SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número1Las performance del enseñar: desplazamientos del río de saber en praxis incorporadasEvaluación del aprendizaje: la pregunta de futuros profesores como protagonistas del processo índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Reflexão e Ação

versión On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.30 no.1 Santa Cruz do Sul ene./apr 2022  Epub 17-Ago-2023

https://doi.org/10.17058/rea.v30i1.16130 

Artigos do Fluxo

Visualidade e visibilidade em práticas educativas: (per)cursos para a compreensão crítica de imagens

Visuality and visibility in educational practices: (per)courses for the critical understanding of images

Visualidad y visibilidad en las prácticas educativas: (per)cursos para la comprensión crítica de imágenes

Maristani Polidori ZamperettiI 

Laura Sacco dos Anjos TorresII 
http://orcid.org/0000-0003-4880-3518

I Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas - Rio Grande do Sul - Brasil.

II Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas - Rio Grande do Sul - Brasil.


RESUMO

Na sociedade contemporânea, tornou-se impossível desconsiderar funções assumidas pelas imagens (deleitar, entreter, comercializar), correlacionadas a transformações nos modos de perceber as dimensões de tempo e espaço, em que estão imbricadas questões identitárias. Este artigo aponta para a importância das proposições arte/educativas no sentido de propiciar vivências que conduzam a experiências significativas ao promover reflexões sobre os regimes de visibilidade presentes em nossa sociedade, ampliando potencialidades para uma visualização abrangente e contextualizada. Assim, salientamos uma proposição sobre consumo, em que a compreensão crítica de visualidades era contemplada. Desse modo, objetivou-se investigar quais aspectos da visualidade no que tange ao imaginário de consumo faziam-se recorrentes nos discursos de estudantes do sexto semestre de Pedagogia. Essa pesquisa valeu-se da utilização de metodologias visuais na pesquisa em ciências humanas como modo de ampliar o campo da experiência. Os resultados demonstram que os estudantes estabelecem relações entre cultura visual e as suas vivências, questionando-se sobre sua relevância na criação de paradigmas que interfeririam em sua prática docente.

Palavras-chave: Visualidade; Visibilidade; Compreensão crítica; Ensino da arte; Contemporaneidade; Experiência

ABSTRACT

Nowadays, it has become impossible to disregard functions assumed by images (delight, entertain, commercialize), which are related to changes regarding ways of perceiving the dimensions of time and space, in which identity issues are involved. This article aims at the importance of art / educational propositions in order to provide experiences that lead to significant experiences by promoting reflections on the visibility regimes of our society, expanding potentialities for a broader and more contextualized concept of visualization. Thus, we emphasized consumption, in which the critical understanding of visualities was contemplated. In this way, the objective was to investigate which aspects of visuality that crosses the imaginary of consumption become common in the speeches of sixth-semester Pedagogy students. For this research visual methodologies in human science research were used in order to broaden the experience field. The results show that students establish relationships between visual culture and their own experiences. wondering about its relevance in the creation of paradigms that interfere with their teaching practice.

Keywords: Visuality; Visibility; Critic understanding; Arts teaching; Contemporaneity; Experience

RESUMEN

En la sociedad contemporánea, se tornó imposible desconsiderar las funciones asumidas por las imágenes (deleitar, entretener, comercializar), co-relacionadas a las transformaciones en los modos de percibir las dimensiones de tiempo y espacio, en que están imbricadas cuestiones identitarias. Este artículo apunta a la importancia de las proposiciones arte / educativas en el sentido de propiciar vivencias que conduzcan a experiencias significativas al promover reflexiones sobre los regímenes de visibilidad presente en nuestra sociedad, ampliando potencialidades para una visualización más amplia y contextualizada. Así, enfatizamos una proposición sobre consumo, en que la comprensión crítica de visualidades era contemplada. De este modo, se objetivó investigar qué aspectos de la visualidad en el que refiere al imaginario de consumo se hacen recurrientes en los discursos de estudiantes de sexto semestre de Pedagogía. Esta investigación se valió de la utilización de metodologías visuales en la investigación en ciencias humanas como modo de ampliar el campo de experiencia. Los resultados demuestran que los estudiantes establecen relaciones entre la cultura visual y sus proprias vivencias, preguntándose sobre su relevancia en la creación de paradigmas que interfieren en su práctica docente.

Palabras clave: Visualidad; Visibilidad; Comprensión crítica; Enseñanza del arte; Contemporaneidad; Experiencia

APONTAMENTOS INICIAIS

A recepção das imagens da cultura visual se desenvolve através de “matrizes culturais dos receptores, e não apenas dos interesses de emissores ‘dominadores’” (MARTINS; SÉRVIO, 2016, p. 271), sendo consideradas as experiências e as vivências dos sujeitos na construção de sentidos e significados. A partir desta afirmação, buscou-se através de uma proposição arte/educativa vinculada ao projeto de pesquisa Proposições arte/educativas e educação do sensível: interlocuções sobre o consumo, promover ações que oportunizassem práticas dialógicas sobre as interpretações que os graduandos do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) faziam sobre os artefatos visuais. Tal proposição foi realizada no segundo semestre de 2018, na Faculdade de Educação, por meio de uma atividade desenvolvida na disciplina de Práticas Educativas VI - Artes ministrada para o referido curso de graduação. Desse modo, objetivou-se investigar quais aspectos da visualidade no que tange ao imaginário de consumo faziam-se recorrentes nos discursos de estudantes do sexto semestre de Pedagogia, sendo o público composto majoritariamente por mulheres.

Considerando que os constructos teóricos da cultura visual (HERNÁNDEZ, 2006; WALKER; CHAPLIN, 2002) mostram-se relevantes para esse estudo, compreende-se que as relações de sentido e significação atribuídas às imagens por uma diversidade de grupos sociais partem de limites culturalmente impostos. Nesse ínterim, enfatiza-se para a cultura visual enquanto campo multidisciplinar que articula uma experiência visual contextual, ideológica e política (CRIMP, 1999), a incorporação das dimensões dos regimes da visibilidade e da visualidade, tensionando as valorações atribuídas à “ação de visualizar” e “ao que é visto”. Assim, para Walker e Chaplin (2002) a visão pode ser entendida como um processo fisiológico, enquanto visualidade seria um olhar socializado. Entretanto, Foster (1988), em Vision and visuality, expressa que esses conceitos não são nem contrários e nem idênticos, apesar de não apontarem para fronteiras fixas. Segundo esse autor, a visão é social e também histórica, e a visualidade envolve o corpo e a psique.

Nesse sentido, faz-se necessário apresentar algumas distinções entre visualidade e visibilidade. Conforme Buoro (2002, p. 54), a visibilidade poderia ser entendida como “qualidade ou estado do que pode ser visto como aquilo que tem disponibilidade ou inclinação para ser visto”, enquanto a visualidade estaria vinculada a uma capacidade de planejamento e de imaginação, ou seja, poderia ser concebida como a habilidade de criar imagens mentais, partindo-se de elementos que não se tem diante dos olhos. Desse modo, através da exploração de regimes de visibilidade, dos quais a cultura visual dispõe, podemos explorar relações da ordem da visualidade, ou seja, ampliar nossa capacidade criativa.

Diante disso, considerando esses regimes de visibilidades, intenciona-se reflexionar a respeito de questões relativas à arte, à experiência e à formação docente, tendo como base as interlocuções e produções artísticas desenvolvidas pelos sujeitos envolvidos na pesquisa. Ressalta-se, portanto, a relevância das interlocuções estabelecidas por meio do diálogo, bem como das narrativas enquanto meios que oportunizam o compartilhamento de percepções referentes à experiência impulsionada por uma educação dos sentidos.

Compreende-se a relevância do estabelecimento de interlocuções como condição indispensável para: a construção de saberes; a flexibilização de pensamentos e ações; a desestabilização de preconceitos; o compartilhamento de experiência; e, um convite à receptividade, ou ainda, a abertura para vivenciar uma experiência, de natureza estética ou distinta. Desse modo, são utilizadas as concepções de diálogo, dialogismo e dialogicidade de acordo com Bakhtin (2014) e Freire (2018).

Considera-se o diálogo não apenas como espaço de conversação harmônica, mas sim como espaço em que se manifestam relações de poder, mediação de atritos, em que, como aspecto da interação, os sujeitos demonstram seus papéis sociais através das marcas enunciativas de seus discursos. Bakhtin aponta que:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, se não uma das formas, é verdade que das mais importantes da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido mais amplo, isto é, não apenas como comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (2014, p. 127).

Essa concepção de diálogo ultrapassa a compreensão estrutural, visto que o diálogo é entendido em sua ordem histórica, cultural e social. O outro está sempre incorporado à noção de diálogo. À título de ilustração, o filósofo da linguagem nos traz o diálogo interior em que está presente uma série de outras vozes que provém de outros sujeitos.

A existência das palavras do outro nas palavras do eu aparecem, portanto, enquanto característica do dialogismo e é nesse sentido que Bakhtin nos diz que ninguém é herói de si mesmo, relativizando a autoria individual, sendo importante, nesse sentido, pensar na dialogicidade dos enunciados à medida que os enunciados advêm dos outros antes de concretizarem-se por si. O locutor não profere determinado discurso pela primeira vez, visto que seu discurso é criado através de outros enunciados, não se originando dele.

Além disso, o conceito de polifonia trata-se de outra noção fundamental para compreender o pensamento de Bakhtin, consistindo no entendimento segundo o qual diversas vozes emergem, vinculadas a uma determinada questão, como modo de antever a resposta do outro, tendo baseando-se em suposições sobre as intencionalidades de resposta que o outro necessita, sendo considerada, nesse processo, a posição social que interlocutor ocupa. Desse modo, o diálogo é entendido enquanto uma alternância de enunciados estabelecidos por sujeitos:

[...] o diálogo é a forma clássica da comunicação verbal. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui uma conclusibilidade específica ao assumir certa posição do falante que solicita resposta, relação à qual se pode assumir uma posição responsiva (BAKHTIN, 2015, p. 275).

É importante considerar os diálogos não somente na restrição de seu termo, mas na condição dialógica da linguagem que considera a língua em movimento, viva e nas situações de uso concreto, tendo a palavra caráter ideológico por ser um signo social. Os diálogos relativos à fala espontânea compreendem os gêneros primários que são assimilados em secundários. Esses últimos são mais estabilizados, mas ainda assim acolhem os cotidianos que são mais maleáveis.

O dialogismo bakhthiano consiste primeiramente em uma “condição essencial do próprio ser e agir dos sujeitos. O sujeito só vem a existir em relação a outros sujeitos, assim como só age em relação a atos de outros sujeitos, nunca em abstração desses sujeitos e desses atos” (SOBRAL, 2009, p. 35).

Desse modo, o sujeito para Bakhtin é um sujeito que está em contato com o outro que vai auxiliá-lo a se constituir como ele é; entrando em questão a percepção que este tem de si próprio, o outro dele, e que ambos possuem sobre a coletividade. O sujeito é constituído socialmente, precisando da exotopia, de um distanciamento de si mesmo, para melhor ver a si próprio, para melhor enxergar o outro, necessitando, portanto, do outro para perceber o que de sua posição é incapaz de enxergar.

Em um segundo momento, dialogismo vai significar uma “condição de possibilidade de produção de enunciados/discursos, do sentido”, sendo de entendimento a existência de sujeitos que dialogam em sentido amplo através de enunciados que não se repetem, o que torna a linguagem dialógica, no sentido de não seguir a lógica da frase que pode se repetir, ao contrário da enunciação (SOBRAL, 2009, p. 36). Assim, dialogismo engloba o agir humano, o discurso e a linguagem enquanto constitutiva dos seres humanos.

De maneira semelhante, podemos compreender proposições arte/educativas como propostas para vivenciar experiências coletivas irrepetíveis de modo a compreender a criatividade como um entrelaçamento de sentidos. Assim, a prática educativa em questão compreendeu para além da enunciação, as experiências dos graduandos, as quais estavam permeadas por condições de ordem política, social, cultural e histórica. Desse modo, foi possível aos sujeitos tecer coletivamente os sentidos relativos à experiência estética, influenciando-se mutuamente e (re)considerando suas concepções relativamente estabilizadas sobre padrões sociais e estéticos. Assim, significações oriundas de uma lógica originária puderam ser (re)consideradas através de experimentações propiciadas por meio de uma educação do sensível, as quais estavam fundamentadas em práticas que mobilizavam afetos ao dispor de (des)organizações e rearranjos no processo de criação.

O trabalho da educação do olhar sensível justifica-se em virtude da deseducação dos sentidos que se encontram saturados dos mais variados estímulos, estando os sentidos desorientados face à contaminação ambiental (DUARTE JR., 2010). Entretanto, no que concerne às visualidades, torna-se emergencial que se eduque para a leitura de imagens. Sem este saber o indivíduo torna-se presa fácil dos apelos e promessas publicitárias que apontam para padrões de relações sociais, de corpos, de interação, de comportamentos...

Dando continuidade às questões que subsidiam as noções de dialogismo, conforme a concepção freireana de educação, o educando aprenderia através de um processo dialético com a realidade, assimilando o objeto de estudo de maneira autônoma, libertando-se, assim, de práticas alienantes. Nesse processo o professor apresenta-se como mediador da aprendizagem, sendo agente para uma educação libertadora. Desse modo, professor e aluno aprenderiam juntos, sendo os papéis rigidamente impostos socialmente flexibilizados e abertos à negociação, o que nos permitiria com que falássemos em educador e educando.

Assim, o educador brasileiro considera o diálogo em sua potencialidade humanizadora e transformadora da realidade, em que ação e reflexão são dimensões intimamente atreladas; em suas palavras Freire constata que:

[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito para o outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. [...] É um ato de criação. (2010, p. 91).

Percebe-se o diálogo como oportuno para atuar socialmente como um modo de transformação e libertação do homem, sendo requisitada a cooperação entre os seus integrantes, e não como instrumento para subjugar, dominar ou alienar alguém. Além disso, Freire destaca a importância de os interlocutores se colocarem em relação de simetria entre si, em posição de cooperação, visto que: “Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, distante dos outros, meros ‘isto’, em que não reconheço outros eu?” (2010, p. 93).

A educação libertadora seria, assim, um meio para que diálogos dessa qualidade fossem buscados, pois “somos seres condicionados mas não determinados” (FREIRE, 1996, p. 21 - grifos do autor).

Denota-se, portanto, que Freire emprega a dialogicidade, não o termo dialogismo tal qual Bakhtin o faz, sendo entendido o diálogo como um constante processo entre agir e refletir sobre o mundo. A dialogicidade vai estar para Freire como instrumento de humanização para a libertação. Logo, o ato de debruçar-se sobre a concepção freireana de dialogicidade enquanto embasamento para atuação docente mostra-se enquanto comprometimento social abrangente que leva em consideração o posicionamento do professor de estar aberto ao diálogo, receptivo às indagações dos educandos, bem como disponível a reflexionar sobre sua formação docente e sua prática educativa em um movimento que contemple a criticidade.

Nesse sentido, as narrativas mostram-se como espaços importantes para a atuação autoral dos professores que ao narrar sobre suas vivências ressignificam sua experiência, refletem sobre suas práticas pedagógicas, revêem a influência de aspectos de sua vida pessoal em sua atuação docente, reconsiderando, assim, elementos que em seu cotidiano não são explorados em virtude da atenção dos professores estar voltada às ações e demandas atribuídas pelo contexto profissional. Por conseguinte, o processo de narrar experiências correlacionando-as com cultura visual oportuniza pensar sobre a realidade em seu caráter dialético com a teoria, o que auxilia na reinvenção da prática, sendo considerada a formação docente enquanto processo contínuo e autoformativo.

No decorrer das ações com estudantes de Pedagogia, procurou-se adotar uma abordagem que contemplasse experiências com arte, que estivesse pautada em questionamentos centrados nas adversidades encontradas concretamente no âmbito escolar, tais como dificuldades de aprendizagem, resistência por parte dos educandos em participar de determinadas propostas, ou, ainda, as complexidades trazidas pelos educandos oriundas do seu cotidiano. Desse modo, são de central relevância as considerações de Nóvoa (2009) sobre o trabalho docente, visto que:

[…] a verdade é que não houve uma reflexão que permitisse transformar a prática em conhecimento. E a formação de professores continuou a ser dominada mais por referências externas do que por referências internas ao trabalho docente. Impõe-se inverter esta longa tradição, e instituir as práticas profissionais como lugar de reflexão e de formação (p. 33).

É necessário que os professores assumam uma postura autoral sobre seus saberes que comportam tanto a dimensão pessoal, como a profissional, que só a eles lhes compete discorrer com a devida propriedade. No decorrer da prática educativa em questão, problematizou-se a questão do discurso autoral, levando em consideração a análise de questões advindas das imagens observadas, sendo discutidos aspectos sociais que estão vinculados a questões sociais da contemporaneidade, pelos quais a escola é atravessada.

EU, ETIQUETA - METODOLOGIA ARTE/EDUCATIVA EM PESQUISA

Essa pesquisa valeu-se da utilização de metodologias visuais na pesquisa em ciências humanas como modo de ampliar o campo da experiência, visto que o campo do visual não se restringe apenas ao estudo da imagem, mas considera as práticas culturais que possibilitam ver e observar determinadas questões e não outras. Nesse sentido, é importante considerar que a pesquisa com e sobre imagens pode auxiliar as práticas pedagógicas dos professores à medida que oportuniza: “[...] olhar a escola com outros olhos e até onde a experiência se mantém atualmente invisível (por não ser valorizada, nem considerada), [...] assumindo que vivemos e produzimos um novo regime de visualidade” (HERNÁNDEZ, 2013, p.92).

Desse modo, o presente estudo pautou-se nos seguintes aspectos: interação entre investigador e objeto pesquisado; coleta de dados descritivos; percepção dos sujeitos envolvidos na pesquisa sobre suas experiências. Desse modo, adotou-se uma proposta arte/educativa enquanto fomentadora do processo, a qual compreendeu as seguintes etapas: atividade com o poema Eu, etiqueta de Carlos Drummond de Andrade (leitura através de uma dinâmica); exercício com o vocabulário de palavras presentes no poema; análise de anúncios publicitários; produção de etiquetas; leitura de obras de arte; exposição de experiências oriundas do âmbito escolar mediante o desenvolvimento de propostas arte/educativas, seguida de apresentação dos referenciais teóricos que subsidiaram a prática pedagógica, bem como relato de experiências oriundas da formação docente das pesquisadoras e do contexto escolar.

Em um primeiro momento foi realizada a leitura do poema Eu, etiqueta com os graduandos do curso de Pedagogia, sendo a turma dividida em duplas para a realização da atividade. O grupo de estudantes era composto por uma maioria de mulheres, sendo a classe constituída por um público bastante heterogêneo. Nessa etapa, o poema era entregue em fragmentos com formato de etiquetas (Figura 1), sendo solicitada a sua leitura seguida de interpretação e conversação a respeito das ideias presentes no texto. De modo geral, os alunos demonstraram possuir habilidades de letramentos complexos, correlacionando à leitura do poema suas vivências pessoais, vinculando-as com sua atuação em sala de aula.

Figura 1 da pesquisadora, 2019.  

Enquanto realizávamos discussões relativas a aspectos suscitados pelo poema como a questão do hiperconsumismo e dos efeitos que a aquisição de determinados bens de consumo representam em termos de aparência social, a graduanda Ana relatou que trabalhava no comércio e que atendia os clientes conforme as suas vestimentas, sendo a estudante surpreendida quando os trabalhadores rurais - que estariam “mal vestidos”, de acordo com sua compreensão - adquiriam vários produtos. A graduanda também relatou o quanto isso refletia em sua prática enquanto professora, no julgamento de valores por ela realizado a respeito de seus alunos, o que vinha sendo desestabilizado por meio de reflexões propostas pelos professores do curso de Pedagogia.

No decorrer da atividade de análise de anúncios publicitários, os graduandos se mostraram bastante participativos, selecionando propagandas com as quais identificassem problemáticas e que se aproximassem das complexidades abrangidas em seu cotidiano, ou ainda lhes mobilizassem neles sensações de desconforto. Os estudantes mostraram-se questionadores em relação às publicidades analisadas. Tendo em vista esse aspecto, a escolha por utilizar esses anúncios como abordagem inicial se encontra na necessidade de se educar os jovens para uma leitura crítica das visualidades a que estão dispostos, principalmente através das telas eletrônicas, visto que:

[...] o escopo da publicidade não se limita à venda de um produto. Por meio de construções de linguagem muito bem arquitetadas, ela embrulha junto um pacote de emoções, expectativas e desejos. Muito mais do que podemos conscientemente nos dar conta, a publicidade não apenas molda desejos, mas, sobretudo, responsabiliza-se por grande parte de nossas formações cognitivas ao determinar até que certo ponto o perfil daquilo que pensamos e sentimos sobre as coisas, guiando consequentemente o modo como agimos e o que buscamos (SANTAELLA, 2018, p.138).

Nesse sentido, as falas de algumas graduandas sobre o anúncio publicitário (Figura 2) vão ao encontro dos apontamentos de Santaella (2018), visto que em sua maioria consideravam o homem retratado como: “muito bonito”, “sonho de consumo”, “o homem que gostaria de ter”, “alguém bem vestido, bem arrumado”. Apenas um dos graduandos, Márcio, salientou que o homem da imagem assumia uma posição agressiva, estando subjacente à propaganda, uma noção sobre masculinidade, sendo o machismo prejudicial aos homens também, não somente às mulheres, conforme a sua percepção.

Figura 2 Veja, 24/08/2016. 

Por meio da realização de uma leitura formal da imagem e problematizados os aspectos salientados pelos educandos, indagou-se aos graduandos se aquela imagem lhes remeteria a outra, os quais afirmaram desconhecer outra que se aproximasse, sendo realizada a comparação com um cartaz vinculado ao contexto da I Guerra Mundial e que fora ilustrado por James Flagg em 1917 (Figura 3). Desse modo, tanto nos relatos dos graduandos como nas imagens a questão da corporeidade se evidencia através da utilização da verbo-visualidade em que se evidencia a tentativa de fazer com que seus espectadores sejam mobilizados por possíveis intencionalidades das imagens no âmbito da ação, da persuasão ou, ainda, da sedução.

Mitchell (2003), ao analisar o cartaz de Flagg afirma que o Tio Sam trata-se de um ícone que coloca o seu corpo a serviço de uma reencenação pictórica do sacrifício eucarístico, na qual o desejo do espectador é relegado a uma posição inferior, dada a avidez da imagem que clama pelo seu corpo e pelo seu sangue, ou seja, o corpo e o sangue do espectador são avocados.

Figura 3 https://www.wdl.org/pt/item/576/ 

Entende-se que o patriotismo constitui-se enquanto elemento principal da imagem, sendo o desejo do espectador considerado na direção oposta à liberdade e à individualidade. O que se intenciona é persuadir jovens através do sentimento patriótico, de modo que, através da associação discursiva e imagética, os jovens estendam os anseios suscitados pelo cartaz à ação objetiva de alistarem-se ao exército. Desse modo, conforme as palavras de Vargas Llosa:

O patriotismo, que, na realidade, parece uma forma de benevolente nacionalismo - pois a “pátria” parece ser mais antiga, congênita e respeitável que a “nação”, ridículo ardil políticoadministrativo manufaturado por estadistas ávidos de poder e intelectuais em busca de um senhor, é dizer de um mecenas, é dizer de tetas para sugar, é uma perigosa, mas efetiva desculpa para as guerras que têm dizimado o planeta não sei quantas vezes, para as incursões despóticas que tem consagrado o domínio do forte sobre o fraco e uma cortina de fumaça igualitarista cujas deletérias nuvens uniformizam aos seres humanos e os colonizam impondo-lhes como essencial e irremediável, o mais acidental dos denominadores comuns: o lugar de nascimento. Detrás do patriotismo e do nacionalismo acende sempre a maligna ficção coletivista da identidade, cerca ontológica que pretende aglutinar em fraternidade irredimível e inconfundível (2016, p. 257)

Compreende-se que toda manifestação de um grupo cultural pode - de acordo com o tempo e com o espaço e conforme rumo que tomarem seus atores sociais - ser expressão e objeto, sujeito e predicado do que se define ou se conceitua como cultura, sendo assumida “[...] a necessidade de a formação docente incluir experiências estéticas que permitam a professores e professoras mediarem a aprendizagem de conteúdos curriculares e ampliarem o repertório cultural de alunos e alunas com mais facilidade e segurança” (ALMEIDA, 2010, p. 14), o que justifica o trabalho com cultura visual através da educação estética.

Retomando a discussão relativa às imagens, a figura 2 coloca em jogo a questão do desejo, pois para além de aquisição do produto, a publicidade remete para padrões de corpo, de classe social, de consumo. Desse modo, é possível recorrer à concepção foucaultiana de formação discursiva que considera a compreensão, a regularidade, as convicções e a regulação dos corpos que circunscrevem a formação discursiva, em que fatores estruturais operam nas relações de poder, logo, de desejo. Portanto, ambas imagens se direcionam a um público masculino e atuam de maneira a reforçar estereótipos relativos à masculinidade, à branquitude, ao consumismo - operando na subjetividade e na construção de identidades.

A publicidade (Figura 4) suscitou diversos relatos e comentários em que as graduandas discorreram sobre a sua experiência como estudantes na educação básica até o momento em que iniciaram sua atuação docente, servindo seus enunciados verbo-visuais como uma “intervisualidade” para outras incorporadas em suas memórias.

Figura 4 https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/ainfancia-roubada-na-publicidade-da-couro-fino-3144/ 

O primeiro questionamento incitado por essa imagem, nas palavras de Rita, foi o seguinte: “O que tem a ver felicidade com uma criança se maquiando?” (CADERNO DE CAMPO. GRADUANDA RITA, 2018).

Em sequência, outras graduandas passaram a discorrer sobre a influência da mídia no comportamento das meninas, as quais desde cedo são estimuladas a assumir responsabilidades e atitudes do universo adulto, sendo recorrente nas escolas uma erotização precoce, ainda que despercebida em seu teor nocivo pela comunidade. Assim, uma graduanda abordou o fato de crianças já irem à escola utilizando sapatos de salto alto, bem como trajando roupas sensuais, como calças com bojo. Diante disso, outra graduanda, Alice, que estava com sua filha em sala de aula, mostrou a propaganda de uma tiara que comprara para a menina, sendo discorrido sobre o elevado custo dos brinquedos.

Assim, foi discutido sobre a necessidade criada pelas crianças de possuir determinado brinquedo ou item de consumo a fim de não serem excluídas socialmente na escola, o que se traduz mais tarde, na adolescência com o pertencimento a determinadas tribos. Percebe-se que:

A discriminação que ocorre em função do poder aquisitivo e de bens materiais é um dos motivos que mais contribui para a prática de bullying entre crianças e jovens. Os agressores se utilizam de diversas ações, como hostilizar, ofender, humilhar, excluir ou perseguir aqueles que não se enquadram nos padrões financeiros estabelecidos pelo grupo (SILVA, 2014, p.100).

As imagens em sequência tratam da mesma problemática, ou seja, da regulação dos corpos conforme padrões estéticos estabelecidos socialmente. A graduanda Ana discorreu sobre a propaganda de uma cinta compressiva (Figura 5), tendo abordado fazer uso dessa vestimenta quando ia a festas e que, apesar de as modelos apresentarem uma expressão facial de bem-estar, as cintas modeladoras serem desconfortáveis a ponto de dificultarem a alimentação. A mesma graduanda salientou que apesar do desconforto utilizava a cinta por não perceber seu corpo dentro do padrão apresentado pela mídia.

Figura 5 e Beleza, 2012.  

Em contraste com o relato de Ana, é interessante observar o posicionamento de Luiza em relação ao enunciado “Fique em forma e aumente a sua autoestima” presente no anúncio publicitário por ela analisado (Figura 6), pois, conforme a aluna apesar de não possuir um corpo magro e, de acordo com seu entendimento, em conformidade com o padrão de beleza, ela se sentia muito bem com sua autoestima.

Figura 6 e Beleza, 2012. 

A discussão contextualizada das questões que abarcam corpo, gênero e sexualidade justificam-se visto que “O corpo não existe a priori. Ao contrário, ele vai se formando, surgindo com o tempo, como resultado do ajustamento do organismo biológico aos modelos socioculturais de corpos masculinos e corpos femininos, estabelecidos pela sociedade de uma determinada época e lugar” (LANZ, 2017, p. 136).

Além disso, explanar sobre as intrínsecas relações entre corpo e consumo é evidenciar as “escoriações” de uma sociedade marcada pela desigualdade social, visto que:

No Brasil o corpo é um capital. Além de um capital físico, o corpo é um capital simbólico, um capital econômico e um capital social. Desde que seja um corpo sexy, jovem, magro e em boa forma, que caracteriza como superior aquele ou aquela que o possui, conquistado por meio de muito investimento financeiro, trabalho e sacrifício (GOLDENBERG, 2008, p. 15).

Em sequência, muitos graduandos demonstraram aversão a esse apelo publicitário, apresentando à turma alguns anúncios publicitários que continham a sexualização de imagens de mulheres em associação a produtos de consumo, tal como ocorria com anúncio publicitários de marcas de cerveja, o que corrobora com a argumentação de Silva (2014, p. 131-132):

A sexualização dos anúncios sempre foi motivo de polêmica, já que os limites do que é ou não permitido são cada vez mais fluidos, resultando em uma tempestade de propagandas repletas de nudez - parcial ou não- e insinuações apelativas. No entanto, o que foi observado ao longo do tempo é que, atualmente, o sexo não vende como antes e isso se deve à sua banalização nas relações interpessoais e nos veículos de comunicação. Algo que no passado era impactante hoje perdeu grande parte de sua força, pois nosso cérebro rapidamente se adaptou a essa nova realidade de maior libertação sexual e de corpos mais expostos.

Sobre esse aspecto, Márcio, ao analisar o anúncio publicitário por ele selecionado (Figura 7), destacou que: “Quando não trazem a mulher nua, trazem algo do corpo da mulher. Eu prefiro mostrar a imagem do que falar sobre ela. Isso é nojento! Odeio! Repugnante! Os lanches do McDonalds não são nada nutritivos. Odeio o McDonalds! Prefiro comer em um local que pague um preço justo por uma comida mais saudável e fortalecer a economia local.” (CADERNO DE CAMPO. GRADUANDO MÁRCIO, 2018).

Figura 7 https://www.mcdonalds.com.br. 

Salienta-se que apesar de alguns graduandos defenderem o consumo dos itens alimentícios do McDonalds, chegou-se à conclusão que os sentidos propagados por essa imagem possuem uma grave conotação, ao passo que a imagem compara o hambúrguer, símbolo do estilo de vida junk food, ao leite materno, que é rico em nutrientes.

ETIQUETANDO EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS: (IN)SUJEIÇÕES ARTE/EDUCATIVAS?

Realizadas as intepretações de anúncios publicitários, iniciou-se a produção de etiquetas. Assim, salientou-se que embora os anúncios publicitários fizessem uso da verbo-visualidade, tendo em vista a atuação textual enquanto aspecto característico para cercear a abertura imagética, mostrando-se enquanto direcionamento interpretativo, não seria necessário que os alunos dela fizessem uso na produção de suas etiquetas (SANTAELLA, 2012, 137).

Desse modo, ao oportunizar a criação de espaços de fala e o compartilhamento de narrativas, intencionava-se propiciar reflexões a respeito da influência da cultura visual na formação docente dos graduandos, sendo compreendido o conceito de desenvolvimento profissional docente enquanto processo de formação permanente, contínua, que se desenvolve ao longo da vida, logo “supera a tradicional justaposição entre formação inicial e formação contínua dos professores” (MARCELO, 2009, p. 9).

No decorrer da atividade, foi salientado que o diálogo se mostra enquanto elemento importante nesse processo de formação, sendo o desenvolvimento profissional docente algo que ultrapassa a questão informativa, necessitando-se do trabalho coletivo entre professores para uma organização em que sejam colocadas em pauta suas necessidades profissionais.

As interlocuções entre pesquisadora e graduandos se mostraram enquanto espaço privilegiado para o compartilhamento de experiências, bem como para que novas experiências pudessem ser vivenciadas coletivamente por meio de proposta arte/educativa. Desse modo:

[...] o desenvolvimento profissional docente inclui todas as experiências de aprendizagem natural e aquelas que, planificadas e conscientes, tentam, direta ou indiretamente, beneficiar os indivíduos, grupos ou escolas e que contribuem para a melhoria da qualidade da educação na sala de aula (DAY apud MARCELO, 2009, p.10).

Conforme transcorria a aula, se fazia recorrente o questionamento de “como posso transpor essa atividade para educação infantil?”, ou, ainda, a solicitação de “um método prático e simples para trabalhar com obras artísticas e propagandas”, o que poderia ser classificado como uma espécie de receita. Desse modo, questiona-se: seria possível formular um tutorial ou uma receita que apresentasse um passo a passo para se vivenciar experiências? O que a solicitação dos graduandos de Pedagogia tem a nos dizer?

Larrosa (2002) aponta que informação não equivale à experiência, desse modo, a simplificação de um percurso que não segue linearidades, outrossim abrange complexas faculdades mentais e sensoriais que não são passíveis de serem abreviadas por intermédio de manuais, não é alternativa viável. Assim, a experiência se torna cada vez mais rara pelos seguintes fatores, conforme o autor: pela falta de tempo, pelo excesso de opinião, e pelo excesso de trabalho.

Sendo impossibilitados de parar, nada nos acontece. O sujeito da experiência define-se não por sua atividade, mas pela abertura de ser transformado, submetido a uma lógica da paixão. Diante disso, depreende-se a relevância das proposições arte/educativas, nas quais o entrelaçamento entre as experiências vivenciadas no mundo e as relações propiciadas por práticas educativas através do estar-junto para a criação de sentidos (ZAMPERETTI, 2015), o que conduz a um encaminhamento de ações e reflexões entre o agir, o exercício da criticidade, bem como uma suspensão de concepções já preestabelecidas

As proposições arte/educativas que são pautadas na dialogicidade compreendem esse movimento de troca através de relações horizontais entre interlocutores. Assim, à medida que educador e educando se veem imersos nos processos de criação artística conceitos preestabelecidos e visualidades já prontas se veem suspensas no tempo e no espaço (ZAMPERETTI, 2015).

Entretanto, por mais que a apreciação artística incorpore questões referentes à experiência estética e à educação do sensível, é impossível que se tenha a certeza de que todos integrantes de um dado grupo vivenciaram uma experiência, visto que a elaboração do sentido sobre o saber da experiência pode levar mais tempo.

Josso (2004) discorre sobre a alternativa de se oportunizar abordagens referentes à formação que ultrapassem os limites de uma metodologia específica para a formação de professores, sendo considerada uma perspectiva que abranja, para além de significações escolares vinculadas à formação docente, processos de tomada de consciência sobre as experiências vivenciadas pelos alunos e pelos docentes, de modo que as experiências escolares possam ser transformadas, concebendo aspectos exteriores a uma noção mais restrita do âmbito escolar com relevância para a aprendizagem.

Durante a proposição arte/educativa com os graduandos, foram produzidas vinte etiquetas, as quais podem ser classificadas conforme o Gráfico 1 abaixo:

Gráfico 1 PRODUÇÃO DE ETIQUETAS 

Dentre as etiquetas que abordam questões relativas ao hiperconsumismo, salienta-se o trabalho de Ana em que a graduanda ressalta ter se baseado nos três erres da sustentabilidade: (r)eutilizar; (r)eduzir; e (r)eciclar (Figura 8). É importante observar o seu depoimento em que manifesta: “Eu sou uma pessoa que gosta comprar, mas não sou alguém superficial. E considero que procuro sempre reaproveitar as coisas. O professor precisa fazer isso devido à carência de materiais”. (CADERNO DE CAMPO. GRADUANDA ANA, 2018).

Figura 8 ETIQUETA PRODUZIDA POR GRADUANDA DO CURSO DE PEDAGOGIA 

Ao questionamento sobre quem se responsabiliza por formar o educador encontra-se indícios para a sua resposta na fala da graduanda que procura estabelecer relações entre as suas vivências extracurriculares e a sua formação docente, o que implica reconhecer que:

[...] o formador forma-se a si próprio, através de uma reflexão sobre os seus percursos pessoais e profissionais (autoformação); o formador faz-se na relação com os outros, numa aprendizagem conjunta que faz apelo à consciência, aos sentimentos e às emoções (heteroformação); o formador forma-se através das coisas (dos saberes, das técnicas, das culturas, das artes, das tecnologias e da sua compreensão crítica (eco formação) (NÓVOA, 2001, p. 16).

Assim, o processo de formação necessita fazer uso das histórias de vida trazidas pelos educadores como instrumentos para a formação docente, podendo serem utilizados os registros das falas desses professores, os seus escritos, o uso de diários como modo de promover os educadores enquanto protagonistas de seu processo formativo, enquanto sujeitos conscientes de sua formação, na qual estão imbricados os processos experienciais por eles vivenciados.

Em se tratando das etiquetas que problematizam a questão das identidades, salienta-se o trabalho produzido por Joana (Figura 9), em que a graduanda afirma que: “Enquanto seres humanos, somos mais que um pedaço de carne e mais do que os seus olhos podem ver. As pessoas desconhecem as nossas histórias de vida.”

da pesquisadora, 2018. 

Um aspecto interessante desse trabalho refere-se ao enfoque dado à questão da visualidade em associação com questões identitárias, as quais estão imbrincadas em complexos processos, que se fazem perceptíveis nos mais variados contextos de nossa sociedade contemporânea.

O último trabalho selecionado para análise (Figura 10) trata-se de uma etiqueta em que se salienta a importância do sonho, tendo em vista o relato da graduanda: “Liberdade se conquista quando expressamos os nossos pensamentos e somos livres para sonhar” (CADERNO DE CAMPO, CLAUDIA, 2018).

Durante a apresentação dessa etiqueta, um dos integrantes do grupo fez uma interessante interpretação ao afirmar que quando uma pipa alça voo, seus espectadores voam juntamente com ela, o que só se faz possível através da corda que impõe resistência ao vento e a eleva ao céu. De maneira semelhante, transcorreria o ensino e a aprendizagem. Os limites seriam necessários para o desenvolvimento de competências.

Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2018.  

O anseio pela mudança, por uma educação transformadora, fundamenta-se na utopia, em um sonho utópico que não é inalcançável, outrossim apresenta-se como o extraordinário exequível, o qual poderá ser realizável por meio de uma educação enquanto prática da liberdade, conforme Paulo Freire. Nas palavras do autor:

Nunca falo da utopia como uma impossibilidade que, às vezes, pode dar certo. […] Falo da utopia, pelo contrário, como necessidade fundamental do ser humano. Faz parte de sua natureza, histórica e socialmente constituindo-se, que homens e mulheres não prescindam, em condições normais, do sonho e da utopia (FREIRE, 2001, p. 85).

Portanto, a utopia mostra-se como uma necessidade essencial aos seres humanos que buscam reumanizar-se à medida que se associam à luta dos oprimidos pela liberdade, de modo a não reproduzir um jogo estrutural de opressão. Assim, a liberdade se faz em processo árduo e fatigante, marcado pela relevância da responsabilidade social.

EM BUSCA DE [IN]CONCLUSÕES

A formação docente mobiliza saberes profissionais e pessoais elaborados pelos professores em seu cotidiano profissional, podendo ser entendida como um processo de formação humana e que, portanto, seu período de duração se dá em consonância com a formação dos sujeitos.

Percebe-se que a proposta arte/educativa, inicialmente compreendida pelos graduandos com estranheza e desconforto, despertou neles variadas reflexões e interesses, o que teve consequências para o desenvolvimento da criticidade e do pensamento investigativo. E é isso que uma educação libertadora e sensível visa ao fomentar o desenvolvimento do ser, ao buscar a compreensão de si próprio e da exterioridade.

Os resultados demonstraram que os estudantes estabelecem relações entre cultura visual e as suas vivências, questionando-se sobre sua relevância na criação de paradigmas que interfeririam em sua prática docente.

Durante a proposta arte/educativa, constatou-se que ocorreu um compartilhamento de experiências pelos sujeitos que participaram dessa pesquisa, existindo a possibilidade de novas experiências serem coletivamente vivenciadas. Desse modo, compreende-se que o desenvolvimento profissional docente abrange todas as experiências vivenciadas pelos formadores, desde aspectos vinculados à sua vida social até àqueles que dizem respeito aos espaços de educação formal, o que tenciona a distinção entre formação inicial e formação continuada.

Todos os fatores acima apontados manifestam-se nas narrativas em que se discorre a respeito de experiências correlacionadas à formação docente, centrando-se a autoria desses relatos nos formadores que protagonizam seus processos de desenvolvimento profissional, sendo a criatividade o elemento posto em destaque através da proposta arte/educativa desenvolvida com o grupo de graduandos do curso de Pedagogia.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Cultura e formação de professores. In: BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância. Série Formação cultural de professores. Rio de Janeiro, ano XX, boletim 07, 2010. p. 14-21 (Tv Escola/ Salto para o futuro). [ Links ]

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michel Laud, Yara Frateschi Vieira. 16ª Edição. São Paulo: Hucitec, 2014. [ Links ]

DUARTE JR, João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. 5ª Edição. Curitiba: Criar Edições, 2010. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 66ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Algumas reflexões em torno da utopia. In: FREIRE, Ana Maria de Araújo (org.). Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo: UNESP, 2001. [ Links ]

GOLDENBERG, Mirian. Coroas: Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade. Rio de Janeiro: Record, 2008. [ Links ]

JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004. [ Links ]

LANZ, Letícia. O corpo da roupa: a pessoa transgênera entre a transgressão e a conformidade com as normas de gênero. Uma introdução aos estudos transgêneros. Curitiba: Movimento Transgente, 2ª edição, 2017. [ Links ]

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, N. 19, Jan/Fev/Mar/Abr. 2002. p. 20-28. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf Acesso em 20 jan. 2019. [ Links ]

MARCELO, Carlos. Desenvolvimento Profissional Docente: passado e futuro. Sísifo. Revista Ciências da Educação. N.8, jan/abr, 2009. [ Links ]

MARTINS, Raimundo. Educação e poder: deslocamentos perceptivos e conceituais da cultura visual. In: OLIVEIRA, Marilda De Oliveira; HERNÁNDEZ, Fernando (Orgs.). A formação do professor e o Ensino das Artes Visuais. Santa Maria: editora UFSM, 2005.p.133 - 145. [ Links ]

MIRZOEFF, Nicholas. The visual culture reader. 3 edition. Routledge, 1998. [ Links ]

MITCHELL, William John Thomas. What do pictures want? - The Lives and Loves of Images. Chicago: University of Chicago Press, 2005. [ Links ]

NÓVOA, A. O regresso dos professores. In: Conferência Desenvolvimento profissional de professores para a qualidade e para a equidade da Aprendizagem ao longo da Vida. Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, 2011. p. 1-11. Disponível em: Disponível em: https://escoladosargacal.files.wordpress.com/2009/05/regressodosprofessoresantonionovoa .pdf. Acesso em: 11 abr. 2021. [ Links ]

NÓVOA, A. Prefácio, 2001. In: JOSSO, M. C. Experiências de vida e formação . São Paulo: Cortez , 2004. [ Links ]

SILVA, A. B. Mentes consumistas: do consumismo à compulsão por compras. São Paulo: Globo, 2014. [ Links ]

VARGAS LLOSA, Mario. Los cuadernos de don Rigoberto. 2 ed. Buenos Aires: Punto de Lectura, 2016. [ Links ]

ZAMPERETTI, Maristani Polidori. Estar-junto na sala de aula: inter-relações e reflexões para o ensino da arte. Revista Interinstitucional Artes de Educar, v.1, p.80-92, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/riae/article/view/11693/11833 Acesso em: 03 jun. 2021. [ Links ]

Recebido: 29 de Dezembro de 2020; Aceito: 06 de Outubro de 2021

Maristani Polidori Zamperetti Doutora em Educação. Professora do Centro de Artes (UFPel) e Docente e Orientadora no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/FaE/UFPel), na Linha de Pesquisa "Formação de Professores: Ensino, Processos e Práticas Educativas". Líder do Grupo de Pesquisa: Pesquisa, Ensino e Formação Docente nas Artes Visuais (CNPQ)

Laura Sacco dos Anjos Torres Mestra em Educação. Licenciada em Artes Visuais (UFPel). Licenciada em Letras (UCPel). Integrante do Grupo de Pesquisa: Pesquisa, Ensino e Formação Docente nas Artes Visuais (CNPQ). Bolsista CNPQ

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons