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Reflexão e Ação

versión On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.27 no.2 Santa Cruz do Sul mayo/ago 2019  Epub 06-Oct-2019

https://doi.org/10.17058/rea.v27i2.12636 

Dossiê

PRODUÇÃO ARTESANAL COM MULHERES EM PRISÕES: REFLEXÃO E CRIATIVIDADE SUPERANDO A LÓGICA PATRIARCAL

ARTISANAL PRODUCTION WITH WOMEN IN PRISON: REFLECTION AND CREATIVITY OVERCOMING THE PATRIARCHAL LOGIC

PRODUCCIÓN ARTESANAL CON MUJERES EN PRISIÓN: REFLEXIÓN Y CREATIVIDAD PARA SUPERAR EL PATRIARCADO

Aline Lemos da Cunha DELLA LIBERA1 

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – Porto Alegre – Rio Grande do Sul – Brasil


RESUMO

Abordamos, neste artigo, pressupostos teórico-metodológicos que orientaram a realização de oficinas de artesanato com mulheres em situação de prisão por meio da extensão universitária. Problematizamos o aprisionamento, analisando a subjugação histórica das mulheres a qual passou, também, pelos trabalhos manuais. Partindo de pesquisas acadêmicas realizadas nos últimos anos, incorporamos elementos das pedagogias que são (re)inventadas por mulheres, no momento em que se reúnem para aprender e ensinar trabalhos manuais. Apresentamos subsídios para (re)pensar a produção artesanal como prática criativa e reflexiva, questionando a lógica patriarcal que essas atividades tendem a assumir.

Palavras-chave:  Produção artesanal; Artesanato; Trabalhos manuais; Mulheres em situação de prisão

ABSTRACT

In this article we approach theoretical and methodological assumptions which guided the making of handcraft workshops with women in prison by means of a university outreach program. We problematized imprisonment, analyzing the historic subjugation of women, which has affected manual labor as well. Using recent academic research as a starting point, we incorporated elements from pedagogies that are (re)invented by women when they gather to learn and teach handcrafts. We present subsidies to (re)think artisanal production as a reflective and creative practice, questioning the patriarchal logic characteristics that such activities tend to undertake.

Keywords:  Artisanal production; Handcrafts; Manual labor; Women in prison

RESUMEN

En este artículo abordaremos los supuestos teórico-metodológicos que orientaron la realización de talleres de artesanía con mujeres en situación de prisión, por medio de actividades de extensión universitaria. Problematizamos el encarcelamiento analizando la subyugación histórica de las mujeres, la que también ha pasado por las manualidades. A partir de investigaciones académicas realizadas en los últimos años, incorporamos elementos de pedagogías (re)inventadas por mujeres que se reúnen para aprender y enseñar trabajos manuales. Aportamos propuestas para (re)pensar la producción artesanal como práctica creativa y reflexiva, cuestionando la lógica patriarcal que estas actividades tienden a asumir.

Palabras clave:  Producción artesanal; Artesanía; Trabajos manuales; Mujeres en situación de prisión

Introdução

Buscando elementos de análise em terreno caudaloso e movediço, apresentamos pressupostos teórico-metodológicos que orientaram a realização de oficinas de produção artesanal com mulheres, por meio de atividades de pesquisa e extensão universitária2, delineando compreensões sobre essas práticas com aquelas em situação de prisão. Problematizamos o aprisionamento buscando elementos para o diálogo sobre a subjugação histórica das mulheres de diferentes grupos sociais, a qual passou, também, pelos trabalhos manuais/artesanais3 que, ao longo dos últimos séculos, obtiveram múltiplos significados e implicações.

Partindo da leitura de Marcela Lagarde y de los Ríos (2005), nomeamos como presas todas as mulheres em sua pluralidade e pelos efeitos da lógica patriarcal na sua existência. Em destaque, como prisioneiras, designaremos aquelas em situação de prisão. No caso brasileiro, ao tratar destas últimas, torna-se imprescindível uma leitura que perpasse o feminismo negro e as vivências das mulheres negras em uma sociedade racista e patriarcal (RIBEIRO, 2018), que as encarcera.

Além disso, ancorando-nos em Paulo Freire (1997) e Ivone Gebara (2008), buscamos compreensões a respeito dos saberes de mulheres dos grupos populares, os quais se referem, em alguns casos, à produção artesanal. Como resultado das atividades de pesquisa e extensão mencionadas, apresentamos elementos das pedagogias que são (re)inventadas por mulheres de grupos populares, no momento em que se reúnem para aprender e ensinar trabalhos manuais (CUNHA; EGGERT, 2011). Encontramos, nessas conexões, subsídios para (re) pensar a produção artesanal como prática criativa e reflexiva de mulheres (SILVA; EGGERT, 2012) que contribuem para superação da lógica patriarcal, que, em boa medida, estas atividades tendem a assumir.

AS MULHERES E O ARTESANATO: PRESAS E PRISIONEIRAS

Eu vou fazer um casaquinho de tricot p'ro meu amor

De que cô qu’é?

Ai! Ioiô, de qualqué cô

Prá começar 70 pontos no pescoço

E se fôr grosso aumenta logo 22

78 para o meio das laçadas

em pontos de arroz e as carreiras terminadas

E nessa altura mata 2 de cada lado

muda de agulha para os ombros começar

vai derrubando, faz um meia e um tricot

e só falta arrematar com uma lã de qualqué cô

(Trecho da música “Casaquinho de tricôt”, Paulo Barbosa4, 1935).

A produção artesanal de mulheres assume sentidos que povoam o imaginário popular. Não são raras as lembranças pessoais de avós, mães ou tias confeccionando peças artesanais para netos, filhos ou sobrinhos. A canção em epígrafe, datada dos anos 30 e interpretada por Barbosa Júnior5 e Carmen Miranda6, retrata habilidades técnicas e possíveis representações afetivas dessas práticas, ao mesmo tempo em que corrobora o fato de as mulheres dificilmente, em alguns contextos, (in)surgirem e elaborarem peças para si mesmas. A manutenção da casa, destinada a elas, ocupou-as historicamente com trabalhos domésticos e, para isso, dedicaram-se de corpo inteiro. Esse corpo, portanto, é concebido como “de outros” (LAGARDE Y DE LOS RÍOS, 2005), especialmente dos pais, dos maridos e das proles, em prisões cotidianas.

Entretanto, se considerarmos os avanços da indústria, podemos depreender o porquê de as gerações mais novas considerarem que o tricô, o crochê, os bordados e outras técnicas de produção artesanal são “coisas de gente velha”. Além disso, se atentarmos ao tempo necessário para a confecção de uma peça por meio de trabalho manual, aprofunda-se, no dia a dia das grandes cidades e no trabalho feminino fora do lar, a inviabilidade de fazê-la e, por isso, tais práticas podem se tornar rarefeitas. Além disso, tendo sido incluídas no estilo vintage7e pela popularização dos produtos elaborados com fibras sintéticas vendidos no varejo, deslocam-se, algumas peças artesanais, da condição de produtos de baixo custo. As tricoteiras, bordadeiras e crocheteiras, sob este aspecto, passam a ser alvos de empreendedores que vislumbram possibilidades lucrativas na retomada dos saberes tradicionais.

Retomando a produção em larga escala, torna-se incomum a confecção de alguns utensílios no âmbito doméstico, mesmo em comunidades afastadas dos grandes centros urbanos, pois as exigências técnicas, o custo dos materiais, o tempo necessário para selecioná-los e adquiri-los, bem como a possibilidade imediata de encontrá-los no comércio, desestimula e até inviabiliza a produção artesanal. A prática tornou-se, em alguns âmbitos, obsoleta e desnecessária. Por outro lado, para alguns grupos de mulheres, os cursos de artesanato são recantos dos hobbies que não se destinam à complementação ou a geração de renda, nem para subsistência. Trata-se de momentos de lazer e distração, associados ao prazer do convívio ao compartilhar experiências em grupos de afinidade e para promoção de saúde mental. Para outras mulheres, a confecção artesanal/caseira de alguns produtos, em especial os alimentícios, ainda é imprescindível diante dos parcos recursos financeiros que possuem.

Algumas práticas artesanais, sendo reconhecidas como femininas, também denotam concepções sobre as próprias mulheres que as executam. Tratando-se das técnicas mais refinadas, concentradas em grupos economicamente privilegiados, adquirem força e reconhecimento. Contudo, nos grupos populares, com sua estética própria, poucos recursos e demais indicadores de suas vivências expressas naquilo que fazem, algumas habilidades não adquirem a mesma potência. Assim, também podemos considerar que a desvalorização da produção artesanal, neste sentido, representa as múltiplas formas de subjugação das mulheres dos grupos populares, ao ponto de não serem identificados os saberes e as complexidades da elaboração de uma peça artesanal, incluindo aquelas que já são tradicionais e representam elementos da cultura. Em sentido oposto, a valorização das peças artesanais para o mercado nem sempre representa retorno financeiro às mulheres que as confeccionam. Isso também ocorre quando a precificação é questionada sem que sejam observadas as intensas horas de trabalho para a finalização de uma peça.

Além dos fatores econômicos e das mudanças culturais em âmbito mais geral, as pautas feministas elucidaram efeitos das práticas artesanais, executadas por mulheres, para o seu afastamento da vida pública e da erudição, ao longo do processo histórico, ou seja, para aprisioná-las no interior das casas. Mary Wollstonecraf (2016, p. 2018), no século XVIII advertia sobre o caráter danoso de “[…] confinar as meninas às agulhas, excluindo-as de todas as tarefas políticas e civis”. Em seu tempo, somado aos preceitos morais que condicionavam a vida das mulheres, a produção artesanal era, visivelmente, parte dessas determinações de comportamento e das limitações que ditavam a que deveriam se dedicar. Incluído nessas reflexões está o fato de que produzir artesanalmente compunha parte das obrigações femininas, com restritas possibilidades de torná-las momentos de fluidez dos pensamentos e do fazer criativo.

Mary Del Priore (2014, p. 12) considera que a “[…] tradição portuguesa com a colonização agrária e escravista resultou no chamado patriarcalismo brasileiro” e, para as mulheres, dentro dessa lógica, reservava-se um grande rol de afazeres domésticos. A autora descreve que nos engenhos, em meados do século XIX, além do pai, da mãe e dos filhos, também coabitavam os parentes, os compadres, os amigos, os agregados e os filhos “ilegítimos”, fruto das práticas de estupro às quais eram submetidas as mulheres escravizadas. Como força de trabalho dessas propriedades, homens, mulheres e crianças negras, na condição de escravizados, também habitavam esse território, dominado pela figura dos senhores, donos das terras. Sendo assim

O dia a dia das famílias senhoriais transcorria em meio a grande número de pessoas. As mulheres pouco saíam de casa, empregando o tempo em bordados e costuras, ou no preparo de doces, bolos e frutas em conserva. Sentadas em esteiras no chão, as pernas cruzadas, vestidas simplesmente com camisolões e chinelos, passavam as horas em trabalhos manuais (DEL PRIORE, 2014, p. 13, grifo meu).

Sob este aspecto, embora na passagem selecionada não haja considerações que especifiquem a divisão dessas tarefas entre senhoras e escravizadas, pode-se depreender que alguns afazeres eram mais efetuados por umas do que por outras. Bordados e costuras, por exemplo, poderiam significar a preparação de enxovais, o que não era prerrogativa de mulheres negras escravizadas. Contudo, mesmo nas elites econômicas escravagistas, “[…] a maior parte das meninas não aprendia a ler. Passavam a meninice entre o oratório e a esteira. Ensinavam-lhes a fazer rendas, bordado e costura. Esperava-se que fossem incultas, piedosas, prisioneiras da casa” (DEL PRIORE, 2014, p. 19, grifo meu) e que lograssem um bom casamento. Cunha e Eggert (2011, p. 69) compreendem que as mulheres negras vivenciaram essa feminilidade vinculada ao trabalho doméstico de modo diferenciado, pois “[…] não lhes eram ensinados trabalhos manuais para exercer controle sobre elas, o controle já estava ‘dado’ pela posse de seus corpos escravizados”. Partindo dessa consideração, as autoras descrevem que as mulheres negras executavam outras atividades manuais (cozinhar, lavar, engomar, trançar cabelos...), as quais foram desconsideradas em seu teor artístico, sendo concebidas unicamente para o serviço de outros8. Nos relatos históricos, verifica-se o trabalho que realizavam nas ruas das cidades como quituteiras e vendedeiras9, o que demandava o conhecimento de técnicas de produção artesanal de alimentos.

O século XX também é marcado por determinações e vinculação das mulheres ao lar, embora seja nesse século que tenham insurgido, em massa, contra a dominação patriarcal e conquistado outros lugares sociais. Djamila Ribeiro (2018) alerta para o fato de que, na pauta de lutas das mulheres negras ou pobres, por exemplo, não estava a necessidade de reivindicar a licença dos companheiros para a realização de trabalho fora do lar, haja vista o trabalho que desempenhavam nas ruas, anteriormente citado. Sendo assim, o feminismo negro torna-se fundamental para a compreensão dos outros sentidos que esse movimento social adquire quando observadas as questões raciais. Sueli Carneiro (2011, p. 01) questiona

Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar!

Considerando que as vivências de mulheres são múltiplas e que há trajetórias distintas entre mulheres negras e não negras, pobres e ricas, Cunha e Eggert (2011) fazem referência a essas diferenciações no que diz respeito à produção artesanal. Se a confecção de peças artesanais destinava-se aos outros (patrões), tornava-se emancipador para as mulheres negras que aprendessem para si e que pudessem inserir-se em práticas que anteriormente não eram permitidas a elas. A exemplo disso, no Departamento Feminino do Teatro Experimental do Negro (NASCIMENTO, 1950), que originou o Conselho Nacional das Mulheres Negras, havia o interesse de criar uma “Escola de Artes Domésticas”10.

Produção artesanal em prisões: mais do mesmo?

No que se refere ao artesanato no ambiente prisional, sentidos históricos e vinculados ao patriarcado têm-se reproduzido atualmente. Elaine Pimentel, em estudo sobre as “[…] marcas do patriarcado nas prisões femininas brasileiras” (2016, p. 169), afirma que

O campo do trabalho revela outra face da cultura patriarcal nas prisões femininas. Em geral, o trabalho designado no cotidiano prisional reproduz os papéis atribuídos ao feminino na divisão sexual do trabalho: cozinha, faxina, costura, bordados, artesanato e outros. São raros os casos de oferta de trabalho intelectualizado, capaz de empoderar as mulheres para a vida fora das grades, com a ampliação das possibilidades de inserção no mercado de trabalho. (PIMENTEL, 2016, p. 174).

Gomes (2010), em pesquisa realizada sobre a maternidade na prisão, com vivências de mulheres no complexo de Gericinó (Bangu – Rio de Janeiro, RJ), menciona que o artesanato vinculava-se às iniciativas e práticas cujos resultados esperados eram “acalmá-las”. Muñoz (2011, p. 69), analisando o aprisionamento de mulheres em países como México, Estados Unidos e Inglaterra, afirma que “[…] há menos programas [educacionais] destinados às presas” do que aos homens em mesma condição. Por sua argumentação, pode-se depreender que o menor contingente de mulheres em situação de prisão, mesmo com o aumento substantivo do encarceramento feminino nos últimos anos11, subalterniza a presença de mulheres no sistema prisional e as invisibilizam. Se analisarmos o fato no contexto brasileiro, constataremos que, conforme dados de 2016 do INFOPEN-Mulheres, havia aproximadamente 665.482 homens reclusos para um total de 42.355 mulheres (BRASIL, 2018). Além de considerar a exiguidade da oferta, Muñoz (2011, p. 69) ressalta que “[…] os [cursos] que estão disponíveis são menos variados e de qualidade inferior do que os oferecidos aos reclusos varões”. O autor ressalta que

[…] investigações recentes mostram claramente que, em muitos Estados da América Latina, a maior parte dos cursos oferecidos às reclusas está relacionada com questões vinculadas tradicionalmente à mulher, como costura, cozinha, beleza e artesanato. Não obstante, em vários Estados existem exemplos de programas elogiáveis distantes desses estereótipos e oferecem cursos mais variados e pertinentes e, em geral, melhor considerados (Rangel, 2009). Contudo, não é surpreendente que as investigações sobre as reclusas revelem sua profunda frustração em referência ao alcance e à qualidade da educação e da capacitação que recebem (ver, por exemplo, Danby et al., 2000; Rose, 2008). (MUÑOZ, 2011, p. 69, grifo meu).

Na argumentação dos autores apresentados, a oferta de atividades que envolvam a confecção de peças artesanais corrobora os lugares subalternizados das mulheres, em uma instituição de guarda e custódia imersa em uma sociedade patriarcal. Para tratar do caso brasileiro, em particular, podemos recorrer ao Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN-Mulheres (BRASIL, 2018), o qual apresenta dados sobre as atividades laborais realizadas por mulheres reclusas (dados de 2016).

Em média, 24% das prisioneiras trabalhavam. Cabe ressaltar que o estado com maior percentual de mulheres reclusas em atividades laborais, na época do levantamento, era Sergipe (65%). Em São Paulo, havia o maior número absoluto (3.567), mas isso equivalia a 24% do total da população carcerária feminina no estado. Dentre as atividades laborais realizadas nos estabelecimentos penais, encontra-se o artesanato. Entretanto, não há maior detalhamento no INFOPEN-Mulheres sobre que técnicas são empregadas, a fim de traçarmos algumas análises. Igualmente, um estudo mais detalhado dessas práticas, seus propósitos, tipologias, formas de organização, informações sobre quem ensina e quais as mulheres que frequentam, dentre outras questões, é o que permitiria melhor apresentá-las. Portanto, neste artigo, essa questão fica em aberto.

Para a composição dos dados do INFOPEN-Mulheres,

Foram considerados [...] os diferentes espaços que compõem o ‘módulo de oficinas’ dos estabelecimentos penais, tais como sala de produção, sala de controle, estoque, espaço para carga/descarga de materiais, entre outros, que viabilizariam o oferecimento de oficinas permanentes de profissionalização, principalmente, em 7 áreas delimitadas pelo levantamento: i) Artefatos de concreto; ii) Blocos e tijolos; iii) Padaria e panificação; iv) Corte e costura industrial; v) Artesanato; vi) Marcenaria; vii) Serralheria, entre outros. (BRASIL, 2018, p. 71).

Além de questionar se algumas dessas áreas têm sido consideradas mais qualificadas que a produção artesanal, outra problematização possível é a de que, em boa medida, essas atividades, ainda que executadas com maquinário especializado, resguardam elementos de uma época em que foram realizadas como trabalhos manuais e/ou artesanais. Contudo, se fizermos uma reflexão simples sobre quem domina historicamente algumas dessas técnicas − retomando que se trata de uma suspeita que a área do artesanato se restrinja aos trabalhos manuais reconhecidos como “de mulher” − encontraremos figuras masculinas (pedreiros, padeiros, marceneiros e serralheiros). Quando se trata de corte e costura industrial, que poderia ser reconhecido como atividade feminina, há grande influência da reestruturação do trabalho ocorrida nos últimos anos com a sua extensa fragmentação. Não há, no corte e costura industrial, o fortalecimento da ancestralidade e do conhecimento partilhado de uma geração a outra, pois outras formas de produzir se estabelecem. Na costura industrial, para produção de camisas, por exemplo, quem costura pode saber unicamente como fixar a manga esquerda, sem que saiba confeccionar uma camisa inteira. O que desejamos problematizar, nesta análise inicial, é que quase integralmente, as atividades ofertadas às mulheres reclusas têm como ênfase habilidades manuais, reconhecidas como masculinas ou não, as quais são detalhadas e melhor apresentadas do que a generalização “artesanato, que inferimos se tratar de habilidades ditas femininas. Quais os significados que adquire a oferta de atividades com essas características no ambiente prisional? Como superar as imposições de gênero, oriundas da lógica patriarcal, sem perder as potencialidades de reconhecimento de legados femininos que poderiam ser encontrados, inclusive, nas histórias de vida das detentas ao produzir peças artesanais?

Constata-se ao longo da história do Brasil que no encarceramento das mulheres fica evidente o viés racial das detenções, mantendo, de modo diverso, formas de aprisionamento e subjugação das mulheres negras até os dias atuais. Marcelo Pereira de Mello (2001), ao tratar do perfil das mulheres presas na Casa de Detenção da Corte no século XIX (registros de 1886 a 1889), salienta que 45,1% das detentas eram negras e 42,2% eram pardas (um total de 87,3%), com expressiva maioria (94,3%) de solteiras ou viúvas. Com pouca probabilidade de serem trabalhadoras escravizadas, segundo o autor, eram presas, quase sempre (mais de 60% dos casos), por serem acusadas de comportamento desordeiro, vagabundagem, obscenidade, ofensa moral e insultos, “[…] crimes sujeitos às avaliações subjetivas das autoridades e que só poderiam ser definidos com a contraposição das noções de ‘ordem’ e de ‘moralidade pública’ então vigentes” (MELLO, 2001, p. 39), as quais criminalizavam mulheres negras.

Sabemos que, conforme dados de 2016 (BRASIL, 2018), a maior parte da população carcerária feminina no Brasil é negra (62%), não concluiu a educação básica (82%), é solteira (62%) e tem filhos (75%). Se atentarmos para os registros históricos e as implicações do patriarcado nas vivências de mulheres negras no trabalho escravizado e assalariado, seria imprescindível que as atividades educativas e laborais, que são ofertadas durante a reclusão, dialogassem com as lutas que empreenderam no processo histórico, a fim de romper com a lógica que ainda as mantém como maior contingente nas casas prisionais. Ousadamente, ainda é possível sonhar que, assim como a escravidão foi abolida, as prisões também o sejam (DAVIS, 2018).

O avesso, as possibilidades e outras leituras sobre a produção artesanal nas prisões

Partindo do legado freireano (FREIRE, 1997), revigora-se uma compreensão sobre os saberes populares e sua problematização, o que tem contribuído para que sejam feitas outras leituras sobre a produção artesanal realizada por mulheres de grupos populares.

Este é o ‘saber de experiência feito’ (Camões), a que falta, porém, o crivo da criticidade. É a sabedoria ingênua, do senso comum, desarmada de métodos rigorosos de aproximação ao objeto, mas que, nem por isso, pode ou deve ser por nós desconsiderada. Sua necessária superação passa pelo respeito a ela e tem nela o seu ponto de partida. (FREIRE, 1997, p. 82).

Compreende-se que as sabedorias populares são experiências adquiridas com a vida em comunidade e relevantes para a existência. São pontos de partida para o debate, sem que sejam em si mesmas confinadas, indicando que há possibilidades de superação dos condicionantes, os quais se expressam nesses modos de enunciar o mundo.

Gebara (2008, p. 32) adverte que “[…] cada caminho epistemológico tem sua função e seu objetivo, mas nem sempre nos damos conta de sua existência, de suas diferenças e semelhanças”, explicitando que há uma visível hierarquização dos conhecimentos em uma sociedade desigual e não a sua aproximação. Entende-se por “epistemologia da vida ordinária” (GEBARA, 2008, p. 33) aquela que é presente na existência humana e que ocupa, não raro, um lugar subalternizado (cuidado da casa e trabalhos manuais, por exemplo). A autora chama a atenção para o fato de que “[…] o conhecimento da vida ordinária é, nesse sentido, anterior à vida científica e condição para que ela se realize” (GEBARA, 2008, p. 34). Entretanto, sendo esses saberes presentes no cotidiano de pessoas de grupos populares, que não compõem as elites intelectuais ou financeiras, sua arte, seus modos de vida e formas de expressão, não são reconhecidas como epistemologia12.

Ganha notoriedade o fato de que o fazer artesanal de mulheres de grupos populares adquire estes sentidos abordados por Freire e Gebara, tornando-se crucial o seu reconhecimento. Contudo, são práticas imersas em um contexto social e político, em que a lógica patriarcal é hegemônica e sua influência notória. Contrariando este cenário, pesquisas acadêmicas apontam para novas perspectivas.

Tratando da produção artesanal como “[…] instrumento de criatividade, elaboração subjetiva e formação política coletiva extrapolando o espaço privado e a individualização”, Silva e Eggert (2012) apresentam pesquisas realizadas com artesãs, organizadas em cooperativas, em Pelotas e Alvorada (RS – Brasil). Por meio do diálogo com as mulheres, reiteram que

A experiência [...] aponta que o trabalho coletivo tem feito com que o artesanato produzido pelas mulheres cooperadas saia dos seus espaços privados de produção e ‘circule’ em espaços públicos. Essa passagem do privado para o público tem papel fundamental quando se pensa no artesanato como possibilidade emancipatória, não apenas no aspecto econômico (enquanto produtos artesanais que passam a ‘circular’ no mercado), mas também enquanto formação política para as artesãs, em função da experiência coletiva proporcionada pela cooperativa. São vivências que, uma vez compartilhadas no grupo, aumentam os horizontes dessas mulheres que, dessa forma, ressignificam suas próprias trajetórias pessoais. Assim, a experiência no coletivo torna-se uma aprendizagem que extrapola as aprendizagens históricas do espaço doméstico. (SILVA; EGGERT, 2012, p. 9-10).

O diálogo com esses referenciais e a retomada das sínteses elaboradas em meio ao trabalho com mulheres de grupos populares em diferentes contextos, inclusive a prisão, visam apresentar elementos que sirvam para indicar pistas para um outro lugar que pode ser assumido pela produção artesanal neste contexto. A primeira delas indica que o artesanato pode ser entendido como “[…] produção criativa das mulheres em atividades que, anteriormente poderiam ser consideradas supérfluas, de pouca serventia ou, especificamente ‘coisinhas’ de mulher” (CUNHA; EGGERT, 2011, p. 60). Caberia, para mudanças nas concepções limitantes sobre a produção artesanal, iniciar pelo questionamento sobre a invisibilidade do trabalho doméstico, do qual dependem os membros da comunidade familiar, mas que, em grande medida, são assumidos unicamente por mulheres13. Compreender as sabedorias presentes na produção artesanal que, em alguns casos, sistematizam-se em técnicas de confecção dominadas por grupos específicos, pode dialogar com a luta histórica das mulheres dos grupos populares por reconhecimento de sua condição de trabalhadoras e de sujeitos de conhecimento. Sobre este aspecto, confeccionar peças artesanalmente promove novos modos de conceber o trabalho cotidiano que algumas delas exercem e a dimensão emancipatória que podem assumir.

No diálogo com mulheres negras de grupos populares sobre os saberes que possuíam (CUNHA, 2010) e que se materializavam em práticas cotidianas em suas casas ou nas funções que desempenhavam como empregadas domésticas, elas foram unânimes em reivindicar que estes não eram relevantes para serem partilhados. Em primeira mão, relatavam as dores e as rotinas diárias e, por isso, deixavam explícitas suas concepções e reivindicações de mudança. Por outro lado, indicavam a produção artesanal em grupo como alternativa para geração de renda complementar e para a promoção de saúde mental. Além de ser reconhecido sob esse aspecto, o fazer artesanal foi evidenciado como uma forma de ampliação do senso estético (fazer coisas bonitas) e da sensibilidade (admirar o que produz), logrando processos emancipatórios individuais e coletivos pela partilha de conhecimento com outras mulheres.

Considerando que ensinar e aprender técnicas de produção artesanal suscitava aprendizagens, passamos a analisar quais seriam as pedagogias presentes nesse processo. Em síntese, partindo dos diálogos com mulheres que se reúnem para ensinar e aprender as técnicas artesanais, Cunha e Eggert (2011, p. 73) destacam que “[…] com seu corpo, as mulheres vivenciam a sua criatividade, seus medos e superações. Podemos compreender, então, que a forma de ensinar defendida, [...] também é artesanal. Uma a uma. No corpo a corpo”. Assim, consideramos que a confecção de peças artesanais também pode contribuir para que se efetive o direito à educação de mulheres, não mais com a ideia de que a atividade complementaria os saberes escolares ou que fossem indicados às mulheres os conhecimentos imprescindíveis para exercerem “seu papel” no lar, mas com a ideia de que, por meio da coletividade, elas se reconheçam como sujeitos de direitos. A produção artesanal, portanto, contribui para a valorização de um legado das mulheres, que se traduz, inclusive, em memórias afetivas. Sendo assim, no cárcere, a produção artesanal, adquirindo sentidos que vão além da lógica patriarcal e da ocupação de tempo ocioso, possibilita um contraponto às atuais condições de trabalho e educacionais a que as mulheres reclusas estão submetidas.

Por fim...

Ao abordar a produção artesanal em meio às vivências do cárcere, evidencia-se a necessária superação das lógicas que condicionam essas práticas ao estabelecido pelo patriarcado e que destinam um lugar subalternizado às mulheres. Partindo das leituras teóricas e dos elementos de análise surgidos por meio da discussão sobre o artesanato no ambiente prisional, elencamos ainda alguns dilemas e potencialidades dessa atividade para a garantia do direito à educação e ao trabalho nas prisões.

Ainda é desafiador o fato de que os grupos de artesanato nas prisões sejam vistos unicamente como reproduções da lógica patriarcal, sem que incorporem outras possibilidades que já foram sistematizadas por meio dos estudos feministas. Superando as visões ingênuas, somente um olhar pormenorizado sobre essas práticas atuais no ambiente prisional é que poderia contribuir para que fossem reconhecidas, ou não, tais características. Neste ponto, consideramos que as mulheres, sobretudo as mulheres negras, pautaram a relevância do fazer artesanal para o seu cotidiano, além dos significados múltiplos que ele pode adquirir para o seu empoderamento. Ribeiro (2018, p. 135) salienta que “[…] o termo ‘empoderamento’ muitas vezes é mal interpretado. Por vezes, é entendido como algo individual ou a tomada de poder para se perpetuar as opressões. Para o feminismo negro, possui um significado coletivo”. Sob este aspecto, a possibilidade de conjuntamente reunirem-se para ensinar e aprender, além de dialogarem sobre o legado de suas ancestrais, torna-se uma das possibilidades para superar a subjugação imposta pela lógica patriarcal e constitui-se como significativo elemento para os currículos escolares.

Por isso, elencamos alguns pressupostos: 1. Em alguns casos, o artesanato não tem retorno financeiro equivalente ao do trabalho que desempenhavam antes da reclusão (seja ele legal ou ilegal): embora a remuneração seja o foco mais evidente da oferta de trabalho e da profissionalização no ambiente prisional, tal relação torna-se ingênua por desconsiderar a complexidade das relações de trabalho na atualidade. Por meio de dissimulação, desvinculam-se os ganhos obtidos com atividades que, inclusive, foram os motivos para a reclusão14 e o fato de que algumas mulheres eram empregadas e exerciam profissões antes de serem encarceradas. Não são disponibilizados dados públicos sobre quais as profissões/ocupações das mulheres reclusas anteriores ao aprisionamento. Sendo assim, nessa complexa rede, seria fadar ao fracasso, à obsolescência e à ineficácia, se a oferta de oportunidades de realização de trabalhos manuais/artesanais no ambiente prisional fosse restrita à expectativa de que as mulheres, com o artesanato, tenham ganhos equivalentes aos que tinham com suas atividades anteriores à reclusão. Ratificamos os aspectos ancestrais, culturais, políticos e educativos do artesanato, os quais podem ser evidenciados por meio da vastidão de técnicas e sentidos que ele assume nos diferentes estados brasileiros. Sendo assim, ensinar e aprender artesanato poderia destinar-se à difusão de saberes historicamente subalternizados pela lógica patriarcal, que, apropriados pelas mulheres, contribuem para o seu empoderamento, na perspectiva descrita por Ribeiro (2018). 2. Produzir para si e não exclusivamente para outros: se o histórico da produção artesanal de mulheres vincula-se ao corpo-de-outros (LAGARDE Y DE LOS RÍOS, 2005), sejam elas mulheres de grupos populares ou não, torna-se fundamental que haja radicalização da prática, ao avesso. Com isso, seria interessante pensar em produtos artesanais que se destinassem ao uso pessoal dessas mulheres e não mais que servissem unicamente para outros. 3. A produção artesanal pode contribuir para contrapor a hegemonia da lógica capitalista/patriarcal e problematizar os seus efeitos para as experiências de trabalho das mulheres no interior das prisões: partindo das ofertas de trabalho presentes no ambiente prisional, conforme dados oficiais (BRASIL, 2018), além das poucas oportunidades verificadas, destacamos a sua desvinculação com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por isso, 63% das mulheres reclusas (dados de 2016) recebiam menos do que o previsto na Lei de Execução Penal (LEP)15 como remuneração mínima ou não eram remuneradas pelo trabalho que desempenhavam (BRASIL, 2018). É urgente, portanto, que outras práticas adquiram espaço no sistema carcerário brasileiro, com ênfase naquelas que buscam problematizar o trabalho feminino como oportunidade de conhecimento e emancipação. Conceber a produção artesanal colaborativa (processo em que as mulheres são instigadas a reconhecer todas as fases da elaboração de um produto, além de dialogar e decidir sobre o seu próprio trabalho) como oportunidade de trabalho para as mulheres em situação de prisão provoca refletir sobre a omissão do Estado brasileiro diante da precariedade das oportunidades até então ofertadas dentro e fora do ambiente prisional, além da misoginia e do racismo que resultam no encarceramento de mulheres negras. Entretanto, reconhecemos que esses são pressupostos iniciais, frutos das reflexões que até então temos realizado. Com esses apontamentos intencionamos problematizar os significados da produção artesanal com mulheres, em suas múltiplas prisões, especialmente na reclusão, espaço onde se evidenciam os efeitos do aprisionamento histórico e das investidas para o controle dos corpos femininos negros com grande evidência.

2Nos últimos três anos, por meio de um projeto de extensão universitária, temos realizado oficinas de produção artesanal de sabonetes com ervas medicinais com mulheres reclusas em um presídio feminino no Rio Grande do Sul. Ao todo, em torno de sessenta mulheres frequentaram essa atividade. Neste artigo, apresentar os estudos que fundamentaram a organização e execução deste trabalho extensionista.

3Uma compreensão possível sobre a diferenciação entre trabalho manual e trabalho artesanal, é o fato de que, no primeiro, não há, obrigatoriamente, o envolvimento de quem produz, do início ao fim da execução da peça. Neste sentido, a matéria-prima já foi manufaturada ou corresponde a quem faz uma das etapas do processo. Em síntese, na produção artesanal, não há divisão do trabalho. Toda a confecção é feita pela artesã, o que inclui seleção e/ou manufatura da matéria-prima. Estes dois termos são bastante próximos, pois é notório que todo trabalho artesanal é manual. Contudo, nem sempre a um trabalho manual pode ser conferido o caráter artesanal. Neste texto serão utilizados ambos os conceitos. Artesanato e produção artesanal para abordar práticas específicas e trabalhos manuais na referência mais abrangente das práticas (que incluem o artesanato ou não).

4Paulo Barbosa foi um compositor brasileiro. Nascido no Rio de Janeiro no ano dia 24 de abril de 1900, faleceu na mesma cidade em 04 de dezembro de 1955. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/barbosa-junior/biografia. Acesso em: 29 set. 2018.

5Artur Barbosa Júnior foi um cantor, comediante e compositor brasileiro, irmão de Paulo Barbosa. Nascido no Rio de Janeiro em 1910, faleceu na mesma cidade no dia 21 de maio de 1965. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/barbosa-junior/biografia. Acesso em: 29 set. 2018.

6Carmen Miranda era o nome artístico de Maria do Carmo Miranda da Cunha. Foi cantora, dançarina e atriz. Nasceu em 09 de fevereiro de 1909, em Marco de Canavezes, Portugal e faleceu em 05 de agosto de 1955 em Los Angeles (EUA). Disponível em: http://dicionariompb.com.br/barbosa-junior/biografia. Acesso em: 29 set. 2018.

7“A palavra vintage não existe no dicionário da língua portuguesa. É de origem inglesa e, na maioria das vezes, associada à produção e safra de vinhos. [...] No universo da moda, a palavra foi utilizada em duas acepções: a de qualidade e a de clássico” (CONTANI; YAMANARI, 2013, p. 40).

8A lógica racista que desqualifica/desconsidera o trabalho de mulheres negras é destacada por Botelho e Santos (2017) ao referirem que somente no século XXI houve o reconhecimento do trabalho das baianas de acarajé como patrimônio cultural imaterial pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

9“As habilidades empreendedoras já se faziam perceber desde muito na história dessas mulheres negras, pois as negras de ganho, as vendedeiras, as quituteiras, as ganhadeiras, como eram chamadas, apresentavam-se, desde África, como exímias comerciantes, eram astutas, ligeiras nas falas, nos pensamentos e nas ações [...] (BOTELHO; SANTOS, 2017).

10Embora haja pouca literatura disponível sobre o tema, podemos inferir que a culinária, o artesanato e os cuidados da casa estariam incluídos no rol de estudos. Conforme Rambo (2002) várias destas escolas eram conduzidas por freiras, o que corrobora esta hipótese.

11“Em um período de 16 anos, entre 2000 e 2016, a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou em 455% no Brasil” (BRASIL, 2018, p. 13-14).

12“Atualmente, quando falamos de epistemologia, estamos falando especialmente da produção do conhecimento humano [...]. A partir de meados do século XX, começamos a refletir mais sobre a produção e as consequências do conhecimento que produzimos” (GEBARA, 2008, p. 31).

13Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do ano de 2017 indicam que, em todas as regiões brasileiras, as mulheres assumem mais tarefas domésticas que os homens, em média, 10 horas a mais, por semana. Dentre as que são mais executadas, registram-se “preparar ou servir alimentos”, 95,6% das vezes assumida por mulheres, e “limpeza e manutenção de roupas e sapatos” em 90,7% dos casos feitos por elas, as quais indicam a realização de algum trabalho manual/artesanal no ambiente doméstico (BRASIL, 2017).

14Em 62% dos casos a reclusão ocorre por envolvimento no tráfico de drogas (BRASIL, 2016).

15Conforme o Art. 49 § 1º da Lei de Execução Penal (LEP): “O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.”

Como citar este documento: DELLA LIBERA, Aline Lemos da Cunha. Produção artesanal com mulheres em prisões: reflexão e criatividade superando a lógica patriarcal. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 27, n. 2, abr. 2019. ISSN 1982-9949. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/12636>. Acesso em: __________________. doi:https://doi.org/10.17058/rea.v27i2.12636.

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2 BOTELHO, Denise M.; SANTOS, Francineide Marques da C. Gastronomia afro-religiosa: profissionalização de mulheres negras de axé. Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 23, n. 52, p. 664-676, jun.-set. 2017. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/1935/193554181010.pdf>. Acesso em: 01 set. 2018. [ Links ]

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Recebido: 01 de Outubro de 2018; Aceito: 08 de Janeiro de 2019

Autor para contato: alinecunha29@gmail.com

Aline Lemos da Cunha Della Libera Possui graduação em Pedagogia Séries Iniciais pela Universidade Federal do Rio Grande, Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Pelotas e Doutorado em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Atualmente é professora do Departamento de Estudos Especializados da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atuando na área de Educação de Jovens e Adultos.

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