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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-219 

Resenhas

A História da Educação em movimento: entre arquivos, sujeitos e atores

History of Education on the move: among Archives, subjects, and actors

La Historia de la Educación en movimiento: entre archivos, sujetos y actores

Ana Cristina Santos Matos Rocha1 
http://orcid.org/0000-0001-5718-1293; lattes: 6556366014096320

1Fundação Oswaldo Cruz (Brasil). Bolsista de Pós-Doutorado da Faperj. anasmrocha@gmail.com

WARDE, Mirian J.; OLIVEIRA, Fernando R. História da Educação: sujeitos, objetos e práticas. São Paulo: Unifesp, 2022. Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/11600/66026.,


História da Educação: sujeitos, objetos e práticas, organizado por Mirian Jorge Warde e Fernando Rodrigues de Oliveira, é fruto do trabalho desenvolvido na linha de pesquisa homônima do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unifesp - Guarulhos, ao qual os autores estão vinculados. Em formato digital e acesso aberto, o livro apresenta os resultados das pesquisas do grupo, que dialoga com conceitos e debates da história cultural, intelectual e política. Ao reunir autores em diferentes estágios profissionais e de formação em pesquisa, a leitura deste volume nos mostra como é possível revisitar temas já tradicionais da História da Educação, como a dos impressos educacionais, a partir de diferentes questões e enquadramentos teóricos, oferecendo ao campo novas perspectivas em um amplo recorte temporal. O prefácio, assinado por Vera Valdemarin, oferece um panorama dos estudos em História da Educação no Brasil, situando as contribuições apresentadas no livro.

Neste livro, os pesquisadores exploram questões relevantes do mundo contemporâneo, enquanto analisam seus objetos de pesquisa relacionados ao tema da educação em uma perspectiva histórica. É assim que o protagonismo feminino aparece, seja no olhar voltado a mulheres produzindo conhecimento para o ensino - como no caso do trabalho de Fernando de Oliveira (pp. 150-176) sobre Gabriela de Jesus Ferreira França ainda no século XIX e do capítulo de Amanda Ebizero (pp. 193-204) sobre Virgínia Lefèvre já no século XX - seja no papel que desempenharam em assegurar o direito à educação na primeira infância de seus filhos, como no caso das profissionais da Escola Paulista de Enfermagem analisado por Rosana Oliveira (pp. 261-281). A partir de uma das edições Journal of Negro Education, Leonardo Betfuer (pp. 73-90) examina a luta dos negros americanos pelo seu direito à educação, um princípio central da democracia estadunidense colocado à prova no contexto da segregação, que afetava também seu sistema educacional. Deste capítulo, cabe destacar o caminho que o autor escolheu em seu recorte sobre a questão da inteligência: o de enfatizar as pesquisas que refutavam, já na década de 1930, a ideia de inferioridade intelectual dos negros, como também já apontou Maio (2017).

Questões socioprofissionais e estratégias de legitimação também estão presentes no livro. Parte delas se conectam às análises dos discursos veiculados nas revistas pedagógicas: seja considerando a interação entre o conteúdo dos artigos e a posição de campo de seus autores no capítulo de Regina Gualtieri (pp. 49-72), seja investigando a partir desta fonte autores, redes socioprofissionais e suas estratégias discursivas no capítulo de Fernanda Silva e Regina Gualtieri (pp. 121-148). Outros capítulos partem de abordagens locais, que nos possibilitam apreender relações de poder próprias do interior da escola em interação com as mudanças mais amplas da política educacional. Este é o caso do exame do processo de inserção das professoras de apoio pedagógico no espaço escolar de Rúbia Freitas (pp. 372-389) ou ainda da reflexão sobre as relações e hierarquias estabelecidas entre os profissionais da educação de Gabriel Barros (pp. 340-349). Associado a isto está a questão do financiamento: tanto público - que assegura a existência e manutenção de políticas educacionais - quanto dos recursos públicos e privados que viabilizam a circulação e existência dos próprios impressos educacionais tratados ao longo do livro, como mostrou Cláudia Panizollo (pp. 91-120) em sua análise da Revista Atualidades Pedagógicas.

Dos capítulos, destaca-se a qualidade da pesquisa documental empreendida pelos autores, que têm uma ampla variedade de tipologias documentais como fundamento de suas análises. Eles foram organizados em três partes: “Impressos educacionais”, “Impressos de destinação pedagógica” e “A escola, seus sujeitos e suas práticas”.

Na primeira parte, as revistas pedagógicas são ao mesmo tempo fonte e objeto de pesquisa. O balanço historiográfico do primeiro capítulo escrito por Mirian Warde (pp. 16-48) situa o leitor no campo, ao mesmo tempo que oferece subsídios para novas pesquisas. Além disso, com base no levantamento e análise que fez dos 308 trabalhos que tomam as revistas como objeto, Warde sistematizou informações essenciais para os pesquisadores interessados no tema. Tanto este capítulo quanto os demais que compõem a seção exploram aspectos que são fundamentais para a compreensão desta tipologia documental: ciclos de vida dos periódicos, fontes de financiamento, regimes de circulação e estratégias editoriais.

Na segunda parte, os “impressos de destinação pedagógica” funcionam de modo variado nas narrativas: seja como elemento que credencia seu autor como personagem relevante no campo educacional - como no trabalho de Fernando de Oliveira (pp. 150-176), seja como subsídio para entender questões próprias de contextos disciplinares específicos - como nos casos do ensino de música explorado por Elias Santos Júnior (pp. 177-192) e de matemática explorado por Wagner Valente (pp. 223-241). Os impressos são ainda fonte para analisar representações sobre temas como o da infância, presente no trabalho de Alessandra Paulino (pp. 205-222). Nesta seção cabe um exemplo da variedade de caminhos que se apresentam aos pesquisadores enquanto se apropriam do referencial teórico do grupo. Ainda que partindo do conceito de representação de Chartier (1990), Wagner Valente faz um exercício diverso do empreendido por Alessandra Paulino: ao invés de focar em um autor específico, os impressos funcionam como subsídio para acompanhar, ao longo do século XX, as transformações do significado e do papel do “erro” no ensino de matemática, sinalizando como essas mudanças se conectam tanto às correntes pedagógicas quanto ao próprio papel social da educação matemática.

Na terceira parte do livro, os sujeitos da ação educativa, as práticas educacionais desenvolvidas no interior da escola e as relações de poder ali estabelecidas entram em cena. Dentre os temas abordados, o da educação infantil, assunto dos dois primeiros capítulos da seção, sinaliza as permanências de um discurso em que educação e assistência se confundem - como destacam Priscila Lima e Renata Cândido (pp. 243-260). A leitura desses capítulos também ressalta o papel que os recortes socioeconômicos desempenharam no modo como as crianças foram vistas como alvos de políticas de assistência ou de educação ao longo dos anos.

Embora analisando temas diversos, discussões sobre memória são parte indissociável das análises de Rosana de Oliveira (pp. 261-281) e de Rúbia Freitas (pp. 372-389), a partir das quais também conferem sentido aos depoimentos que fazem parte da fundamentação de seus capítulos. O contexto das experiências de renovação e modernização do ensino são o elemento comum de dois capítulos: o de Renata Cândido (pp. 323-339), que trata das festas escolares e o de Renan Souza, que aborda experiências de educação libertária no ensino paulista (pp. 350-371). No primeiro caso, as comemorações foram tomadas como parte das atividades educativas de uma escola renovada. Já no segundo caso, a renovação pedagógica foi essencial para que a própria ideia de uma educação libertária pudesse ser experimentada na “Escola Moderna n.1” durante a segunda década do século XX.

Durante a leitura do livro, os referenciais teóricos mobilizados sinalizam a relevância das discussões levantadas a partir de conceitos como o de habitus e de campo de Pierre Bourdieu, de apropriação e representação de Roger Chartier, de estratégia de Michel de Certeau ou ainda as reflexões de Jean-François Sirinelli sobre os intelectuais e suas redes de sociabilidade. Ainda sobre os intelectuais, destaco aqui os trabalhos de Claudia Panizzolo (pp. 91-120) e Amanda Ebizero (pp. 193-204), que utilizam o conceito de “intelectuais mediadores” em seus capítulos. Esta ideia tem se mostrado fundamental para as análises que procuram evitar a “dicotomia entre autores/criadores/inovadores do saber e divulgadores/difusores/vulgarizadores”, bem como as hierarquias que decorrem dessa rígida separação (Gomes e Hansen, 2016, p.16). Discussões como estas ampliam as possibilidades de reconhecimento da contribuição de diferentes sujeitos nas dinâmicas de produção de conhecimentos e saberes, um tema relevante dentro do campo da História da Educação.

Por fim, é preciso reconhecer a lente com a qual examinei o livro aqui explorado. Uma das coisas que sempre me fascinaram na História foi a constante descoberta dos processos em que os consensos atuais foram construídos, sendo objetos de exaustiva discussão em tempos anteriores. São consensos - e vale dizer, que o campo da História da Educação sinaliza isso com expressiva propriedade - que precisam ser constantemente revistos e reafirmados: a importância da qualidade da formação dos professores e de sua prática pedagógica, da educação infantil, dos materiais didáticos que auxiliam o ensino, e do modo como se representa e se materializa a relação sempre em construção entre professor e aluno, ensino e aprendizagem. É em decorrência disso que a História da Educação, quando olha para dinâmicas da escolarização enfatizando os processos em que se constroem e se consolidam determinados discursos e práticas, também nos fala destes consensos e dissensos que vivenciamos nos nossos próprios processos de escolarização e de atuação profissional. De certo modo, é também disso que tratam os capítulos de História da Educação: sujeitos, objetos e práticas.

Referências

CHARTIER, Roger. A história cultural - entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A., 1990. [ Links ]

GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patricia Santos (Org.). Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. [ Links ]

MAIO, Marcos C. A Crítica de Otto Klineberg aos testes de inteligência. O Brasil como laboratório racial. Varia Hist., 33(61), jan. 2017. [ Links ]

Recebido: 31 de Janeiro de 2023; Aceito: 25 de Fevereiro de 2023

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