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Reflexão e Ação

versión On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.27 no.1 Santa Cruz do Sul ene./abr 2019  Epub 23-Sep-2019

https://doi.org/10.17058/rea.v27i1.12687 

Artigos do Fluxo

UMA HISTÓRIA DO SUJEITO

A HISTORY OF THE SUBJECT

UNA HISTORIA DEL SUJETO

José Luís Schifino FERRARO1 

Marcos Villela PEREIRA1 

1Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil


RESUMO

Considerando a importância da construção da noção de sujeito operada a partir da Filosofia Moderna, o presente ensaio busca (re)construir uma possibilidade histórica para o mesmo a partir de aportes teóricos da filosofia, da sociologia e da psicanálise. Não se trata aqui de escrever uma história definitiva do sujeito, mas de apontar a diversidade de pensamentos em torno das possibilidades para a sua emergência no entrecruzamento desses três campos do saber. Se é na modernidade que a discussão sobre o sujeito emerge, é na contemporaneidade que passam a ser ampliados e discutidos elementos que dizem respeito aos processos de subjetivação, de tornar-se o sujeito da experiência. Assim, desde a cisão cartesiana entre res cogitans e res extensa, até a perspectiva nietzscheana do sujeito em toda sua vontade de potência, o presente trabalho pretende ilustrar as contribuições de autores das referidas áreas para a compreensão do que este sujeito pode devir-a ser.

Palavras-chave:  Sujeito; Subjetivação; História do sujeito; Filosofia Moderna

ABSTRACT

Considering the importance of subject’s notion from Modern Philosophy, this essay aims to (re)build a historical possibility for the subject from philosophy’s, psychanalysis’ and sociology’s theoretical contributions. It is not about to write a definitive history of the subject, but to emphasize the diversity of thoughts around his emergency possibilities in the intertwining of these three areas of knowledge. If it is in the modernity that the discussion about the subject emerges, it will be in the contemporaneity that elements about the processes of subjectivation, of how to become the subject of the experience, begins to be debated. Thus, since the Cartesian split between res cogitans and res extensa, until the nietzschean subject´s perspective of will to power, this work intends to illustrate different author´s contributions – of the aforementioned areas – in the sense of understand what the subject might become.

Keywords:  Subject; Subjectivation; Subject´s history; Modern Philosophy

RESUMEN

Considerando la importancia de la construcción de la noción de sujeto a partir de la Filosofía Moderna, el presente ensayo busca (re)construir una posibilidad histórica para el mismo a partir de aportes teóricos de la filosofía, de la sociología y del psicoanálisis. No se trata de escribir la historia definitiva del sujeto, sino evidenciar una diversidad de pensamientos posibles para su emergencia en el entrecruzamiento de estos tres campos del saber. Si es en la modernidad que la discusión en torno del sujeto emerge, es en la contemporaneidad que son ampliados y debatidos elementos que dicen respeto a los procesos de subjetivación, de tornarse sujeto de la experiencia. A partir de la cisión cartesiana entre la res cogitans y res extensa, hasta la perspectiva nietzscheana del sujeto en su voluntad de potencia, el presente ensayo intenta ilustrar las contribuciones de distintos autores de las referidas áreas para la comprensión de que este sujeto puede devenir-a-ser.

Palabras clave:  Sujeto; Subjetivación; Historia del sujeto; Filosofía Moderna

A HISTÓRIA DO SUJEITO EM UMA (RE)CONSTRUÇÃO POSSÍVEL

Uma das maneiras – talvez a mais usual –, que a filosofia tem lançado mão para conceituar o sujeito, diz respeito à sua associação a um segundo elemento: o objeto. Assim, Jaques Lacan, se justifica ao afirmar que o sujeito, por si só, é vazio (LACAN, 2008). Ao conceber o inconsciente como linguagem, o que Lacan quis evidenciar foi a necessidade de predicados vinculados a este sujeito e que o remetem ao exercício de uma ação. O fato é que o objeto, uma vez tomado como entidade exterior ao sujeito, acaba por torna-lo possível, na mesma medida em que, por sua vez, também só se tornaria possível pela existência do próprio sujeito.

Assim, invoca-se Martin Heidegger (1973; 2011)2 e a fenomenologia, pois dois são os momentos que passam a ser evidenciados nessa relação que se estabelece entre sujeito e objeto, e que envolvem tomada de consciência por parte do primeiro em relação ao segundo. Inicialmente, evidencia-se uma entidade que – ao deparar-se com o objeto – percebe que pensa e, portanto, toma consciência de si mesmo enquanto sujeito. Em seguida, percebe-se uma reflexão relacionada à definição de realidade, daquilo que vem a ser o real. Então, somos remetidos à reflexão já feita por René Descartes, o que nos permite revisitar o questionamento cartesiano – como posso ter certeza do que é real? Para Descartes, só aquilo que pode ser pensado seria considerado – de fato – real (DESCARTES, 2001), o que, também, nos faria transitar pelo pensamento heggeliano, a partir da afirmação de que “todo racional é real e que todo real é racional” (HEGEL, 1993).

Georg Wilhelm Friedrich Hegel contribui rumo à compreensão do que possa “vir a ser” o sujeito introduzindo, exatamente, o conceito de devir (HEGEL, 1993), uma perspectiva de potência que será melhor desenvolvida por Friedrich Nietzsche (2011) e que, mais tardiamente, acabará por influenciar uma série de filósofos pós-estruturalistas. Com isso, o que Hegel faz é colocar em movimento a ideia de constituição subjetiva a partir do exercício dialético (HEGEL, 1998). O sujeito e seus devires, a partir da multiplicidade de suas relações – agenciamentos – com o objeto, será tema da filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari (2007, 2011), a partir da segunda metade do século XX. Rigorosamente, seguindo a análise feita por Foucault (1981), aquilo que designamos como sujeito é uma objetivação feita a partir de um lance da racionalidade, que toma por objeto o infinito complexo de possibilidades de figuras existenciais atualizadas. O sujeito, para ele, é uma espécie de representação.

Antes de avançarmos na esteira da história, faz-se necessário referenciar alguns autores essenciais para a compreensão da exteriorização do objeto e da percepção do mesmo pelo sujeito a partir do uso consciente da razão e, na contramão disso – também –, a descoberta de um sujeito da inconsciência. Assim, René Descartes, Immanuel Kant e Sigmund Freud fazem suas contribuições à discussão. Os dois primeiros em termos da ênfase à cisão existente entre sujeito e objeto e da razão como único modo possível de se conhecer verdadeiramente (DESCARTES, 2001; KANT, 2007), já, o terceiro, nos apresenta um sujeito que não é possuidor de uma consciência plena de si mesmo, ao descrever o inconsciente como parte integrante do que denominou de aparelho psíquico (FREUD, 1961; JORGE, 2005, 2010; ZIMERMAN, 1999, 2012).

A noção de sujeito/subjetividade foi um dos marcos da transição entre a Filosofia Medieval e a Moderna. Descartes foi o primeiro a evidenciar a cisão entre a “coisa pensante” (res cogitans) e a “matéria”, a “substância” (res extensa) (DESCARTES, 2001). Foi a afirmação cartesiana do “penso, logo existo” (cogito ergo sum) que possibilitou o nascimento de um sujeito que pensa, que conhece, também referenciado como sujeito do cogito (DESCARTES, 2001). Assim, a única resposta possível para o já referido questionamento cartesiano seria a de que a única certeza que alguém pode ter sobre o que é real, é a veracidade de sua própria existência, pois residiria na capacidade de pensar – no exercício próprio do pensamento –, a capacidade/condição de perceber-se e, portanto, existir (DESCARTES, 2001)3.

Entre Descartes e Immanuel Kant, consolidou-se mais de uma tradição filosófica, como a empirista, a racionalista e a iluminista. Em cada uma delas, uma variedade de outros filósofos pode ser encontrada questionando os modos de existência e conhecimento humanos. Embora todos tenham a medida de sua importância para a filosofia, destacamos – nesse ponto do texto – as contribuições kantianas para pensar o sujeito a partir do uso razão. Segundo Kant, em sua Crítica da razão pura, as disputas entre as diferentes correntes e doutrinas filosóficas só poderiam ser resolvidas a partir do exercício crítico, ou seja, com o uso da razão – de uma razão pura, que prescinde a experiência – como delimitador do conhecimento, separando aquilo que é verdadeiro, real, daquilo que é meramente especulativo (KANT, 2007).

No prólogo à primeira edição de sua Crítica da faculdade do juízo, o filósofo retoma o conceito daquilo que denominou como razão pura. Segundo o autor, a pureza da razão se expressaria a partir de conhecimentos construídos – apenas – a partir de princípios a priori e “a investigação de suas possibilidades e dos seus limites em geral”, foi por ele denominada de crítica da razão pura, uma referência às possibilidades relacionadas à faculdade da razão restrita ao seu uso teórico (KANT, 2008, p.11).

Assim, percebe-se que o problema kantiano diz respeito ao conhecimento - à faculdade de conhecer -, o que fica perfeitamente evidenciado pela afirmação do filósofo de que todo o conhecimento teria origem na experiência (KANT, 2007). Aqui, o conceito de experiência está pautado em impressões subjetivas frente ao fenômeno observado. Assim, o exercício da faculdade de conhecer demandaria um “toque” em nossos sentidos, o que para o filósofo, faria o conhecimento depender, basicamente, de dois fatores: (I) das impressões que recebemos em relação objeto da experiência e; (II) daquilo que nossa faculdade de conhecer adiciona a este objeto estimulada pelos sentidos (KANT, 2007). Foram essas as questões que fizeram Kant pensar sobre a possibilidade da existência de um conhecimento puro, que não dependeria da experiência, em oposição ao conhecimento empírico (KANT, 2007).

A considerar a distinção existente entre os juízos analíticosa priori, pois independem da experiência – e sintéticos – a posteriori, como resultado da experiência – Kant vai em busca da verificação das condições de possibilidade para outros juízos que sejam ao mesmo tempo sintéticos e a priori, ou seja, independentes da experiência, porém relacionados a ela. Assim, tais juízos teriam validade universal ao mesmo tempo em que acrescentariam ao sujeito novos/outros predicados unindo tanto a dimensão do sensível (a priori), quanto a do compreensível – aquilo que pode ser entendido – (a posteriori) (KANT, 2007). Assim, ao mesmo tempo em que estivesse apoiado na empiria, tal juízo deveria ter um caráter universal.

O fato é que, o que se encontra no cerne deste debate é uma discussão epistemológica. Ao contrapor o racionalismo – neste caso em específico, o transcendentalismo kantiano como possibilidade de se conhecer objetos a priori (KANT, 2007) – às formas empíricas de acesso ao conhecimento – a experimentação –, Kant, inaugura sua filosofia transcendental, preocupando-se não exatamente com o conhecimento do objeto, mas com os modos pelos quais os sujeitos podem conhecê-los (KANT, 2007). Nesse sentido, utilizando a metáfora da revolução copernicana que inverteu a relação entre a Terra e o sol estipulada pela tradição geocêntrica, o que o filósofo propõe é também uma inversão, mas relacionada aos modos de conhecer: não seria, então o sujeito que se orientaria pelo objeto, mas o objeto é que passa a ser determinado pelo sujeito (KANT, 2007).

Com isso, o conhecimento que se produz a partir de um objeto é sempre para nós, não podendo ser atingido em si mesmo. Para Kant a indissociabilidade da relação sujeito/objeto, ou o fenômeno (realidade da experiência), não nos permite atingir a essência do objeto, pois o que é essencial é incondicional e se houvesse a possibilidade de conhecermos qualquer coisa em sua essência, seria o mesmo que condicioná-la, abandonando sua condição de pureza (KANT, 2007). Nesse sentido, o que conhecemos sobre este objeto não vem a ser “o” real – o númeno, ou a realidade em si mesma –, mas “uma” realidade na relação produzida pelo sujeito, resultante da interpretação do fenômeno (KANT, 2007).

A partir das contribuições kantianas, percebe-se a ação subjetiva definindo o objeto tanto a partir de sua sensibilidade, quanto a partir do seu entendimento. Assim, Immanuel Kant (2007, 2008) funda uma estética transcendental, onde o uso da intuição se constitui como essencial aos modos de conhecer, admitindo sobre a mesma uma espécie de “regulação” a partir dos modos pelos quais os objetos se apresentam aos sentidos do próprio sujeito (KANT, 2007).

Como observado em Kant, o conhecimento pela razão estaria no núcleo do sujeito moderno4, assim só por meio dela seria possível verdadeiramente conhecer. Ainda, a dimensão do real não se reduziria simplesmente a um posicionamento externo ao indivíduo, mas algo que por ele seria produzido e – também – organizado, por meio de suas faculdades a priori. Assim, nos aproximaríamos da razão pura: a capacidade de representar, organizar e conhecer o mundo aprioristicamente (KANT, 2007). Muito embora esse conjunto de ideias nos forneça um bom parâmetro de consistência, é inevitável ponderar o fato de que essa construção toda deriva do empreendimento de uma forma particular da racionalidade. A razão, como um universal, não existe: toma-se uma certa forma de racionalidade, essa que se tornou hegemônica no Ocidente, e se a transforma em uma chave geral para a produção de conhecimento, a partir das categorias primárias do entendimento. Em síntese, juntamente com Terry Eagleton, reiteramos que essa mesma razão que emancipa também subjuga o sujeito que dela faz uso (EAGLETON, 1990).

Durante o século XIX, Sigmund Freud e a psicanálise vão colocar em xeque a ideia do sujeito meramente como um ser racional. Ao descrever o aparelho psíquico – psique –, composto por id, ego e superego, Freud afirmaria que o id (fonte das pulsões, de lembranças, do desejo), mais que o ego, seria determinante para o governo do sujeito. Assim, para o psicanalista, o inconsciente interfere de maneira significativa no comportamento do sujeito, sendo o ego uma dimensão de equilíbrio entre id e superego. Este, por sua vez, em seu papel de censor recolocaria o sujeito no interior de prescrições ético-morais a partir do princípio de realidade (FREUD, 1969; ZIMERMAN, 1999, 2012 ).

Ao descrever o complexo de Édipo, utilizando o enredo da obra de Sófocles, Édipo rei, Freud aponta que o desejo do filho pela mãe passaria a ser recalcado quando a criança percebe que o pai – terceiro incluído na triangulação edipiana – é quem detém o fallus. Com isso, o menino depara-se com o princípio da realidade e, ao reconhecer uma desvantagem física em relação ao seu pai, com medo da castração, recalca o desejo pela mãe (FREUD, 1974). O inconsciente freudiano, então, estaria estruturado pela representação metafórica de Édipo, ao contrário do que, posteriormente, viria ser em Lacan, onde a linguagem assume o papel tal papel estruturante (LACAN, 2014; DOR, 2008; VALLEJO; MAGALHÃES, 2008; JORGE, 2005, 2010).

Seguindo a descoberta do inconsciente freudiano, Lacan reafirma a descentralização do sujeito da psicanálise. Isso significa dizer que não é o consciente que está no centro do sujeito e se assenhora dele, mas ao contrário: é o inconsciente, reafirmando Freud. Assim, subverte o argumento cartesiano do cogito, dizendo “penso onde não existo” (LACAN, 1998)5. Nesse sentido, o sujeito não seria aquilo que acredita – ou tem consciência de – ser, ele é muito mais o sujeito do inconsciente, o que encontra guarida, também, na obra de Friedrich Nietzsche, quando o filósofo propõe que duvidemos dos nossos pensamentos – esfera do consciente – para que não nos deixemos enganar por eles (NIETZSCHE, 2008).

A principal diferença entre as percepções freudiana e lacaniana sobre o inconsciente reside no fato de que se para Freud o inconsciente estava estruturado como representação, para Lacan ele está estruturado como linguagem (FREUD 1974; LACAN, 2014; DOR, 2008; VALLEJO; MAGALHÃES, 2008). Assim, na psicanálise lacaniana o sujeito é sempre um conjunto de significantes para outro conjunto de significantes, o que opera uma segunda descentralização onde o sujeito nunca estaria em si, mas sempre no outro (LACAN, 2014). Assim, a imagem do sujeito passaria sempre pelo discurso do outro, ou seja, na perspectiva lacaniana uma mudança no sujeito não depende exclusivamente do próprio sujeito, mas dos outros que fala desse sujeito (LACAN, 2014; DOR, 2008). Cabe ainda lembrar que, para Lacan, as palavras promovem a morte das coisas, sendo nada mais do que máscaras que não nos permitem enxergar quem realmente somos (LACAN, 2014; DOR, 2008).

Friedrich Nietzsche também deu suas contribuições em relação ao sujeito. Ao propor uma genealogia da moral e evidenciar a vontade de potência como aquilo que pretende fazer com que todas as coisas – as forças no mundo –, efetivem-se e, portanto, se expandam, o filósofo introduz o perspectivismo reforçando a ideia do devir-a-ser como possibilidade para uma pluralidade moral que, por sua vez, conduziria nosso entendimento à consolidação de pluralidades subjetivas (NIETZSCHE, 1986, 2010; JASPERS, 2016; NIEMEYER, 2014). Nietzsche destrói a noção de sujeito construída a partir da tradição filosófica metafísica, onde o imperativo da razão acaba por toma-lo como como causa, devotando seu olhar aos efeitos – de um devir-a-ser deste sujeito – representados pelos fluxos da multiplicidade da vida real (NIETZSCHE, 2011).

Assim, sob este olhar, verifica-se a negação de um sujeito único, resultado da vontade de potência. Para Nietzsche (2011), a potência é a capacidade que a vontade teria de efetivar-se. Essa vontade de potência estaria relacionada à vida como processo de superação inerente os seres vivos, pois, para continuar a existir o mesmo necessita resistir, crescer e interagir – reelaborar-se constantemente –, compreendendo o dinamismo dos fluxos, dos acontecimentos do mundo real (NIETZSCHE, 2011).

Ao propor uma genealogia da moral, Nietzsche questiona o utilitarismo inerente à determinação de valores morais como bem e mal, em seu caráter prescritivo de regulação de condutas, dos comportamentos dos sujeitos (NIETZSCHE, 1987, 2008). A partir disso, a moral deve ser entendida como um modo de interpretar a realidade à serviço, sempre, de uma vontade, o que nos faria – a todo o momento – colocar em xeque os valores morais, procurando conhecer as circunstâncias as quais discursivamente se desenvolveram e/ou se modificaram (NIETZSCHE, 1987).

Percebe-se, então que, a vontade de potência e genealogia da moral se entrecruzam para compreensão do devir-a-ser do sujeito. A genealogia como esforço para a compreensão das tensões, do jogo de forças entre valores morais, coloca não mais o espírito, a alma, a consciência ou o intelecto (elementos utilizados pela tradição filosófica) no centro da discussão em torno do sujeito, mas um corpo em experiência consciente dessa multiplicidade experimental à qual se encontra submetido (NIETZSCHE, 2008, 2011). Nesse sentido, não nos deparamos mais com uma consciência pura, mas condicionada, determinada por uma pluralidade de perspectivas – perspectivismo nietzschiano –, cada uma delas com diferentes valorações, baseadas na necessidade de comunicação intersubjetiva e na interpretação de tais experiências (JASPERS, 2016; NIEMEYER, 2014).

O confronto, o embate entre tais perspectivas resulta, no sujeito, em uma consciência superior, pois desde a gênese das relações, sempre assimétricas, de poder há sobreposição de uma perspectiva em relação a outra. É isso que, segundo Nietzsche, faria o sujeito adotar determinada postura frente a valores morais, logo a moral seria uma manifestação da vontade de poder que, por sua vez, conduziria/regularia o comportamento subjetivo (NIETZSCHE, 2011; JASPERS, 2016; NIEMEYER, 2014). Assim, poderíamos falar em pluralidades morais, tendo em vista o caráter histórico, particular, contingente e/ou intencional da moral, o que nos conduz a realidade de uma pluralidade subjetiva onde o sujeito se reafirma em sua essência mais íntima, a pura potência: a vontade de poder, de criar, de devir (NIETZSCHE, 2011).

A ideia de como o sujeito se produz na filosofia nietzschiana ecoa e encontra guarida nos escritos de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari. No entanto, antes de prosseguir a discussão em torno da noção de sujeito tomando como referência esses três autores, creio que seja necessário darmos atenção a outro termo que tende a estar vinculado ao processo de tornar-se sujeito: a subjetivação. A palavra a qual se faz referência é produção, que encontra, talvez, no marxismo a expressão máxima de sua potência em termos de significação.

Karl Marx também deu suas contribuições para o estabelecimento da noção de sujeito. Ao compreender – assim como Hegel –, a progressão da história em termos dialéticos, observou seu desenrolar a partir do embate entre os opostos, como o que sucederia na luta de classes (MARX; ENGELS, 1999). Foi com base no marxismo que se desenvolveu o que denominamos materialismo histórico, em cujo cerne encontramos a produção. É a partir da análise dos modos de produção coletiva, que o materialismo histórico propõe a compreensão das modificações estruturais e das maneiras de se pensar em uma sociedade, que passariam a ser, então, fundamentadas por sua atividade econômica, ou seja, a partir dos modos como produz (MARX, 2011).

Nessa perspectiva o sujeito é determinado socialmente, de acordo com a função que executa, dos modos como produz em uma estrutura social (MARX, 2011). Assim, o que um sujeito poderia vir a ser em um contexto social, segundo Marx, estaria atrelando aos modos de produção os quais dispõe (MARX, 1982, 2011; GRAMSCI, 2001). Louis Althusser (1980, 2008), tomando a teoria marxista como referência, vai discutir o papel daquilo que denominou de aparelhos ideológicos de Estado na produção do sujeito, ou seja, na reprodução das formas de produção citando a escola como principal agente desse efeito que leva a cabo, não apenas o que foi evidenciado por Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (2013), mas o conceito de educação em Émile Durkheim (2013), que visa a manutenção da estrutura social a partir da produção de sujeitos intercambiáveis.

O fato é que o marxismo, para além do materialismo histórico – que surge como decorrência do mesmo –, deu mais ao sujeito. Conceitos como os de hegemonia, ideologia, alienação e mais-valia, associados aos de infraestrutura e superestrutura (MARX, 2008, 2011), tornam-se essenciais porque tocam e influenciam não apenas na fabricação deste sujeito social, mas nos modos como o capital se apropria do sujeito, capturando-o – um modo de produção capitalístico (GUATTARI; ROLNIK, 2013). Nesse sentido, as relações de produção contidas na infraestrutura pautam os modos com que as instituições – na superestrutura – disseminam discursos que possam vir a pautar os processos de subjetivação, ao mesmo tempo em que reiteram a lógica de organização infraestrutural relacionada à produção.

O conceito de produção – para pensar o sujeito – também é caro à Gilles Deleuze e Félix Guattari. Em sua obra denominada O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia, os autores propõem, como crítica ao inconsciente freudiano, baseado na representação, outro que produz, tal qual uma usina de desejo (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Nessa perspectiva, um inconsciente, então, maquínico dá vazão a um sujeito-máquina desejante (DELEUZE; GUATTARI, 2011; GUATTARI, 1988), cuja vontade pretende explorar seu potencial criativo a partir de “n” possibilidades para devir. A aproximação de Deleuze e Guattari à filosofia de Nietzsche em relação ao sujeito fica evidenciada.

O termo máquina é muito explorado pelos autores. As máquinas fazem referência a elementos heterogêneos que podem encontrar-se, de alguma forma, agenciados, relacionados, produzindo – entre fluxos e cortes –, múltiplos devires (DELEUZE; GUATTARI, 2011; GUATTARI, 1988). Assim, o sujeito, a máquina desejante, uma vez agenciado com outras máquinas, produz linhas de fuga, distintas formas/possibilidades para existir. Percebe-se aqui, talvez, a principal função da esquizoanálise postulada por Deleuze e Guattari (2011), que pretende libertar o sujeito do recalcamento e da repressão do desejo, entendendo que é nele que reside todo o potencial criativo para a que o mesmo possa compor sua vida: devir.

Nesse sentido, o inconsciente é compreendido como possibilidade de criação, cuja vontade de potência permite a produção do corpo sem órgãos (CsO) – termo utilizado por Deleuze e Guattari a partir da obra de Antonin Artaud (WILLER, 1983; DELEUZE; GUATTARI, 2011). O CsO é a produção à serviço da improdução (DELEUZE; GUATTARI, 2007, 2011 ), pois é contra a instrumentalização do corpo. Ele quer exatamente ao contrário: libertá-lo a partir de sua capacidade de devir, produzir sensações outras, relacionadas à experiência estética, à fruição. O CsO quer desterritorializar a anatomia corporal fazendo-a servir às sensações, recusando, assim, a captura do corpo aos modos de apropriação e produção subjetiva capitalísticos (GUATTARI; ROLNIK, 2013).

Nesse sentido, o inconsciente é compreendido como possibilidade de criação, cuja vontade de potência permite a produção do corpo sem órgãos (CsO) – termo utilizado por Deleuze e Guattari a partir da obra de Antonin Artaud (WILLER, 1983; DELEUZE; GUATTARI, 2011). O CsO é a produção à serviço da improdução (DELEUZE; GUATTARI, 2007, 2011), pois é contra a instrumentalização do corpo. Ele quer exatamente ao contrário: libertá-lo a partir de sua capacidade de devir, produzir sensações outras, relacionadas à experiência estética, à fruição. O CsO quer desterritorializar a anatomia corporal fazendo-a servir às sensações, recusando, assim, a captura do corpo aos modos de apropriação e produção subjetiva capitalísticos (GUATTARI; ROLNIK, 2013).

Ainda, é preciso evidenciar que, em relação aos modos de produção do sujeito, operado na sociedade contemporânea, partir de O anti-Édipo, mais especificamente de seu subtítulo “capitalismo e esquizofrenia”, Deleuze e Guattari (2011) apresentam, ao mesmo tempo, um modo de captura e de resistência do sujeito. O capitalismo, representa a captura juntamente a todos os seus dispositivos e níveis estratégicos de apropriação subjetiva. A esquizofrenia, por sua vez, representa um modo resistência – pois não é edipianizável –, constituindo-se naquele que não se deixa capturar-se, por um agenciamento único, mas ao contrário entrega-se à multiplicidade de agenciamentos, constituindo seu modo singular de existir – lembrando que Deleuze e Guattari tomam processos de singularização como resistência, ao produzirem identidade pela diferença (DELEUZE, 1995; GUATTARI; ROLNIK, 2013).

Os múltiplos agenciamentos do desejo produzem fluxos, linhas de fuga, a partir das quais o sujeito pode desterritorializar-se para terrirorializar-se em outro lugar, sob outras formas, produzindo/descobrindo novos agenciamentos, que podem, inclusive, reterritorializá-lo, na perspectiva de um ritornelo, da criação – neste movimento – de algum território habitável para si (DELEUZE; GUATTARI 1992, 2011; ZOURABICHVILI; GOLDSTEIN, 2007). Com isso, o esquizo se torna o nômade (DELEUZE; GUATTARI, 2011) que transita livremente na multiplicidade dos fluxos do desejo, nas linhas de fuga do rizoma, que não para de agenciar-se em um constante (re)produzir-se.

O sujeito do desejo, então, é sempre uma produção inacabada, um devir-produção. É a partir do conceito de máquina – ideal para associar-se à ideia de produção –, do sujeito-máquina desejante, que evidenciamos a possibilidade deste sujeito converter-se em uma série de outras máquinas. Como evidenciou-se no marxismo e no materialismo histórico que dele deriva, existe uma estreita relação entre os modos de organização da sociedade e a produção do sujeito. Assim, poderíamos dizer que a máquina social se agencia com os sujeitos que, por sua vez, podem tornar-se outras máquinas: máquinas gregárias, máquinas revolucionárias, máquinas de guerra (DELEUZE; GUATTARI,2011).

O sujeito-máquina gregária aceita as imposições da máquina social, tendendo a não desterritorializar-se, a não produzir seu CsO, transitando apenas no interior de um paradigma dominante, onde alguns discursos se sobrepõem a outros, adquirindo, portanto, um caráter hegemônico. Caberia ao sujeito-máquina revolucionária questionar o funcionamento da máquina-social, bem como aquilo que ela produz, adotando uma postura ativa, disruptiva. Para tanto, é preciso tornar-se, muitas vezes, sujeito-máquina de guerra, avançando e recuando estrategicamente no território produzindo pela máquina social, mas também garantindo a proteção daquele se constitui ao lado dela, de sua ação/produção: é exatamente aí que vive o nômade, personagem performático das múltiplas experiências que vão além daquilo que a máquina social permite (DELEUZE; GUATTARI, 2011) e que, para Deleuze e Guattari, corresponderia à essência do sujeito da esquizoanálise.

A temática do sujeito também pode ser encontrada como elemento central da obra de Michel Foucault. Na ontologia definida por Morey (1991), a mesma aparece dividida em três eixos: ser-saber, ser-poder e ser-consigo. Em cada um deles pode-se observar a relação entre sujeito e a emergência dos saberes, as relações de poder e para consigo mesmo – estabelecendo uma ética de si – respectivamente. Assim, a resposta de Foucault sobre como a sociedade ocidental teria construído a noção de sujeito moderno, poderia ser encontrada a partir da análise dessas três dimensões indissociáveis, que se constituem como possibilidades para se compreendê-lo.

A arqueologia, a genealogia e o cuidado de si – culminando com a percepção da sexualidade como dispositivo –, se constituem como os marcos dessa percepção ontológica do trabalho de Foucault, sendo essenciais para compreendermos um sujeito objetificado no interior de uma série de discursos “empoderados” (FOUCAULT, 2008a, 2007a). Com isso, surge o que Foucault se referiu como relações de saber-poder (FOUCAULT, 1979, 2006a, 2007a). O sujeito que se produz a partir das condições de possibilidade de emergência – sempre contingente – dos discursos do saber (perspectiva arqueológica), também é efeito das relações de poder (perspectiva genealógica), bem como dos regimes de verdade que resultam do binômio saber-poder (FOUCAULT, 1979, 2006a, 2007a). O saber mais sobre si mesmo, por exemplo, foi o que possibilitou ao sujeito – a partir do dispositivo da sexualidade –, experimentar diversas formas de subjetivação, desenvolvendo-o enquanto sujeito moral de suas próprias ações, a partir de jogos de verdade que emergem da relação que estabelece consigo, na perspectiva do surgimento de uma ética de si (FOUCAULT, 2006b, 2007b, 2007c, 2007d, 2016).

Ao buscar em Nietzsche os fundamentos para a construção de uma genealogia – neste caso em específico, do sujeito –, Foucault se depara com uma dimensão ética constantemente (re)construída pelo próprio sujeito, na relação deste para consigo (FOUCAULT, 2006b). A partir disso, passa a interroga-lo: quais são os jogos de verdade que lhe permitem reconhecer-se como sujeito do desejo e por que seu comportamento deveria estar condicionado à moral? (FOUCAULT, 2006b, 2007b, 2007c, 2007d). Evidencia-se assim, como em Friedrich Nietzsche (1987; 2008), seu repúdio em relação ao utilitarismo das palavras – agora deslocado para o discurso – à serviço das prescrições imperativas da moral.

Cabe destacar que a moral em sua natureza prescritiva sufoca o desejo, tornando impossível a emergência do sujeito-máquina desejante como observado em Deleuze e Guattari (2011). Assim, em uma perspectiva condicionante, o sujeito constrangido pela moral aproxima-se daquele idealizado inicialmente por Freud e pela psicanálise – recalcando o desejo – e, portanto, indo de encontro à vontade de potência nietzschiana e ao potencial criativo do desejo como bandeira esquizoanalítica.

O que Foucault intentou demonstrar, foram as maneiras como o poder disciplinar e a governamentalidade, foram essenciais para a produção de subjetividades reguladas (FOUCAULT, 1999, 2008b). Ao estudar o papel de instituições disciplinares e suas técnicas de correção sobre os corpos a partir do binômio docilização/utilidade (FOUCAULT, 1999) e, posteriormente, a partir do desenvolvimento do Estado Moderno, observar o exercício do biopoder e da instauração de biopolíticas no governamento da população (FOUCAULT, 2008b, 2008c). Se na sociedade disciplinar o corpo, as ações e os gestos dos indivíduos eram esquadrinhados, possibilitando sua inserção em uma economia de poder a partir de um olhar anátomo-político – o corpo como território de poder –, na governamentalidade é a população que surge como imperativo ao governante, que deixou de ser soberano, para potencializar a utilização da vida, garantindo a “boa” circulação das “coisas”, nas quais se incluem os indivíduos, a partir de práticas de vigilância, controle e regulação (FOUCAULT, 2008b). Assim, percebe-se a governamentalidade ligada à emergência de uma razão de Estado (FOUCAULT, 2008b).

Na transição do disciplinamento para a governamentalidade vemos uma mudança em relação ao sujeito e aos modos de subjetivação a partir destes distintos discursos. As instituições disciplinares como os hospitais, o exército, as clínicas, a escola – que assumiram um importante papel na fabricação de corpos dóceis –, passam a dividir com a organização estatal e suas novas práticas de governamento, outras possibilidades para a condução das condutas (FOUCAULT,1999, 2008b). Com isso, a tríade, saber-poder-verdade se evidencia, pois para Foucault, as formas de produção de saberes em relação à constituição do sujeito – do disciplinamento à governamentalidade –, se modificam, possibilitando outras formas para o seu assujeitamento, considerando a ontologia arqueogenealógica da verdade que se reflete nos modos como o sujeito se conduz, ou se deixa conduzir, ao repensar constantemente a produção de sua existência (FOUCAULT, 1999, 2007a, 2008b).

À GUISA DE CONCLUSÃO

Sob o pretexto de discutir a emergência do sujeito em uma dimensão histórico-filosófica, o presente texto foi escrito como uma espécie de balizador para um possível caminho que nos permita compreender não apenas a construção/produção da subjetividade, mas de onde podem partir suas teorizações: possibilidades reais para se compreender os processos de subjetivação. Da Filosofia Moderna à Contemporânea, passando pela Psicanálise e pela Sociologia, percebe-se a noção de sujeito como elemento central – e complementar – em cada uma delas.

O presente ensaio foi estruturado de tal modo que se possa perceber algumas das relações que podem ser estabelecidas entre os autores citados sem que houvesse a preocupação em criarmos uma espécie de cronologia entre os mesmos. Pelo contrário, houve apenas o desejo de colocar o sujeito no interior do que consideramos ser uma espécie de grade de inteligibilidade – construída a partir do que cada um deles traz – no sentido de contribuir para a discussão.

Trata-se de uma de reflexão que pretende jogar luzes sobre uma possível história do sujeito configurando-se como uma forma de organizar ideias em torno desta temática: o sujeito e seu processo incessantemente (re)construtivo que constituem-se como objetos, também, da Educação. Assim, podem ser observadas interfaces entre a própria Pedagogia e os campos do saber anteriormente citados. No interior dos estudos curriculares, por exemplo, a discussão da dimensão subjetiva não seria possível sem o entrecruzamento destas áreas.

Inegavelmente, o que se percebe em todo e qualquer campo que tome para si esta discussão é o desejo pautando as formas de ser-sujeito e, portanto, de tornar-se ou produzir-se sujeito. O sujeito da Filosofia, da Psicanálise, da Sociologia ou da Educação só pode devir porque é potente e, assim o é, porque – mais do que necessita – deseja ser. Nesse sentido, estas linhas, ensejam – para além de recolocar sujeito e subjetivação no centro da discussão – ser vontade de potência para que futuras teorizações sobre estas temáticas sejam ampliadas em distintas áreas do conhecimento.

Reiteramos, assim, que não se trata de encerrar a discussão, mas fomentá-la em torno do devir-a-ser-sujeito, considerando os fluxos das relações de força estabelecidas no interior de uma série de multiplicidades discursivas, em distintos momentos sócio-políticos e históricos. Assim, outras aproximações ao sujeito continuarão a tornar-se possíveis e aplicáveis no que tange à perpetuação da produção de saberes sobre o mesmo, sua história e os processos de subjetivação em diferentes espaços e tempos.

2Para Martin Heidegger (1889-1976), o sujeito é consciente de si sempre que é consciente de algo. Nesse sentido a “coisa pensante”, de alguma forma se representaria na “coisa pensada”, o que indica o caráter fenomenológico ao qual me referi. Assim, o “eu” seria sujeito por representar-se, ao mesmo tempo em que representa o objeto, o que faz a filosofia heideggeriana promover uma superação entre sujeito e objeto.

3Foi a partir do argumento do cogito que, Descartes, tentou buscar fundamentos para a construção do conhecimento. Embora tal argumento tenha sofrido algumas críticas por parte de filósofos como Gottfried Wilhelm Leibniz (1992) e Friedrich Nietzsche (2008) tanto sobre sua circularidade, quanto pelo condicionamento à pré-existência de um ser/sujeito pensante, o objetivo – nesse breve resgate histórico inicial –, é o de, simplesmente, posicionar e reafirmar a importância do cogito no início da discussão moderna sobre o sujeito.

4Cabe ressaltar que, para Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), a razão não estaria no núcleo do sujeito, pois segundo o filósofo, a reflexão surgiria no ser humano tardiamente. Para Rousseau, apenas com a formação de sociedades é que a faculdades reflexivas nos humanos passariam a ser desenvolvidas. Assim, o ser humano em seu estado de natureza seria considerado o “bom selvagem”, pois até então, só uma dimensão moral conduziria a humanidade: uma repugnância inata de ver seu semelhante sofrer (ROUSSEAU, 1989). Nesse sentido, para o filósofo, o sujeito seria – antes de tudo – um ser do sentimento e não da razão, o que acaba por aproxima-lo da noção de moral.

5A partir da descrição do aparelho psíquico realizada por Freud, Lacan (1998, p.521) contribuiu – reformulando o argumento do cogito cartesiano – ao afirmar: “[...] penso onde não sou, logo sou onde não penso” recolocando a importância do inconsciente para a constituição do sujeito.

Como citar este documento: FERRARO, José Luís Schifino; PEREIRA, Marcos Villela. Uma história do sujeito. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 27, n. 1, dez. 2018. ISSN 1982-9949. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/12687>. Acesso em: doi:https://doi.org/10.17058/rea.v27i1.12687.

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Recebido: 10 de Outubro de 2018; Aceito: 10 de Dezembro de 2018

Autor para contato: jose.luis@pucrs.br

José Luís Schifino Ferraro Doutor em Educação. Professor dos Programas de pós-graduação em Educação e Educação em Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Marcos Villela Pereira Doutor em Educação. Professor do Programa de pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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