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Reflexão e Ação

versão On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.30 no.2 Santa Cruz do Sul maio/ago 2022  Epub 11-Jul-2023

https://doi.org/10.17058/rea.v30i2.16541 

Artigos do Fluxo

Sob os prismas da educação integral e da complexidade possibilidades para o ensino médio

Under integral education prisms and complexity: possibilities for high school

Bajo los prismas de la educación integral, y de la complejidad: posibilidades para la educación secundaria

Daniella de Souza BezerraI 
http://orcid.org/0000-0001-6399-9120

Thaisa Lemos de FreitasII 
http://orcid.org/0000-0003-4525-4058

I Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - IFG - Inhumas - Goiás - Brasil.

II Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - IFG - Inhumas - Goiás - Brasil.


RESUMO

O texto apresenta aproximações entre ensino médio de tempo integral, educação integral e epistemologia da complexidade. Discute-se o sentido do tempo e da formação destinada à juventude brasileira. Em seguida, discorre-se acerca dos sentidos da educação popular na perspectiva integral. Ao final, aprofunda-se sobre as formas de organização do trabalho pedagógico e curricular na perspectiva complexa, como vias de superação de uma formação resignada diante da realidade.

Palavras-chave: Ensino médio; Tempo integral; Educação integral; Complexidade

ABSTRACT

The text presents approximations between full-time high school, integral education, and the complexity epistemology. The meaning of time and the training aimed to Brazilian youth are discussed. Then, we discuss the meanings of popular education in an integral perspective. At the end, it delves into the forms of organization of pedagogical and curricular work in the complex perspective, as ways of overcoming a resigned formation in the face of reality.

Keywords: High School; Full-time; Integral Education; Complexity

RESUMEN

El texto presenta aproximaciones entre la educación secundaria de tiempo integral, educación integral, y epistemología de la complejidad: Se discute el sentido del tiempo, y de la formación destinada a la juventud brasileña. En seguida, se discute sobre los sentidos de la educación popular en la perspectiva integral. Al final, se profundiza sobre las formas de organización del trabajo pedagógico y curricular en la perspectiva completa, como vías de superación de una formación resignada delante de la realidad.

Palabras clave: Educación Secundaria; Tiempo Integral; Educación Integral; Complejidad

INTRODUÇÃO

Vivemos hoje uma nova dinâmica social do tempo, em que os ritmos das atividades cotidianas se aceleraram determinando de alguma forma o cotidiano humano. No contexto dessa dinâmica do tempo, os jovens e adolescentes também se integraram a um ritmo de atividades diversas, que incluem a formação escolar, a introdução ao mundo do trabalho e a participação social na comunidade. E assim, com o aumento das demandas sociais sobre a escola e seu papel intrínseco na transformação da realidade, há também uma ampliação do tempo de permanência dos jovens e adolescentes no ambiente escolar.

Segundo Cavaliere, o tempo escolar se destaca enquanto um dos meios de organização do tempo social, sendo importante referência para a vida das crianças e adolescentes no mundo contemporâneo, “um pilar para a organização da vida em família e da sociedade em geral” (2007, p. 1017). Esse tempo é determinado por inúmeras relações e contextos históricos, de forma que,

(...) ao longo do século XX, o tempo de escola no Brasil vai sofrendo lentas mudanças em sua definição, a qual tende a ser compatibilizada com um novo tempo social baseado na cultura urbana. Esta última traz a escolarização das massas, o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a eliminação do trabalho infantil e a regulamentação das relações de trabalho (CAVALIERE, 2007, p. 1018).

Nessa perspectiva, tem se entendido e justificado a ampliação do tempo de permanência dos alunos na escola em função de fatores como: busca pela melhoria dos resultados da ação escolar pela maior exposição a diversas práticas escolares, adequação às novas condições da vida urbana, das famílias e da mulher e também pela mudança na concepção de educação escolar e seu papel na vida e formação dos indivíduos (CAVALIERE, 2007). A predominância de um ou mais desses fatores também depende de interesses intrínsecos e extrínsecos aos sistemas educacionais, fundamentados em estruturas ideológicas e de poder.

Para Arroyo (2012), houve um aumento nas últimas décadas da consciência social do direito à educação e à escola, principalmente entre as classes populares. “O direito à educação levou ao direito a mais educação e a mais tempo de escola” (ARROYO, 2012, p. 33). E, dessa forma, ao se discutir o papel do tempo na escola, é preciso também se analisar o valor social desse tempo.

Muitas pesquisas acadêmicas têm se dedicado a avaliar os resultados obtidos com a ampliação do tempo escolar. Cavaliere (2007) afirma que mesmo com algumas cautelas necessárias, algumas pesquisas que relacionam tempo e desempenho escolar e a percepção de uma escola mais eficiente em sua função socializadora têm demonstrado resultados positivos, o que tem encorajado e dado suporte às políticas públicas de ampliação do tempo escolar.

Todavia, a experiência tem mostrado que a maior quantidade de tempo não necessariamente se reflete em práticas e resultados educacionais qualitativamente melhores, sendo preciso um olhar crítico sobre a concretização da educação em tempo integral em termos de qualidade, discutindo-se principalmente a quem tem se destinado e de qual tipo de escola estamos falando, para alcançarmos uma educação integral, que contemple inúmeros aspectos da vivência de crianças e adolescentes, numa perspectiva multidimensional que integre a cultura, a ciência, o mundo do trabalho, as relações sociais, os aspectos ético-políticos, dentre outros. Evita-se assim, conforme afirma Arroyo (2012, p. 33), que ela perca seu significado político e se limite a oferecer mais tempo da mesma escola, ou seja, mais educação do mesmo tipo de educação. Existem, muitas vezes, escolas em tempo integral, mas que não estão compromissadas com uma educação integral.

Segundo Cavaliere (2002, p. 250), “a ampliação das funções da escola, de forma a melhor cumprir um papel sócio-integrador, vem ocorrendo por urgente imposição da realidade, e não por uma escolha político-educacional deliberada”. E nesse sentido, a sua institucionalização tem sido acompanhada de concepções e decisões políticas que muitas vezes destoam do verdadeiro sentido da educação integral.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil (Lei n. 9.394/96, artigo 2º), estabelece como princípio e fim da educação o "pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Mesmo sem delimitar o termo, a lei não estabelece a educação integral como mais uma modalidade de educação, ela expressa o sentido da educação em si, representando o compromisso político com o resgate da condição do desenvolvimento humano, através das crianças, adolescentes e jovens cujo cotidiano lhes tem negado o direito a um viver pleno e digno, em face a uma precarização das formas de viver, principalmente nas comunidades mais carentes.

Nesse espectro de modelos formativos, principalmente para a educação pública, se materializam diferentes concepções de sociedade, de sujeitos, de ciência e tecnologia e de educação. Eles refletem modos de pensar que, por meio de regulamentações, modelos pedagógicos, projetos de ensino, dentre outras ações, determinam o “fazer” no chão da escola. E isso nos leva a questionar: em que medida os ideários que movem essas concepções se entrelaçam nas políticas públicas? A quem se destinam? O que é preciso para que se revelem enquanto instrumentos transformadores da sociedade, permitindo que o conhecimento científico e a cultura sejam compreendidos e se tornem instrumentos sine qua non de melhoria das condições de vida das pessoas?

Foi pensando a complexidade dessas relações, entre a construção/transmissão do conhecimento, e os indivíduos, enquanto sujeitos pertencentes a uma sociedade em constantes mudanças, que Edgar Morin tece uma profunda e ampla discussão sobre a hiperespecialização e fragmentação do conhecimento, concepções historicamente construídas, mas que diante dos desafios e problemas atuais, não conseguem responder adequadamente à essa complexidade, que necessariamente demandaria por uma reforma do pensamento. O pensamento complexo, assim denominado pelo autor, poderia ser compreendido como:

Viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real; e de saber que as determinações - cerebral, cultural, social, histórica - que se impõem a todo o pensamento co- determinam sempre o objeto de conhecimento. É isto que eu designo por pensamento complexo. (MORIN, 2011, p. 24).

Ao longo de sua obra, Morin aponta para a necessidade de uma mudança de perspectiva diante da compreensão do mundo, ora vista de forma fragmentada, unilateral e simplificadora. Ao defender uma congruência entre o “saber” e o “ser”, ele revela uma ciência que “mais do que detentora de verdades absolutas e imutáveis, nos aponta para um caminho de novas descobertas e novas verdades que aceitam a complexidade como uma realidade reveladora, em que o ser humano é ao mesmo tempo sujeito e objeto de sua própria construção e do mundo” (PETRAGLIA, 2003, p. 13).

Ao sistematizar uma crítica aos objetivos de um saber fragmentado, Morin ressalta a importância de se levar em conta diferentes condicionantes que determinam a construção do pensamento, sejam eles biológicos, sociais, históricos, políticos, econômicos, enfim, os diferentes modos de ser e agir dos sujeitos em suas sociedades, em diferentes espaços e tempos. Nessa perspectiva, é preciso então romper com as fronteiras que isolam as diferentes áreas do conhecimento, por meio de articulações em perspectivas inter, multi e transdisciplinares.

Ao pensarmos essa epistemologia defendida por Edgar Morin, percebemos que sua materialização depende, notadamente, de uma reforma no ensino que consequentemente leve a uma reforma no pensamento, e vice-versa. Daí, ao rememorarmos a concepção de educação integral, percebemos uma intersecção entre essa concepção de educação e a epistemologia da complexidade.

Tomado sob esse ponto de vista, este artigo procurará trazer reflexões sobre a interface da educação integral e o ensino, no sentido de compreender as concepções e o projeto político que os fundamentam e, a partir de sua caracterização, identificar alguns aspectos que possibilitem uma aproximação com a epistemologia de Edgar Morin, verificando principalmente sua confluência na elaboração de um currículo, que seja real e possível frente a realidade da escola pública brasileira.

A EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL SOB OS PRIMAS HISTÓRICO E POLÍTICO

A Educação é um espaço concreto em que se materializam uma multiplicidade de concepções pedagógicas, as quais não podem ser analisadas de forma isolada ou tomadas em si mesmas como “algo natural e intrínseco” ao fazer pedagógico. Elas precisam ser compreendidas enquanto constituintes de um projeto social em que diferentes interesses se confrontam o tempo todo, reflexo de lutas históricas das classes sociais em uma sociedade marcada por grandes desigualdades. Assim, os programas e projetos educacionais passam a ser espaços de disputas hegemônicas e contra hegemônicas frente às relações de poder presentes em todas as esferas da sociedade.

Nesse sentido, a Educação Integral representa a luta empreendida em décadas por grupos sociais por uma resposta do campo educacional aos anseios das classes populares em relação à educação das crianças e adolescentes, reflexo do aumento de consciência política em relação ao dever do Estado para garantir mais tempo de formação, de articulação dos tempos-espaços de escolarização com os outros tempos-espaços do viver dessas crianças e adolescentes, de socialização. Assim, o aumento da consciência do direito à educação leva ao aumento da consciência do direito a mais educação e mais tempo de escola (ARROYO, 2012).

O debate em torno da Educação Integral no Brasil se assenta inicialmente em torno de dois grandes representantes da educação pública no país, Anísio Teixeira, que concebeu as Escolas Parque entre as décadas de 1940 a 1960, e Darcy Ribeiro, com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), no período de 1980 a 1990. O projeto defendido por ambos, justificava o aumento da jornada escolar como condição para se oferecer uma formação abrangente abarcando diversos campos, como o das ciências, da arte, da cultura, do mundo do trabalho, possibilitando o desenvolvimento dos indivíduos para além dos aspectos cognitivos, e que pudesse incidir principalmente sobre a superação das desigualdades escolares, notadamente reforçadas pela cultura escolar (MOLL, 2012).

Com o legado deixado por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, a educação em tempo integral, no sentido amplo de extensão do tempo escolar, vem se consolidando tanto no âmbito dos debates acadêmicos quanto nas políticas públicas em diferentes instâncias, atingindo predominantemente a educação básica, iniciando com o ensino fundamental e, mais recentemente, se ampliando para o ensino médio. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDBEN (Lei 9.394/96) traz a perspectiva do tempo integral:

Art. 34 -A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola (...) § 2o O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino; (...) Art. 87 § 5o Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral.

Inobstante essa previsão legal, “em contextos de desigualdades econômicas, políticas e sociais, crianças, jovens e adultos se veem limitados a providenciar a cada dia os meios de reprodução de sua própria existência, por isso a educação não pode permanecer apenas no horizonte dos direitos formais” (MOLL, 2012, p. 22)”. Dessa forma, a educação integral representa a busca pela democratização do acesso à uma escola que possibilite a emancipação dos sujeitos em seus contextos de vida, em um movimento que garanta a inversão da lógica educacional reprodutora do ciclo de desigualdades característico da sociedade atual.

A pauta da educação integral está diretamente relacionada ao enfrentamento de uma lógica perversa e seletiva que atravessa os sistemas de ensino, estruturados em condições desiguais e participando de modo desigual na distribuição de saberes e de oportunidades. Essa pauta é constitutiva da promoção intergeracional, na medida em que os estudantes cujos pais e mães tiveram que buscar o sustento de suas famílias e foram excluídos e esquecidos da vida escolar precisam ter assegurado seu direito de aprender; ela pode auxiliar decisivamente na consolidação dos avanços de escolaridade nas famílias de novos pais e mães, mais jovens, procedentes das condições atuais do ensino médio. (MOLL, 2012, p. 23).

Tal configuração da sociedade é reproduzida nas políticas educacionais ao longo do tempo, materializando uma dualidade educacional entre a formação destinada aos filhos da classe dirigente e outra destinada aos filhos da classe trabalhadora. Esse movimento pode ser melhor evidenciado na configuração do ensino médio e da educação profissional técnica, conforme discutem Ciavatta e Ramos (2011), citando Fonseca (1986):

Celso Suckow da Fonseca (1986) relata e documenta bem a dualidade das classes sociais e a destinação, primeiro, dos escravos e, depois, dos trabalhadores livres para a aprendizagem dos ofícios manuais, assim como dos filhos das elites para as funções de mando e os estudos superiores. Esse processo é reiterado na República desde os primórdios e ganha uma estrutura orgânica legal no primeiro governo Vargas, no auge do poder do Estado Novo, nos anos 1940. As Leis Orgânicas do Ensino Industrial e do Ensino Secundário e a criação do Senai, em 1942, determinam a não equivalência entre os cursos propedêuticos e os técnicos, associando os currículos enciclopédicos à formação geral como expressão concreta de uma distinção social mediada pela educação. Com a industrialização, acentuou-se, porém, a necessidade de preparar as pessoas para a produção, predominando a função profissionalizante desse nível de ensino, apesar da permanente tensão com sua função propedêutica. (CIAVATTA; RAMOS, 2011, p. 29-30)

Essa dualidade entre ensino médio propedêutico e o ensino técnico profissionalizante, marcada fortemente pela dualidade de classes, levou à configuração de políticas públicas educacionais enviesadas pelo argumento da empregabilidade, ideologia que “sustentou a responsabilização dos próprios trabalhadores pelo desemprego, sendo que a qualificação e a requalificação profissional foram considerados meios de acesso a setores ocupacionais” (CIAVATTA; RAMOS, 2011, p. 30). A própria razão de ser do ensino médio tem estado centrada, a partir do período em que se vigorou o projeto nacional-desenvolvimentista no Brasil, no mercado de trabalho, cujos postos de trabalho seriam, hipoteticamente, ocupados após a conclusão do ensino médio ou do superior, posições ocupadas diante de uma divisão social e técnica do trabalho.

Com a crise da empregabilidade em função de mudanças na economia, principalmente no início da década de 1990, o argumento desenvolvimentista de formação para o trabalho se torna frágil, o que leva a uma nova abordagem para os sistemas educacionais - o de preparar para a vida. Essa foi a tônica estabelecida pela LDBEN, fundamentada na pedagogia das competências e no currículo flexível, de modo a adaptar as pessoas para as incertezas do mundo contemporâneo (RAMOS, 2010).

Para além das políticas públicas que têm se acentuado nas últimas décadas, Cavaliere (2007), discutindo essa ampliação do tempo diário escolar, afirma que tal ampliação vem se justificando de diferentes maneiras, como por exemplo:

(a) ampliação do tempo como forma de se alcançar melhores resultados da ação escolar sobre os indivíduos, devido à maior exposição desses às práticas e rotinas escolares; (b) ampliação do tempo como adequação da escola às novas condições da vida urbana, das famílias e particularmente da mulher; (c) ampliação do tempo como parte integrante da mudança na própria concepção de educação escolar, isto é, no papel da escola na vida e na formação dos indivíduos. (CAVALIERE, 2007, p. 1016).

Dessa forma, há uma corrente ampliação do tempo escolar, seja impulsionada pela legislação educacional, seja pelas demandas sociais e históricas de aumento do acesso à escola, principalmente pelas camadas mais pobres da sociedade.

Do ponto de vista das políticas públicas brasileiras, as escolas em tempo integral são contempladas com uma política de financiamento específica, estabelecida pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb - Lei no 11.494/2007).

Em seu artigo 10, o tempo integral foi considerado como um dos tipos de matrícula a receber ponderação diferenciada para distribuição proporcional de recursos. Assim, passou a ser considerada como de tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total que um mesmo aluno permanece na escola ou em atividades escolares, conforme o artigo 4o do Decreto no 6.253/2007 (LECLERC; MOLL, 2012, p. 20).

Além disso, a Educação Integral também foi melhor contemplada e estabelecida em uma das Metas do Plano Nacional de Educação (PNE - Lei 13.005/2014): “Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica” (BRASIL, 2014).

Assim, diversos programas têm sido propostos nos últimos anos, ocupando certa centralidade nas políticas públicas para a educação. Para Arroyo (2012, p. 33), tais programas, ao serem direcionados predominantemente para a infância e adolescência populares, mostram a “ consciência política de que ao Estado e aos governos cabe o dever de garantir mais tempo de formação, de articular os tempos-espaços de escolarização com outros tempos-espaços de seu viver, de socialização”.

Ao mesmo tempo, o autor interpreta esse movimento de ampliação do tempo escolar como uma resposta tardia do poder público mediante as pressões históricas das camadas populares “ pelo direito a um justo e digno viver da infância-adolescência popular” (ARROYO, 2012, p. 35). Eles representam a resposta, mesmo que ainda tímida, a uma dívida histórica com movimentos sociais em prol de uma educação de qualidade para as camadas trabalhadoras e suas famílias.

Apesar dos avanços significativos na ampliação da oferta de escolas em tempo integral, verifica-se que a ampliação da jornada não tem se configurado muitas vezes enquanto proposta de educação integral, mesmo que os objetivos previstos nas leis se alinhem nesta direção. Para Cavaliere (2002, p. 250), apontando as concepções e decisões políticas que embasaram as propostas educacionais para a educação em tempo integral, “tanto poderão ser desenvolvidos os aspectos inovadores e transformadores embutidos numa prática escolar rica e multidimensional, como poderão ser exacerbados os aspectos reguladores e conservadores inerentes às instituições em geral”.

É preciso então refletir sobre alguns aspectos determinantes das práticas pedagógicas e que acabam por determinar as formas de materialização da educação integral. Assim, na próxima seção traz à reflexão dois elementos que embasam as concepções e princípios desse movimento no campo educacional pela educação integral - os tempos e espaços educativos e o currículo integrado.

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO DA ESCOLA SOB O PRISMA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

A escola em tempo integral se contrapõe à escola parcial no cumprimento de seus objetivos formativos, pois permite a exploração de tempos e espaços diferenciados para a organização do ensinar e aprender. Segundo Giolo (2012, p. 98), a escola de tempo parcial, ao restringir o tempo escolar, “faz com que a escola absorva e ofereça conteúdos mínimos, esqueléticos, caricatos, incapazes de manter sua ligação orgânica com o vasto campo do saber acumulado e, portanto, incapazes de conferir sentido que mobilize, em seu favor e em sua direção, o estudante e o professor”.

Do ponto de vista do ensino, o tempo integral permite uma articulação melhor entre conteúdos e métodos, ampliando para o aluno as possibilidades de romper com a tradicional memorização de conteúdos, muitas vezes desprovidos de significados, e ao docente a perspectiva de superar a exclusividade de seu trabalho apenas à sala de aula. Torna-se necessário, então, diversificar, ampliar, totalizar espaços e tempos educativos.

Alargar a função da escola, da docência e dos currículos para dar conta de um projeto de educação integral em tempo integral que articule o direito ao conhecimento, às ciências e tecnologias com o direito às culturas, aos valores, ao universo simbólico, ao corpo e suas linguagens, expressões, ritmos, vivências, emoções, memórias e identidades diversas (ARROYO, 2012, p.44).

Nesse sentido, a educação integral prescinde de um movimento intra e extraescolar, intra e extraclasse, com enfoques locais e globais, dinamizando as formas de ensinar e aprender e de interação com o conhecimento, mas tendo sempre em conta a realidade dos estudantes, buscando problematizá-la e confrontá-la, para que a aprendizagem tenha significado e seja instrumento de transformação. E, para isso, é evidente a necessidade de se pensar sobre uma outra forma de escola, fruto de uma ação coletiva entre sociedade e comunidade escolar.

(...) a construção da educação integral na escola de dia inteiro implica mobilização de energias pedagógicas, disposição para um diálogo permanente entre gestores, professores, estudantes e comunidade, além de imaginação institucional, curricular e pedagógica para responder à diversidade da escola brasileira. (MOLL, 2012, p. 139).

E diante disso, um outro aspecto se impõe sobre a educação integral como importante instrumento de sua materialização no espaço escolar, o currículo. O currículo, enquanto instrumento norteador para se alcançar os objetivos formativos da escola e articulador das diferentes práticas pedagógicas em torno do conhecimento, é também responsável pela organização do tempo escolar, uma vez que a escola em tempo integral se caracteriza pela ampliação do tempo, ele se torna um vetor de peso na organização do currículo.

Não se trata, portanto, de estabelecer dualismos no currículo escolar, fazendo surgir dois currículos, um para um turno na escola, que trabalha com os conteúdos escolares “tradicionais”, e outro para o contraturno, no qual se trabalham com outros temas complementares e diversificados. A organização do currículo não pode ocorrer na perspectiva de se criarem novas disciplinas ou de simplesmente ampliar a carga horária dos atuais componentes curriculares, mas deve ser reorganizado a partir de uma articulação entre eles (MOLL, 2012).

Sabemos que, tradicionalmente, a composição dos currículos escolares é fruto de embates e forças políticas historicamente construídas. Da mesma forma, pensar um currículo que prime pela articulação e integração dos conhecimentos também implica em se considerar novos tipos de embates contra as forças hegemônicas.

As disciplinas escolares são muito mais do que uma distribuição e organização dos conhecimentos científicos. Como construções sócio-históricas, elas mobilizam e articulam sujeitos e saberes em torno da luta por recursos materiais e simbólicos, por status e poder, nos diferentes territórios em que elas atuam. (GABRIEL; CAVALIERE, 2012, p. 287).

Todavia, para Gabriel e Cavaliere (2012), em se tratando da concepção de um currículo integrado, essa relação entre organização curricular, disciplina e relações de poder, normalmente não é explicitada, uma vez que a principal preocupação é o “como fazer” a integração no currículo. Assim, a lógica disciplinar ainda é um desafio para o currículo da escola integral, uma vez que nos espaços escolares ainda se assentam bases tradicionalmente privilegiadas ou hierarquizadas que definem e norteiam o currículo.

A lógica disciplinar também materializa outro aspecto importante do currículo, muitas vezes estabelecido nas suas entrelinhas, de forma sutil - os sujeitos dessa educação integral. Que formação integral é essa que se espera oferecer a esses sujeitos? Para quê e para quem? Quais os princípios formativos que embasam as propostas? Quais processos históricos e hegemônicos têm sustentado as propostas de educação em tempo integral, capitaneadas pelas políticas públicas mais recentes? Diante dessas questões, fica claro que o currículo escolar não pode, sobremaneira, se esvaziar do papel intrínseco da escola na transformação da sociedade, dos indivíduos, e que é nesse espaço em que se darão sempre as lutas pela democratização da escola e pelo acesso a uma educação de qualidade e socialmente referenciada.

Assim, o currículo precisa dialogar com a realidade, de forma que os conteúdos não sejam tratados de maneira estável e universal, mas abrindo perspectivas para outras configurações. E, por isso, prescinde de perspectivas epistemológicas e metodológicas comprometidas com o desafio de romper com um sistema educativo ainda pautado na hierarquia de saberes e disciplinas, centrada na hiperespecialização e fragmentação do conhecimento.

Pensar a escola integral na educação básica enquanto espaço da formação humana na perspectiva integral, desnuda a necessidade do diálogo com a realidade em que as crianças e adolescentes estão inseridos. Nesse sentido, os tempos-espaços de formação prescindem de perspectivas curriculares, e dentre elas a da complexidade, que deem conta das diferentes dimensões do real. Para isto, trazemos a complexidade de Edgar Morin para a discussão, apresentando como suas reflexões podem contribuir na materialização do currículo de escolas com ampliação do tempo escolar na perspectiva da educação e formação humana integral.

A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO CURRICULAR SOB AS BASES DA COMPLEXIDADE

Pedimos legitimamente ao pensamento que dissipe as brumas e as trevas, que ponha ordem e clareza no real, que revele as leis que o governam. A palavra complexidade só pode exprimir nosso incômodo, nossa confusão, nossa incapacidade para definir de modo simples, para nomear de modo claro, para ordenar nossas ideias. (MORIN, 2015, p. 5)

O trecho acima, retirado do livro “Introdução ao pensamento complexo”, é expressão daquilo que Edgar Morin discute ao observar que nessa relação estabelecida com o conhecimento na busca pela compreensão dos fenômenos da realidade, pode ocorrer no sentido de simplificar as explicações, negando suas complexidades por meio de modelos explicativos reducionistas. Sua crítica se faz não à simplicidade dos fenômenos, mas à ação simplificadora das explicações.

Para isso, o autor fundamenta sua construção epistemológica alicerçando-a nos conceitos de complexidade e pensamento complexo. Para o autor, o que é complexo não pode ser reduzido apenas a uma lei ou a uma ideia simples, muito menos à palavra complexidade, que tem um sentido muito mais amplo, em que:

(...) ela integra em si tudo o que põe ordem, clareza, distinção, precisão no conhecimento. Enquanto o pensamento simplificador desintegra a complexidade do real, o pensamento complexo integra o mais possível os modos simplificadores de pensar, mas recusa as consequências mutiladoras, redutoras, unidimensionais e finalmente ofuscantes de uma simplificação que se considera reflexo do que há de real na realidade. (MORIN, 2015, p. 6).

O pensamento simplificador resulta de uma concepção paradigmática de ciência em que o conhecimento representa uma verdade absoluta e inquestionável, que reduz o que é complexo ao simples, cuja elaboração do conhecimento ocorre por meio do rigor e da matematização, desintegrando os fenômenos e reduzindo-os a entes ou unidades a serem quantificadas, classificadas, no entendimento de que a compreensão das partes se basta para compreensão do todo. Esse paradigma tradicional reducionista entende os fenômenos como estáveis, ou seja, sofrem de uma regularidade frequente, o que favoreceria o seu conhecimento e controle, de forma previsível. Além disso, o conhecimento se apresenta em caráter dual, com a separação entre sujeito e objeto, mundo material e espiritual, filosofia e ciência, entre ciências humanas e ciências exatas, dentre outras.

A crítica de Morin à ciência cartesiana se fundamenta na tese de que essa fragmentação dos saberes, de forma hiperespecializada não permite, mediante as transformações no mundo e os avanços do próprio conhecimento, a compreensão de uma realidade que é, ao mesmo tempo, uni e multidimensional, que é incerta e complexa. É preciso compreender as limitações e possibilidades da ciência na construção do conhecimento, o que leva à defesa de que não há uma ciência una, que anula a diversidade e não concebe a unidade no diverso.

A complexidade em Morin simboliza a compreensão das incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios e imprecisos, da relação da ordem com a desordem, da organização com a desorganização, do simples com o complexo e vice-versa. Para ele, o pensamento complexo compreende a clareza, a ordem, o determinismo como insuficientes.

Pode-se dizer que o que é complexo diz respeito, por um lado, ao mundo empírico, à incerteza, à incapacidade de ter certeza de tudo, de formular uma lei, de conceber uma ordem absoluta. Por outro lado diz respeito a alguma coisa de lógico, isto é, à incapacidade de evitar contradições. (MORIN, 2015, p.68).

E as contradições, segundo a ciência clássica, simbolizam o erro, o que leva a um novo recomeço e um novo raciocínio. Na concepção da complexidade, as contradições na elaboração do conhecimento não significam um erro, mas que ao se chegar em uma determinada profundidade da realidade, que justamente por ser mais complexa, não encontra tradução em nossa lógica (MORIN, 2015). Por isso, a defesa de um conhecimento que é complexo, mas não completo. “A totalidade é a não verdade”. (MORIN, 2015, p. 69)

O paradigma cartesiano fundamentou a elaboração e organização do conhecimento científico, que por sua vez, influenciou a Educação e aos sistemas educativos.

A fragmentação atingiu as Ciências e, por consequência, a Educação, dividindo o conhecimento em áreas, cursos e disciplinas. As instituições, em especial as educacionais, passaram a ser organizadas em departamentos estanques, no qual emergem os especialistas, considerados pela sociedade como os detentores do saber. Neste processo reducionista, criam-se as especialidades em uma única área do conhecimento. (BEHRENS; OLIARI, 2007, p. 60).

Para Morin (2004, p. 14), o “retalhamento das disciplinas torna impossível apreender 'o que é tecido junto', isto é, o complexo”. O desenvolvimento das disciplinas, ao mesmo tempo que otimizou a produção do saber, ao dividir o trabalho, produziu a superespecialização, o confinamento e o despedaçamento do saber (MORIN, 2004). E nessa mesma lógica, o currículo escolar é marcado fortemente pela divisão dos saberes, sejam das humanidades e exatas, biológicos e culturais, científicos e tecnológicos. São dualidades que impedem a problematização do real e a ligação dos conhecimentos, dando-lhes significados.

Por isso, Morin (2004) defende a aptidão para contextualizar e globalizar os saberes por parte da educação, em que um determinado fenômeno não deve ser separado do contexto em que é produzido, seja ele cultural, social, econômico, político ou natural. Ao mesmo tempo, além de situar o fenômeno em seu contexto, deve-se perceber em que medida esse contexto o afeta, o modifica.

Trata-se de procurar sempre as relações e inter-retro-ações entre cada fenômeno e o seu contexto, as relações de reciprocidade todo/partes: como uma modificação local repercute sobre o todo e como uma modificação do todo repercute sobre as partes. Trata-se, ao mesmo tempo, de reconhecer a unidade dentro do diverso, o diverso dentro da unidade (MORIN, 2004, p. 25).

Assim, o autor faz a defesa de uma ciência aberta, abrindo-se as fronteiras entre as disciplinas, modificando-se os princípios organizadores do conhecimento, por meio de uma perspectiva inter e transdisciplinar como possibilidades de articulação entre os saberes. Ele destaca a importância da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade como instrumentos intrínsecos à materialização da organização do conhecimento em bases da complexidade, na busca da reforma do pensamento, da construção da “cabeça bem-feita” (MORIN, 2004). Todavia, o autor não descaracteriza o papel da disciplina, meio pelo qual grande parte do conhecimento foi historicamente elaborado. A crítica se faz quando ela se fecha em si mesma, negligenciando as inter-relações, a compreensão dos fenômenos globalmente, num campo estreito onde as fronteiras não podem ser ultrapassadas.

Essa abordagem prescinde de uma nova perspectiva de interação entre as áreas de conhecimento, superando os tradicionais dualismos. O que se espera é a substituição de um conhecimento que isola e separa, por um que une e distingue (MORIN, 2004), e por isso é necessária uma nova maneira de pensar o conhecimento - um pensamento complexo - que seria enfim aquele:

que compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes; - que reconheça e examine os fenômenos multidimensionais, em vez de isolar, de maneira mutiladora, cada uma de suas dimensões; - que reconheça e trate as realidades, que são concomitantemente solidárias e conflituosas (como a própria democracia, sistema que se alimenta de antagonismos e ao mesmo tempo os regula); - que respeite a diferença, enquanto reconhece e unicidade. (MORIN, 2004, p. 89).

A crítica estabelecida por Morin à hiperespecialização e à fragmentação do conhecimento, encontra sentido na constituição dos currículos escolares tradicionais, em que as diferentes áreas de conhecimento disputam espaço na estrutura e concepção dos mesmos, orientando itinerários formativos descontextualizados.

Não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições. (...) Como reformar a escola sem reformar a sociedade, mas como reformar a sociedade sem reformar a escola? (MORIN, 2004, p. 99-100).

Como os currículos do ensino médio expressam o projeto político e pedagógico escolar, é premente se pensar que não há como haver mudanças significativas na construção dos saberes escolares, na perspectiva da complexidade, sem a necessária reforma dos currículos. Para além da fragmentação dos conhecimentos, o currículo muitas vezes não contempla a complexidade da realidade e suas problemáticas.

Por que os currículos se negam a mostrar a relação entre ordem e desordem, entre progresso e retrocesso, entre o avanço científico-tecnológico, a concentração de riqueza e o crescimento da pobreza? Entre a expansão do agronegócio e a destruição da agricultura familiar? (ARROYO, 2012, p. 242).

A despeito da formação humana, Morin (2004) enfatiza a importância e o papel da educação, entendendo os condicionantes em que se dá a condição humana no mundo, buscando a compreensão dessa condição via elaboração epistemológica, reconstruindo novas relações de ser e estar no mundo, numa nova consciência humanística e ética. E para pensar o ensino da condição humana, é preciso refletir a constituição do sujeito, enquanto ser ao mesmo tempo biológico e sociocultural, na perspectiva de torná-lo um sujeito autônomo, que reconstrói suas representações de mundo de forma crítica, o que balizará sua tomada de decisões, constituindo-se assim, um sujeito histórico.

Destaca-se dessa forma uma concepção de sujeito enquanto singularidade, autonomia, individualidade, em que ele emerge ao mesmo tempo que o mundo, onde modifica-se, transformase a si mesmo e ao seu entorno. Perceber as subjetividades inerentes aos sujeitos é importante para a reflexão das práticas educacionais no ensino médio e seu papel na construção do conhecimento que seja, ao mesmo tempo, uno e diverso, global e singular, e que leve em conta as diferentes visões de mundo e a constituição dos sujeitos, na perspectiva de uma formação humana verdadeiramente integral, integrada e comprometida com realidade social e sua transformação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, este trabalho evidencia que tanto a perspectiva da complexidade quanto a concepção de educação integral, ao conceberem a elaboração e a organização do conhecimento escolar centradas nos sujeitos, fazem a defesa de uma abordagem integrada dos saberes, sejam eles científicos, culturais ou do mundo do trabalho. E essa abordagem necessita de uma outra forma de se pensar e organizar o conhecimento, promovendo o que Morin (2004) defende como “ rupturas entre as fronteiras disciplinares”.

Sendo assim, o currículo deve ser construído na perspectiva da unidade entre os conhecimentos, uma integração que não se dissocia em conteúdo e forma, sendo preciso relacionar, internamente à organização curricular, conhecimentos gerais e específicos, cultura e trabalho, humanismo e tecnologia, dando novos sentidos aos conhecimentos e novas reconfigurações, com o objetivo de buscar respostas para as diferentes problemáticas e necessidades humanas, não de forma utilitarista e reducionista do conhecimento, mas em diálogo com o mundo humano, com o objetivo de trazer transformações que sejam positivas, principalmente para as classes sociais marginalizadas e exploradas, buscando, como afirma Brandão (2012, p. 61) a “possibilidade de realização do conhecimento como um projeto de transformação de algo em alguma coisa melhor”. E ele ainda afirma, enfatizando a importância do diálogo entre os saberes:

Todo conhecimento de qualquer ciência voltada ao alargamento do diálogo e à criação de estruturas sociais e de processos interativos - econômicos, políticos, científicos, tecnológicos ou o que for - sempre mais humanizadores, integra antes, de algum modo, sujeitos e objetos em um projeto de mudança em direção ao bem, ao belo e ao verdadeiro. (BRANDÃO, 2012, p. 61).

A partir do pensamento de Morin (2015), pode-se compreender o quanto que a expansão do conhecimento ao longo do tempo e sua fragmentação coloca desafios reais à apropriação e construção do conhecimento na escola, uma vez que uma nova organização do saber prescindirá de uma mudança no ensino. Ensino este em que o professor contribuiria para a construção de uma educação mais concreta ao buscar a pertinência das relações entre os conhecimentos biológicos, físicos, sociais, culturais e políticos, problematizando a realidade em que os sujeitos estão inseridos.

Sob o prisma da complexidade, o ensino médio, na perspectiva da formação integral, também é concebido, epistemologicamente, segundo uma concepção de totalidade, cujas dimensões fundamentais da vida humana, por meio do trabalho, do conhecimento científico e da cultura, que orientam a práxis humana em suas diferentes atividades, se constituem em princípios norteadores e, ao mesmo tempo integradores dos diferentes saberes, ampliando as possibilidades de compreensão e apreensão da realidade e sua complexidade.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 24 de Maio de 2021; Aceito: 24 de Maio de 2021

Daniella de Souza Bezerra Pós-doutora e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora do Instituto Federal de Goiás, com atuação do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica-ProfEPT.

Thaisa Lemos de Freitas Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Professora de Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG)

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