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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-226 

Resenhas

Instituto Santo Antônio do Prata e a Educação Capuchinha para Meninas Indígenas no Pará Republicano de 1898-1921

Santo Antônio do Prata Institute and Capuchin Education for Indigenous Girls in the Republican Pará from 1898-1921

Instituto Santo Antônio do Prata y Educación Capuchina de Niñas Indígenas en el Pará Republicano de 1898-1921

Jane Elisa Otomar Buecke1 
http://orcid.org/0000-0001-5055-4210; lattes: 060052520770069

Moises Levy Pinto Cristo2 
http://orcid.org/0000-0003-0818-3668; lattes: 2226566788236807

Thaís Tavares Nogueira3 
http://orcid.org/0000-0001-9610-0679; lattes: 37451823087558555

1Universidade Federal do Pará (Brasil). janebuecke@yahoo.com.br

2Universidade Federal do Pará (Brasil). moiseslevypintocristo@gmail.com

3Universidade do Estado do Pará (Brasil). thaistnogueira31@gmail.com

SILVA, Gercina Ferreira da. Instituto Santo Antonio do Prata (1898-1921). Missionário capuchinhos e educação de meninas índias no município de Igarapé-Açu, Pará. Belém: Folheando, 2020.


O livro originou-se da dissertação de mestrado defendida em 2019 no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará. Nesta obra, Gercina Silva realiza uma minuciosa investigação sobre a educação de meninas indígenas da colônia Santo Antonio do Prata, em Igarapé-Açu.

No prefácio, a professora Irma Rizzini, destaca o empenho da autora em escrever uma “história vista de baixo” ja que os indígenas são alçados ao papel de protagonistas da própria história. A professora também ressalta a relevância dos estudos sobre a história da educação nos territórios indígenas, especialmente este, ao focalizar as meninas indígenas.

Ao introduzir seu trabalho, Silva (2020) demonstra como o estudo da história cultural delineou seu interesse e motivação pela história das meninas indígenas invisibilizadas no início do Pará Republicano. Ela apresenta um levantamento de pesquisas sobre educação capuchinha de grande relevância para os pesquisadores do campo. E fica claro o ineditismo dessa pesquisa, por ser o único trabalho que aborda a educação capuchinha voltada para meninas índias no início do período republicano, tendo como objetivo analisar como se deu o processo educativo dessas meninas no Instituto do Prata em Igarapé-Açu/PA, nos anos de 1898 a 1921, identificando princípios religiosos e práticas educativas presentes na ação missionária dos capuchinhos.

Após apresentar a introdução e o percurso metodológico da pesquisa, Silva (2020) discorre sobre o tema em três capítulos organizados didaticamente.

No primeiro, intitulado Padres capuchinhos lombardos no Pará: trabalho missionário e educativo, a autora apresenta um breve histórico da ordem Capuchinha, suas divisões e diferenças, notadamente entre os capuchinhos franceses e os italianos, bem como a trajetória de ambas em terras brasileiras. Ela aborda a criação do núcleo indígena Santo Antonio do Maracanã, destacando o papel do frei Carlo Rodeva como “pai fundador da missão”. Ressalte-se a análise da autora sobre o papel dessa missão na conjuntura política do estado do Pará Republicano. São apontadas as tensões surgidas no conflito étnico e cultural ocasionado pela criação da Colônia do Prata. Nos é apresentada, ainda nesse capítulo, a experiência dos capuchinhos no Maranhão, com o Núcleo indígena São José da Providência, em Barra do Corda, cujo fim trágico tem uma influência direta nos rumos do Instituto do Prata ao deslocar o frei Carlos dessa missão e alçar o frei João Pedro à função de seu Superior Interino em 1903. Com isso, ele assume a direção da Colônia do Prata, onde funda a Congregação das Irmãs Capuchinhas no Pará, responsável pela educação das meninas índias, assunto focalizado no segundo capítulo.

No capítulo, A educação de meninas índias no Instituto Santo Antonio do Prata, a autora destaca que o contato entre índios e missionários no aldeamento de Santo Antônio do Prata ocorreu entre o fim do século XIX e início do século XX, no Pará, e contou com o apoio do governo do Estado, na figura do governador Paes de Carvalho, colaborando para a efetivação da proposta dos Capuchinhos de catequisar os índios Tembé/Tenetehara, no município de Igarapé-Açu. Como fontes de pesquisa, a autora utilizou o Livro de Tombos dos Missionários Capuchinhos (1898 - 1921), Relatórios de Governadores (1899, 1901, 1909 e 1910), Relatórios de Diretores do Instituto Prata (1905 e 1906) e Relatórios de Instrução Pública de 1905. Ao situar o município de Igarapé-Açu na região do nordeste paraense, destaca a importância da estrada de ferro Belém-Bragança na política de colonização e como, em 1898, foi demarcado e inaugurado o local do Instituto Santo Antônio do Prata tendo o frei Carlos de São Moutinho a frente da missão voltada à catequese, instrução elementar e trabalhos agrícolas. No primeiro contrato firmado entre os Capuchinhos e o governador Paes de Carvalho, havia o interesse de construir o instituto para meninos, ficando o instituto de meninas para um segundo plano. Porém, no decorrer das construções, o contrato foi modificado e a educação de meninas posta como obrigatória ao sucesso do processo de catequese, entendendo a importância da influência de mulheres junto ao seu povo. No entanto, devido a uma crise econômica a construção de um instituto para meninas foi adiada e somente no governo de Augusto Montenegro o projeto pôde ser retomado, tendo sido inaugurado em 23 de janeiro de 1905. Os capuchinhos entendiam que o trabalho de catequização deveria começar pelas crianças, estabelecendo uma política de afastamento dessas de suas famílias e, consequentemente, das influências culturais das mesmas, por isso, como primeira ação educativa, foram criados internatos. Esse processo de catequização se coadunava ao imaginário de progresso à época e a educação das meninas índias se deu aos moldes republicanos, marcada por uma instrução religiosa, de obediência, ordem e disciplina, em que castigos eram mantidos como forma de garantir a organização do instituto. O calendário anual era composto por atividades cristãs com momentos de devoção. Para os capuchinhos, o sucesso na educação de meninas índias passava, então, pela doutrina e exaltação da cultura cristã. O projeto educativo do instituto de meninas deveria, principalmente, preparar mulheres para casar e civilizar suas famílias, ensinando tarefas domésticas e preceitos cristãos, a fim de atender à nação brasileira desse período. Para desenvolver o trabalho educativo de meninas índias, o instituto precisava contar com mulheres que abnegassem qualquer vida fora de lá. Para isso, frei Carlos contou com as Terceiras Franciscanas de Canindé, no estado do Ceará, que aceitaram o trabalho e o deslocamento para o Pará, inaugurando, nessas terras, a Congregação das Irmãs Missionárias Capuchinhas. Segundo a autora, o Instituto Santo Antônio do Prata, como estabelecimento público de instrução do Estado, ofertava, em 1910, o ensino primário elementar e complementar, leigo, gratuito e obrigatório. Os capuchinhos seguiram na Colônia do Prata até 1921, quando o governador Lauro Sodré a vendeu para a construção de um leprosário chamado Lazarópolis do Prata.

No terceiro capítulo, Múltiplos espaços de educação de meninas índias no instituto Santo Antônio do Prata, a autora destaca os espaços de aprendizagem, os programas de ensino e a arquitetura do Instituto. Nos espaços de aprendizagem feminino e masculino, os Capuchinhos desenvolveram o projeto de civilização no Prata em 1898, fundando uma Colônia-catequese com uma dupla finalidade: catequisar e educar. Para que a missão fosse implantada, foram construídos edifícios masculinos e femininos, enfermaria, capela e os sítios (São Francisco, São Félix e Santo Antônio), além de uma estrada de ferro de nove quilômetros para escoar a produção local e facilitar a mobilidade da comunidade e equipe do Instituto. Nos sítios, foram implantados campos de agricultura, pomar, avicultura e indústria pastoril com fins de auxílio à subsistência do Instituto e campo de experiência educativa agrícola para os alunos ali atendidos. Silva (2020) aponta que os programas de formação, destinados à clientela, continham instrução elementar, a aprendizagem de artes e ofício, agricultura, pecuária, e educação moral e cívica, gramática, leitura, escrita e catecismo para que dessem prosseguimento a uma vida adulta civilizada e longe da antiga cultura indígena, todos os programas escolares obedecendo as diretrizes do governo. Como já citado, os Institutos funcionaram com a separação por sexo. Os alunos utilizam uniformes padronizados e nas salas de aula, masculina e feminina, elementos materiais eram diferenciados em cada sala, como as carteiras e objetos da parede da sala, pois em comum, apenas os elementos religiosos. Como arquitetas principais do Prata a autora destacou o Instituto para meninas índias, o Instituto Masculino e a Igreja de Santo Antônio, em uma estrutura central que compreendia as moradias e o centro administrativo do aldeamento, identificados pela autora como um tripé: escola-igreja-oficina.

A leitura desse livro nos remete à construção do projeto educacional no Pará Republicano, ao papel dos religiosos nesse processo, mesmo tendo o fim legal da separação entre igreja e estado, mostrando que essa separação estaria longe de concretizar na prática, em terras paraenses. Além disso, ao focalizar a civilização e a catequização das meninas indígenas, almejada por religiosos e políticos, a obra aponta para a relevância desses povos no cenário da primeira república paraense e ao mesmo tempo revela a sua resistência, sendo alvo desse tipo de ação desde os tempos coloniais. Revela ainda os meandros de uma educação que buscava a extensão de um projeto civilizador que impunha a cultura cristã na tentativa de apagamento de memórias e modos de ser dos povos Tembé/Tenetehara que ali habitavam. Em se tratando de uma educação para meninas indígenas, o controle das mentes e dos corpos implicava em um domínio estendido para além do tempo vivido no instituto, mas para a vida matrimonial, a influência junto ao seu povo e à afirmação de um sistema patriarcal que se impôs desde sempre. Por essas questões levantadas, esta é uma leitura indispensável aos estudiosos da educação republicana, da educação de meninas, da educação de indígenas, e de todos os que se interessam pela História da Educação do Pará.

REFERÊNCIAS

SILVA, Gercina Ferreira da. Instituto Santo Antonio do Prata (1898-1921). Missionário capuchinhos e educação de meninas índias no município de Igarapé-Açu, Pará. Belém: Folheando, 2020. [ Links ]

Recebido: 07 de Dezembro de 2022; Aceito: 15 de Fevereiro de 2023

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