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Reflexão e Ação

versión On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.27 no.2 Santa Cruz do Sul mayo/ago 2019  Epub 11-Nov-2019

https://doi.org/10.17058/rea.v27i2.12620 

Dossiê

DESAFIOS DE UMA PROFESSORA DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

CHALLENGES OF A PHYSICAL EDUCATION TEACHER ON SOCIO-EDUCATIONAL MEASURE OF COMMITTAL

DESAFÍOS DE UN PROFESOR DE EDUCACIÓN FÍSICA EN LA MEDIDA SOCIO-EDUCATIVA DE INTERNAMIENTO

Carolina Maciel SOUZA1 

Elenice Maria Cammarosano ONOFRE1 

1Universidade Federal de São Carlos – UFSCar – São Carlos – São Paulo – Brasil


RESUMO

Este estudo realizado em um Centro de Atendimento Socioeducativo de internação de Campinas/SP buscou compreender como a educação física se constitui no cotidiano de uma Instituição de privação de liberdade a jovens autores de atos infracionais e os desafios imbricados para a atuação docente neste contexto. Observaram-se diversos dispositivos de segurança e de controle que regulam o cotidiano institucional e o professor passa por constantes processos de adaptação. Há também dificuldades que se arrolam em função das contradições existentes entre um espaço que se pretende emancipador, mas que controla os corpos submetidos à medida socioeducativa.

Palavras-chave:  Medida Socioeducativa de Internação; Trabalho docente; Educação Física; Socioeducação

ABSTRACT

This study was carried out in a Socio-educational Detention Center of Campinas; it aimed to understand how physical education happens in the daily life of a liberty deprivation Institution for juvenile Law offenders and the challenges to teaching in this context. It was observed that there are several security and control devices that regulate the institutional daily life in this universe and that, faced with a rigid and cautious organization, teachers themselves undergo constant adaptation processes. Difficulties are also related to contradictions of a space that is theoretically intended to be emancipatory, but which controls the bodies of those submitted to socio-educational detention.

Keywords:  Social-educational Measure of Detention; Educational practices; Physical education

RESUMEN

Esta investigación realizada en un Centro de Atención Socioeducativo de Internación de la ciudad de Campinas buscó comprender como la educación física se establece en el cotidiano de una Institución de privación de libertad de jóvenes infractores y los desafíos imbricados para la actuación docente en este contexto. Se observó diversos dispositivos de seguridad y control que regulan el cotidiano institucional y el hecho de que el profesor pasa por contantes procesos de adaptación. Se notó también que algunas dificultades se presentan en función de las contradicciones existentes entre un espacio que se pretende emancipador y que a la vez controla cuerpos sometidos a la medida socioeducativa.

Palabras clave:  Medida Socioeducativa de Internación; Prácticas Educativas; Educación Física

Introdução

O cotidiano de uma instituição de privação de liberdade é marcadamente destacado pela complexidade que envolve um espaço de contenção dos corpos que ali habitam. Neste contexto, entre diversos dispositivos de governo que regulam as relações institucionais, situam-se práticas educativas realizadas com a missão de “ressocializar” e, especificamente, no caso da medida socioeducativa de internação, também de atender as prerrogativas legais do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – que preveem o acesso à educação, inclusive dos jovens autores de atos infracionais atendidos por estes estabelecimentos.

Sendo a educação física um aparato pedagógico que compõe as práticas pedagógicas dentro do contexto socioeducativo em São Paulo, buscou-se compreender como ela se constitui no interior deste espaço e quais têm sido os principais desafios da atuação docente ao entrar em contato com: os entraves diários administrados sob a ótica da segurança; as relações de poder incessantemente travadas entre dois distintos governos que coexistem (o Estado e o crime), a dificuldade de se adaptar a um novo universo, regado a regras e controle, para o qual a formação inicial não inclui o preparo profissional; e a tensão existente entre a missão pedagógica e os dados que apresentam as constantes elevações na taxa de encarceramento dos jovens no estado de São Paulo.

Para desencadear estas reflexões, este estudo se sustenta em dados coletados em pesquisa de mestrado realizada no período de 2016 a 2018 e se articula com os diários de campo elaborados por meio das observações das aulas de educação física em um Centro de Atendimento Socioeducativo de Internação no município de Campinas, no período de janeiro a abril de 2017, e contou com a participação de doze jovens e uma docente. Os dados aqui analisados se fundamentam na pesquisa qualitativa em educação, e os atores deste processo estão retratados através de nomes fictícios, em respeito à preservação identitária dos mesmos.

Medida socioeducativa de internação: encarceramento como política pública

O ECA é o principal instrumento legal que organiza e sistematiza toda a política pública destinada a crianças e adolescentes no Brasil. Sua instituição marca na legislação brasileira uma mudança significativa no trato com a delinquência infanto-juvenil, caracterizada pela transição da situação irregular2 à proteção integral3 (PAULA, 2015). Considerando adolescente toda pessoa com idade entre 12 e 18 anos incompletos, o ECA determinou medidas de proteção ao jovem autor de ato infracional. Em seu capítulo IV, que trata das medidas socioeducativas, afirma que são passíveis de aplicação ao jovem autor de ato infracional: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional (BRASIL, 1990). A internação (objeto deste estudo) é considerada de maior rigor4 e deve ser aplicada àqueles que tenham cometido atos infracionais com grave ameaça. A internação é executada em estabelecimento educacional fechado, dentro do qual são realizadas todas as atividades de direito do jovem, com prazo máximo de duração de 3 anos (BRASIL, 1990).

Em São Paulo, a instituição responsável pela aplicação das medidas socioeducativas de semiliberdade e internação é a Fundação CASA5, cuja origem se deu em 2006, em substituição à política da antiga FEBEM6, com o objetivo de criar um processo de descentralização por todo o estado, aproximando os jovens de seus familiares, e assim reduzir a superlotação das unidades, reduzir os índices de rebeliões e qualificar o trabalho socioeducativo junto ao adolescente. Nascem assim novos procedimentos e diretrizes pedagógicas, a fim de promover o acesso à educação escolarizada, educação física e esportes, arte e cultura e educação básica profissional (SÃO PAULO, 2010).

Apesar de toda uma mudança no plano legal, observa-se que a realidade brasileira ainda tem encarcerado mais, mesmo com a medida socioeducativa de internação considerada pela legislação nacional a última opção a ser aplicada. Os dados apresentados pelo levantamento anual do SINASE (BRASIL, 2017) demonstram que a medida socioeducativa de internação tem aumentado drasticamente no país: de 2010 a 2015, passou de 12.041 jovens internados a 18.381, ou seja, um crescimento de 52,65%.

Preocupantes, porém, revelam-se os dados do estado de São Paulo. De toda a população de jovens internados no país, o este estado detém cerca de 45% do total (BRASIL, 2017). O plano decenal de atendimento socioeducativo, elaborado em 2014, pelo Governo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2014), aponta que de 2006 a 2013 São Paulo apresentou um aumento de 30,42% de jovens internados, passando de um total de 5.189 para 6.768. Muito embora estes dados possam ter ligação com o crescimento demográfico do estado, os dados do IBGE apontam que a população de 10 a 24 anos tem diminuído (IBGE, 2011).

Em face dessas contradições, em São Paulo, o maior cometimento dos atos infracionais situa-se na tipificação de roubo e tráfico de drogas, totalizando, juntos, 87,2% dos atos infracionais cometidos em 2015 pelos jovens que passaram pela Fundação CASA (BRASIL, 2017). Na contramão, os atos infracionais análogos a crimes com ameaça à pessoa, à dignidade sexual e crimes contra o patrimônio com resultado de morte, se somados, não chegam à margem de 5% do total (BRASIL, 2017). Isto reflete uma possível inversão do que preza a lei, pois quando se determina que a medida de internação deve ser a última medida a ser aplicada aos jovens autores de atos infracionais, depara-se com uma porcentagem muito menor de atos infracionais tipificados como de grave ameaça.

Além disso, observa-se, em certa medida, a manutenção do perfil do jovem encarcerado, quando se observa que, em maior número, as políticas socioeducativas têm se destinado a jovens pobres, negros e moradores das periferias. Sobre isso, Misse (2010) sustenta a tese de que há indivíduos tipicamente criminalizados e que instituições de privação de liberdade têm se destinado a atuar com uma parcela bem específica da população de jovens. Wacquant (1999) reforça esta retórica, ao afirmar que aqueles que integram o conjunto dos pobres sofrem mais das abordagens policiais e dos processos judiciais, abordando o fato de se tornarem alvos destes aparatos e, consequentemente, mais encarcerados.

No estado de São Paulo, os dados indicam que, até 2013, a porcentagem de jovens em medida socioeducativa de internação correspondia a um total de 67% de negros e 32% de brancos (SÃO PAULO, 2014). Neste cenário, autores como Neri (2009), Malvasi (2011) e Volpi (2013) apontam que a privação de liberdade, além de ter aspectos considerados no campo racial, também se situa na questão de classe, quando, principalmente, moradores de periferias e pobres têm sido escolhidos para ingressar o sistema e contribuir com o aumento das estatísticas. Este ponto de vista, no entanto, é observado com profundidade por aqueles que sofrem deste processo. Em um dia de campo, durante a aula de educação física, discutia-se a diversidade social:

Betânia7 também perguntou sobre o que os jovens esperavam da sociedade. Eles responderam que fosse mais justa, igual para todos. Nego CG8 então se manifestou. Disse que para a sociedade ser igual, a polícia tinha que agir do mesmo modo quando entra em um condomínio de “playboy9” e quando entra na “quebrada”. Nego CG disse, revoltado, “a polícia entra na quebrada e tira com a gente, só porque somos pobres e pretos”. (Diário de Campo XI, 20 de fevereiro de 2017).

Assim, reforça-se este processo que Foucault (2014) chamou de produção da delinquência, ao sinalizar que o encarceramento e a lei não se dão igualmente para todos. Segundo o autor, o que se vê são quase afirmações de que o crime é exclusivo “de uma certa classe social, que os criminosos, que antigamente eram encontrados em todas as classes sociais, saem agora ‘quase todos’ da última fileira da ordem social” (FOUCAULT, 2014, p. 270).

Docência e privação de liberdade: cotidiano, dificuldades e contradições

Betânia, professora de educação física de um Centro de Atendimento Socioeducativo de internação, situa-se em um universo exigente, complexo e desafiador. Há cinco anos exercendo atividades laborais neste contexto, a educadora articula a experiência docente aos aprendizados cotidianos que se dão nos entraves da instituição. Ao ingressar na Fundação CASA, Betânia se classificou como uma educadora conservadora, dotada de preconcepções acerca dos jovens autores de atos infracionais e do mundo que os circula. Porém, segundo ela mesma, o dia a dia na instituição lhe provocou mudanças, impondo necessidades de aprender, buscar e produzir novas possibilidades, diante das inúmeras limitações que este espaço impõe.

Não seria – e não será – Betânia a única educadora a passar pelo processo de tornar-se educadora na privação de liberdade. Ausentes das discussões na formação inicial em licenciaturas, espaços como prisões e centros de atendimento socioeducativo marcam o aprendizado e a construção do processo didático metodológico do professor no dia a dia. São as vivências do cotidiano que possibilitam ao profissional da educação nestes espaços observar as principais demandas de trabalho, necessidades do grupo, possibilidades educativas, e planejar estratégias de atuação diante dos muitos impedimentos existentes na privação da liberdade.

Em pesquisa realizada com educadores de duas instituições de privação de liberdade para jovens autores de atos infracionais, Xavier e Leiro (2012) sinalizam que as entrevistas realizadas com docentes revelaram que, embora fossem formados em cursos de licenciatura, nenhum deles alegou ter sido preparado para atuar nas medidas socioeducativas, reafirmando que o fazer pedagógico se concretiza na prática, “ao entrar em contato com as dificuldades e novas experiências que o trabalho com as medidas socioeducativas oportuniza ao professor” (p. 13).

Laffin e Nakayama (2013), além de explicitarem que neste contexto “os professores vão, com o tempo, criando e reinventando suas metodologias de ensino” (p. 160), afirmam que as especificidades destas instituições implicam que o professor leve um tempo de adaptação, para que na constituição de sua prática se estabeleçam relações com sua formação inicial, que não priorizou este contexto. Segundo os autores, “após iniciar seu trabalho, o professor passa a constituir as suas práticas pedagógicas no espaço de privação de liberdade. Em um primeiro momento tende a fazer tentativas, experiências, para, a partir disso, estabelecer suas práticas” (LAFFIN; NAKAYAMA, 2013, p. 161).

A partir disso, ao desenrolar o cotidiano das aulas de educação física dentro de um Centro de Atendimento Socioeducativo de internação, buscar-se-á demonstrar como a educadora se vê (re)elaborando estratégias e sentimentos, diante das dificuldades que encontra no exercício da docência neste espaço. Entre o controle rigoroso e a supremacia da segurança, as resistências dos jovens, permeadas pelos códigos simbólicos do universo do crime, e as próprias concepções pedagógicas da instituição, que se contradizem entre si, Betânia enfrenta o dia a dia institucional, com o objetivo de fornecer aos jovens uma educação qualificada.

Relações com a segurança

Em instituições de privação de liberdade tudo é feito sob controle, devidamente calculado. A quantidade de jovens que se movimenta de um espaço para o outro, quantos agentes de apoio socioeducativo são deslocados para acompanhar determinadas atividades, designação de pontos estratégicos para possibilitar a vigilância, quais e em que momentos as revistas devem ser realizadas nos jovens. Na Fundação CASA, esta lógica não opera de forma diferente; é a execução do trabalho da segurança que possibilita a ação pedagógica.

As prisões são marcadas pela expectativa do perigo iminente, razão pela qual os procedimentos de segurança impõem regras rígidas de conduta. Ainda que o DEGASE não possa ser definido com prisão, visto que ele coordenada a aplicação da medida socioeducativa, legalmente diversa, ali se faz igualmente a privação de liberdade, o que provoca a mesma tensão. Os agentes, responsáveis pela segurança, estão a todo momento preocupados com qualquer sinal de mudança na dinâmica institucional, com comportamentos que fujam às regras, com indícios de ameaça à ordem. (GONÇALVES et al., 2015, p. 54).

Estudiosos de processos educativos em espaços de medidas socioeducativas, como Dias et al. (2014), reforçam essas questões, quando apontam que

[...] os espaços de controle do corpo e da liberdade enfatizam e prezam a segurança (sejam com grades, celas e muros altos ou formas mais sutis), e o controle sobre as ações das pessoas ali atendidas, por meio de estabelecimento de rotinas e normas que resultam em um esquadrinhamento e modificação da vida dos indivíduos. (DIAS et al., 2014, p. 214).

Para Foucault (2008), o dispositivo de segurança vai se produzir no discurso da prevenção. Deste modo, é a segurança que organiza tecnologias para prevenir as doenças, as infrações, crescimentos demográficos exacerbados, entre outros, a partir de um conjunto de informações, dados, números, procedimentos, ou seja, a partir de um fato dado. O que pode parecer uma lógica binária, distinguindo o permitido e o não permitido, segundo o autor, na verdade trata-se de um mecanismo que, a partir de um fenômeno em questão, promoverá um cálculo bastante sofisticado que considerará, inclusive, os níveis de resistência ao próprio dispositivo. Busca-se, com isso, fixar uma média considerada ótima, em relação ao fenômeno, “e depois estabelecer os limites do aceitável, além dos quais a coisa não deve ir” (FOUCAULT, 2008, p. 9).

O que se nota, explicitado na descrição de como opera o dispositivo de segurança dentro da Instituição aqui estudada, é o reforço daquilo que Foucault (2008) anunciou sobre o caráter relacional de sua finalidade com a ordem legal e com os mecanismos de vigilância. O caráter preventivo deste dispositivo marca então o processo pelo qual ele se aperfeiçoa e se faz perceptível dentro da Fundação CASA.

Porque, afinal de contas, para de fato garantir essa segurança é preciso apelar, por exemplo, e é apenas um exemplo, para toda uma série de técnicas de vigilância, de vigilância dos indivíduos, de diagnóstico do que eles são, de classificação da sua estrutura mental, da sua patologia própria, etc., todo um conjunto disciplinar que viceja sob os mecanismos de segurança para fazê-los funcionar. (FOUCAULT, 2008, p. 11).

A segurança, nestes termos, ganha um status funcional, de fazer funcionar a lei, a ordem, a norma interna e a disciplina investida sobre os corpos que habitam e produzem vida no espaço de privação de liberdade. Mas é claro que, nas tensões internas, as possibilidades de resistir a estes mecanismos são pensadas, calculadas, de modo que se organize todo um conjunto de saberes e procedimentos visando o cumprimento da rotina diária, da ordem e a construção de um ambiente mais uniforme possível. É possível perceber, no entanto, pelos trechos de diários de campo retratados a seguir, que o mecanismo da segurança impõe diversos implicadores à ação docente:

Betânia se dirigiu até a sala onde a aula ocorreria, para iniciar a organização e limpeza do espaço, permanecendo por lá um longo período. Após uns 20 minutos, Betânia voltou. Disse que quando um pequeno problema acontece a rotina se atrasa. Disse-me que as roupas dos jovens foram entregues sem numeração10 e isto atrasou o início de sua atividade. Em uma Instituição de privação de liberdade, tudo só funciona em função da organização dos espaços, dos jovens, enfim, da rotina por parte da equipe de segurança. (Diário de Campo XI, 20 de fevereiro de 2017)

Betânia então pediu que fossem (os alunos), pois ainda faltava encaixar mais tatames. Neste momento percebi que faltavam três jovens. Perguntei a Betânia o porquê, ela disse que o coordenador de equipe os havia deixado ficar nos dormitórios. Sou professora também e sei que quem deveria ter decidido sobre isso, era Betânia. Mas ela nem foi consultada. O planejamento dela para 11 alunos, precisou ser adaptado, para 8. (Diário de Campo XII, 06 de março de 2017)

Ficamos ali no corredor aguardando os jovens se trocarem alguns minutos. Betânia perguntou para um agente de apoio socioeducativo se os jovens já subiriam para quadra, mas recebeu uma negativa, pois primeiro iriam direcionar os demais aos dormitórios e só depois disso levariam os da educação física para a quadra. Esperamos mais um pouco, mas Betânia cansou. Falou para irmos subindo sozinhas mesmo e lá já íamos organizando as coisas. Íamos subir com os jovens, pelas escadas de trás do Centro (ou P3), mas disseram que tinha um agente na P1 (escada da frente), então fomos por ali. [...] subi as escadas com Betânia falando novamente da dificuldade de depender de outros setores para garantir as atividades. Chegamos na quadra e não havia P1 para abrir o portão para nós. Ficamos ali alguns minutos do lado de fora. Betânia desceu para chamar alguém para abrir. Neste momento fiquei sozinha e vi os jovens chegando à quadra pela P3. No final das contas, chegaram primeiro do que nós. (Diário de Campo XIV, 15 de março de 2017).

Estes trechos refletem o peso da segurança sobre a dinâmica do CASA, impondo dificuldades à educação. Laffin e Nakayma (2013) retratam as dificuldades encontradas por educadores nas relações com a equipe de segurança, pois é necessário avaliar os materiais que serão utilizados durante as atividades, contabilizá-los ao entrar e ao sair, bem como agir diante das situações de forma comedida, a fim de não provocar quaisquer movimentos de desordem. Assim, este espaço enfatiza e preza “a segurança [...] e o controle sobre a ação das pessoas ali atendidas, por meio de estabelecimento de rotinas e normas que resultam em um esquadrinhamento e modificação da vida dos indivíduos” (DIAS et al., 2014, p. 214).

Além de ser um espaço fortemente controlado pelos mecanismos de segurança e essa questão por si só acarretar limites à ação educativa, o que se observou no período analisado foram diversas situações em que as aulas de Betânia foram prejudicadas em função das ações deste setor. Das doze aulas observadas, em pelo menos três delas houve atraso nas atividades, em função da demora na movimentação dos jovens, de responsabilidade e realizada pela segurança. O trecho de um diário de campo ilustra esta questão:

Ficamos ali no corredor aguardando os jovens se trocarem alguns minutos. Betânia perguntou para um agente de apoio socioeducativo se os jovens já subiriam para quadra, mas recebeu uma negativa, pois primeiro iriam direcionar os demais aos dormitórios e só depois disso levariam os da educação física para a quadra. (Diário de Campo XIV, 15 de março de 2017).

Muitas foram as vezes em que a segurança decidiu isoladamente aceitar o pedido de alguns jovens e deixar de encaminhá-los à sala ou à quadra para a aula de educação física. Em outros momentos, observou-se que alguns jovens já não mais frequentavam as aulas, mas solicitavam ao agente responsável que os encaminhasse ao dormitório e tinham seus pedidos atendidos, deixando assim de participar das atividades sem o consentimento da professora. Ou seja, da mesma forma que a segurança segue rigorosamente procedimentos preventivos, também atua afrouxando deveres, deslegitimando o papel da educadora.

O crime como dispositivo de governo

A atuação docente nos espaços de privação de liberdade, além de ter preparo pedagógico para lidar com as dificuldades institucionais que se dão no dia a dia, também deve se atentar às regulações que acometem estes espaços. Moreira (2011), Feltran (2010; 2011; 2012) e Malvasi (2012) apontam o crime como instância normativa destes espaços, produzindo suas leis, seus sistemas e convivendo com as regulações estatais. Segundo os autores, as periferias de São Paulo e suas instituições de privação de liberdade (como as prisões, a antiga FEBEM e hoje a Fundação CASA), a partir dos anos 199011, passam a se constituir enquanto territórios de governo do “mundo do crime”, por meio do regimento compartilhado neste universo pelos “irmãos”12, quando da criação, sistematização e consolidação do Primeiro Comando da Capital – PCC. Ou seja, o que se observa no universo da medida socioeducativa de internação é a coexistência de distintos universos normativos regendo a conduta dos jovens e, por se guiarem em pressupostos distintos, entrando a todo momento em conflito.

Esses códigos, provenientes do discurso de positividade do crime, vieram à tona em todas as aulas realizadas pela educadora. Para quem vive os ambientes de privação de liberdade, ficam claros os movimentos que permeiam este outro mundo. E o que chama atenção é a materialização destes códigos quando vêm à tona nas aulas em que Betânia levou para a discussão os temas ligados à diversidade sexual e igualdade de gênero. Em uma das aulas, Betânia aproveitou o mês da mulher para debater sobre (des)igualdade de gênero. Durante a discussão, ela entregou tiras de cunho machista. Porém, uma delas foi a mais polêmica: a que mostrava uma mulher amamentando dentro do ônibus e os homens a cobiçando:

Gerou muita conversa. Domenick, MC: J.S e MV ficaram atordoados. Nego CG falou que a mulher tinha o direito de amamentar e que a criança não tinha que passar fome. Mas MV foi mais radical, disse que mulher que expõe muito seu corpo não pode reclamar de ser estuprada. Domenick concordou e disse “aí vem um Jack e como faz? Imagina sua mina mostrando os peitos na rua? Eu não deixava não!”. (Diário de Campo III, 6 de março de 2017).

A partir da narrativa dos jovens traduzida em repúdio à publicização de relações homoafetivas nas vias da quebrada13, em intolerância com a exposição do corpo da mulher em locais públicos, ainda que estivesse amamentando, reforça-se a condição existencial sexualizada e viril do mundo do crime, em que o “comportamento sexual da mulher é controlado de modo rígido e extremamente violento” (ZALUAR, 1993, p. 138), e vivificam a simbologia que representa este mundo, caracterizado por relações autoritárias que o constituem. São os elementos do crime que envolvem virilidade, força e poder que figuram na mulher uma relação narcisista. Isto é, ostentam-se o dinheiro, as roupas de marca, mas também as mulheres, que não podem ser “vistadas”14, muito menos desejadas por qualquer outro homem. Segundo Moreira (2011) não é nem permitido olhar para a mulher do outro: “nos dias de visita não é permitido tocar nos órgãos genitais, falar palavrões e olhar para as mulheres que visitam os companheiros” (MOREIRA, 2011, p. 126).

Além das questões relacionadas aos temas, durante as aulas os jovens demonstravam um claro desafeto àquele tido como o playboy do grupo. Leo era um jovem constantemente hostilizado pelos demais. Muitos se dirigiam a Leo como Barbie15, mulherzinha, rosinha. O que tornava Leo um alvo de deboche era a condição de sujeito que ele ocupava no espaço de privação de liberdade. O que colocaria Leo em um constante confronto com os jovens de sua turma era o fato de não ser um membro do grupo. Era como se Leo estivesse privado da liberdade por um deslize. Repetidamente chamado de playboy, a representatividade de Leo entre os pares era marcada pela diferença que existia entre a vida dele e a dos demais. Por isso, Leo era um estranho à lógica ali existente. Visto de outro modo, Leo não era o crime, Leo era o playboy, aquele que o crime rejeita exatamente porque, na ordem “legal” e “moral”, é quem se reveste de uma proteção tal qual a justiça e a polícia não atuam de igual maneira como sobre com quem vive na quebrada. O playboy, no limite, pode até viver na ilegalidade, mas não será produzido no discurso do delinquente, e tampouco sofrerá de suas consequências.

Como se pode observar, ao trabalhar com relação ao respeito à diversidade, à igualdade de gênero, à violência contra a mulher, muitos foram os discursos de resistência à ação docente que buscava promover uma espécie de defesa aos direitos humanos: aos homossexuais, às mulheres e às diversas outras formas culturais de viver em sociedade. No entanto, esta questão se mostrou difícil de equacionar na lógica da “moral”. O que se viu foram movimentos de resistência, em meio a relações de poder travadas durante as aulas. Esses enfrentamentos, decorrentes entre a busca de normalizar os sujeitos no sistema da moral, do respeito, do convívio, dos direitos individuais, encontraram terreno fértil para explicitar as resistências que decorrem destas relações. Como defende Foucault (2014a), o poder não se detém, é exercido, não é negativo, mas sim produtivo, pois é o modo como certas ações estruturam o campo de outras possíveis ações.

É claro que, ao analisar o exercício das relações de poder nas aulas de educação física, percebe-se, por outro lado, que as resistências operam e, conforme alerta Foucault (1995), onde há poder, há resistência.

Na aula em que debatemos a diversidade social, inevitavelmente chegamos ao assunto da diversidade sexual. Muito assustou a postura arredia e violenta de alguns que, nitidamente, acuaram a discussão e não permitiram uma maior reflexão sobre o tema:

Hortocity16 disse que era errado. Respeitava, mas que não admitia ver na rua homem com homem. Disse também que lésbicas tudo bem. Mas homem com homem era feio. Disse também que se passeasse na rua com sua sobrinha e visse dois homens se beijando, daria um salve17 e até bateria. Brizola foi mais drástico. Disse que todos travestis tinham que morrer. Isso me assustou! Todos falavam defendiam a tese de que homem nasceu para a mulher e vice e versa. Deus criou assim. A religião imputava nos jovens o entendimento engessado sobre as formas de ser no mundo. (Diário de Campo XI, 20 de fevereiro de 2017).

Como se pode observar, ao trabalhar sobre o respeito à diversidade, à igualdade de gênero, a violência contra a mulher, muitos foram os discursos de resistência à ação docente que buscava promover uma espécie de defesa dos direitos humanos dos homossexuais, das mulheres, e de diversas outras formas culturais de se viver em sociedade. No entanto, esta questão se mostrou difícil de equacionar na lógica da “moral”. O que se viu foram movimentos de resistência, em meio a relações de poder travadas durante as aulas. Esses enfrentamentos, decorrentes da busca de normalizar os sujeitos no sistema da moral, do respeito, do convívio, dos direitos individuais, encontraram terreno fértil para explicitar as resistências que decorrem destas relações. Como defende Foucault (2014), o poder não se detém, mas é exercido; não é negativo, mas sim produtivo; pois este é o modo como certas ações estruturam o campo de outras possíveis ações.

É claro que, ao analisar o exercício das relações de poder nas aulas de educação física, percebe-se, por outro lado, que as resistências operam e, conforme alerta Foucault (1995), onde há poder, há resistência.

Pois, se é verdade que nos centros das relações de poder e como condição permanente de sua existência, há uma “insubmissão” e liberdades essencialmente renitentes, não há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem inversão eventual; toda relação de poder implica, então, pelo menos de um modo virtual, uma estratégia de luta, sem que para tanto venham a se superpor, a perder sua especificidade e finalmente a se confundir. (FOUCAULT, 1995, p. 248).

Ao problematizar na turma as questões envolvendo a sexualidade, o machismo e os diferentes modos de se viver em sociedade, Betânia se defrontou com um grupo fortemente armado às discussões ali promovidas, e os jovens se depararam com alguém tentando mover a fronteira estabelecida pelo controle, pelo universo disciplinar construído na narrativa de positividade do crime. Para quem vive os ambientes de privação de liberdade, ficam claros os movimentos que permeiam este outro mundo. No seio das relações que se estabelecem, há um espaço fortemente controlado por técnicas de poder: incontáveis regras (do que pode e que não pode), hierarquias, sistema de justiça, relações patriarcais18, consumo, ostentação, valores, entre tantos outros fatores que marcam aqueles que se constituem no sistema do crime.

O desejo pela liberdade e o cansaço da rotina

Como observado nas aulas, muitos foram os momentos em que os jovens, especialmente Hortocity, Nego CG e Davidson, se recusavam a participar das atividades, ora deixando de se encaminhar à sala de aula ou à quadra para serem liberados para os dormitórios. A partir do momento em que o Relatório Técnico Conclusivo – RTC – se materializou, as aulas de educação física já não se faziam necessárias, e por isso mesmo concretizava-se o ponto de fuga: o portão para os quartos, o palco da quadra ou a caminhada; em raríssimos momentos a participação nas aulas. Para a instituição, uma afronta. Para eles, uma vitória, afinal, a atividade obrigatória (revestida de direito) já não lhes imputava mais a obrigação.

Apesar de a educação física ser oferecida como direito aos jovens, para eles é tida como obrigação, por uma lógica simples: existem dentro de um Centro de Atendimento, como esse em que Betânia atua, cerca de sessenta e quatro jovens; porém, estes jovens estão, como qualquer um, onde não gostariam de estar. A educação física, neste contexto, integra o conjunto de atividades pedagógicas que são direitos, mas que são de participação obrigatória.

Neste cenário, o envolvimento nas atividades oferecidas e aproveitamento delas possibilitam uma boa avaliação dos jovens; isto consequentemente influencia o tempo em que eles permanecerão internados. Durante as aulas de educação física, o desejo pela liberdade foi evidente, à medida que se observou a relação dos jovens com as atividades que realizavam, pois foram muitos os momentos em que eles, ao terem a notícia de que seu RTC fora encaminhado para avaliação do judiciário – gerando uma expectativa de liberação – ou de que houve uma devolutiva negativa, deixaram efetivamente de participar das aulas de educação física.

Muitos foram os momentos em que se presenciou Betânia tentando, exclusivamente por meio do diálogo, convencer os jovens a realizar as aulas, quando iniciaram o abandono. No entanto, a partir do momento em que havia a possibilidade de a liberdade cantar19, era como que se apertassem um botão que desligasse automaticamente a vontade de participação nas atividades; era como se o jovem já não tivesse nenhuma obrigação com a instituição e com as práticas desenvolvidas naquele espaço.

Essa dinâmica dos relatórios fatalmente implica nas ações cotidianas de Betânia e de qualquer educador, pois a rotina de um Centro é fluida. Embora o objetivo seja o mesmo para todos (a liberdade), ele é alcançado em momentos distintos, de forma individualizada. Cada um está em uma trajetória e em um momento diferente. Neste caso, Betânia precisava lidar, também, com a ansiedade constante nas suas aulas, do início ao fim, e, claro, com as desistências oriundas da (in)certeza da liberação.

Porém, a busca pela liberdade está sumariamente atrelada ao cansaço da rotina. Viver todos os dias como se fossem iguais gera angústia e desejo de se ver livre disso. Foi perceptível nas observações que, quando se adentrou o terceiro mês de atividades, os jovens pareciam esgotados. Muitos participavam na resistência, outros de forma forçada, e alguns já não tinham mais forças. Somavam-se a isso diversas questões: o cansaço da privação, o querer estar livre, e todo um emaranhado de sentimentos por se estar distante de tudo e de todos. É tarefa difícil atuar e intervir neste contexto; tarefa difícil também manter-se equilibrado. Além das buscas constantes por trazer os jovens de volta às aulas, Betânia também sofria por não conseguir intervir de forma positiva nesta realidade. Hortocity e Davidson, desde que abandonaram as aulas, foram até o fim do trimestre sem participar das atividades. Assim, Betânia se viu muitas vezes replanejando rotas e traçando estratégias para lidar com a desmotivação dos alunos.

Algumas considerações

Diante das limitações que a privação impõe, Betânia se viu muitas vezes reorganizando metodologias e o próprio planejamento, quando muitas vezes se deparou com o desinteresse dos jovens, com as angústias oriundas do processo de encarceramento, com os próprios sentimentos que perpassavam dentro de si. Betânia se mostrou atenta para a importância de buscar saberes para lidar com diferentes culturas, mas especialmente para lidar com conflitos e dilemas que os espaços de privação apresentam.

Além disso, Betânia também se deparou, muitas vezes, com fronteiras difíceis de romper e com a inferiorização de sua prática pela ação da segurança. No meio de um fogo cruzado, em que se configuram mecanismos repressores de controle de conduta e de normalização dos sujeitos, tanto do crime quanto do Estado, buscava, por meio de suas práticas, desenvolver nos jovens aspectos que considerava importantes em um cenário educativo. Tal fato se podia analisar através das aulas de educação física, nas quais sempre disponibilizava tempo para discutir temas importantes com os jovens, sumariamente atrelados à diversidade social (homofobia, machismo, violência de gênero, hábitos e costumes).

Neste escopo, observou-se que Betânia, educadora já experiente, há seis anos na privação de liberdade e há décadas atuando como professora de educação física, vive o processo adaptativo pelo qual passa todo educador ao ingressar em uma instituição desta complexidade – e continua vivenciando, ao longo de sua carreira profissional, os desafios que este contexto impõe, resistindo às dificuldades enfrentadas e, com isso, buscando seu bem-estar docente, apesar das limitações. Ficou clara sua sensibilidade frente aos problemas sociais quando buscou pautar sua prática pedagógica na instauração do diálogo com os jovens, apoiando-se nos pressupostos da educação como prática da liberdade. Certamente, a fonte de seu bem-estar docente se constituiu pelo reconhecimento de seu valor para os jovens, despertando nela motivações intrínsecas pertinentes à carreira, como o gosto por ser professor e sua realização pessoal. Não por acaso, Betânia ali se mantém por seis anos!

2Anteriores ao ECA, as políticas públicas que trataram da delinquência infanto-juvenil estiveram voltadas a institucionalizar crianças e adolescentes considerados desvalidos, abandonados e, também, autores de atos infracionais, em internatos. Essas políticas, segundo autores como Dias (2011), Bretan (2014) e Paula (2015), tinham um caráter punitivo e discriminatório e retiravam do convívio familiar crianças e adolescentes pobres.

3O ECA cria uma legislação e institui a necessidade de políticas públicas voltadas à proteção de crianças e adolescentes, e trata da internação como uma alternativa que somente deverá ser aplicada aos adolescentes que cometeram atos infracionais, cuja aplicação deverá ser dada somente em última hipótese.

4Conforme o parágrafo terceiro do artigo 42 da lei 12.594 de 2012 (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, SINASE): “Considera-se mais grave a internação, em relação a todas as demais medidas, e mais grave a semiliberdade, em relação às medidas de meio aberto”.

5Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente.

6Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor.

7Professora de educação física do Centro de Atendimento Socioeducativo estudado, colaborada da pesquisa.

8Nome fictício de um dos jovens participantes da pesquisa.

9Aque que possui dinheiro, melhores condições de vida

10Cada jovem possui sua roupa neste Centro. Como todas as roupas são iguais, é preciso numerá-las. Deste modo, cada jovem é um número e a este número corresponde um kit de roupas que lhes é entregue quase sempre ao final dos dias.

11 Feltran (2012) aponta que após o Massacre do Carandiru ocorre uma inflexão “nas políticas implementadas pelo crime (fundação do PCC e início da construção hegemônica de suas propostas – guerra aos grupos rivais e ao sistema, interdição do estupro e do homicídio entre os pares)” (p. 234).

12Os membros do PCC se chamam desta forma. Feltran (2018) aponta que é uma característica de indivíduos que atuam em fraternidade e atribui a essa organização criminosa o funcionamento como de uma maçonaria.

13Segundo Malvasi (2012), a palavra “quebrada é utilizada em alusão à ideia de um bairro periférico, uma noção eminentemente de caráter territorial” (p. 13), e que encontra no seu interior relações marcadas pela violência, pela pouca infraestrutura e pela regulação do crime.

14Palavra utilizada pelos jovens para designar quem olha para o outro com conotação sexual, com desejo.

15Boneca utilizada como brinquedo infantil e que representa os estereótipos de feminilidade.

16Nome fictício de um dos jovens participantes da pesquisa.

17Dar um salve é dizer o que se deve fazer.

18Tipo de organização social que se caracteriza pela sucessão patrilinear, pela autoridade paterna e pela subordinação das mulheres e dos filhos.

19Decisão do judiciário dando aval para a liberação do jovem.

Como citar este documento: SOUZA, Carolina Maciel; ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano. Desafios de uma professora de Educação Física na medida socioeducativa de internação. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 27, n. 2, abr. 2019. ISSN 1982-9949. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/12620>. Acesso em: 15 abr. 2019. doi:https://doi.org/10.17058/rea.v27i2.12620.

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Recebido: 30 de Setembro de 2018; Aceito: 28 de Março de 2019

Autor para contato: souzam.carol@tgmail.com

Carolina Maciel Souza Mestra em Educação. Supervisora Técnica na Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente).

Elenice Maria Cammarosano Onofre Docente do Departamento de Metodologia de Ensino (área Didática e Formação de Professores) e do Programa de Pós-Graduação em Educação (linha de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos) da UFSCar.

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