíduo para a vida.

Para cada elemento do tema estudado, abordou-se um conceito que auxiliou na compreensão de sua totalidade. Por meio dos estudos feitos por Pierre Bourdieu (1994), privilegiou-se mobilizar dois conceitos: o habitus, que trata de elementos culturais inculcadas nas práticas dos pomeranos, e o de campo, que explica as influências e tensões entre campo religioso e campo escolar. O conceito de etnicidade (BARTH, 2011) que explica a cultura e a identidade do grupo étnico específico dos pomeranos como sendo constituída e relacional.

Já o conceito de ética protestante (WEBER, 2004), auxiliou no entendimento das intencionalidades no que diz respeito a deixar a escola para ingressar no trabalho na agricultura, sendo este traço do trabalho carregado pelas gerações luteranas. Usou-se, também, o conceito de cultura material escolar (JULIA, 2001), para o entendimento das instituições escolares que fizeram parte das análises do estudo.

Confirmação e saída da escola- reflexões teóricas

O costume da confirmação é definido como o marco para a saída da escola. Trata-se do ritual de passagem para a vida comunitária, para o trabalho e para a festa. Conforme relata Joana Bahia (2001, p.77),

O tempo de confirmação marca a passagem para a vida adulta e para as escolhas que resultarão deste campesinato. Após a confirmação o (a) menino (a) domina todo o saber técnico para seu trabalho na terra, pode casar, ou optar pelo estudo, pois conhece a lei da vida e seus valores, podendo então a partir desse saber moral e técnico traçar um dos vários caminhos que permita a continuidade do modo de vida camponês.

O ritual da confirmação era um dos momentos mais aguardados pelas famílias de origem pomerana, pois a criança/jovem estava apta a trabalhar na lavoura, significando mais mão de obra para a lida no campo. Logo, seguir nos estudos, sair do campo e deixar a agricultura não eram objetivos da grande maioria dos alunos e de seus familiares na década estudada,

Para as famílias pomeranas, a confirmação “educava para a vida”, ensinando os valores fundamentais para a vida camponesa. Dessa forma, as famílias de origem pomerana consideravam a educação religiosa, ou seja, a própria confirmação, como suficiente para aprender aquilo que era necessário para o trabalho no campo.

Os descendentes de pomeranos, na região sul do estado Rio Grande do Sul, compõem um grupo étnico possuidor de um conjunto de sociabilidades que, segundo Barth (2011, p.189-190), na linguagem antropológica, designam uma população que se perpetua biologicamente de modo amplo, compartilhando valores fundamentais, realizadas em unidades culturais, constituindo assim um grupo de interação e comunicação, em que seus membros se identificam com categorias que se diferenciam de outras. Uma organização social, cultural e religiosa que demarca as características da etnicidade desse grupo.

Ao tratar do conceito de etnicidade, pensa-se também em cultura, em que a temática deste trabalho também se debruça. Sobre a influência do rito na escolarização pomerana, pode-se refletir que é um processo que ocorreu em meio a um contexto cultural específico. Para Geertz (1978), cultura é entendida como a base da especificidade humana, expressa através das formas simbólicas pelas quais os homens e as mulheres se comunicam e desenvolvem suas experiências de vida.

Este estudo faz análise do campo religioso e escolar ao trabalhar as relações entre o ritual da confirmação e o processo escolar de crianças. A partir da inter-relação entre a escola e a confirmação, entende-se que houve um “poder” da religião sobre a escolarização, pois o ato religioso tinha mais importância para as famílias do que a sequência dos estudos, ou uma formação escolar mais completa. “Campo religioso e o campo escolar possuem suas peculiaridades de constituição, ao mesmo tempo em que estão relacionados entre si” (WEIDUSCHADT, 2007, p.73). Os agentes envolvidos nessa relação seriam os pastores, professores, confirmandos, e suas respectivas famílias, todos situados em comunidades de origem pomerana. Os conceitos de campo e habitus, de Pierre Bourdieu (1996), são aqui evidenciados, pois, segundo o autor, são elementos que se inter-relacionam e possibilitam o entendimento do leitor sobre os processos estudados.

O conceito de ética protestante, discutido por Max Weber, auxilia a pensar a forte relação dos grupos étnicos germânicos luteranos com a importância do trabalho. Deste modo, o abandono precoce das atividades escolares, justificada religiosamente pelo ato luterano confirmatório, pressupõe a continuidade da criança e do jovem no trabalho rural. Essa dedicação à agricultura era entendida como uma vocação divina e por isso não deveria ser questionada, pois havia uma valorização cultural do trabalho.

As escolas luteranas tinham características próprias, essas mesmas instituições eram regidas pela religião e faziam parte das comunidades de descendentes de pomeranos. Dessa forma, tinham a função de formar o cidadão para o trabalho na propriedade, ensinando-o a ler, escrever e a fazer operações básicas de matemática. Essas escolas eram multisseriadas e não ultrapassavam o ensino para a 4ª ou 5ª série. Essas instituições formativas eram particulares e destinadas para a formação do indivíduo até sua confirmação.

Para tomar como base o conceito teórico de cultura escolar, traz-se Julia (2001), que define a cultura escolar como um conjunto de normas que estabelecem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001).

Desta maneira, os conceitos teóricos, aqui apresentados e articulados, definem uma realidade muito singular, o abandono precoce das atividades escolares em virtude do ato confirmatório, e uma predominância da dedicação para a agricultura, fatos que determinam uma realidade específica do contexto analisado.

Escolarização e confirmação

No decorrer do estudo, percebe-se nas narrativas e nos registros documentais que nas escolas já eram estudados temas que seriam úteis na vida cotidiana dos alunos que as frequentavam. O seu público estudava principalmente cálculos de matemática, leitura e escrita. Desta forma, aquilo que era estudado no currículo dessas escolas, era o básico para que esses alunos pudessem ler o catecismo, a Bíblia, se preparar para a confirmação. Por isso, ao serem confirmados esses jovens, os pais não viam mais a necessidade de enviarem seus filhos à escola, porque a escola era entendida como um espaço de preparação para a confirmação.

A cultura escolar dessas escolas particulares luteranas, referendada pelos documentos e pela memória desses ex-alunos, é marcada por um contexto específico, predominantemente pelas classes multisseriadas, que valorizavam o ensino da matemática e dos momentos cívicos, como cantar o hino e realizar peças teatrais de cunho nacionalista na escola. Estas características patrióticas e nacionalistas foram fruto do processo histórico da nacionalização, que impôs medidas restritivas para essas escolas, principalmente após o ano de 1938, que foi o marco temporal inicial da pesquisa. Com as modificações causadas pelo período da nacionalização, as escolas paroquiais passaram a se reinventar, e muitas delas continuaram com suas atividades até meados da década de 1970, como visto nas escolas que são abrangidas pelo estudo.

A realidade de uma das escolas estudadas pode ser percebida na imagem a seguir, em que aparece o professor com sua turma de alunos em frente à escola e à Igreja, demonstrando a união e interdependência entre as instituições.

Fonte: Acervo pessoal de W. V, 2020 11.

Figura 2 Alunos e professor em frente ao prédio da igreja e da escola.  

Com essa imagem, pode-se entender que muitos desses alunos que estão na foto provavelmente são também confirmados nesta comunidade. Os estudantes da escola eram os filhos dos sócios da comunidade religiosa. Quem aparece no centro da imagem é o professor W. V., que foi professor desta escola, pastor dessa mesma comunidade e também um dos sujeitos entrevistados nesta pesquisa.

Percebeu-se que os descendentes de pomeranos viviam fortemente em comunidade, e que isso também ocasionou uma espécie de imitação das atitudes do outro. Ou seja, muitas famílias não davam a oportunidade de estudo aos seus filhos, pois isso também poderia acarretar em falta de credibilidade para a reputação da família. Naquele contexto, muitos não pensavam nos benefícios do estudo, mas sim na ideia de não respeitarem a ideia estabelecida de não continuidade do estudo, pois seguir na escola após a confirmação não era uma prática comum. Foi por meio de práticas religiosas e culturais, como os ritos de passagem, que as regras sociais foram assim definidas, convencionadas e passaram a ser valorizadas dentro da comunidade.

Pode-se pensar que esses alunos interromperam seus estudos devido à falta de condições para a continuação da escolarização, já que não havia escolas de ensino secundário próximas de suas casas. Porém, entende-se aqui, por meio das narrativas e das análises documentais, que mesmo aqueles alunos que se encontravam no 2º ou 3º anos e eram confirmados não aproveitavam a oportunidade de estudar mais um ano ou dois, tendo em vista que as escolas particulares ofertavam até ao 4º ano, e algumas até o 5°ano. Depois de serem confirmados eram vistos perante a comunidade como adultos e não tinham mais a obrigação de frequentar a escola. Além disso, não foram encontrados registros de pressão por parte da comunidade para que fosse constituída no meio rural uma escola de ensino secundário, demonstrando a naturalização do processo por parte da própria comunidade.

A seguir é apresentada uma imagem que traz parte de um livro de frequência de uma escola particular luterana, que teve suas atividades vinculadas à IELB. Na primeira coluna aparecem os nomes dos alunos, ao lado alguns dados, e mais à direita uma coluna que traz a data e motivo de cancelamento de matrícula, em que em lê-se os nomes de três alunos e o motivo indicado foi o da confirmação.

Fonte: autores, 2019.

Figura 3 Página de livro de frequência escolar indicando a confirmação como motivo de cancelamento de matrícula. Escola São João do Herval, município de Canguçu. Ano de 1943. 

Entende-se que o abandono da vida escolar com a realização do rito luterano da confirmação era algo internalizado pela cultura da comunidade, na medida em que era uma prática não questionada, mas simplesmente aceita. Essa internalização cultural pode ser pensada como um habitus cultural (BOURDIEU, 1994) de que os jovens deveriam deixar de estudar para trabalhar com a família. Somando-se a isso havia falta de escolas no meio rural e também de legislações e normas públicas, não havendo contribuição dos estudos aos alunos para a comunidade, levando à saída da vida escolar.

A universalização de acesso às escolas públicas foi um processo lento no meio rural. Entretanto, as famílias pomeranas nem mesmo faziam questão que essas escolas de ensino secundário existissem, pois seriam um atrativo para que o jovem buscasse sua vida longe do campo, da família e da comunidade religiosa. Consequentemente acreditavam que esse afastamento poderia “desvirtuar” esse indivíduo.

Na atualidade, por questões legislativas e com o avanço das escolas no meio rural, esse abandono escolar por conta da confirmação não acontece mais com tanta frequência. Mesmo assim, a confirmação ainda é um “divisor de águas”, pois o jovem pode, então, passar a ter liberdade para sair de casa com os amigos, festejar, e buscar um parceiro amoroso.

No período estudado, o acesso a uma escolarização de nível mais avançado era raro, principalmente em virtude da questão cultural e de difícil acesso, por se tratarem de alunos que viviam na zona rural, e que tinham uma cultura predestinada para a agricultura. A confirmação tinha, desta forma, um peso muito forte na não continuidade dos estudos.

Considerações Finais

No primeiro ponto conclusivo deste trabalho de pesquisa desenvolvido dentro do contexto do processo histórico e geográfico de colonização pomerana da Serra dos Tapes-RS, pôde-se inferir que os ritos praticados na igreja luterana tinham relação com as escolas que estavam inseridas dentro daquele núcleo comunitário religioso.

As famílias de origem pomerana tinham legitimada culturalmente a prática do trabalho por parte das crianças, de seus filhos, nas propriedades rurais. O grupo étnico dos pomeranos teve, ao longo dos anos, dedicação predominante à agricultura, por isso usavam a confirmação como uma justificativa da igreja para que os filhos saíssem da escola. A confiança que os luteranos tinham nesse rito parecia abrandar a consciência das próprias famílias. A ideia de liberdade e responsabilidade adquirida com o rito da confirmação possibilitou que muitos jovens seguissem o exemplo de seus pais e continuassem no campo, sem almejar a continuidade dos seus estudos ou novas perspectivas para além do trabalho agrícola.

Desta forma, concluiu-se que, para os narradores da pesquisa, a confirmação era um fato lembrado em detalhes, os mesmos se recordaram que a confirmação ocasionou mudanças significativas em suas vidas, fazendo com que deixassem de estudar e começassem a sair para bailes, festas, e trabalhar na propriedade da família. Dos nove entrevistados, oito deles pararam de estudar quando foram confirmados, enquanto apenas um dos entrevistados seguiu seus estudos, para se tornar pastor. Compreendeu-se, também, que a profissão legitimada pela etnicidade pomerana foi aquela relacionada à agricultura, pois as crianças e jovens eram preparados para atuarem na vida camponesa. A continuidade dos estudos no meio urbano poderia significar um distanciamento cultural da comunidade.

Essas práticas eram simplesmente reproduzidas e internalizadas ao longo das gerações por acreditar-se que elas eram religiosamente corretas. Ou seja, sem serem questionadas, essas práticas culturais faziam parte de uma reprodução de habitus culturais. A maioria dos entrevistados desta pesquisa era agricultor (a) e aposentado (a) dessa profissão, ou seja, deixaram de estudar quando foram confirmados e se dedicaram à vida na agricultura, em tarefas variadas, vivendo a maior parte de sua vida no campo. A única exceção foi um dos entrevistados, que foi pastor, mas por ser uma profissão voltada para a religiosidade, era aprovada pela família e pela comunidade. Logo, subentende-se que as profissões legitimadas pela comunidade pomerana eram a agricultura ou o ministério pastoral.

Desta forma, a ética protestante (WEBER, 2004) é algo que fortalece o sentimento de que o bom luterano é aquele que se dedica ao trabalho e com ele prospera dentro da comunidade. Por isso, desde o início da colonização, as famílias integraram seus filhos, ainda bastante jovens, ao trabalho da propriedade, pois entendiam que as tarefas domésticas e agrícolas preparavam esses indivíduos para permanecerem na propriedade ao longo de sua trajetória de vida.

Assim, entendeu-se que o trabalho era legitimado em todas as etapas da vida, portanto, as crianças deveriam, também, se envolver em tarefas da propriedade rural, pois somente dessa maneira iriam conhecer e saber fazer as tarefas que a agricultura e que a propriedade da família exigia. Os adeptos do luteranismo deveriam aceitar as designações divinas, em que sua vida e sua profissão eram imposições de Deus. Esses aprendizados no mundo do trabalho agrícola acabam se tornando mais significativos que o conhecimento escolar, isso no interior das restritas relações comunitárias pomeranas, por adquirirem conotação religiosa.

As famílias de origem pomerana encontravam, assim, justificativas e estratégias para afastar seus filhos da continuidade dos estudos a partir da religião, pois, conforme o objetivo deste trabalho, percebe-se que as famílias atribuíam a um rito religioso o poder de determinar quando que o jovem poderia fazer suas escolhas, sendo que era imposto, religiosamente, que o jovem confirmado era adulto e assim deveria namorar, casar e trabalhar na propriedade.

Percebeu-se que a confirmação era um dos fatores do campo religioso que determinava o momento de saída da escola. Mas, como foi visto, existem outros fatores que se associam ao rito da confirmação que ajudaram para que as crianças deixassem a escola, como a própria localização geográfica da Serra dos Tapes, que fazia com que essas escolas se localizassem mais distantes dos centros urbanos. Além, é claro, de legislações educacionais ineficientes, fazendo com que não chegasse nessas comunidades o acesso à educação secundária de maneira rápida a ponto de intervir nessa saída da escola.

A associação ao fator do trabalho foi de fundamental importância na análise, pois, para os descendentes de pomeranos, o trabalho infanto-juvenil era uma das instâncias que educava e preparava os jovens para os desafios da vida futura. A comunidade entendia que aqueles que não ajudavam os pais desde cedo não se interessariam pelo trabalho e, dessa forma, não iriam prosperar e não teriam o conhecimento necessário para gerir sua própria lavoura. Assim, as crianças deixavam de estudar quando eram confirmadas, pois seria a idade ideal para que “aprendessem” o oficio de trabalhar arduamente na agricultura junto com suas famílias (WEBER, 2004).

Na fala dos ex-alunos que foram entrevistados na pesquisa, verificou-se que eles estavam geralmente intencionados a terminar apenas os estudos primários para então ajudarem seus pais na agricultura. Isso se explica, pois, a Serra dos Tapes é considerada aqui como um palco de adaptação histórica de imigrantes e descendentes alemães e pomeranos, que, predominantemente, estiveram dedicados à prática da agricultura de caráter familiar. Desta forma, toda a família do descendente estava envolvida no processo agrícola. No contexto escolar aqui analisado, considerava-se relevante somente o ensino primário, por ser mais curto e trazer ao estudante aquilo que a família considerava básico para permanecer na zona rural.

Este processo de o indivíduo reproduzir os habitus culturais de seu grupo étnico, baseado na obra de Geertz (1978), diz que a cultura de uma sociedade consiste em uma forma de comportamento que seja aceita pelos membros do grupo. A cultura é entendida como algo público, e, desta forma, é reproduzida. A cultura só pode tornar-se pública se for transmitida intencionalmente pelo processo de educação. Na educação, a cultura consiste em estruturas de significados socialmente estabelecidos.

O que se verifica é que dentro de comunidades de imigração e descendência pomerana prevalecem, como valor, a religião e os hábitos culturais. Logo, ao longo dos anos, internalizou-se que a confirmação era o marco para o fim da permanência na escola, ou seja, quem era confirmado não tinha mais a obrigação de frequentar a escola. Essa prática foi tão aculturada dentro do contexto pomerano que não era nem mesmo questionada, mas simplesmente repetida ao longo dos anos, de maneira que as pessoas que vieram a estudar no ensino primário na Serra dos Tapes entre 1938 a 1971 são, em grande maioria, atualmente, agricultores aposentados e que não estudaram para além desse ensino primário. Desta forma, este sujeitos sabem ler, escrever e realizar operações matemáticas, mas poucos almejaram alguma profissão que não fosse a agricultura.

Este cenário somente começou a se modificar quando as escolas públicas foram adentrando as localidades rurais dos municípios da Serra dos Tapes-RS. Também, com o passar dos anos, a maioria das famílias de origem pomerana passou a cultivar o tabaco e a comercializá-lo com grandes empresas fumageiras, que cuidam da industrialização e exportação do produto. Com isso essas próprias empresas começaram a exigir das famílias produtoras a frequência escolar dos seus filhos.

Sistematiza-se, assim, nestas considerações finais desta pesquisa, que a não permanência escolar dos descendentes de pomeranos na escola se deu basicamente por três motivos:

  1. O rito da confirmação, que gerava, culturalmente, uma ideia de liberdade, em que o jovem passava a ter novas responsabilidades para com sua família, devia saber como se portar, podia festejar, procurar um cônjuge e trabalhar na propriedade da família. Devido a essas demandas pós-confirmação, não haveria mais tempo para a dedicação aos estudos. Além disso, a saída da escola após o ato confirmatório era naturalizada, sendo algo internalizado no habitus cultural pomerano;

  2. Por se tratarem de comunidades e escolas situadas no meio rural, não havia, no período do estudo, a presença de escolas do ensino secundário na região, e a ida das crianças para estudar na cidade seria uma dificuldade. Além disso, a vida na cidade era percebida como algo que poderia desvirtuar o caminho do jovem;

  3. O jovem depois de ser confirmado não “precisaria” estudar, pois já tinha historicamente uma profissão definida, em que deveria seguir a profissão de seus familiares e se tornar agricultor. Tão logo, para ser agricultor, o ensinamento básico do primário já lhe era suficiente.

Assim, no período histórico de 1938 a 1971, nas escolas particulares luteranas, no contexto cultural pomerano, o rito da confirmação foi uma prática determinante de responsabilidade para os jovens, a partir da qual se findava a vida escolar, para se dar continuidade à vida na agricultura.

No contexto rural, agrícola e cultural da formação colonizadora da Serra dos Tapes, de predominância europeia pomerana, pode-se dizer que houve a formação de três campos distintos, o campo religioso, o campo do trabalho e o campo escolar. Pode-se pensar que esses três campos estavam interligados entre si, mas o que predominava era o campo religioso, pois este determinava por meio do rito da confirmação o tempo de deixara escola, ditando o momento de ingresso na agricultura, isto é, o ingresso no campo do trabalho.

Desta forma, conclui-se que a confirmação e a escolarização foram elementos que se interconectaram em comunidade luteranas e pomeranas na Serra dos Tapes-RS. A escola formava o sujeito para ter uma vida voltada para a igreja e para o trabalho no campo, pois, assim, estaria próximo das práticas culturais e religiosas do grupo e não poderia se desvirtuar das ideias coletivas da comunidade.

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1A publicação deste artigo recebeu apoio parcial da PRPPGI/UFPel e da CAPES.

2O surgimento da Constituição de 1946 favoreceu que a maior parte da população brasileira tivesse acesso à educação, pois passaram a ser destinados recursos mínimos para isso. Pode-se aferir que com essa Constituição as escolas públicas passaram a se difundir pelo interior do Brasil em maior escala, atingindo espaços que antes eram ocupados prioritariamente pelas escolas particulares luteranas ou outros grupos escolares.

3Provenientes do território da Pomerânia, região localizada no litoral do Mar Báltico, eram descendentes de eslavos e wendes que trabalhavam principalmente na agricultura e na pesca RÖLKE (1996). É considerado um grupo étnico com características próprias e peculiares, mantendo língua e costumes diferenciados de outros grupos étnicos alemães (WEIDUSCHADT; TAMBARA, 2014).

4“O termo ‘luteranismo’ é usado em sentido histórico-político, como conjunto dos desdobramentos do movimento reformatório, originado a partir de Lutero na Alemanha” (RIETH, 1990, p.256). Na região da Serra dos Tapes/RS, coexistem três vertentes luteranas: A primeira delas são as Igrejas Independentes ou Comunidades Livres, que primeiramente se instalaram nesta região junto com a imigração pomerana. Após a constituição das comunidades ditas independentes, surge a organização do Sínodo Rio-Grandense, que posteriormente originou a IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil). A IECLB formou-se uma instituição religiosa de cunho luterano, influenciada por igrejas luteranas alemãs. Essa instituição estabeleceu-se no Brasil no século XIX, a partir da estratégia de pastores que vieram da Alemanha para atuar nas comunidades de imigração localizadas no sul do Brasil. Em meados do início do século XX surge também nesta região o Sínodo de Missouri, que atualmente é a IELB (Igreja Evangélica Luterana do Brasil), uma instituição religiosa fundada nos Estados Unidos por imigrantes alemães. Essa instituição estabeleceu-se nas regiões de Pelotas e São Lourenço do Sul, região meridional do Rio Grande do Sul, em 1900 (WEIDUSCHADT, 2007). Ainda na atualidade essas três vertentes atuam na região da Serra dos Tapes-RS. Possuem em comum a prática de ritos religiosos e a consolidação de uma relação histórica com a educação de seus fiéis.

5A nacionalização ocorreu no período do Estado Novo, durante o governo de Getúlio Vargas, com a proibição da língua alemã e pomerana, provocando o enfraquecimento das escolas étnicas das comunidades religiosas. A nacionalização do ensino significou um esforço do governo para a formação de uma consciência nacional entre os cidadãos de núcleos etnicamente homogêneos; houve fechamento de escolas étnicas e destruição de material didático (MÜLLER, 1994). Para saber mais, ver o livro de Telmo Müller (1994).

6Os entrevistados dessa pesquisa assinaram o termo de consentimento livre esclarecido, em que concedem autorização para o uso de suas respectivas narrativas. Duas das entrevistas apresentadas no quadro foram trazidas de outro estudo, realizado em data anterior a esta pesquisa, logo desses dois entrevistados não se obteve a assinatura do termo de consentimento, o que justifica o uso de dois pseudônimos. Pensando nos cuidados com o sigilo, mesmo com a assinatura dos demais sete termos, optou-se em usar apenas as iniciais dos nomes dos entrevistados da pesquisa.

7De acordo com Pierre Bourdieu (1996), o habitus são modos de conduta a inculcar nos indivíduos por meio de disposições internas e que se constituií em práticas de todo um grupo social.

8Os estudos citados aconteceram no contexto de uma comunidade luterana urbana da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) - (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil).

9Nesse período de instrução cristã e/ou confirmação o jovens aprendem mensagens bíblicas, a confissão da igreja, os mandamentos do catecismo menor, entre outros ensinamentos relacionados com a Bíblia. Os jovens geralmente começam a frequentar o ensino confirmatório depois de terem completado onze anos, mas em alguns casos a idade pode variar entre onze e quinze anos (MALTZAHN, 2011).

10No contexto pomerano, essa conjuntura específica seria a dedicação a agricultura.

11Fotografia tirada entre os anos de 1958 e 1969, período em que o entrevistado W. V. atuou como professor nessa escola.

Recebido: 01 de Dezembro de 2022; Aceito: 20 de Março de 2023

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