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Reflexão e Ação

versão On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.30 no.1 Santa Cruz do Sul jan./abr 2022  Epub 04-Ago-2023

https://doi.org/10.17058/rea.v30i1.17459 

Apresentação

A educação e as múltiplas dimensões da crise do sistema-mundo

I Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC - Santa Cruz do Sul - Rio Grande do Sul - Brasil.

II Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC - Santa Cruz do Sul - Rio Grande do Sul - Brasil.


Nos últimos anos, a Educação tem se voltado para discussões relacionadas às múltiplas dimensões da crise do sistema-mundo. O primeiro número da Reflexão e Ação em 2022, reflete esse aspecto, de algum modo, pelos enfoques temáticos apresentados por cada um dos artigos selecionados. Partem das experiências populares e de práticas educativas de professoras e professores das escolas públicas como sendo alternativas aos problemas educacionais concretos do tempo presente.

A crise sistêmica intensificou a exploração do trabalho docente, a perda de direitos sociais e previdenciários da categoria, aumentou a concentração da riqueza produzida no país, explicitou a injustiça social e epistêmica através da ausência ou da limitação do acesso aos dados móveis e internet tanto por docentes quanto por estudantes. Enfim, a crise limitou, ainda mais, o acesso aos conhecimentos já produzidos e vem dificultando a produção de novos.

Segundo o INEP (2022), houve uma redução de 1,3% no total de matrículas na educação básica brasileira; de 2020 para 2021, o país perdeu cerca de 627 mil estudantes. Os dados gerais do Censo Escolar apresentam uma tendência de queda, cujos efeitos da crise impactaram acentuadamente a educação infantil e a educação de pessoas jovens e adultas . É relevante mencionarmos que vimos sentindo os desinvestimentos para a Ciência, Tecnologia e Educação nos últimos anos. O Ministério da Educação vem sendo uma das pastas governamentais mais afetadas pelo ultraliberalismo do atual governo. No final de janeiro de 2022, foi sancionada a Lei Orçamentária Anual com uma redução no valor de R$ 739,9 milhões . Parte significativa dos cortes, cerca de R$499 milhões, estão vinculados ao Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação - FNDE, autarquia responsável pela execução de políticas educacionais, às vésperas do cumprimento das 20 metas do Plano Nacional de Educação - PNE. Além disso, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq teve R$ 859 mil vetados do orçamento, assim como a Fiocruz, uma das maiores instituições de pesquisas da América Latina e uma das responsáveis pela imunização contra a Covid-19; nesse caso, o corte foi no valor de R$ 11 milhões.

Assim, neste contexto, reunimos 15 artigos e uma resenha. O leitor e a leitora podem considerar a sua organização em três blocos temáticos: no primeiro deles, os autores/as apresentam artigos que relacionam aspectos teóricos e práticos da/sobre Educação Popular; no segundo bloco, reunimos artigos que apresentam diferentes temáticas e cuja abordagem se identifica com aspectos epistemológicos e metodológicos de Paulo Freire; e, por fim, um bloco com artigos que estão voltados para o ensino-aprendizagem e a avaliação, em diferentes contextos e sujeitos.

O primeiro artigo é de autoria de Andrea Francine Batista e Maurício César Vitória Fagundes, ambos pesquisadores na Universidade Federal do Paraná - UFPR/Setor Litoral. Intitulado Educação Popular e processos de emancipação, a autora e o autor analisam aspectos que possam contribuir para um inventário das experiências de Educação Popular a partir das premissas e pensamento de Paulo Freire, desde o processo de redemocratização até a atualidade. Para tanto, recuperam seus fundamentos, suas principais experiências e sua articulação com as lutas populares deste tempo.

Em seguida, já fundamentados pelo texto anterior, o leitor e a leitora podem tomar contato com a ideia de resistência propositiva popular. Gercina Santana Novais e Tiago Zanquêta de Souza, pesquisadores na Universidade de Uberaba, analisam o “Marco de Referência de Educação Popular para as Políticas Públicas”, evidenciando elementos e contradições relativas à elaboração de políticas educacionais, desenvolvidas em períodos que antecederam a eleição presidencial de 2018. O artigo Resistência propositiva popular: em tempos de marco de referência e disputas por outra educação anuncia contraposições à educação para a subordinação das classes populares como política pública de educação e ao fortalecimento da agenda de mercantilização do conhecimento e abandono do caráter público, laico, gratuito e social das instituições públicas de ensino, em decorrência do resultado das urnas referente à escolha do presidente do Brasil para o período de 2019 a 2022.

O terceiro artigo que disponibilizamos nesse número da Reflexão e Ação está intitulado Las Margaritas: germinando uma experiência de mulheres cooperadas ancorada na educação popular e é de autoria de Joanne Cristina Pedro, Sandro de Castro Pitano e Nilda Stecanela, pesquisadores na Universidade de Caxias do Sul. A partir de uma experiência educacional popular, ancora-se na pesquisa-ação como pressuposto mobilizador e como ação política e pedagógica, para analisar a “Saboaria Popular Las Margaritas” à luz do pensamento-ação freireano: autonomia, libertação e empoderamento, assim como elementos e fatores que fomentam sua concretização, implicada na participação popular e na partilha do saber coletivo.

Paulo Freire e Educação Popular: práxis descolonizadoras em tempos neoconservadores de Fabiana Rodrigues de Sousa e Valéria Oliveira de Vasconcelos, ambas vinculadas ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, reflete-se sobre possibilidades de leituras descolonizadoras, na Educação Superior, articuladas aos princípios da Educação Popular. Metodologicamente, as autoras, apoiamse na emersão e problematização de temas geradores como colonialidade do poder, invasão cultural, consciência crítica, resistência e utopia. E, por fim, apontam a viabilidade de assumirmos a insubmissão e resistência, frente aos retrocessos vivenciados em nosso país, como bandeira coletiva na luta contra o fascismo e toda forma de opressão.

Aminados/as pelas leituras anteriores, recomendamos o artigo de Kátia Luzia Soares Oliveira, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia e de Gracy Kelly Andrade Pignata Oliveira, Universidade Federal do Oeste da Bahia. Intitulado A educação freiriana pelas lentes do anticolonialismo e dos estudos pós-coloniais e Decoloniais, o texto argumenta em favor da perspectiva de educação proposta por Paulo Freire e sugere que suas obras sejam revisitadas pelo prisma da crítica pós-colonial e decolonial. Para tanto, aproximam a perspectiva teórica freiriana e a crítica pós-colonial e decolonial a partir da ênfase da Educação Libertária e da proposta de uma Pedagogia [des]decolonial.

O sexto artigo é assinado por Carla Luz Salaibb Dotta, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Elisete Enir Bernardi Garcia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. O artigo Cartas Pedagógicas: uma inspiração freireana apresenta trajetórias percorridas por estudantes egressos da Educação de Jovens e Adultos - EJA até o acesso ao Ensino Superior a partir do conceito de dialogicidade de Paulo Freire.

Extensão Rural: perspectivas de Paulo Freire, artigo de autoria de Thelmely Torres-Rego, da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, relaciona aspectos da perspectiva educacional de Paulo Freire incorporados ao trabalho do agrônomo-educador. Estabelece relação entre práticas de organizações não governamentais vinculadas à Articulação Nacional de Agroecologia. A base da reflexão é a obra Extensão ou comunicação? em que Freire analisa o problema da comunicação entre o camponês e o profissional da extensão rural.

O artigo seguinte se intitula O papel da tecnologia na Educação em tempos de pandemia: concepções sobre o legado de Paulo Freire. Antongnioni Pereira Melo, Nelson Adriano Ferreira de Vasconcelos e João César da Fonseca Neto, pesquisadores na Universidade Católica de Brasília, analisam a educação brasileira em tempos de Covid-19, o uso e o fetiche das tecnologias da informação e comunicação (TICs) à luz das categorias de opressão e exclusão, presentes na obra de Paulo Freire. Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico e exploratório. Os autores oferecem reflexões a partir das “inconclusões” da temática, com vistas a novas incursões epistemológicas.

Educação e pandemia: a percepção dos professores e professoras da Escola Estadual Lauro Barreira é o nono artigo desse número da Revista. Tem como temática os desafios decorrentes da pandemia de Covid-19 e suas reverberações nos variados contextos em particular, na educação. Ou seja, colocam foco na percepção dos professores e professoras de uma escola do município de Santa Cruz das Palmeiras-SP sobre os impactos da pandemia de Covid-19 em seu fazer profissional. Trata-se de uma pesquisa descritiva de caráter qualitativo. Os resultados demostram que o atual cenário pandêmico tem impactado os professores e professoras em três esferas: psicológica, tecnológica e financeiro/temporal. O referido artigo é de autoria de Ueliton André dos Santos Silva, Universidade do Estado da Bahia e de Tiago Roberto Alves Teixeira, Durham University, Reino Unido.

Edson Manoel dos Santos e Valéria Trigueiro Santos Adinolfi, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP são autores do artigo O Programa Saúde na Escola e suas relações com a Base Nacional Comum Curricular. A partir da análise de conteúdo, identificaram as categorias saúde, doença, promoção à saúde, bem-estar e alimentação na BNCC. Concluiram que há muitas relações entre o PSE e a BNCC com potencial para fomentar parcerias que resultem no cuidado à saúde individual e coletiva dos estudantes e que gerem aprendizagem significativa.

Em seguida, o leitor e a leitora entram em contato com o texto de Arawaje Waiana Apalai, Angela do Céu Ubaiara Brito e Elivaldo Serrão Custódio, pesquisadores vinculados a Universidade Federal do Amapá. Em O brincar das crianças indígenas no Pará: um olhar para as narrativas e vivências do Povo Aparai se pode compreender como as crianças brincam na tribo Bona e os tipos de brincar produzidos na infância. Trata-se de uma pesquisa qualitativa através da história oral, da análise bibliográfica e de entrevistas com crianças indígenas Aparai. Os resultados indicam que o brincar dessas crianças está estreitamente ligado aos elementos da natureza, voltados para o cotidiano do trabalho dos adultos que as encanta e incentiva o imaginário na construção da cultura local.

O décimo segundo artigo se intitula Educação Ambiental no ensino de filosofia e é de autoria de José Lacerda Cavalcante Lacerda Junior, do Instituto Federal do Amazonas - IFAM. O analisa o processo de Educação Ambiental no ensino de Filosofia. A investigação se configurou em uma abordagem exploratória e sua estratégia metodológica foi composta de revisão bibliográfica, questionário semiestruturado e rodas de conversas. Os dados foram analisados qualitativamente e sinalizam, em seus resultados, para a relevância da participação dos educandos na construção da aprendizagem, a qual fomenta a formação de educandos autônomos e críticos junto às questões ambientais.

Ao cruzar as noções de performance e professar, tal como trabalhadas sobretudo por filósofos como Derrida e Gusdorf, o artigo As performances do professar: deslocamentos do rio do saber em práxis incorporadas ensaia possibilidades de deslocar a noção de Saber do professor como objeto, passível de ser transferido, para aquela de Saber como práxis incorporada, manifesta em gestos e constituída na relação entre professores e alunos, em presença. A partir da Pedagogia Crítico-Performativa e dos estudos da performance, Pedro Luis Braga, do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Soraia Chung Soraia e Ana Cristina Zimmermann, ambas da Universidade de São entendem que o professorar é uma performance do saber que se constitui na pessoalidade intransferível, inerente aos processos de subjetivação.

Em seguida, sugerimos a leitura do artigo assinado por Maristani Polidori Zamperetti e Laura Sacco dos Anjos Torres, pesquisadoras da Universidade Federal de Pelotas. Visualidade e visibilidade em práticas educativas: (per)cursos para a compreensão crítica de imagens parte da compreensão de que na sociedade contemporânea, tornou-se impossível desconsiderar funções assumidas pelas imagens (deleitar, entreter, comercializar), correlacionadas a transformações nos modos de perceber as dimensões de tempo e espaço, em que estão imbricadas questões identitárias. Assim, no artigo, as autoras apontam para a importância das proposições arte/educativas no sentido de propiciar vivências que conduzam a experiências significativas, ampliando potencialidades para uma visualização abrangente e contextualizada. Assim, investigaram os aspectos da visualidade no que tange ao imaginário de consumo faziam-se recorrentes nos discursos de estudantes do sexto semestre de Pedagogia. Os resultados demonstram que os estudantes estabelecem relações entre cultura visual e as suas vivências, questionando-se sobre sua relevância na criação de paradigmas que interfeririam em sua prática docente.

Ainda, publicamos o artigo de autoria de Valderez Marina do Rosário Lima, pesquisadora na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O artigo Evaluation of Learning: the question of future teachers as protagonists of the process, tem como enfoque a dimensão da avaliação da aprendizagem a partir de uma unidade obrigatória no currículo e construída por três elementos da pedagogia; aprendizado, ensino e avaliação - durante o curso de um módulo intitulado Didática, em uma universidade particular, localizada no sul do Brasil. A análise realizada resultou em três categorias finais: princípios e concepções de avaliação; Gerenciamento do processo de avaliação; Avaliação em grupos específicos. A Análise Textual Discursiva foi o método de análise para esse trabalho de pesquisa.

Para concluirmos o v.30, n.1 (2022) da Reflexão a Ação, disponibilizamos a resenha do livro Pesquisa em Educação: Métodos e epistemologias de Silvio Sánchez Gamboa (2014) que, segundo Tássia Fernandes Ferreira, Isabel Maria Sabino De Farias e Silvia Maria Nóbrega-Therrien, Universidade Estadual do Ceará, trata-se de “um ensaio que possibilita ao leitor aprofundar-se nas questões epistemológicas e filosóficas que se fazem, definitivamente, presentes no universo da pesquisa em educação (...) leitura indispensável a todos os pesquisadores que, na prática de suas investigações, busquem uma ampla compreensão do rico e prazeroso exercício de produção do conhecimento”.

Como editora e editor da Reflexão e Ação desejamos que nesse ano, boas notícias, conquistas e justiça sejam realizadas para a Área da Educação.

Boa leitura a todos/todas/todes!

Cheron Zanini Moretti Doutorada no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS; foi bolsista CNPq durante toda a realização do curso (2010-2014) onde compõe o grupo de pesquisa: Mediações Pedagógicas e Cidadania. É Mestra em Educação (2008) e licenciada em História (2005), nessa mesma universidade. Realizou estágio de doutoramento no exterior na Facultad de Filosofia y Letras, da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) com bolsa do programa CAPES/PDSE (2012). Recentemente, concluiu pós-doutoramento em educação com bolsa CNPq/PDJ. Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC, na linha de pesquisa: Educação, Trabalho e Emancipação, e também no Departamento de Ciências, Humanidades e Educação. Coordena o grupo de pesquisa Educação Popular, Metodologias Participativas e Estudos Decoloniais (CNPq) e o Observatório da Educação do Campo do Vale do Rio Pardo (ObservaEduCampoVRP). Tem se preocupado em pesquisar temas relacionados à América Latina, como: Educação Popular, Alternativas e ideias pedagógicas, (Des)Colonialidade do Conhecimento e Insurgência como princípio educativo, tendo como referência a pesquisa ação participativa nos processos metodológicos. Editora-Chefe da Revista Reflexão e Ação (A4).

Camilo Darsie Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Educação, Cultura e Produção de Sujeitos, da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Coordenador do Internato de Saúde Coletiva e Professor no curso de Medicina. Líder do Grupo de Pesquisa sobre Políticas Públicas, Inclusão e Produção de Sujeitos (PPIPS) e Editor-gerente da Revista Reflexão e Ação, do PPGEdu, na mesma instituição. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com Doutorado Sanduíche na Universidade de Minnesota (EUA), concluiu Pós-doutorado em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desenvolve pesquisas nas áreas de Educação, Saúde e Geografia

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