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Reflexão e Ação

On-line version ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.30 no.1 Santa Cruz do Sul Jan./Apr 2022  Epub Aug 23, 2023

https://doi.org/10.17058/rea.v30i1.16111 

Resenhas

Pesquisa em educação: métodos e epistemologias

Education research: methods and epistemologies

Investigación en educación: métodos y epistemologias

Tássia Fernandes Ferreira1 
http://orcid.org/0000-0002-2750-8897

Isabel Maria Sabino De Farias2 
http://orcid.org/0000-0003-1799-0963

Silvia Maria Nóbrega-Therrien3 
http://orcid.org/0000-0002-9660-8314

1 Universidade Estadual do Ceará - UECE - Itaperi - Ceará - Brasil.

2 Universidade Estadual do Ceará - UECE - Itaperi - Ceará - Brasil.

3 Universidade Estadual do Ceará - UECE - Itaperi - Ceará - Brasil.


Silvio Ancisar Sanchez Gamboa é professor/pesquisador; filósofo de formação pela Universidade de San Buenaventura, na Colômbia; mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB); doutor em Filosofia e História da Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp), onde também exerce a função de livre-docente em Filosofia da Educação. Líder e coordenador de grupos de pesquisa, com vasta experiência no campo da pesquisa e da docência, além de ter experiência como pesquisador visitante em diversas universidades, incluindo o exterior, o referido autor debruça-se sobre questões que nos possibilitam múltiplos olhares acerca do instigante percurso da pesquisa científica educacional.

Nesse escopo, contemplando questões que permeiam a pesquisa em educação e em ciências sociais, com base na epistemologia da produção científica, na obra Pesquisa em Educação: Métodos e epistemologias, Sanchez Gamboa vem nos mostrar outras possibilidades de pensar a epistemologia dessa produção, que não a predominante, cujo centro está na técnica e sob um olhar do paradigma positivista. Outrossim, o autor enfatiza que a relação que se faz presente entre método e epistemologia ultrapassa seus limites, uma vez que engloba, na verdade, todos os componentes da pesquisa (teorias, técnicas, pressupostos em suas diversas dimensões...) enriquecendo a investigação, à medida que perpassa por toda ela, configurando uma relação lógica entre todos esses elementos. Cabe ressaltar ao leitor que, entre as mais de 17 obras publicadas por Sanchez Gamboa, esta trata-se de um compilado de textos produzidos ao longo de sua carreira, com foco nas questões epistemológicas e paradigmáticas da pesquisa em educação. Todavia, apesar de se tratar de uma junção de textos escritos em períodos diversos de sua atuação profissional, a coerente interligação entre todos eles prova que o autor tem reconhecido domínio das temáticas as quais se propõe a discorrer. Isto posto, convidamos o leitor a lê-lo sob uma perspectiva Gestáltica, compreendendo o livro como mais do que uma simples soma de suas partes, mas um todo de peso e valor próprios, indispensável a todo e qualquer pesquisador.

No que tange à estrutura da obra, além do prefácio, da introdução e das considerações finais, o livro é composto por nove capítulos, divididos em duas partes, sendo os primeiros três dedicados aos temas básicos e os demais à reflexão acerca dos resultados de análises de sua prática investigativa, relacionando-os com as teorias do conhecimento e as visões de mundo presentes na investigação (SANCHEZ GAMBOA, 2014, p.20). A seguir, um resumo do que o autor aborda em todos esses capítulos:

No primeiro capítulo, intitulado “Os métodos na pesquisa em educação: uma análise epistemológica”, Sanchez Gamboa, ao retomar sua primeira experiência de análise epistemológica sobre os métodos, realizada na UnB, afirma que a epistemologia “é um produto fundamentalmente a posteriori” (2014, p.29), tendo um sentido amplo e preciso. O autor faz uma retomada histórica dos estudos acerca do assunto, recapitulando o pensamento dos maiores teóricos da área, como Popper, Bachelard, Kun, Piaget e Foucault, até chegar aos anos 70, onde, com maior enfoque, a pesquisa em educação passa a compor a discussão nos estudos sobre ciências. Ao se debruçar mais fortemente sobre a questão dos métodos, o referido autor nos apresenta, a partir da classificação de Demo (1981, apud SANCHEZ GAMBOA, 2014), os seis tipos de abordagens metodológicas que usou para desenvolver seu estudo na supramencionada instituição, a saber: empirista, positivista, funcionalista, sistêmica, estruturalista e dialética.

Sanchez Gamboa (2014) diz que há implícitos nos métodos, pressupostos teóricos, lógicoepistemológicos, ontológicos e gnosiológicos, e enfatiza a impossibilidade de uma relação neutra entre objeto e sujeito, tendo em vista este último ser dotado de valores - o que nos remete ao pensamento compreensivo weberiano - inerente às ciências sociais. Nessa mesma perspectiva, o autor finaliza o capítulo asseverando a necessidade de compreendermos a pesquisa científica como “trabalho humano”, para além da técnica e do cumprimento de exigências dos programas, a fim de que, assim, o conhecimento seja contributo de transformação social, econômica, cultural, política.

No capítulo dois, “Tendências da pesquisa em educação: um enfoque epistemológico”, Sanchez Gamboa aborda a questão da redução tecnicista na prática de pesquisa educacional a partir da década de 1980 e afirma que é fundamental que se compreenda que a ciência deve ser pensada e produzida para além de seus limites, considerando a relevância da Filosofia e da teoria do conhecimento. Nesse sentido, explana que uma análise epistemológica não se faz sem consideração à Filosofia, e engloba, em harmonia, tanto aspectos técnico-instrumentais, quanto gnosiológicos e ontológicos. Nessa direção, o autor nos conduz às perspectivas de Bachelard (1968) e Habermas (1982), no que tange a uma (re)aproximação entre Filosofia e ciência, tornando possível uma reflexão crítica e a compreensão da ciência como algo que se insere no contexto histórico-social onde se produz. A partir disso, torna-se viável o estudo epistemológico eficaz, articulando diversos fatores como um “todo lógico” (SANCHEZ GAMBOA, 2014, p.56), compreendendo o lógico (aspectos internos da pesquisa) e o histórico (aspectos sociais, paradigmáticos). O autor finaliza recomendando ao leitor a importância de atentar, inicialmente e fundamentalmente, para a problemática da pesquisa e, somente à posteriori, para as questões relativas ao método.

No capítulo três, de nome “Matriz paradigmática: um instrumento para a análise da produção científica”, como explícito no próprio título, o autor apresenta o instrumento que construiu chamado “matriz paradigmática”, a fim de possibilitar uma análise epistemológica eficaz das produções de pesquisa em educação sobre as quais se debruçou, buscando um resgate da lógica central dessas pesquisas, a saber, a relação dialética que se faz indispensável entre pergunta (P) e resposta (R). Nesse contexto, a matriz permite uma interessante cosmovisão acerca de todos os componentes da pesquisa científica. Sanchez Gamboa (2014) encerra asseverando que a referida matriz proposta na obra está em processo construtivo, mas que, possivelmente, a partir da evolução dos estudos sobre, será uma rica contribuição para a análise epistemológica das pesquisas das mais variadas áreas, que não só a da educação.

No capítulo quatro, “A formação do pesquisador na educação e as tendências epistemológicas”, o autor tece reflexões acerca das mudanças ocorridas na formação do pesquisador no Brasil ao longo das três últimas décadas, quando o treinamento técnico foi dando espaço aos aspectos teóricos, metodológicos e epistemológicos. A seguir, dá continuidade ao discurso sobre a relação lógica e histórica nas pesquisas em educação, apresentando resultados de seus estudos epistemológicos desenvolvidos sobre os Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGEs) do estado de São Paulo, entre 1971 e 1984, onde, entre outros achados, identificou e classificou as principais vertentes epistemológicas em três grandes grupos: empírico-analíticas, fenomenológico-hermenêuticas e crítico-dialéticas. A partir do agrupamento dos resultados de sua análise, conforme a matriz paradigmática apresentada no capítulo anterior, o autor discute as lógicas restabelecidas desses três grupos, apresentando uma recuperação histórica e mostrando, com base nas explanações do início do capítulo, os motivos que justificaram a superação da tendência empírico-analítica pela crítico-dialética, asseverando que essas mudanças influem na maneira como o pesquisador é formado (SANCHEZ GAMBOA, 2014, p.102). O autor finaliza alertando para a importância de uma formação filosófica do pesquisador, como forma de superação do reducionismo quanto à concepção e execução da pesquisa.

No capítulo cinco, intitulado “A pesquisa como estratégia de inovação educativa: as abordagens práticas”, Sanchez Gamboa (2014) apresenta questionamentos no que tange à problemática da relação pesquisa-inovação, com base em suas análises desenvolvidas sobre os projetos de pesquisas de algumas universidades brasileiras. Segundo ele, os próprios pressupostos epistemológicos de algumas abordagens podem dificultar essa relação, bem como o desconhecimento conceitual de projeto, a não diferenciação entre projeto de pesquisa e projeto de intervenção, as estratégias implícitas ao próprio projeto, entre outras questões. Ao longo do capítulo, afirma que a problemática é o ponto central de um projeto de pesquisa, uma vez que “não se investigam temas, investigam-se problemas” (SANCHEZ GAMBOA, 2014, p.113) e que o pesquisador deve realizar amplo diagnóstico, tendo em vista ser a partir deste que a prática de inovação pode ser desenvolvida. O autor finaliza o capítulo com a proposição de que a educação possa ser redefinida como um campo de pesquisa com características próprias, superando “a concepção de campo colonizado” (p. 131).

No sexto capítulo, “A construção do objeto na pesquisa educacional”, o autor relaciona as abordagens epistemológicas, os pressupostos gnosiológicos e as teorias educacionais presentes nas investigações em educação. Nessa direção, explana que a completude da pesquisa é resultado de uma ampla articulação entre a objetividade dos dados e a subjetividade do sujeito, considerando que “em tese não existem objetos, existem realidades empíricas que o sujeito percebe” (SANCHEZ GAMBOA, 2014, p. 141). Dessa maneira, proporciona-nos uma nova concepção sobre a produção do objeto, uma vez que esse processo é perpassado pela percepção e interpretação do pesquisador, o qual, cabe ressaltar, é também construído e transformado ao longo do processo investigativo. Em conclusão, o autor afirma que as abordagens de pesquisa influem diretamente na forma como o todo e as partes se relacionam e que as diferentes construções e concepções do objeto “trazem como consequência a elaboração de diversos caminhos do conhecimento”, bem como “significativos desdobramentos metodológicos” (p.148).

No capítulo sete, de nome “A concepção de homem na pesquisa educativa: algumas constatações”, a partir de estudos sobre investigação realizados nos PPGs brasileiros, o autor identificou as tendências metodológicas das pesquisas em educação desses programas, buscando identificar suas concepções epistemológicas orientadoras do objeto e dos demais elementos de pesquisa. Para isso, faz uma retomada tanto da matriz epistemológica apresentada no capítulo três, como da relação entre o lógico e o histórico, além de explanar as concepções de homem segundo as abordagens empírico-analista (homem como sujeito de experimento; um código), fenomenológica-hermenêutica (homem relacionado com interesse dialógico e de comunicação) e crítico-dialéticas (homem como ser social). Nessa direção, o autor finaliza com a reafirmação da relevância de reflexões dessa natureza para a elucidação do “para quem, para que tipo de homem e em função de que tipo de sociedade [os pesquisadores] realizam suas pesquisas” (SANCHEZ GAMBOA, 2014, p.166), na medida em que se tornam capazes de exercer a autocrítica e se utilizar das contribuições da Filosofia nos seus resultados” (p.155).

No oitavo capítulo, “A historicidade do objeto na pesquisa educacional”, partindo do pressuposto de que toda pesquisa científica que interpela um fenômeno real sempre trabalhará “com um a priori fundamental do real, com a categoria tempo e com uma maneira de apreensão deste” (SANCHEZ GAMBOA, 2014, p.168), e considerando que o tempo pode ser compreendido tanto como temporalidade como historicidade, o autor apresenta uma análise epistemológica sobre a forma que as pesquisas abordam esses dois elementos em relação ao objeto. Nesse seguimento, e concebendo a historiografia como um estudo crítico dos referidos elementos, portanto para além de uma perspectiva reducionista, o autor faz uma detalhada explanação acerca das preocupações sincrônica e diacrônica (referentes à maneira de abordar o tempo), identificadas nas pesquisas investigadas. Em seguida, Sanchez Gamboa (2014) finaliza o capítulo suscitando novas discussões sobre a temática, a partir de pertinentes questionamentos.

No nono capítulo, “Interesses cognitivos na pesquisa educacional: uma questão ética?” o autor debruça-se sobre a temática da ética e da Filosofia da educação nas pesquisas educacionais, contemplando problemas dos campos social, político e ético do pesquisador. Apoiando-se em Harbemas (1982 apud SANCHEZ GAMBOA, 2014), aponta questões acerca das problemáticas típicas da pesquisa educacional, no que se refere a dimensões como a axiológica e a ontológica, uma vez que as “conotações valorativas” (p.183) estão, indiscutivelmente, presentes nesse tipo de pesquisa. Nesse escopo, retomando os enfoques epistemológicos discutidos em capítulos anteriores (empírico-analítico, fenomenológico-hermenêutico e crítico-dialético), os quais conjugam as perspectivas metodológicas utilizadas pelos pesquisadores nas investigações que analisou, Sanchez Gamboa afirma que tais enfoques sofrem influências das correntes de pensamento que norteiam a ciência atual. O autor finaliza seu pensamento reafirmando a importância de resgatar a dimensão ética do processo investigativo, não como algo a posteriori, mas como parte de todo o processo.

Por fim, Sanchez Gamboa (2014) nos certifica de que sua obra não se enquadra nos chamados manuais de pesquisa, pelo contrário, configura-se como um ensaio que possibilita ao leitor aprofundar-se nas questões epistemológicas e filosóficas que se fazem, definitivamente, presentes no universo da pesquisa em educação. Ratificamos as palavras do autor, na medida em que a referida obra se apresenta como uma alternativa aos estilos padrões das obras disponíveis sobre a temática, e tendo em vista que, entre tais estilos, alguns nem mesmo estão ao alcance dos pesquisadores menos experientes, seja pelo nível de dificuldade, seja pela divergência de interesses entre teórico e leitor, no que tange à concepção de pesquisa. Esta obra, no entanto, com linguagem acessível e um tanto sensível, caracteriza-se como leitura indispensável a todos os pesquisadores que, na prática de suas investigações, busquem uma ampla compreensão do rico e prazeroso exercício de produção do conhecimento.

REFERÊNCIAS

GAMBOA, Silvio Sanchez. Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó, SC: Argos, 2014. [ Links ]

Recebido: 21 de Dezembro de 2020; Aceito: 21 de Dezembro de 2020

Tássia Fernandes Ferreira Doutoranda em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE

Isabel Maria Sabino de Farias Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE

Silvia Maria Nóbrega-Therrien Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará - UECE

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