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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-217 

Artigos

As Escolas Noturnas de Santa Catarina nas últimas décadas do século XIX1

Las escuelas nocturnas de Santa Catarina en las últimas décadas del siglo XIX

Sidneya Magaly Gaya1 
http://orcid.org/0000-0003-2074-6144; lattes: 7814039120082492

Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin2  2
http://orcid.org/0000-0002-4562-308X; lattes: 8076122422477570

1Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil). sidneyamagaly@gmail.com

2Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil). Universidade Federal da Bahia (Brasil). herminialaffin@gmail.com


Resumo

O artigo apresenta informações e análises sobre as poucas Escolas Noturnas no estado de Santa Catarina, Brasil, instituídas nas últimas décadas do Século XIX, no seio de uma sociedade elitista e racista. Na perspectiva de sistematização de dados, leva em conta a dificuldade de se obter registros históricos a respeito desta temática no contexto selecionado. As investigações tomam como referenciais teóricos os estudos de Sidney Chalhoub, Pierre Bourdieu e Michel de Certeau, e consideram a importância destas escolas como táticas nos processos de instrução e, portanto, construção de direito à cidadania por parte da população pobre e negra deste estado.

Palavras-chave: História da Educação; Escolas Noturnas; Educação de jovens e de adultos

Resumen

El artículo presenta información y análisis sobre las pocas Escuelas Nocturnas, en el estado de Santa Catarina, Brasil, instituidas en las últimas décadas del siglo XIX, en el ámbito de una sociedad elitista y racista. Desde la perspectiva de la sistematización de datos, se toma en cuenta la dificultad de obtener registros históricos sobre este tema en el contexto seleccionado. Las investigaciones toman como referentes teóricos los estudios de Sidney Chalhoub, Pierre Bourdieu y Michel de Certeau y consideran la importancia de estas escuelas como tácticas en los procesos de instrucción y, por lo tanto, construcción del derecho a la ciudadanía por parte de la población pobre y negra de este estado.

Palabras-Clave: Historia de la Educación; Escuelas nocturnas; Educación de jóvenes y adultos

Abstract

The article presents information and analysis on the few the Night Schools in the state of Santa Catarina, Brazil, established in the last decades of the 19th Century, within an elitist and racist society. From the perspective of data systematization, it takes into account the difficulty of obtaining historical records about this subject in the selected context. The investigations take as theoretical references the studies carried out by Sidney Chalhoub, Pierre Bourdieu and Michel de Certeau, and consider the importance of these schools as tactics in the instruction processes and, therefore, the construction of the right to citizenship by the poor and black population of this state.

Keywords: History of Education; Night Schools; Education for young people and adults

Introdução

As pesquisas sobre a participação das classes populares e, especialmente da população negra na história da educação em Santa Catarina, Brasil, considerando o protagonismo e a luta destes grupos por instrução como direito e possibilidade, ganharam fôlego a partir dos anos de 1990. A professora Ilka Boaventura Leite (1991, 2008) afirma este processo de silenciamento como parte de uma estratégia racista de invisibilização da população negra, especialmente aplicada no estado de Santa Catarina. As formas de interdição à instrução impostas às populações pobres e negras não se constituíram igualmente nos diferentes estados do país e as produções historiográficas que registram estes processos também foram diferentes.

A partir de 1990, publicações de autores como Paulino de Jesus Cardoso (2008), Jeruse Romão (2003, 2021), Velôr Pereira da Silva (2002), Graciane Daniela Sebrão (2010, 2015), bem como dos pesquisadores do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), que desde 2003 vem apoiando e produzindo estudos e pesquisas com a missão de “produzir e disseminar conhecimentos referentes às questões étnico-raciais, gênero, sexualidade e interseccionalidades objetivando combater as desigualdades” (NEAB, 2021), têm se dedicado investigar e socializar estudos que registrem as valiosas experiências de luta por educação, especialmente os pobres e negros em nosso estado, nos contextos conturbados das últimas décadas do século XIX.

A presente forma de construção historiográfica, pretende, desse modo contribuir para reduzir as perspectivas racista e classista ainda vigentes neste estado, oferecendo pontos de referências, elementos de diálogos e perspectivas para a construção de um processo histórico mais democrático e justo, que inclua efetivamente camadas da população cujas histórias têm sido tradicionalmente silenciadas e invisibilizadas.

O estudo sobre as Escolas Noturnas da década de 1870 em Santa Catarina situa-se no cruzamento entre diferentes e contraditórios anseios das diversas facções das elites e das classes populares. O crescimento populacional que demandava controle e disciplina para as classes populares, o fortalecimento da imprensa que fortalecia e formava opiniões, a reforma eleitoral que limitava direitos aos não alfabetizados e a crise do sistema escravagista que reclamava ações de encaminhamentos ou contenções à população não mais escravizada, bem como aos novos trabalhadores, incluindo imigrantes, que passariam a circular nas sociedades e, por outro lado os trabalhadores e suas famílias que aspiravam instruir-se das formas que lhes fossem possíveis, materializados também nas matrículas e frequências às poucas escolas noturnas ofertadas.

Nesse espaço social, no qual a instrução da população ainda não era um direito e sim uma dádiva e a produção de preconceitos contra os não instruídos se fortalecia, as escolas noturnas, espaços de instrução e construção de direitos para trabalhadores, negros e brancos, cativos, libertos e livres configurou-se lócus de resistência, participação popular e luta por direitos sociais.

No presente artigo, o contexto nacional é apresentado na intenção de descrever os elementos sociais dentro dos quais as escolas noturnas foram criadas. A província de Santa Catarina, na sequência é apresentada com as peculiaridades relativas à população, especialmente a população negra, que neste estado sofreu maiores interdições aos direitos à instrução, bem como ao conjunto de direitos à instrução atrelados, sobretudo, a partir da Reforma Eleitoral de 1881. Por fim, as escolas noturnas de Santa Catarina são apresentadas por meio de fatos e análises acerca da história deste acontecimento na província, nas últimas décadas do século XIX, na intenção de melhor compreender este processo, bem como contribuir para sistematizações e registros de dados, uma vez que há pouca produção historiográfica sobre este tema.

O contexto nacional

Redigido por Rui Barbosa, o Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881, conhecido como Lei Saraiva, inspirado em ideais iluministas, proibiu os votos dos analfabetos; adotou as eleições diretas para senadores, deputados à Assembleia Geral, membros das Assembleias Legislativas Provinciais, vereadores e juízes de paz e, permitiu que fossem eleitos acatólicos, ingênuos, libertos e naturalizados, bem como imigrantes estrangeiros, não católicos desde que possuíssem determinada renda. (PAIVA, 1987, p. 82-84). Segundo Chalhoub, também conhecida por Reforma Eleitoral de 1881, esta legislação restringiu os direitos políticos formais dos negros, já que, além da adoção “de critérios mais rígidos de renda, havia a novidade da exigência de alfabetização, inexistente anteriormente” em um “país em que negro na escola chegara até a ser caso de polícia” (CHALHOUB, 2010, p. 42). E, a despeito de toda a discussão desse contexto histórico sobre a expansão da instrução pública, houve pouquíssimos resultados além de:

uma legislação eleitoral que alijou da cidadania política, de uma penada, gerações de negros que viviam aqueles anos de crise final da escravidão na esperança de outro futuro. A exclusão dos analfabetos continuou república adentro, por muitas décadas, com a população afrodescendente a permanecer à espera da expansão da instrução primária a conta-gotas (CHALHOUB, 2010, p. 43).

Chalhoub afirma que a Reforma Eleitoral de 1881 foi construída no impasse no qual se encontrava a elite brasileira no início da década de 1880, entre as pressões inglesas por abolição da escravidão e pelo cumprimento da Lei de 7 de novembro de 1831, que declarava “livres todos os escravos vindos de fora do Império”, e impunha “penas aos importadores dos mesmos escravos”. A resistência escravocrata recrudesceu e estabeleceu limites objetivos e simbólicos para a conquista da cidadania por parte da população negra em uma nova configuração de “redefinições sociais e políticas da precariedade da liberdade” para estes sujeitos: Tornaram-se instrumentos de racismo os discursos eugenistas considerados científicos à época, a inacessibilidade à instrução primária, a necessidade de obtenção de autorizações legais “para criar associações baseadas em laços étnicos e raciais” e “a difusão de novas ideologias do trabalho” que esgarçavam o conceito de vadiagem e restringia a liberdade possível aos egressos do cativeiro e seus descendentes, fazendo deles os alvos preferenciais da suspeição policial nas cidades” (CHALHOUB, 2010, pp. 57, 58).

Portanto, embora Rui Barbosa defendesse que a orientação legal serviria de estímulo às buscas e pressões das camadas populares por instrução primária, não se verificou no período, condizente expansão da escolarização ou da alfabetização. As populações rurais, as mulheres e os negros permaneceram no mesmo lugar de interdição, enquanto se consolidava ideologicamente a associação entre analfabetismo e incapacidade de participação política, de autodeterminação e de cidadania.

Este embate chamou significativa atenção para a instrução de adultos, de modo que as escolas noturnas se multiplicaram nas províncias na década de 1880, ainda que já houvesse menção a esta modalidade educativa desde 1854, na legislação imperial expressa no Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, o qual, no Art. 69 determinava a interdição tanto da matrícula quanto da frequência, no § 3º, “aos escravos”, e no Art. 71, determinava:

Quando huma escola do segundo gráo tiver dois professores, serão estes obrigados alternadamente, por mez ou por anno, a ensinar as materias da instrucção primaria duas vezes por semana, nas horas que lhes ficarem livres, ainda que seja em domingos e dias santos, aos adultos que para esse fim se lhes apresentarem. O Governo poderá incumbir esta tarefa, mediante huma gratificação que será marcada por cada discipulo, ao parocho ou seu coadjutor nas parochias em que não estiver estabelecido o ensino do segundo gráo. No caso de escusa da parte destes, ou não se podendo verificar por qualquer circumstancia a providencia mencionada, poderá ser incumbido daquelle ensino, nos domingos e dias santos, o professor do primeiro gráo ou algum professor particular, que se queira delle encarregar com a referida gratificação3. (BRASIL, 1854).

As condições de ofertas destas escolas foram replicadas em uma proposição dentro “da máxima economia para os cofres públicos”, conforme ilustradas no discurso do Ministro dos Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho, apresentado como justificativa para seu Decreto 7031 A de 1878, o qual determinava a criação dos cursos noturnos para adultos “nas escolas públicas de instrução primaria do 1º grau do sexo masculino do município da Corte”:

No seio dos povos livres nada há tão digno de compaixão como o adulto analfabeto, isto é, o homem que, adiantado na vida física, mas alheio às evoluções da vida moral, está separado da comunhão social pelo negro abismo da ignorância.

Como garantir um direito a quem não o sabe exercer e impor uma obrigação a quem não pode cumprir? Foi atendendo a essas considerações que empreendi e levei a efeito a criação dos mencionados cursos. A medida foi realizada com a máxima economia para os cofres públicos, visto que os cursos, como já fiz ver, funcionam nas casas ocupadas pelas escolas públicas, e o ensino é ministrado pelos professores das mesmas escolas, mediante razoável gratificação pelo excesso de trabalho (BRAZIL, 1878).

O emblemático discurso do ministro reafirmava a impossibilidade da garantia de direitos “a quem não o sabe exercer”, tomando por base o saber da cultura letrada em detrimento dos saberes da experiência aos homens que, não instruídos, situavam-se alheios “às evoluções da vida moral”, separados “da comunhão social pelo negro abismo da ignorância”. A estes homens, os adultos analfabetos, caberia a compaixão, contudo, moderada (inexistente para a maioria), já que o investimento público para os instruir realizava-se com base na máxima economia para os cofres públicos. A concepção de que o analfabeto seria incapacitado politicamente e não merecedor de direitos assegurados, mesclava-se com a determinação de normas de conduta adequadas para lidar com este problema social: controle, compaixão e ações de baixos custos econômicos.

Notas sobre a Província de Santa Catarina no período oitocentista

A província de Santa Catarina não se inseriu nas grandes atividades exportadoras, como a plantation ou a mineração, fator que limitou a quantidade de escravizados em relação às outras províncias, contudo, manteve mesmo assim alto “grau de dependência do trabalho escravo” e, nesse sentido, a despeito de produções sociológicas ou historiográficas, a província catarinense não se constituiu com a ausência ou a pouca presença e força de trabalho da população negra. Contudo, a produção da imagem do território “como vazio de gente e de impulsos econômicos capazes de projetá-lo no cenário nacional” interessa à construção da “invisibilidade” dos negros, no conjunto das estratégias racistas que intencionam projetar o estado como sucesso da política de branqueamento e de negação das histórias e experiências da população negra (LEITE, 1991, pp. 17, 18).

Paralelamente à produção de discursos sobre a pouca presença negra na população da província seguia a política de branqueamento. Segundo Hofbauer (2003), o ideário de branqueamento “tem atuado” como “suporte ideológico” de relações de poder de tipo patrimonial que aqui se estabeleceram e se firmaram desde a Colônia”. Tal ideário, desde o fim do século XIX, constituiu-se “argumento importante para o discurso daquela parte da elite brasileira (políticos e cientistas) que queria mudanças econômicas, mas, ao mesmo tempo, preocupava-se em manter a velha estrutura de poder no país”. Desse modo, “serviu como uma saída ideológica para este momento crítico de transformações na política e na economia” e legitimou a promoção, por parte da elite política, “da grande campanha de “importação” de mão-de-obra branca europeia - o que teria como “efeito colateral” a “marginalização” (“não-integração”) dos negros na nova sociedade de classes que estava surgindo nos centros urbanos do país” (HOFBAUER, 2003, pp. 67, 68). Assumida como política de estado, a referida importação de mão-de-obra branca fez com que “num período de menos de 25 anos (de 1890 a 1914) [chegassem] 2,5 milhões de europeus ao Brasil; quase um milhão deles (987.000) tiveram suas viagens de navio financiadas pelo Estado” (HOFBAUER, 2007, p. 2). A ideia de, por um lado, prover o “melhoramento” racial, por meio de possíveis casamentos interraciais com a predominância quantitativa de brancos na sociedade e, por outro, de exterminar ou expulsar os negros, interditando seus direitos fundamentais como o direito ao trabalho, ao acesso às terras, à locomoção, à instrução; parecia oferecer solução ao problema iminente da abolição da escravidão e, portanto, do que fazer com a grande população de negros na sociedade.

Na província, imigrantes alemães chegaram nas décadas de 1820 e de 1880, os primeiros italianos, a partir de 1875 e os primeiros poloneses de 1882 (PAULILO, 1998). O incentivo à colonização europeia justificava-se pela possibilidade de aquisição de mão-de-obra abundante e barata tanto quanto pela possibilidade de branqueamento da população. Segundo professora Ilka Boaventura Leite, “a colonização da região sul” no intuito de “tornar o País “racialmente mais branco”, propiciou condições favoráveis aos imigrantes e, com elas, a reprodução das desigualdades instauradas no período escravista, confirmando, assim, as teorias raciais em vigor” (LEITE, 2008, p. 966).

É fundamental a compreensão da processual estruturação do racismo em Santa Catarina, que, implicava diretamente aspectos como exploração da força de trabalho, expropriação de terras, negação de direitos e desvalorização de cosmovisões e epistemologias, exercício de violência, entre outros. Entretanto, a inserção na modernidade compreendia, também fundamentalmente, a necessidade da instrução do povo, incluindo “africanos” e “caboclos”, como explicam Romão e Carvalho:

Observamos o chamado das elites aos filhos das famílias menos abastadas ao espaço escolar. Essa “preocupação” em conduzir o povo à escolarização seria o desejo de normatizar, ordenar, homogeneizar as massas aos meios de controle social, entre eles a escola, que se apresentava de forma mais eficaz e direta. Nesse novo contexto os negros são considerados cidadãos. Aparentemente eles vão estar “diluídos” na camada mais significativa da população - os pobres. Ou seja, vão dividir espaços com os não negros, mas igualmente pobres (ROMÃO e CARVALHO, 2003, p. 50).

Nesse contexto, a missão de instruir e civilizar uma sociedade tão heterogênea para construir um sólido corpo político precisava, sobretudo, estender seus esforços às parcelas da população que careciam ser higienizadas, instruídas e civilizadas, ou seja, que a elite organizasse, controlasse e consolidasse a civilização das classes populares por meio da instrução. Desse modo, a escola pública, “ainda que se tenha instalado em condições muito precárias e, portanto, não se tenha constituído como uma alternativa social” configurava-se um instrumento essencial para negros, mestiços e pobres, já que “em geral, crianças das famílias abastadas brancas buscavam meios próprios de educação de seus filhos, enquanto, por sua vez o discurso civilizador destinava-se aqueles que na percepção das elites careciam de civilização”. O contexto de sua implementação compreendia “a presença reiterada do discurso da missão civilizadora da escola por parte das elites governamentais; as precárias condições de funcionamento das escolas públicas de maneira geral; e o alto índice de analfabetismo em fins do século XIX” (VEIGA, 2008, p. 503, 504). Assim, o período imperial do século XIX apresentou “projetos e práticas educacionais especificamente voltadas para jovens e adultos trabalhadores [...] como os cursos primários noturnos, as escolas dominicais, as conferências populares e os cursos de ensino profissional” (COSTA, 2007, p. 48).

Na província de Santa Catarina, no que tange à estrutura racista aplicada no processo de escolarização, segundo Sebrão (2010), a primeira proibição à matrícula de cativos apareceu com a Lei nº 382 de 1º de julho de 1854, que em seu Art. 35 interditava a instrução pública aos “cativos e aos afetados por moléstias graves”. Na sequência, o Regulamento para a Instrução Primária de Santa Catarina de 5 de maio de 1859, manteve a interdição e o Regulamento para a Instrução Secundária de 30 de junho de 1859, no 27º Art., deliberou que não fossem admitidos à matricula os escravos, os que sofrerem moléstias contagiosas, e os que por mau comportamento tiverem sido expulsos das aulas, por determinação do Presidente da Província. Com os mesmos termos, o Regulamento de 29 de abril de 1868, aprovado pela Lei nº 620 de 04 de junho de 1869, assegurou a proibição das matrículas no §1 aos meninos que padecerem moléstias contagiosas; e no §2 aos escravos. Segundo a autora:

A proibição aos cativos de frequentar as escolas foi prevista em regulamentos da instrução pública de diversas Províncias, como a do Maranhão (Regulamento de 1855), de São Paulo (Regulamento de 1869), de Minas Gerais (Regulamento de 1835) e do Rio de Janeiro (Regulamento de 1887), sendo que este último possuía uma distinção: além dos cativos, estavam proibidos de frequentar a escola os “pretos africanos”, mesmo libertos ou livres (SEBRÃO, 2010, p. 65).

Em relação à instrução de jovens e de adultos que não possuíssem instrução, havia em Santa Catarina atendimento por meio das Escolas de Aprendizes de Marinheiros de Santa Catarina (EAMSC), na década de 1850, para meninos de 10 a 17 anos e as Escolas Noturnas para maiores de 15 anos, na década de 1870, e, depois, a partir de 1910, “Escolas de Aprendizes de Artífices”, inicialmente para alunos entre 10 e 13 anos, e na sequência entre 10 e 16 anos. Vale enfatizar que os relatórios provinciais de Santa Catarina no oitocentos possuíam um espaço específico destinado à “Instrução Primária”, o qual, na maioria das vezes, eximia-se de apresentar dados sobre as “Escolas Noturnas” ou sobre as “Escolas de Aprendizes de Artífices”, já existentes em outras províncias à época.

Escolas noturnas em Santa Catarina

De acordo com o Relatório da Repartição dos Negócios do Império de 1871, a criação das escolas noturnas para a instrução de adultos realizava-se naquele ano nas províncias de “Pernambuco, onde foi iniciada, Alagoas, Bahia, Pará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Rio de Janeiro, Amazonas, Maranhão e S. Paulo, as seis primeiras pela administração pública, e nas três últimas, por esforços de cidadãos” (BRASIL, 1871, p. 25). Em 1872, o mesmo relatório orientava a necessidade das escolas noturnas serem exercidas com base na “salutar inspecção do poder público”, e, para tanto que: tivessem por “fim especial” prover o ensino a pessoas adultas que não pudessem frequentar escolas públicas ou particulares; que só atendessem maiores de 15 anos; que se estabelecessem com base na falta de escolas públicas e com horários de lições adequados às condições dos alunos e seus familiares; e, que, a abertura dos estabelecimentos precedessem certas formalidades, e provas de habilitações que afiançassem a moralidade do regime escolar, tanto para as escolas públicas quanto para as particulares (BRASIL, 1888, p. 92). No mesmo período, a Diretoria Geral de Estatística lançou o balanço do quantitativo de escravizados alfabetizados nas províncias.

Quadro 1 Percentual de Escravizados alfabetizados por províncias em 1872 

Província Total de Escravizados Total de Alfabetizados Percentual
Amazonas 979 0 0,000%
Pará 27.458 89 0,324%
Maranhão 74.939 72 0,096%
Pihauy 23.795 6 0,025%
Ceará 31.913 47 0,147%
Rio Grande do Norte 13.020 7 0,054%
Parayba 21.526 61 0,283%
Alagoas 35.741 53 0,148%
Sergipe 22.623 0 0,000%
Bahia 167.824 64 0,038%
Espírito Santo 22.659 1 0,004%
Município Neutro 48.939 329 0,672%
Rio de Janeiro 292.637 107 0,037%
São Paulo 156.612 104 0,066%
Paraná 10.560 8 0,076%
Santa Catharina 14.984 46 0,307%
Rio Grande do Sul 67.791 100 0,148%
Minas Geraes 370.459 145 0,039%
Goyas 10.652 7 0,066%
Mato Grosso 6.667 0 0,000%

Fonte: Produção com base em: BRAZIL. Directoria Geral de Estatística - 1872

Em relação ao quadro 1 fica muito evidente a baixíssima difusão da alfabetização entre a população escravizada registrada. Todas as províncias possuem menos de 1%. Em números absolutos, contudo, destaca-se o Município Neutro (atual Rio de Janeiro), no qual, a pesquisadora Ana Luiza Jesus da Costa (2007) investigou e constatou uma série de ações e mobilizações por parte, inclusive, dos grupos populares que lhes assegurassem as possibilidades de instrução. Nesse sentido, não só essas ações foram significativas, como também as que ocorreram durante e após os eventos no sentido de resguardar fontes que pudessem construir essa história. Também vale contrapor aqui a condição das produções estatísticas como consonantes das estratégias, no caso, estratégias de localização da população negra, especialmente a escravizada, como quase totalmente analfabeta. Tais dados, ao serem coletados, tratados e publicizados, constituem-se um “retrato de realidade”; não apenas não levam em conta as experiências dos participantes e dos sujeitos estudados, como também ao serem produzidos pelas elites inclinam-se a atender aos interesses destas mesmas elites.

Importante refletir sobre o fato de que aliadas às Escolas como lugares de produção das hierarquias sociais racistas e classistas, as produções estatísticas eram também produções “racionalizadas, expansionistas, centralizadas, barulhentas, espetaculares” a inscrever na história a quase total impossibilidade de instrução ou alfabetização para os escravizados, variando entre 0 e, excepcionalmente, 1%. Dentro desta história situavam-se sujeitos absolutamente ocupados com táticas de sobrevivência, uma vez que “as aspirações e exigências são definidas em sua forma e conteúdo pelas condições objetivas que excluem a possibilidade de desejar o impossível” (BOURDIEU, 1998, p. 47). Além do que, tanto esforço não se mostrava empiricamente assegurador de garantias de melhores condições de vida. Entretanto, no curso da história inscrevem-se produções diversas, decorrentes das produções estatísticas e discursivas, demonstrando que as formas de consumo destas produções discursivas também se fizeram muitas vezes de forma “astuciosa e dispersa”, ubiquamente insinuadas” “silenciosas e quase invisíveis”, constituindo-se em “outras maneiras de empregar os produtos impostos pela ordem econômica dominante” (CERTEAU, 2020).

Nessa perspectiva, a oferta de instrução, nas Escolas Noturnas no século XIX na província de Santa Catarina constituiu-se lócus de experiências diversas. Localizadas no cruzamento entre a afirmação da instrução como instrumento de acesso à cidadania (legitimado pela Reforma Eleitoral) e tendo interdições materiais e simbólicas para a frequência da população negra e pobre às escolas, estas Escolas Noturnas apresentaram-se como espaços de acolhimento às classes populares, trabalhadores pobres, adultos, sem instrução primária, negros e brancos, libertos e cativos, todos acolhidos sob o signo de que podem aprender a ler, escrever, calcular matematicamente, apropriar-se da história e geografia entre outros conhecimentos e afirmar-se socialmente sobre novas bases.

Segundo o jornal “A Regeneração”, a província de Santa Catarina teve sua 1ª Escola Noturna, criada pelo jovem Franciscano, Sr. Benjamim Carvalho d’Oliveira, professor público efetivo de Camboriú, em 16 de julho de 1871, frequentada por 60 alunos. Também neste ano, o presidente da província, descreve o seguinte ato:

O presidente da província lendo no jornal oficial “O Conciliador” um pedido assinado pelo chefe de seção F... pedido cheio de grosseiríssimos erros, resolve demiti-lo, e nomeá-lo professor da Escola Noturna. (A REGENERAÇÃO, 1871).

Da informação de que um funcionário por ter escrito um pedido com “grosseiríssimos erros” foi demitido e nomeado professor de uma Escola Noturna, pode-se depreender que tal função era considerada inferior, passível de ser exercida por alguém com maiores dificuldades de escrita. Podemos interpretar outros sintomas para este indício, como a negação de recursos oficiais e a consolidação pejorativa a esta modalidade educativa.

Contraditoriamente, o Ofício da Diretoria da Instrução Pública para o Presidente da Província de fevereiro de 1872, em resposta ao questionamento da Corte sobre a necessidade de envio de materiais de leitura a ser enviados para as Escolas Noturnas da Província de Santa Catarina, responde relatando que não há na província tais escolas. No mesmo ano, em outubro, também por Ofício foi anunciada a criação da primeira escola dessa modalidade, na Freguezia de Camboriu, com 21 alunos, adultos frequentes, dirigida pelo professor Benjamin Carvalho d’Oliveira (SEBRÃO, 2010, p. 89).

O Relatório do presidente Antônio de Almeida e Oliveira da Província em 1879 mencionava a subvenção à Escola Noturna de Desenho, a funcionar na Capital. Vale comentar a continuidade registrada desta escola, sobretudo, no periódico “A Regeneração”, o qual apresentava seu funcionamento, com exposições anuais, por mais de uma década. Em 1882, o presidente Antonio Gonçalves Chaves, “sugeriu que a aula de desenho da capital fosse anexada à Escola Normal, para o ensino de Desenho e Geometria, oferecendo um pequeno aumento na gratificação do referido professor” (SEBRÃO, 2010, p. 89, 90).

Sobre as condições da instrução primária e, nesse contexto, também das Escolas Noturnas, refere-se no Relatório de 1883, o presidente da Província de Santa Catarina, Theodoro Carlos de Faria Souto:

Dizem que não há edifícios nem edifícios escolares, nem bibliotecas escolares e pedagógicas, nem cursos noturnos para adultos, nem jardins de infância, nem salas de asilo, nem instituições de ensino médio, nem escolas profissionais. Dizem que não há escolas dominicais, nem reuniões pedagógicas, nem professores ambulantes, nem museus escolares e pedagógicos, nem caixas econômicas escolares. Dizem que os métodos e processos de ensino são maus, os planos imperfeitos e os programas estreitos e anacrônicos. (Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina, Theodoro Carlos de Faria Souto 1883, p. 49, 50 grifos da autora).

De acordo com o jornal A Regeneração, já havia no ano de 1883 em Santa Catarina Escolas Noturnas, entretanto, diferentemente de outras províncias, não mantidas pelo poder público. Desse modo, a fala de Faria Souto pode significar tanto uma negação ou desconhecimento de tais ações por parte da sociedade civil, quanto uma reclamação em relação à ausência do Estado no provimento do direito à oferta gratuita de instrução aos jovens e adultos trabalhadores na província.

Entre os relatórios provinciais de Santa Catarina do período do Brasil Imperial analisados, destaca-se o de outro presidente da província a mencionar a instrução de adultos: João Thomé da Silva, que governou entre 1873 e 1875. Em seu Relatório de 1874, afirma que “Tornar a instrução primária uma obrigação legal é uma necessidade.” (Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina, Thomé da Silva, 1874, p. 38). E, sobre as escolas noturnas:

“Das duas que existem na Província, segundo informa o Encarregado da Instrução Pública, mostra grande desenvolvimento a da Capital no ensino do desenho, sendo frequentada por 60 alunos de todas as idades. A de Camboriú cada vez vais sendo menos frequentada sem que para isto haja razão plausível. Faltam-me os dados necessários para informar circunstanciadamente a respeito desta escola”. (Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina, Thomé da Silva, 1874, p. 42, 43).

Em seu Relatório de 1875, Thomé da Silva contabiliza que os 11 municípios e a população de 163.500 pessoas da Província, contam com 104 Escolas Públicas e 32 Particulares. Das 104 Escolas Públicas, 65 estão preenchidas e 39 estão vagas. “Divididas as escolas que possuem províncias por sua população, cabem a cada uma, 1202 habitantes” e, conclui que ao fim de 1874, “frequentaram todas as escolas da província 39744 alunos sendo das públicas 2798 e particulares 1101(p. 61)”. Sobre as Escolas Noturnas, relata:

Existem na Província quatro Aulas Noturnas de Ensino Gratuito: Duas na Capital, uma na cidade de São Francisco, e outra na Freguesia de Camboriú. Das duas da Capital, uma é de Instrução Primária e outra de Desenho. Na de São Francisco, além da Instrução Primária ensina-se Latim, Francês, História e Geografia, Escrituração Mercantil, Música vocal e instrumental. A de Camboriú é apenas de Instrução Primária. A de São Francisco foi instalada a 7 de setembro findo por iniciativa dos cidadãos Reverendíssimo Vigário Antônio Francisco Nóbrega e Hermelino Jorge de Linhares e conta já matriculados 70 alunos. A de Camboriú, iniciada pelo professor público Benjamim Carvalho de Oliveira foi instalada a 19 de dezembro. Tanto esta como as duas da Capital têm frequência regular.” (Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina, Thomé da Silva, 1875, p. 62, 63).

Em 1876, a Vila do Itajahy inaugurou sua primeira Escola Noturna, com 24 alunos, sob a condução do professor público Justiniano José de Souza e Silva. No mesmo ano, na Freguesia de Santo Antonio, o professor Lucio Francisco da Costa, inaugurou com 12 alunos a escola “Propagadora da Instrucção” e, no Distrito de São José: a “Escola da Conceição”, feminina, dirigida pela professora D. Maria Adelaide da Gama de Camargo, e a “Escola de São João”, masculina, dirigida pelo professor público Lucio Hyppolito de Camargo e ainda uma escola para meninos, dirigida pelo cidadão Manoel Ignacio Pereira. Por fim, ainda em 1876, em Laguna foi fundada a sociedade "Propagadora da Instrucção", com o objetivo de construir “uma escola para instruir a mocidade no ensino primário e secundário, assim como uma biblioteca popular para "despertar-lhe o gosto pelas lettras"”. Sem o apoio do poder público, essa fundação contou com a liderança do Juiz Municipal Dr. Augusto Gurgel (SEBRÃO, 2010, p. 90, 91).

A análise dos relatórios provinciais do Estado de Santa Catarina das décadas de 1870 e 1880 apresenta poucos documentos com menções à instrução de adultos na perspectiva das Escolas Noturnas; sujeitos demandantes da instrução primária e que já tinham necessidade de trabalhar para sustentar a si mesmos e ou às suas famílias. Importante comentar também que a oferta de cursos profissionalizantes às moças e mulheres, incluindo as que não possuíssem a instrução primária e que já funcionavam em outras províncias desde o final do século XIX, só passariam a funcionar como Escolas Profissionais Femininas em Santa Catarina em 1935.

Também é notável, nesse contexto, que a Escola de São Francisco, fundada pelo Vigário Antônio Francisco Nóbrega e Hermelino Jorge de Linhares como já foi mencionado, definisse no 8º Artigo a possibilidade de matrículas aos escravos que tivessem licença de seus senhores. Além disto, a funcionar na Capital desde 1873, criada pela Sociedade Maçônica a Escola Noturna “Luz do Povo”, com a frequência de 60 alunos, maiores de 16 anos, atendia também escravos que possuíssem autorização de seus senhores. As aulas aconteciam na Loja Maçônica, com aulas ministradas pelos maçons, e, foi alvo de críticas por parte do periódico religioso “O Apóstolo”, o qual, segundo Silva (2018), a define como distanciada das demais escolas noturnas maçônicas, já que visava a “formar cidadãos materialistas, inimigos da religião e da pátria, que serão um dia o flagelo da sociedade brasileira”. Por fim, advertia “que as escolas maçônicas envenenam lentamente a mocidade, pervertendo-a com o ensino de doutrinas condenadas pela Igreja” (SILVA, 2018, p. 120, 121). A Maçonaria, à época, expressava-se em defesa do Estado para a universalização da instrução, como forma de combater “as barreiras” impostas pelas “desigualdades da fortuna”, conforme afirmado em seu Boletim em 1871 (BOLETIM DO GRANDE ORIENTE DO BRASIL, 1871, p. 4).

Sobre a Escola de São Francisco, de acordo com a “Memória Política da ALESC (2019), o deputado Hermelino Jorge de Linhares fundou a escola e ainda a dirigiu durante dois mandatos parlamentares (1874 e 1875), lecionando também a disciplina de instrução primária.

O periódico da ala liberal “A Regeneração: jornal da Provincia de Santa Catharina” foi o único do período que apresentou regularmente importantes informações sobre as Escolas Noturnas catarinenses. Fundado em 1868, pela facção política Liberal, na época, opositora à dos Conservadores; partido iminentemente católico, localizado no poder. Joana Maria Pedro (1995) comenta que este foi um dos periódicos que excepcionalmente sobreviveu na oposição e um dos que apresentou maior tempo de circulação. Tal oposição, contudo era combatida não apenas no plano discursivo, no município de Desterro (capital da província de Santa Catarina), já que em 1870, em sinal de protesto, as portas do jornal “A Regeneração” amanheceram pintadas com excremento humano, além de ter sido o mesmo material despejado em suas calçadas da frente (PEDRO, 1995, p. 57).

O anúncio registrado na Edição de 1873 permite interpretar que as aulas ofertadas em Desterro, na Loja Regeneração, são protagonizadas pela Sociedade Maçônica. Intitulado: “Aula Noturna de Instrução Primária Gratuita”, assim apresenta-se:

O abaixo-assinado professor da aula noturna de instrução primária criada pela Loja Regeneração Catarinense previne a todas as pessoas que quiserem se matricular na referida aula que me encontrarão na casa de minha residência à rua do Senado ou na casa da aula à rua do Imperador, junto à Loja acima das 5 às 8 horas da noite; devendo os que forem escravos, apresentar licença de seus senhores. Desterro, 4 de fevereiro de 1873. Candido Melchiades de Souza (A REGENERAÇÃO, 1871).

Em 1873, o periódico traz uma seção sobre as aulas noturnas, as quais, destinadas “aos operários” e aos “cativos”, “lançados ao mais criminoso abandono” e “vítimas do desprezo das classes abastadas”, eram mantidos na “ignorância, para que não tivessem consciência da própria degradação” oferece a estes, “aulas abertas, nas horas em que o trabalho diário deixa desembaraçados os artistas e os industriosos, e oferecendo-lhes além da instrução primária indispensável, as artes e os princípios mais gerais que dirigem as artes e as indústrias, tornam-se extraordinariamente vantajosas e dignas de apoio e de acoroçoamento”. No mesmo ano, outra edição informa que a Loja Regeneração Catarinense atende mais de 55 alunos (A REGENERAÇÃO, 1873).

A Edição de 1874 anuncia o “Convite à distribuição de prêmios de conclusão do curso anual de desenho das aulas noturnas” do Professor Manoel de Oliveira (Desterro, 15 de fevereiro de 1874). A próxima edição informa que 23 alunos foram premiados (A REGENERAÇÃO, 1874). No mesmo ano, são fornecidas informações sobre os professores e o programa da Loja de São Francisco. Tendo como diretor Vigário Antonio Francisco Nóbrega e vice-diretor e fundador Hermelino Jorge de Linhares as aulas ofertam as disciplinas de: Latim; Francês e História, Geografia; Aritmética, Metrologia e Gramática da Língua Nacional; Escrituração Mercantil; Música Vocal e Instrumental; e Instrução Primária e ocorrem de segunda a sexta-feira entre as 18h00 e 20h00 (A REGENERAÇÃO, 1874).

A Edição de 1881 que apresentava o Projeto de Lei para orçar a receita e fixar a despesa provincial do exercício dos anos de 1881 e 1882 de número 20, informava sobre os vencimentos destinados à instrução pública (A REGENERAÇÃO, 1881):

Quadro 2 Despesas com Instrução Pública para 1881 em Santa Catarina 

Serviço Vencimento
Diretor de Lentes da Instituição Secundária 7:800$000
Gratificação ao Porteiro do Atheneu 600$000
Professores da Instrução Primária 70$000
Diretor Geral da Instrução Pública 2:700$000
Secretário da Instrução Pública 1:400$000
Porteiro da Biblioteca 900$000
Professor da aula noturna de desenho 300$000
Auxílio ao Museu Provincial 300$000
Utensílios para Escolas e Expediente do Atheneu, Biblioteca e Instrução Pública 1:800$000

Fonte: A regeneração, 1881.

Pelo quadro 2 pode-se inferir que no ano de 1881 apenas um professor da Escola Noturna era remunerado pela província e que sua remuneração de 300$000 (trezentos réis), a qual era inferior à do porteiro do Atheneu, que era de 600$000 réis (seiscentos réis) e muito inferior à do Secretário da instrução Pública, que era de 1:400$000 (mil e quatrocentos réis ou um conto e quatrocentos réis). (A REGENERAÇÃO, 1883).

Já o quadro 3 apresenta possivelmente um aumento na remuneração do professor de desenho da aula noturna, o que reforça a informação do periódico de 1882, segundo o qual, o presidente da província Antonio Gonçalves Chaves, havia sugerido aumento no vencimento desse professor.

Quadro 3 Despesas com Instrução Pública para 1883 em Santa Catarina 

Serviço Vencimento
Instrução primária pessoal 69:600$000
Aluguéis de casas para as escolas 8:000$000
Secretarias, livros e utensílios para as escolas 4:900$000
Professor da aula noturna de desenho 600$000
Gratificações Extraordinárias 700$000
Utensílios e objetos para escrita 1:700$000
Professores Subvencionados 2:160$000

Fonte: A Regeneração, 1883.

As comemorações e homenagens por mais um ano de existência da Escola de Desenho são citadas em diversas edições até aparecerem pela última vez no ano de 1888, a louvar os 16 anos da escola de desenho cujo mesmo diretor era o Sr. Manoel Francisco das Oliveiras. Este exemplar cita ainda, sobre a escola:

Durante esse tempo, essa aula fez algumas brilhantes exposições de seus alunos, e dela têm saído moços regularmente habilitados, tendo dado até um para a Academia de Bellas Artes, Sebastião Fernandes, onde se fez um bom artista e cujos trabalhos na Capital do Império onde reside têm sido mui admirados (A REGENERAÇÃO, 1888)

Embora a escola noturna de desenho tenha realizado algumas conquistas, como a remuneração do professor e seu aumento, além da sobrevivência por 16 anos e a reconhecida mobilidade social de pelo menos um de seus alunos, suas referências mereceriam ser melhor e mais registradas. Também refletimos sobre o fato de não terem as conquistas dessa escola servido para angariar maior apoio às demais escolas noturnas que funcionavam, bem como à criação de outras, tão necessárias na província. Contudo, fica registrada a solidez e a longevidade desta ação tão pedagógica quanto política, praticada em bases mais democráticas, as quais permitem a construção de outras matrizes de criação de crenças e táticas de arquitetura social.

Considerações finais

Lamentavelmente, apesar de nossos esforços, não conseguimos maiores informações sobre quem foram os sujeitos que frequentaram as aludidas escolas, por quanto tempo e quais as implicações em suas vidas, componentes de suma importância para a composição de banco de dados e também para melhor compreensão destas como instrumento de apropriação e certificação de conhecimentos de instrução primária, destinadas às camadas ainda mais vulneráveis da população catarinense, quais sejam os jovens e adultos, trabalhadores e afrodescendentes.

Ainda que tenha demonstrado contraponto relativamente à legislação discriminativa da época o fato de as Escolas Noturnas assim como algumas escolas públicas do período imperial em Santa Catarina aceitarem negros como alunos, é importante salientar que os estudos ministrados eram fundamentalmente de cunho civilizatório e de preparação para o trabalho, em consonância com a proposição higienista e o fato de que:

As elites traçaram as mais novas teorias educacionais. Entre as mais progressistas, o higienismo apregoava a salvação pela educação, disciplina e controle. Segundo teorias vigentes, os filhos da elite teriam uma tendência natural à virtude, enquanto os filhos da maioria, das “classes perigosas” seriam propensos à vagabundagem, ao crime, ao alcoolismo, à ignorância. Essas teorias afirmavam que não era conveniente dar à infância desvalida uma educação cultivada, uma “cultura de espírito superior à sua posição social”, pois ela poderia suscitar aspirações “que não poderiam ser realizadas”. Era preciso inculcar nos meninos e meninas [e no caso, das escolas noturnas, aos jovens e adultos] “hábitos de trabalho” e uma “verdadeira educação moral”. [...] É, portanto, no bojo destas ideias que surge o discurso cientificista da higiene, junto com o qual, consequentemente, surge a preocupação sobre a repressão à ociosidade, e o temor de se encontrar dificuldade em garantir a organização do mundo do trabalho, sem o recurso e as políticas de domínio características do cativeiro (RAMOS, 2008, p. 116).

Nesse sentido, a coerência entre o ato de demitir um funcionário por escrever com grosseiros erros e nomeá-lo como professor de Escola Noturna, a não remuneração da maioria dos professores dessas escolas, e as condições precárias de estudo por parte dos estudantes após um dia cansativo de trabalho, além da negação dessas escolas à maioria da população que delas se poderiam beneficiar, corroboravam a afirmação do lugar subalterno desses sujeitos na sociedade catarinense da segunda metade do século XIX.

A maioria dos relatórios provinciais ao tratar da instrução primária também reclamava com outros termos, as dificuldades denunciadas pelo presidente Faria Souto (1883): a ausência de edifícios escolares e bibliotecas escolares e pedagógicas, de cursos noturnos para adultos, de jardins de infância, de instituições de ensino secundário, de escolas profissionais, de reuniões pedagógicas, professores ambulantes, museus escolares e pedagógicos, caixas econômicas escolares, além da precariedade dos métodos, planos, programas e processos de ensino. Ao reclamarem recorrentemente de que a província destinava um terço de seu orçamento para a instrução, não comentavam que a arrecadação financeira da província era uma das menores do Império. Contudo era nessas condições descritas nos relatórios como precárias que uma pequena parte da população pobre e afrodescendente tinha acesso à instrução, já que, como foi relatado, as famílias abastadas matriculavam seus filhos nas escolas particulares ou contratavam professores particulares.

As Escolas Noturnas catarinenses deixaram poucos registros, inscreveram-se neste pequeno período histórico e apresentaram-se como espumas das ondas forjadas abaixo da superfície tendo por coautores agentes de mentalidades descontentes, provavelmente, com a exclusão dos deserdados da Terra na distribuição do direito à escolarização ou instrução. Nesse sentido, os agentes que participaram das Escolas Noturnas - professores, alunos, familiares que os apoiaram e demais contribuintes com o processo - viabilizaram tanto a socialização dos conhecimentos escolares, os quais, por sua vez, instrumentalizam a luta por outros direitos, quanto a construção de uma outra conduta possível calcada no direito de frequentar a escola, de experienciar o mundo e expressar-se por meio das tecnologias da escrita e da leitura, possibilitando a autoconstrução da própria imagem como sujeitos de direitos em uma sociedade altamente elitista e racista.

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1Este trabalho faz parte da pesquisa de doutorado de Sidneya Magaly Gaya intitulada “Estratégias e táticas para a formação de crianças, jovens e adultos das classes populares e da população negra em Santa Catarina (1870-1930)”, concluída em 2022, que contou com o apoio da bolsa de estudos da CAPES, bem como do grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (EPEJA). Estudos realizados no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

3Em respeito à integridade dos documentos históricos, mantivemos a grafia no original em todas as citações, nomenclaturas e referências desses documentos.

4Apesar de se perceber uma diferença na soma de alunos das escolas públicas e das particulares em relação ao total informado, mantemos aqui o dado que consta o relatório de 1875, mesmo que no mesmo não haja a identificação do porquê dessa diferença.

2Pesquisadora Visitante (CNPq 2022-2023) no Programa de Pós-graduação em Educação (UFBA).

Recebido: 02 de Dezembro de 2022; Aceito: 19 de Março de 2023

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