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Reflexão e Ação

On-line version ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.30 no.1 Santa Cruz do Sul Jan./Apr 2022  Epub Aug 16, 2023

https://doi.org/10.17058/rea.v30i1.15741 

Artigos do Fluxo

O brincar das crianças indígenas no Pará: um olhar para as narrativas e vivências do povo Aparai

The game of indegenous children in Pará: a look at the narratives and experiences of the Aparai people

El juego de los niños indígenas en Pará: una mirada para las narrativas y vivencias del pueblo Aparai

Arawaje Waiana ApalaiI 
http://orcid.org/0000-0002-0918-7049

Angela do Céu Ubaiara BritoII 
http://orcid.org/0000-0002-4335-8163

Elivaldo Serrão CustódioIII 
http://orcid.org/0000-0002-2947-5347

I Universidade Federal do Amapá - UNIFAP - Macapá - Amapá - Brasil.

II Universidade Federal do Amapá - UNIFAP - Macapá - Amapá - Brasil.

III Universidade Federal do Amapá - UNIFAP - Macapá - Amapá - Brasil.


RESUMO

A pesquisa investiga o brincar das crianças Aparai na tribo Bona-PA. Tem por objetivo compreender como as crianças brincam na tribo e que tipo de brincar é produzido na infância dessas crianças indígenas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa através da história oral, da análise bibliográfica e de entrevistas acerca das práticas de brincar que envolvem a criança indígena Aparai. Além disso, usou-se uma análise bibliográfica que aponta importantes argumentos sobre o tema. Os resultados indicam que o brincar dessas crianças está estreitamente ligado aos elementos da natureza, voltados para o cotidiano do trabalho dos adultos que as encanta e incentiva o imaginário na construção da cultura local.

Palavras-chave: Brincar; Brincadeiras; Cultura indígena; Pará

ABSTRACT

The research investigates the Aparai children's ways of playing in the Bona-PA tribe. It aims to understand how children play in the tribe, and what kind of games are produced during the childhood of these indigenous children. Using qualitative research through oral history, bibliographical analysis, and interviews about the practices of playing that involve the Aparai indigenous child. In addition, a bibliographic analysis was used to point out important arguments on the matter. The results indicate that these children’s game is closely linked to the elements of nature, facing the daily work of adults who enchant and encourage the imagination in the construction of local culture.

Keywords: Play; Games; Indigenous culture; Pará

RESUMEN

La investigación pesquisa el jugar de los niños Aparai en la tribu Bona-PA. Tiene como objetivo entender cómo los niños juegan en la tribu, y que tipo de juegi es producido durante la infancia de estos niños indígenas. Se trata de una investigación cualitativa a través de la historia oral, del análisis bibliográfico, y de entrevistas acerca de las prácticas del jugar que envuelven al niño indígena Aparai. Además, se usó un análisis bibliográfico que apunta importantes argumentos sobre el tema. Los resultados indican que el jugar de esos niños está estrechamente ligado a los elementos de la naturaleza, con cara hacia lo cotidiano del trabajo de los adultos que encantan e incentivan al imaginario en la construcción de la cultura local.

Palabras clave: Jugar; Juegos; Cultura indígena; Pará

INTRODUÇÃO

O trabalho discute o brincar das crianças Aparai a partir dos relatos de indígenas mais velhos e de jovens da aldeia Bona, município de Almeirim, Estado do Pará. Para a criança Aparai, grande parte das brincadeiras está ligada às atividades de seus afazeres diários, que muitas vezes confunde-se com o trabalho dos adultos. O simples acompanhar nas tarefas da aldeia significa brincar para as crianças. A criança brinca e aprende a partir das atividades realizadas pelos pais, pelas mães, por avós ou irmãos mais velhos, ou seja, na oca, na roça ou em qualquer outro ambiente de festas ou rituais.

O brincar está inserido nas correrias das atividades diárias, das quais fazem parte algumas ações como perseguir, com seus arcos e flechas, pequenos animais, pegar sol, brincar de subir e descer ladeiras, tomar banhos de rios etc. Os arredores das ocas e árvores são os ambientes que compõem o cenário de brincar que as crianças vivenciam em sua infância. Muitas dessas brincadeiras estão relacionadas ao aprendizado das práticas socioculturais, além da preparação para a idade adulta.

Para Zoia (2009), a relação da criança com as brincadeiras constitui-se em momentos que possibilitam um aprendizado de conhecer a si mesma, sendo uma forte aliada para o seu desenvolvimento integral, por possibilitar a interação entre os sujeitos, movimentar-se, criar situações e brinquedos que estimulam o corpo e a mente, bem como a afetividade e a autoestima.

Percebeu-se, durante a pesquisa na tribo Bona, do povo Aparai, que algumas das brincadeiras praticadas pelos mais velhos da aldeia estão sendo esquecidas ou não utilizadas pelos mais novos. Assim, a pesquisa se configurou em uma investigação que visa a responder o problema central: quais são as brincadeiras das crianças indígenas do povo Aparai nas narrativas dos mais velhos?

Como questões norteadoras, perguntamos: o brincar de hoje é diferente do brincar dos antigos na aldeia? Quais os elementos que são utilizados para o brincar das crianças indígenas da tribo Bona? Quando a criança auxilia na atividade dos indígenas adultos, isso pode ser considerado um brincar? Com isso, o estudo tem por objetivo compreender como as crianças brincam na comunidade indígena e que tipo de brincar é produzido na infância dessas crianças indígenas do povo Aparai, tendo como objetivos específicos identificar o tipo de brincar dessas crianças indígenas e verificar a relação dos mais idosos com o brincar das crianças na comunidade.

O presente artigo divide-se em três seções. Na primeira, levantam-se algumas questões sobre a cultura e o brincar das crianças indígenas. Na segunda, apresentam-se os caminhos metodológicos da pesquisa. Na terceira e última seção, analisam-se os resultados, com reflexões sobre o brincar das crianças e a natureza, bem como o brincar indígena e o cotidiano dos adultos. Por fim, apresentam-se as considerações finais.

O BRINCAR E A CULTURA

O brincar é uma atividade que nasce na cultura de cada povo, pois é constituído das vivências dos mais velhos e da compreensão de suas ações. Kishimoto e Santos (2016) afirmam que a cultura é berço que fundamenta o brincar das crianças independente de sua constituição e identidade. Brincadeiras, jogos e brinquedos, confeccionados pelos próprios indígenas de forma lúdica, manifestam sentimentos de prazer, felicidade, alegria e descontração entre eles, como prova de que não são sérios demais ou de que possuem momentos de prazer em família ou comunidade.

Para Carneiro (2007), a essência da atividade lúdica, ao ser discutida em um campo epistemológico, em todas as suas diferenças, tem uma singularidade referenciada a jogos, brinquedos e brincadeiras, ou seja, conteúdos lúdicos que possibilitam à criança a exploração, o conhecimento do mundo e das relações que a cercam. Esses elementos lúdicos possibilitam suporte para a elaboração de frustrações e desprazeres que são trazidos com a percepção de que nem sempre seus desejos podem ser satisfeitos.

Entende-se que os indígenas com seus jogos entre os adultos referem-se à caça e a rituais, bem como as brincadeiras favorecem a constituição da individualidade, auxiliando-os a tornaremse seres autônomos na compreensão na dinâmica da vida. Rocha Ferreira (2005) afirma que os jogos tradicionais indígenas são atividades corporais com características lúdicas, pelas quais permeiam os mitos, os valores culturais e, portanto, congregam em si o mundo material e imaterial de cada etnia. Eles requerem um aprendizado específico de habilidades motoras e estratégias.

Os jogos ocorrem em períodos e locais determinados, as regras são dinamicamente estabelecidas, não há geralmente limite de idade para os jogadores. Não existem necessariamente ganhadores, perdedores e nem se requer premiação, exceto prestígio; a participação em si está carregada de significados e promove experiências que são incorporadas pelo grupo e pelo indivíduo.

É importante para as crianças desenvolverem muitas habilidades originadas de práticas culturais, religiosas, costumes, rituais e festas, a fim de aprenderem seus objetivos e finalidades de maneira participativa, atividades essas que serão realizadas quando adultos. Na verdade, podemos dizer que as crianças estão se preparando para se tornarem adultas, pois o jogo é uma atividade física para estimular o corpo, dar força e coragem estimulando as gerações vindouras (CARNEIRO, 2007).

O jogo é fundamental para a cultura e o desenvolvimento das crianças, pois através dele constroem seus conhecimentos e buscam outros tipos de jogos. Para alguns autores, como Huizinga,

jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida cotidiana” (HUIZINGA, 1996, p.33).

O jogo é como uma manifestação de cultura de uma sociedade (HUIZINGA, 1996; CAILLOIS, 1990). Cada povo indígena tem sua própria cultura, todas são diferentes. Entende-se que os jogos trazem a eles o relacionar com a natureza, tornando-se um recurso didático. Os indígenas adultos não desistem de seus jogos culturais presentes para uma formação natural (CAETANO, 2004). A criança indígena adquire os conhecimentos necessários para a vida, aprendendo pela experimentação.

Para Melià (1979, p.179), o “índio se educa pelo prazer de viver, não somente para sobreviver”. A criança indígena vive a sua comunidade, interage intensamente com todos, adultos, adolescentes e outras crianças, e isso inclui festas, rituais, atividades produtivas, como a caça, a pesca, o roçado, acompanhando o adulto e se formando neste processo.

O BRINCAR DAS CRIANÇAS INDÍGENAS

O brincar é uma das ações preferenciais entre as escolhas das pessoas, pois em algumas situações possibilitam prazer. As crianças podem passar o dia inteiro brincando e inventando atividades para se divertir, porém os adultos também gostam de diversão e, sempre que podem, se juntam para jogar (MEIRELLES, 2007). Existem muitas formas de brincar, e o objetivo é sempre desfrutar o momento e a companhia dos amigos. Além disso, os jogos ajudam a desenvolver habilidades que serão importantes ao longo da vida, pois brincar é também uma maneira de aprender. Na comunidade indígena, significa uma estreita relação com a natureza, em que, ao mesmo tempo que proporciona brincadeiras, intrinsicamente, existe o aprendizado do respeito e da valorização pelos elementos naturais.

As comunidades indígenas possuem muitos jogos e brincadeiras em diferentes situações, segundo Meirelles (2007), sendo que algumas são bastante conhecidas entre os indígenas, e outras também são comuns entre os não indígenas, como a peteca e a perna de pau. Porém, ainda se percebe a tradição entre as comunidades de forma conservada, pois existem brincadeiras que somente as crianças jogam, outras que os adultos jogam juntos, ensinando assim as melhores técnicas. Há brincadeiras que são para meninos e outras destinadas para meninas, nesse caso as crianças brincam separadamente, formando núcleos distintos (MEIRELLES, 2007).

Quase todos gostam de brincar, incluindo adultos e crianças, e, se for possível, passar o dia inteiro se divertindo. Através das brincadeiras, desenvolvem-se habilidades e hábitos importantes para a vida toda, e transmitir isso aos filhos nada mais é do que um legado passado de geração a geração. Infelizmente, nos dias atuais, muitos indígenas estão se distanciando dessas práticas, devido ao convívio com a sociedade contemporânea e ao avanço das tecnologias atuais como celulares e internet.

Meirelles (2007) investigou os brinquedos e as brincadeiras que ainda persistem entre as crianças brasileiras. Estão entre elas: as brincadeiras de roda; o pião feito com diferentes materiais, inclusive com tampas dos frascos de detergente; a amarelinha, também chamada de macaca; o caracol; as brincadeiras de mão; os corrupios; os brinquedos que reproduzem o meio adulto feitos de materiais naturais ou de sucata; as cinco marias; a cama de gato; as pernas de pau; o cavalo de pau; a casinha; a bolinha de gude e o elástico.

As pesquisas de Meirelles (2007) mostram que não somente na cidade as brincadeiras mudam e vão desaparecendo de acordo com a cultura e o contexto, mas nas comunidades indígenas também, principalmente com o princípio da escolarização dessas comunidades, o qual desrespeita a cultura e o modo de vida indígena ao introduzir novas brincadeiras, fazendo com que as outras sejam esquecidas, prejudicando, significativamente, o brincar dos saberes culturais dos indígenas.

Porém, compreende-se que o brinquedo e a sua essência propõem adentrar em um mundo imaginário, tanto das crianças quanto dos adultos. Para aqueles que brincaram em sua total essência, vivendo sua fase de criança de forma natural, guardam até a idade adulta boas lembranças e repassam para seus filhos. Outros esqueceram-se com o tempo, até mesmo os que cresceram longe de suas famílias.

Através da brincadeira a criança entra em contato com a realidade, quando o jogo fica mais difícil procura seus companheiros para ajudá-la, buscando auxílio nas dificuldades. Porém, Huizinga (1996, p.12) aponta que “o jogo tem tempo para acabar, enquanto está acontecendo tudo é movimento, mudança, sucessão, associação, separação”.

Em relação às crianças pequenas e aos indígenas, elas são seus próprios brinquedos. Meirelles (2007) mostra que eles se envolvem mais com outros ou/e com a natureza e o ambiente. A observação da natureza e a utilização de folhas, troncos e sementes acabam transformando-se em objetos-brinquedos possibilitando a imaginação infantil.

Na natureza, encontram-se diversos brinquedos e brincadeiras tradicionais, a partir dos quais se podem sempre construir outros novos. Muitas crianças indígenas brincam com as outras e também com seus membros familiares. Desde cedo, essas crianças aprendem as regras do jogo social na imaginação, utilizando diversos elementos para se divertirem como jogo natural, o que, posteriormente, dá espaço à criatividade e à transformação de ideias utilizadas nas brincadeiras.

Os pais são responsáveis diretos pela criação dos filhos, até se tornarem adultos, quando já podem fazer seus deveres e outras tarefas. No convívio, as crianças vão aprendendo o processo mais amplo de socialização no cotidiano das tarefas. Os parentes mais próximos e a comunidade inteira das aldeias ajudam no ato de educar. O brincar que se originou da tradição indígena foi aculturado pelos não indígenas e até os dias atuais faz parte da cultura ocidental, porém, mesmo assim, permanece presente na cultura indígena uma forma da vivência tradicional.

Ao longo do século XVI, as crianças participavam das relações educativas com os adultos de maneira bastante intensa, sem distinção de faixa etária, eram vistas como os brinquedos encantadores da família, pois eram mimadas e consideradas um campo de divertimento. Em relação a esse tipo de tratamento para com as crianças pequenas da época, Del Priore (2002, p.96) afirma que se brincava com as crianças pequenas como se brincava com animaizinhos de estimação. Mas isso não era privilégio no Brasil. Nas grandes famílias extensas da Europa ocidental, onde a presença de criança de todas as idades e colaterais era permanente, criava-se uma multiplicidade de convivências que não deixavam jamais os pequeninos a sós (CARNEIRO, 2007).

Por outro lado, contradizendo aos cuidados e à atenção para com as crianças ocidentais e indígenas, ainda no século XVI, nota-se uma discrepância no que se refere a uma boa educação no entendimento dos jesuítas. Uma boa educação implicaria que as crianças sofressem castigos físicos e as tradicionais palmadas na formação. O que era comum no cotidiano colonial, para as crianças ocidentais, tornou-se um horror para os indígenas que desconheciam esse tipo de ato de bater em crianças (DEL PRIORE, 2002).

A brincadeira como linguagem tipicamente infantil integra experiências da corporeidade, da cognição e da emoção. A linguagem, segundo Debortoli (1995, p.07), se apresenta nas “diferentes marcas que nós seres humanos deixamos no mundo”, sendo construída na relação com a cultura. Compreendida como linguagem, a experiência da brincadeira atua como expressão e forma de significação do mundo. Os brinquedos e a brincadeiras das crianças indígenas são utilizadas como papel para interação direta das crianças.

Com relação à pesquisa com crianças, Graue e Walsh (2003, p.124) destacam que “elas criam significados participando umas com as outras em práticas culturais organizadas nas rotinas”. As autoras citam uma situação em que a contação de histórias é tomada como unidade de análise, sendo que o registro do modo como as crianças e os responsáveis negociam os significados a cada instante que possibilita identificar a participação da criança nessa situação.

O brincar das crianças Aparai é realizado com os indígenas maiores e com crianças menores - os menores como se fossem filhos para as meninas através do mundo imaginário do brincar de faz de conta. Para Speber (PONTES, 2005, p.07), “a brincadeira apresenta a tensão entre índios e universalidade” que caracteriza outros universos culturais definidos pela antropologia, tais como as regras de casamento, rituais de saudação, receitas culinárias etc.

As vivências e os saberes das crianças sobre a natureza no brincar com seus elementos são exemplos de como, nessa realidade sociocultural, se circunscrevem saberes profundos relativos a uma consciência ambiental ligada ao uso renovável de elementos naturais, especialmente a uma relação de respeito, acolhimento e reverência à natureza. Nessa realidade, podemos dizer que cada criança indígena vive próximo dos seus saberes profundos. O brincar está estreitamente ligado aos elementos da natureza e às atividades diárias.

A Figura 1, a seguir, nos mostra que, ao mesmo tempo em que o indígena adulto está em seu trabalho, as crianças brincam com o banhar no rio.

Figura 1 Autores (2017). 

As crianças indígenas gostam de dar banho nos bebês pequenos, começando desde cedo a se preparar para uma jornada maternal. Por isso, quando completam idade de constituírem famílias, já sabem cuidar das crianças, devido ao fato de terem cuidado dos irmãos pequenos. O brincar indígena é uma relação cultural de afazeres e constituição de valores. Além disso, essa vivência cultural possui o encantamento do imaginário que envolve a natureza.

CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA

No presente estudo, utilizou-se a metodologia com base na abordagem qualitativa, analisando as mudanças e a qualidade das brincadeiras nos contextos do povo Aparai, através das narrativas orais, o que permitiu compreender a cultura local, além de ampliar esse universo cultural pela compreensão dos modos de agir e se relacionar deste grupo. Na pesquisa, houve a necessidade de uma análise bibliográfica para compreender importantes argumentos sobre o tema, na qual se fez uma revisão sobre o povo Aparai, o jogo, a cultura e o brincar indígena.

A metodologia qualitativa adotada para a recolha dos dados foi a história oral, que possibilitou o desenvolvimento da pesquisa em questão sobre o brincar indígena. A base da oralidade foi realizada com as entrevistas acerca das práticas de brincar desenvolvidas pelos indígenas, que possibilitou coletar diferentes relatos acerca do brincar vivenciados por idosos e jovens da comunidade local.

Para a recolha dos relatos, optou-se pela realização de entrevistas com indígenas da aldeia Bona, residente no município de Macapá-AP. Foram entrevistados os indígenas idosos e alguns mais jovens para compreender os relatos e as percepções nos dias atuais. Nas entrevistas, foram coletados diferentes relatos acerca do brincar indígena desse povo, e, através dessas informações, foi realizada a análise dos processos de modificação das brincadeiras ao longo do tempo nas vivências desse povo.

Compreender o histórico do povo Aparai é pensar na origem do povo brasileiro nativo que estava presente na natureza como cuidador da mata e dos elementos naturais. Esse povo não surgiu do nada, pois eles estavam aqui na constituição dos primeiros povos que habitavam o Brasil, porém existe uma necessidade de identificá-lo, ou seja, apresentá-lo formalmente para a civilização. A sociedade tem a exigência de um nome para a identidade da aldeia.

Dessa forma, são denominados como descendência, o povo Aparai. Segundo Barbosa e Morgado (2003), os indígenas mantinham relações com outros povos da denominação Apama, Pirixiyana e Arakaju há cerca de 1700 anos. As autoras acreditam na possibilidade de os nomes se referirem a antigos subgrupos dentro do povo e não a etnias distintas.

Nessa constituição de identidade, se tem a localização da aldeia, na qual a definição de forma exata é complexa, porém encontramos na literatura algumas indicações reais de sua localização. Para Barbosa e Morgado (2003, p.16), a localização original dos povos Aparai se apresenta na margem direta do rio Amazonas, próximo dos estados do Amapá e Pará, porém essa identificação ainda é obscura devido à definição exata dos limites dos dois estados.

Com as migrações, provavelmente os grupos subiram os rios Kurua, Maikuru, Jarí e Leste do Paru da margem esquerda e puderam definir suas permanências na região, formando assim a atual aldeia Bona, localizada no município de Almeirim-PA e no médio e alto curso do rio Paru de leste (BARBOSA; MORGADO, 2003). Na atualidade, descreve-se que a tribo é composta de ocas que resguardam sua constituição de origem. No centro da tribo, há uma oca grande (ver Figura 2).

Figura 2 Autores (2017). 

A maloca grande da Figura 3 é denominada como “o pai de todos das casas”. É nessa grande oca que o cacique faz as reuniões com a comunidade, e, por isso, a mesma se localiza no meio da aldeia. Assim, a aldeia Bona, da etnia Aparai, busca manter suas tradições convivendo com as interferências externas de missionários religiosos e da FUNAI.

As aldeias são constituídas de famílias extensas, muitas vezes dos pais, dos genros e de suas famílias, com casas para as famílias nucleares e uma rancha para o preparo da mandioca. As casas estão situadas em redor de um pátio pequeno na beira do rio. Tradicionalmente, as casas eram ovaladas, com ou sem um assoalho de paxiúba e o telhado de folhas de ubim e bacaba.

Atualmente, as casas são do tipo ribeirinha, de madeira com telhado de zinco. Na maioria das aldeias, há uma casa de reuniões para acolher visitantes, realizar festas ou cultos cristãos. Antigamente, as aldeias eram abandonadas depois da morte do chefe (pata esemy), porém atualmente não se segue mais a tradição, e as aldeias continuam na direção de um novo chefe.

Na aldeia Bona, fundada em 1966, com uma pista de pouso da Força Aérea Brasileira (FAB) e um posto da FUNAI, identifica-se que vivem aproximadamente 150 pessoas ou 60% da população Aparai e Wayana no Brasil (BARBOSA; MORGADO, 2003).

Para compreender melhor as brincadeiras do povo Aparai, os sujeitos utilizados na pesquisa foram: 2 (dois) idosos de 96 e 86 anos, 1 (uma) idosa de 80 anos, 2 (dois) adultos de 47 e 36 anos, 5 (cinco) jovens com idades de 26, 25, 22, 21 e 16 anos. Registrou-se na pesquisa de campo o brincar das crianças da aldeia Bona, da etnia Aparai, em comparação com as narrativas dos idosos e jovens da aldeia. As análises foram realizadas a partir dos relatos.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os relatos dos idosos foram de forma oral e anotados pelos pesquisadores e, para os jovens, por sua vez, foram entregues questionários com perguntas acerca de suas brincadeiras de infância e dos brinquedos atuais usados na aldeia. Os relatos foram escritos na língua portuguesa e traduzidos para a língua indígena Aparai para possibilitar a leitura e o retorno para autorização do uso para pesquisa. Para análise de dados, foram estabelecidos critérios para melhor entendimento dos resultados obtidos.

Esta pesquisa foi realizada no período de 16 de agosto de 2015 a 18 de fevereiro de 2017, com 10 indígenas. A princípio, um idoso relatou sobre os brinquedos e as brincadeiras das crianças antigas. Em seguida, foi relatado sobre como eles gostavam de brincar quando crianças. Por fim, foram relatados os brinquedos e as brincadeiras das crianças atuais da comunidade.

É importante destacar que, na perspectiva histórico-cultural, as interações sociais com os sujeitos pesquisados não aconteceram de forma passiva, mas interativa. Pelo material coletado nas respostas, percebe-se que alguns entrevistados apresentaram muitas dificuldades de lembrar de seus brinquedos e brincadeiras de infância. Os idosos preferiram a oralidade, devido não saberem escrever. As respostas foram transcritas pelos pesquisadores.

Percebe-se por ocasião das entrevistas que os sujeitos ficaram com muita vergonha de contar seus relatos, por isso foi entregue aos jovens uma folha de papel para escreverem individualmente. Não foi fácil encontrar os jovens e os idosos, por isso a entrevista foi individual, sendo esta a primeira vez que foram ouvidos. Os relatos não foram gravados, alguns participantes permitiram tirar suas fotos, e outros não. Os relatos escritos na língua materna dos Aparai foram traduzidos para a língua portuguesa.

Destaca-se que a pesquisa de campo seguiu todos os procedimentos éticos para a realização de pesquisas acadêmicas envolvendo seres humanos, conforme postula a Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sobre as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

A pesquisa foi cadastrada na plataforma Brasil e seguiu os procedimentos de termos de consentimentos para os participantes, além de possuir a autorização para o uso de seus nomes na pesquisa.

O BRINCAR DA CRIANÇA E A NATUREZA

O relato de Xamoré Aparay (96 anos) menciona como eram o brinquedo e a brincadeira das crianças do povo indígena, o que elas usavam e como brincavam nesse tempo. O relato mostra ainda que o brincar é mais isolado das interferências da cidade. Os brinquedos eram feitos com escultura de semente de uma árvore, algodão, madeira, tala de buriti, chocalho de cabaça, de cuia, dentre outros. As crianças gostavam de brincar de passeio de canoa, passeio na praia, um brincar diretamente ligado com a natureza.

A natureza e seus elementos estão fortemente presentes na cultura Aparai, principalmente ligados a tradições, festas e costumes realizados anualmente na aldeia. Nesse contexto, os brinquedos e as brincadeiras estão inseridos como elementos da natureza. A natureza é mais que fonte de alimentação ou matéria para a construção de casas, artesanatos, brinquedos e outros, seus elementos estão intrinsecamente ligados à cultura local, a mitos, rituais, lendas e histórias. O idoso Xamoré nos relata como eram os brinquedos e as brincadeiras, descrito no excerto 1, a seguir:

Primeiramente o brinquedo das crianças era feito de caroço de buriti, que eram feitas esculturas de animais com o caroço, tanto pelas mães e pais, com isso eles faziam esculturas de anta, tatu, cutia e cotiara. Para meninas eram feitos brinquedos de fios de algodão trançados para servir de bonecos e servia também para os meninos, também servia de brinquedo tala de bacabeira, bico de tucano e semente nativa de (ororo) como chocalho que servia tipo uma bola utilizada pelas crianças masculinas e femininas (XAMORÉ, 96 ANOS, 2017).

As crianças indígenas constroem saberes sobre a natureza e o uso de seus elementos, uma vez que seu espaço de brincadeira é constituído desses elementos. Taylor (2004) afirma que as crianças fazem parte da natureza, e suas brincadeiras são frutos de autopoiese, isto é, de um fenômeno de auto-organização da matéria que dá origem a todos os seres vivos. É uma constituição que faz o elo para estar muito mais próximo dos elementos da floresta, que, para os índios, é um envolvimento que se confunde com as vivências de forma inseparável.

Tiriba, Melo e Trajber (2004) explicam em suas pesquisas que as crianças são, ao mesmo tempo, seres da natureza e seres de cultura. O reconhecimento da biodiversidade implica no respeito ao conjunto de tudo que vive na biosfera, tudo que vive no ar, no solo, no subsolo e no mar.

No relato de Pipina (80 anos), observa-se o gostar pelas brincadeiras na tecelagem de algodão, além de fazer menção ao cozimento de folhas quando era criança. Muitos brinquedos e a brincadeiras das crianças indígenas estão na natureza. Os elementos da natureza também constituem materiais para a construção de inúmeros brinquedos. É interessante perceber como variações de brinquedos produzidos com outros materiais em outros universos culturais surgem no repertório de brinquedos Aparai tendo elementos da natureza como matéria-prima. Observa-se o relato no excerto 2 a seguir:

Brincava também com os animais de estimação, juntamente com as crianças masculinas, crianças femininas imitavam suas mães, os meninos ficavam juntos com as meninas como seu esposo. E eles pescavam as folhas como se fossem peixes, e nós meninas cozinhava na panela de barro. Eu tinha apenas 7 anos de idade. Era isso a brincadeira que eu gostava mais (PIPINA, 80 ANOS, 2017).

Entende-se que as crianças necessitam de elementos mediadores para criar um mundo imaginário. O excerto de Pipina mostra exatamente a construção de um elemento mediador que envolve a natureza e os demais indígenas. Tal brincar observado tem um desenvolvimento de ação para as crianças indígenas, pois estimula a criatividade e traz o mundo da aldeia adulta em suas brincadeiras. Para Vygotsky (1998, p.115), “O lúdico influencia enormemente o desenvolvimento da criança”. É através do jogo que a criança aprende a agir, tem sua curiosidade estimulada, adquire iniciativa e autoconfiança, desenvolve a linguagem, o pensamento e a concentração. O autor ainda afirma que:

A brincadeira cria zona de desenvolvimento proximal da criança que nela se comporta além do comportamento habitual para sua idade, o que vem criar uma estrutura básica para as mudanças da necessidade e da consciência, originando um novo tipo de atitude em relação ao real. Na brincadeira, aparecem tanto a ação na esfera imaginativa numa situação de fazde-conta, como a criação das intenções voluntárias e as formações dos planos da vida real, constituindo-se assim, no mais alto nível do desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998, p.117).

A zona de desenvolvimento proximal é observada no relato de Pipina, pois, no momento em que cria um cenário de afazeres do cotidiano indígena, vai além de suas capacidades imaginativas do mundo real para o imaginário. No relato de Arikanaré (22 anos) - excerto 3 -, o jovem descreve a natureza e suas ações de brincar com o envolvimento:

O que eu mais gostava como minha brincadeira era de tomar um banho no rio, subia numa árvore e de lá eu pulava dentro da água. Todo dia eu com meus amigos, íamos nesse rio para brincar e não queria sair do rio. Passávamos o dia todo tomando banho, pulando, subindo, descendo (ARIKANARÉ, 22 ANOS, 2017).

Observa-se que entre o brincar dos idosos e o dos jovens não existe uma diferença de tempo, pois a natureza permanece sendo presente nas brincadeiras, o que se pode dizer é que é um espaço diferenciado. Para o brincar indígena, a natureza é o elemento mediador que envolve as ações e cria o mundo imaginário. Percebe-se que, tanto para os mais idosos quanto para os mais jovens, a natureza está envolvida no brincar das crianças.

Tiriba, Melo e Trajber (2004) afirmam que os seres naturais são envolvidos com os seres humanos e uma ligação na qual constituem um conjunto de elementos. Percebe-se, pelos relatos coletados, que as brincadeiras indígenas de ontem e hoje usam os elementos naturais no envolvimento do brincar. Também entendemos que as crianças indígenas agem de formas diferentes constituindo cultura.

Para Sarmento (2005), as crianças constituem modos diferenciados de interpretação do mundo e de simbolização do real, que são constitutivos das culturas da infância, as quais se caracterizam pela articulação complexa de modos e formas de racionalidade e ação próprias das crianças. Corroboramos com Corsaro (2009, p.34) quando descreve que as crianças em relação à cultura possuem “um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e partilham em interação com seus pares”. Tal constituição é observada nos relatos de brincar das crianças da tribo Bona.

Em seu relato, Were (16 anos) menciona que brincava sozinho e não gostava de brincar com outros amigos por ser tímido. Além de que alguns pais falam aos filhos para que não brinquem com outras crianças, isso resulta de um contato com os homens da cidade, criando nos indígenas o medo de fazerem mal aos seus filhos. Por isso, as crianças indígenas, em algumas situações, são orientadas a brincarem sozinhas, principalmente, aquelas que ficam numa aldeia pequena. O relato no excerto 4 mostra essa orientação:

Antigamente, quando eu era criança brincava muito sem parar e brincava sozinho! Ia no rio e subia nas árvores para poder pular dentro da água. E essa era a brincadeira que eu mais gostava. Brincava sozinho porque eu era bastante tímido e não gostava muito dos amigos, colegas, famílias porque não tinha ainda irmão, por isso brincava sozinho (WERE, 16 ANOS, 2017).

Pode-se analisar que o relato nos mostra a questão social, evidenciando a criança como ator social, enfatizando sua capacidade de criar culturas próprias, por meio das relações que estabelece com seus pares, além de refletir também sobre o conceito de cultura (PORTILHO; TOSATTO, 2014). Assim, buscamos em Geertz (1989, p.04) a compreensão dos sentidos e a verdadeira abrangência, que nesse conceito são identificados no ato cultural de vivência, na qual “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”. Isso nos mostra que as teias vividas na tribo e as orientações para os filhos são construídas em contextos diversos.

O BRINCAR INDÍGENA E O COTIDIANO DOS ÍNDIOS ADULTOS

Os relatos coletados demostram que, quando as crianças não estão brincando na natureza como elemento mediador, elas estão brincando com a reprodução das atividades diárias dos índios adultos. O cotidiano dos índios adultos serve como o papel fundamental para as crianças, pois é através dele que se ensina e aprende. O relato de Xamoré (96 anos) no excerto 5 nos mostra essa relação com o cotidiano do adulto:

Os Aparai já aprendem conhecimento desde criança até se tornar adulto e por conta disso não desistem de suas aldeias precisando de espaço amplo e livre (XAMORÉ, 96 ANOS, 2017).

Os indígenas adultos adoram suas brincadeiras junto às crianças. Eles que constroem e contribuem nas atividades. O relato de Xamoré sobre as brincadeiras das crianças do sexo feminino (como brincavam, do que gostavam de brincar antigamente quando não existiam ainda outros brinquedos não indígenas) descreve bem isso:

As meninas brincam de casinhas, dentro de panelas de cerâmicas minúsculas, cozinham algum alimento, claro também com bonecos de algodão, fruto de (kuno epery) tala de bacabeira e brincam também com filhotes de cachorros, assim como também brincam de miniaturas de redes, tipoias, forno de cerâmicas, de fazer bebidas e de cozinhar batatas, jamaxi, tipiti e ralo todos em miniaturas, buscam gravetos para lenha e brincam tomando banho imitando onça e vítima que seria outra criança cada um em dupla segue rumo da praia e aprendem nadar desde criança e na praia fazem artes feitos de areia mesmo (XAMORÉ, 96 ANOS, 2017).

Xamoré fala ainda sobre as brincadeiras das crianças do sexo masculino, como brincavam ou como gostavam de brincar, e como os adultos adoram fazer suas flechas e arcos. No entanto, Xamoré afirma que hoje em dia apenas alguns dos índios ainda sabem fazer, outros não aprenderam. Isso é mostrado no excerto 7 a seguir:

Os meninos brincam de arco e flecha atirando em algum alvo, tipo bananeira, folhas. Mas, a flecha para as crianças é sem pontas afiadas, para evitar acidentes inesperadas e também brincam de aviãozinho de tala de buriti, de casinha, brincam de futebol com limão ou laranja verde, de bancos, canoa, remo, criam hélice minúsculo de folha de coco, imitam caças na aldeia mesmo, mas não podem ir ao rio por descuido (XAMORÉ, 96 ANOS, 2017).

O relato de Imeipoty (86 anos) afirma que ele matava os passarinhos ou os pegava com armadilhas, colocava armadilha no campo ou na roça. Nessa época, os povos indígenas ainda utilizavam muito as flechas e os arcos para matar alguns pássaros, e atualmente os indígenas adultos ainda utilizam tais ferramentas como podemos verificar no excerto 8:

As crianças brincavam com flecha, matando passarinhos, como se fossem suas caças. E com as talas da árvore de arumã teciam o olho de gavião (significado na língua Aparai: piano enuru), que é um tipo de cesto cargueiro pequeno (IMEIPOTY, 86 ANOS, 2017).

Percebe-se nos relatos o cotidiano dos indígenas e as diferenças na rotina das crianças que vivem na aldeia ou na cidade. Atualmente, houve grandes mudanças no cotidiano dos povos indígenas tanto nas e/ou com crianças quanto com e/ou nos adolescentes.

Nesse estudo, pode-se perceber também a autonomia das crianças, bem como a liberdade de transitarem em todos os espaços da aldeia, liberdade essa que só é permitida enquanto são crianças. Podemos perceber essa situação nos trechos 9 e 10 respectivamente:

Eu gostava de brincar de pescar, era uma brincadeira que eu mais adorava de fazer. Mas só pescava peixes pequenos e com isso também ninguém podia cozinhar os peixinhos que eu pescava. Um dia saí numa canoa pequena para pescar e sempre pescava sozinho rio abaixo, de repente apareceu uma manada de porcos do mato e me assustei muito, gritei e chorei com medo, quase caí no rio e não consegui flechar os porcos, fiquei apenas chorando (IMEIPOTY, 86 ANOS, 2017). Brinquedos e brincadeiras feminino, quando ainda eu era criança gostava de brincar de tecelagem de algodão, eu tecia uma rede pequena para colocar minha boneca e tipoia pequena para carregar minha filha e eu gostavam mais e a tala de bacabeiras, a fruta de uma árvore, também de algodão como se fossem boneca pra mim (PIPINA, 80 ANOS, 2017).

As crianças gostam muito da natureza, e tal ambiente é de total importância para que elas possam conhecer novos modos de viver, ouvindo cachorros, papagaios, araras e outros animais que vivem na natureza. Segundo Ribeiro (1988, p.290), em seu trabalho sobre “90 objetivos rituais, mágicos e lúdicos”, para a maior parte dos povos indígenas, brinquedo é um elemento da cultura que está estreitamente relacionado a atividades e tarefas cotidianas do mundo adulto. As crianças são chamadas por meio de brinquedos a aprender sobre seu mundo, ou seja, com o brincar, aprendem sobre as tarefas que vão exercer quando adultas.

CONCLUSÃO

O brincar das crianças está relacionado à natureza e ao cotidiano dos índios adultos com atividades que são corriqueiras na aldeia, como caçar, pescar, colher, plantar e lavar. Compreender que esse brincar das crianças indígenas é importante para que se estabeleçam interações com outras sociedades de modo geral.

Os dados demostram que as crianças indígenas têm um mundo diferente com valores culturais e sociais particulares, além de uma nova linguagem como um desafio a ser traspassado, com desenvolvimento de uma nova aprendizagem. Todavia, isso tudo, sem perder o que há de mais rico na comunidade: sua cultura.

Percebe-se, pelos relatos, que os idosos se divertiam nas brincadeiras, aproveitavam bem sua infância, sem deixar de transmitir para os filhos costumes, tradições e motivações, como confeccionar seus próprios brinquedos, pular de árvores no rio, tecer, pescar, caçar de forma prazerosa, divertida, e principalmente aprendendo para o futuro, sempre utilizando-se de materiais da própria natureza, enquanto os mais jovens, por sua vez, sob forte influência da tecnologia, preferem jogos de futebol ou de celulares da atualidade.

Investigar o brincar das crianças indígenas nos leva a compreender que algumas brincadeiras e brinquedos antigos dos povos Aparai devem ser respeitados, para que o povo indígena volte a fazer rodas e escutar as lindas histórias de seus antepassados. A pesquisa ouviu relatos de índios idosos e jovens que estão na cidade, mas deixa aqui a possibilidade de fazer uma etnografia, com o objetivo de perceber se as brincadeiras tradicionais relatadas são vividas atualmente entre as crianças enquanto sujeitos de cultura infantil, ou se estão condenadas ao desaparecimento.

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Recebido: 06 de Setembro de 2020; Aceito: 06 de Outubro de 2021

Arawaje Waiana Apalai Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Amapá (PPGLET/UNIFAP), Macapá, Amapá, Brasil. Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amapá, Brasil. Membro do Grupo de Pesquisa Ludicidade, Inclusão e Saúde (LIS).

Angela do Céu Ubaiara Brito Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, Brasil. Professora da Universidade do Estado do Amapá (UEAP), Macapá, Amapá, Brasil. Atualmente é Professora no Mestrado em Educação da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Macapá, Amapá, Brasil. Lider do Grupo de Pesquisa Ludicidade, Inclusão e Saúde (LIS).

Elivaldo Serrão Custódio Pós-doutor em Educação pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Doutor em Teologia pela Faculdades EST, em São Leopoldo/RS. Atualmente é professor permanente no Mestrado em Educação da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Macapá, Amapá, Brasil. Professor coorientador no Doutorado em Educação na Amazônia (PGEDA), Associação Plena em RedeEducanorte - Polo Belém, Pará, Brasil. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Educação, Interculturalidade e Relações Étnico-Raciais (UNIFAP/CNPq)

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