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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.26 no.spe Uberlândia dez. 2019  Epub 10-Out-2023

https://doi.org/10.14393/er-v26nea2019-5 

Artigo

Matriz de Referência de Competências e Habilidades para o trabalho com leitura no ensino fundamental II

Reference matrix of competences and skills to the work with reading at elementary school II

Alessandra Dutra1 

Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP/Araraquara. Professora adjunta da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus Londrina, Brasil

alessandradutra@yahoo.com.br
http://orcid.org/0000-0001-5119-3752

Givan José Ferreira dos Santos2 

Doutor em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina, Brasil. Professor Adjunto da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil

givansantos@utfpr.edu.br
http://orcid.org/0000-0003-4104-9313

Nilson Douglas Castilho3 

Especialização em Ensino e Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil(2016). Coordenador do Ensino Médio do ABEC - Colégio Marista de Londrina, Brasil

nilson_castilho@hotmail.com
http://orcid.org/0000-0001-6800-9835

1 Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP/Araraquara. Professora adjunta da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus Londrina, Brasil. alessandradutra@yahoo.com.br.

2 Doutor em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina, Brasil. Professor Adjunto da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil. givansantos@utfpr.edu.br.

3 Especialização em Ensino e Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil(2016). Coordenador do Ensino Médio do ABEC - Colégio Marista de Londrina, Brasil. nilson_castilho@hotmail.com.


Resumo

Este estudo focaliza o trabalho com leitura de textos em ambiente escolar, especificamente no Ensino Fundamental II. Tem por objetivos relatar e analisar a aplicação de uma proposta de matriz de referência de competências e habilidades em leitura como suporte pedagógico para auxiliar professores de Língua Portuguesa, desse ciclo de escolaridade, a diagnosticar em seus alunos habilidades leitoras relevantes que precisam ser desenvolvidas, a fim de tornar os estudantes leitores mais proficientes. O aporte teórico concebe a leitura numa perspectiva cognitiva e sociointeracional (SOLÉ, 1998; KLEIMAN, 2006; KOCH, ELIAS, 2012, SOUZA, 2016) e o ensino escolar por competências (BONAMINO, 2002; MACEDO, 2005; ZABALA, 2010). A pesquisa caracteriza-se, basicamente, como de campo, bibliográfica, descritiva, experimental e analítica e foi realizada em 2016 junto a professores e alunos de um colégio particular da cidade de Londrina. Os resultados demonstraram, por evidências empíricas, a contribuição da proposta para o diagnóstico e aprimoramento da competência leitora estudantil.

Palavras-chave: Ensino de leitura; Matriz de referência; Proposta pedagógica

Abstract

This study has its focus on the work of reading texts in a school environment, specifically in Elementary School II. It aims to report and to analyze the application of a reference matrix of reading skills and abilities as a pedagogical support to help Portuguese language teachers of this cycle of education, to diagnose in their students relevant reading skills that need to be developed, in order to make of students more proficient readers. The theoretical framework conceives reading in a cognitive and socio- inter-rational perspective (Solé, 1998; KLEIMAN, 2006; KOCH, ELIAS, 2012, SOUZA, 2016) and the school teaching by competences (BONAMINO, 2002; MACEDO, 2005; ZABALA, 2010). The research is basically characterized as field, bibliographic, descriptive, experimental and analytical and was carried out in 2016 with teachers and students of a private school in the city of Londrina. The results demonstrated, through empirical evidence, the contribution of the proposal to the diagnosis and improvement of student reading competence.

Keywords: Reading teaching; Reference matrix; Pedagogical Proposal

Introdução

Nos últimos anos, vários estudos chamaram a atenção para a relevância e a complexidade do trabalho do desenvolvimento da competência leitora de alunos de diferentes níveis de escolaridade, por exemplo, Kleiman (2006), Koch e Elias (2012), Bortoni-Ricardo et al. (2012), Marcuschi (2008), Rojo (2009), Souza (2016). Em outra proposição convergente, esses estudiosos defendem a adoção de uma concepção de leitura numa abordagem cognitiva e sociointeracionista, portanto, com dois pressupostos básicos: a compreensão competente de textos requer do leitor domínio consciente de estratégias de raciocínio e operações de pensamento; a leitura é uma atividade social na qual o leitor interage com o autor via texto.

Pesquisadores da leitura escolar também ressaltam o papel mediador do professor na formação do aluno como leitor ativo e proficiente:

Mediar o desenvolvimento da leitura é exercitar a compreensão do aluno, transformando-o de leitor principiante em leitor ativo. Isso pressupõe desenvolver sua capacidade de ler com segurança, de decodificar com clareza e reconhecer com rapidez as palavras para uma leitura fluente. Realizar previsões, formular e responder questões a respeito do texto, extrair ideias centrais, identificar conteúdos novos e dados, relacionar o que lê com sua realidade social e particular, ler o que está subjacente ao texto, valer-se de pistas para fazer inferências, sumarizar, ser capaz de dialogar com outros textos são habilidades que vão constituindo o sujeito leitor em formação em leitor proficiente (FREITAS, 2012, p. 68).

Tendo em vista efetivar na prática em sala de aula os princípios acima discutidos sobre o ensino de leitura, é fundamental que escolas e educadores procurem elaborar, testar e avaliar instrumentos pedagógicos para formar e auxiliar professores no trabalho produtivo de levar os educandos a se tornarem, ano após ano, leitores mais habilidosos e sujeitos sociais autônomos, diferentemente do cenário retratado por Rojo (2009):

[...] a escola - tanto pública, quanto privada - parece estar ensinando mais regras, normas e obediência a padrões linguísticos que o uso flexível e relacional de conceitos, a interpretação crítica e posicionada sobre os fatos e opiniões, e capacidade de defender posições e de protagonizar soluções (ROJO, 2009, p. 33).

Assim, este artigo tem por objetivos: relatar a aplicação de uma matriz de referência como suporte para professores na elaboração de atividades escolares voltadas para o diagnóstico e desenvolvimento de habilidades de leitura em alunos do Ensino Fundamental II; apresentar análise da viabilidade da proposta.

Matriz de referência em leitura: competências e habilidades

Das várias acepções do verbete “matriz” encontradas no dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, uma se aplica ao campo de educação: “que está na base (de algo) ou que tem grande relevância, primordial, básico, principal” (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 1.870). Assim, uma matriz de referência vem a ser um instrumento pedagógico relevante, que serve de base, fundamento, diretriz, modelo para auxiliar os professores nas suas mediações das aprendizagens dos alunos - planejamentos, diagnósticos, aulas, avaliações, entre outras.

Quanto ao exercício de planejamento, a matriz pode ajudar o professor a pensar suas ações em termos de regulação das aprendizagens e de aspectos do componente curricular que serão priorizadas no trabalho com a turma ao longo de determinado período letivo. Outra contribuição da matriz diz respeito à possibilidade de seu uso para o professor diagnosticar problemas de aprendizagens dos alunos e, a partir dessa investigação, preparar aulas e atividades em conformidade com potencialidades e necessidades da classe. Ainda com a utilização de uma matriz, o professor pode aferir o grau de aprendizagem dos estudantes, bem como estabelecer relação entre a prática de sala de aula e o que será avaliado.

Segundo Bonamino (2002), uma matriz de referência pode ter muitas finalidades. A mais importante delas é o seu poder de apresentar, de modo nuclear, as estruturas básicas a serem desenvolvidas nos componentes curriculares nas diferentes etapas da Educação Básica. Considerando a avaliação sob seu aspecto formativo, a matriz especifica as habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos, contribuindo para a tomada de decisões importantes no acompanhamento de uma turma. Ao delimitar as competências e habilidades, o professor consegue ter um parâmetro dos instrumentos que servirão para ele como indicadores de aprendizagem.

Em razão do escopo deste trabalho, convém diferenciar o ensino escolar baseado em conteúdos conceituais do pautado em competências. Historicamente, a escola focou o primeiro tipo de ensino citado:

Até pouco tempo, a grande questão escolar era a aprendizagem - exclusiva ou preferencial - de conceitos. Estávamos dominados pela visão de que conhecer é acumular conceitos; ser inteligente implicava articular logicamente grandes idéias, estar informado sobre grandes conhecimentos, enfim, adquirir como discurso questões presentes principalmente em textos eruditos e importantes (MACEDO, 2005, p. 17).

Nessa perspectiva, o ensino prioriza a exposição de conteúdos pelo professor e memorização pelos alunos, frequentemente de modo descontextualizado e sem a aplicabilidade na vida cotidiana. Então, a partir de determinado momento, esse tipo de ensino escolar passou a ser questionado e decidiu-se que, além de aquisição de conteúdos, é essencial a escola propiciar aos alunos um ambiente produtivo para as práticas de reflexão e compreensão críticas, tomada de decisão e resolução de problemas reais no plano individual e no plano da sociedade mais ampla. Esses últimos princípios caracterizam o ensino por competências (MACEDO, 2005; ZABALA, 2010; BORTONI-RICARDO; MACHADO; CASTANHEIRA, 2010), como consta na afirmação a seguir:

[...] no âmbito da educação escolar, deve identificar o que qualquer pessoa necessita para responder aos problemas aos quais será exposta ao longo de sua vida. Portanto a competência consistirá na intervenção eficaz nos diferentes âmbitos da vida, mediante ações nas quais se mobilizam, ao mesmo tempo, de maneira inter-relacionada, componentes procedimentais, atitudinais e conceituais (ZABALA, 2010, p. 11).

No entendimento de Zabala (2010), os componentes conceituais referem-se aos conceitos e conhecimentos teóricos das diversas disciplinas da organização curricular; por sua vez, os componentes procedimentais dizem respeito às ações a serem adotadas pelos alunos durante uma prática, como ler, inferir, relacionar informações e traduzir; e os componentes atitudinais relacionam-se aos comportamentos e atitudes desenvolvidas pelos alunos, a fim de se portarem como sujeitos ativos e críticos em sociedade, promovendo valores como solidariedade, engajamento social e diálogo interpessoal. Nessa linha de pensamento, formar um aluno competente na leitura pressupõe construir uma prática educativa que faça sentido para o seu cotidiano e contribua para a sua intervenção consciente na sociedade.

Importa também discutir as noções de competência e habilidade. Ainda que existam pesquisadores que tomem estes dois termos como sinônimos, portanto, não fazendo distinção conceitual entre esses vocábulos, e mesmo devido à amplitude de sentido que esses conceitos abarcam e à dificuldade de interpretação e aplicação diferenciadas deles pelos professores na sala de aula, Macedo (2005) apresenta uma proposta produtiva de distinção entre competência e habilidade, que será adotada neste estudo. O autor propõe que competência significa um procedimento mais amplo, geral, uma espécie de macroprocedimento, enquanto habilidade constitui um procedimento mais delimitado, específico, um tipo de microprocedimento. E acrescenta:

Para dizer de um outro modo, a competência é uma habilidade de ordem geral, enquanto a habilidade é uma competência de ordem particular, específica. A solução de um problema, por exemplo, não se reduz especificamente aos cálculos que implica, o que não significa dizer que o cálculo não seja uma condição importante. Igualmente, ainda que escrever a resposta não corresponda a tudo que está envolvido na solução de um problema, é uma habilidade essencial. O mesmo se pode dizer do tempo entre a leitura e a proposição da resposta, por exemplo (MACEDO, 2005, p. 20).

A título de ampliação de exemplo, na área da leitura, pode-se mencionar que consiste numa competência - macroprocedimento - “Ler com compreensão em Língua Portuguesa” e algumas habilidades - microprocedimentos - relacionadas ou pressupostas a essa competência seriam “Reconhecer palavras como pertencentes ao código Língua Portuguesa”, “Identificar usos da gramática da Língua Portuguesa”, “Localizar sentidos explícitos no texto”, “Compreender sentidos implícitos no texto”, “Reconhecer o gênero textual específico lido (notícia jornalística, poema, fábula, e-mail, anúncio publicitário, carta comercial, entre outras)”, “Determinar o tema do texto”, “Identificar a intenção comunicativa de produção de texto”, entre várias outras.

As reflexões apresentadas acima permitem sustentar a importância do ensino escolar de leitura por competências e habilidades, pois esses macro e micro- procedimentos são fundamentais para a formação do aluno leitor proficiente, isto é, ativo e estratégico, que demonstra competências e habilidades não só em relação a aspectos linguísticos (por exemplo, vocabulário e estruturas gramaticais), mas também quanto a aspectos semânticos (sentidos produzidos pelos elementos textuais) e discursivos (funções, intenções de uso dos componentes textuais). Enfim, acredita-se que um trabalho nesses parâmetros capacite o estudante para a eficácia na compreensão crítica de textos, tomada de decisão e resolução dos problemas da vida nas diferentes dimensões, seja pessoal, escolar, profissional ou outras, com desenvolvimento da sua autonomia para pensar e agir cotidianamente.

Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa caracteriza-se, basicamente, como de campo, bibliográfica, descritiva, experimental e analítica. De campo, (GONÇALVES, 2001), porque desenvolveu-se o estudo junto a professor e alunos do Ensino Fundamental, em um colégio onde um dos pesquisadores atua como professor e coordenador, portanto, responsável pela formação continuada de docentes e alunos do referido estabelecimento de ensino. A modalidade bibliográfica (MARCONI; LAKATOS, 1992) se efetivou pelas consultas a publicações impressas e eletrônicas referentes, sobretudo, ao tema da matriz de referência por competências e habilidades em leitura, foco da pesquisa empreendida. A tipologia descritiva (SANTOS, 2007) aconteceu, entre outros pontos representativos, na escolha e explicitação de categorias teóricas - por exemplo, matriz, competência, habilidade - e na descrição das etapas da pesquisa e dos resultados obtidos. A testagem da matriz junto ao grupo de professores e alunos participantes da pesquisa e a interpretação dos resultados evidenciaram a natureza experimental e analítica (SEVERINO, 2007).

Na implementação da pesquisa, as ações foram ordenadas assim:

  1. O pesquisador projetou uma competência e organizou uma matriz de referência de habilidade em leitura;

  2. O pesquisador promoveu formações para professores com estudos teóricos e atividades práticas para a familiarização com a matriz;

  3. O pesquisador formulou provas diagnósticas, com uso da matriz, para os professores verificarem o desempenho de seus alunos em compreensão de leitura.

A próxima seção focalizará essas ações.

Apresentação e análise dos resultados

A organização da matriz

A utilização da matriz de referência com base em competências e habilidades em leitura como instrumento pedagógico para avaliação do desempenho dos estudantes tornou-se prática, há algum tempo, por instituições brasileiras e internacionais relacionadas à educação. São exemplos a Prova Brasil (aplicada pelo governo federal, a cada 2 anos, para alunos de 5º e 9º anos) e a avaliação do PISA/Programa Internacional de Avaliação de Alunos (aplicada a cada 3 anos para estudantes brasileiros de 15 anos de idade). Apesar disso, a vivência dos professores com tais práticas pedagógicas ainda é pouco constatada no fazer docente, portanto, deixando de contribuir como instrumento para a melhora da qualidade de ensino de leitura na escola.

Diante desse contexto, um dos professores pesquisadores deste estudo, por ser docente e coordenador da área de Linguagens de um colégio particular na cidade de Londrina, Paraná, motivou-se a trabalhar com 6 professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II essa tendência nas práticas educacionais, com o intuito de subsidiá-los na elaboração de atividades didáticas, para diagnosticar e desenvolver habilidades de leitura nos alunos.

Primeiramente, estabeleceu-se uma competência em leitura (quadro 1), considerando o componente curricular Língua Portuguesa, documentos oficiais e a formação do aluno leitor no Ensino Fundamental II.

Quadro 1 Competência em leitura 

Competência em leitura
Ler com compreensão os aspectos linguísticos, semânticos, discursivos e extratextuais, tornando-se sujeito leitor e ativo na produção de sentidos.

Fonte: Elaboração com base em publicações diversas

A competência projetada respalda-se na concepção cognitiva e sociointeracional de leitura, (KOCH; ELIAS, 2012; BORTONI-RICARDO et al., 2012), na qual o leitor proficiente mobiliza estratégias mentais, por exemplo, hipótese, inferência e seleção, e tem um papel de agente no diálogo que estabelece com o texto e o autor, num processo dinâmico de construção e reconstrução de sentidos dos aspectos linguísticos, semânticos, discursivos e extratextuais.

Então, organizou-se a matriz de habilidades em leitura relacionadas à competência estabelecida (quadro 2).

Quadro 2 Matriz de habilidades em leitura 

1. Estabelecer relações lógico-discursivas, por meio dos diversos recursos linguísticos.
2. Estabelecer relação de causa e consequência entre os elementos de um texto.
3. Identificar o efeito de sentido decorrente do uso de pontuação e de outras notações.
4. Identificar o tema e/ou a tese de um texto.
5. Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem uma narrativa.
6. Localizar informações explícitas em um texto.
7. Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.
8. Distinguir fato de opinião.
9. Reconhecer os argumentos apresentados em um texto de opinião.
10. Inferir o sentido de uma palavra ou expressão.
11. Inferir informação implícita em um texto.
12. Estabelecer relação entre as partes de um texto a partir das estratégias coesivas empregadas em sua construção.
13. Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos de um mesmo tema.
14. textos não verbais.
15. Estabelecer relação entre os recursos verbais e não verbais em um texto construído com linguagem mista.
16. Relacionar o texto a seu contexto histórico, político e social.
17. Relacionar a variedade linguística de um texto ao seu contexto de produção.

Fonte: Elaboração com base em publicações diversas.

O conjunto de habilidade de leitura elencados na matriz visa analisar o nível de capacidade do leitor para acionar estratégias cognitivas - necessárias para o monitoramento consciente da produção de sentidos no processamento textual - e apresentar posicionamento ativo no processo de interação com o texto e autor, com vista à compreensão ampla e crítica de aspectos linguísticos, semânticos, discursivos e extratextuais.

Formação dos profissionais para familiarização com a matriz

Vencida a etapa de organização da matriz, o pesquisador tomou medidas para que o corpo docente sob sua coordenação se familiarizasse com esse instrumento pedagógico e aderisse à proposta de utilizá-lo em planejamentos de atividades de leitura em sala de aula. Em um primeiro encontro presencial que marcou com os professores, o pesquisador discutiu com eles atuais mudanças nos paradigmas educacionais e provocou-os a refletir sobre citações de educadores, como a que segue:

Precisamos fugir do velho modelo tecnicista, da pedagogia transmissiva, e encontrar uma nova forma de trabalhar em educação diferente da sequência de conteúdos preestabelecidos, de disciplinas estanques, em que o feedback, em vez de emergir do controle externo ao indivíduo, constitua-se em mecanismos internos de autorregulação, algo que parte de dentro do sujeito e de sua relação com os demais indivíduos e com sua realidade (MORAES, 1998, p. 55).

Essa citação e outras levaram o grupo de professores ao entendimento de que, nas últimas décadas, houve diversas e intensas mudanças envolvendo elementos do processo de ensino-aprendizagem escolar, por exemplo, novas teorias da linguagem e do texto, novas metodologias de ensino, inserção de novas tecnologias educacionais, nova visão do sujeito de aprendizagem. Tudo isso requer do professor um aprimoramento permanente para propiciar ao aluno condições de aprender de modo mais significativo e autônomo. Ao trazer o foco da reflexão para a leitura, o pesquisador firmou com os professores a ideia de que, nos dias atuais, é cada vez mais essencial o compromisso da escola de formar alunos leitores proficientes, capazes de serem bem-sucedidos na compreensão dos textos que circulam no ambiente escolar e nas outras esferas sociais.

Então o pesquisador aproveitou o gancho da discussão sobre leitura e convidou os professores a lançarem um olhar crítico sobre seus planos de ensino e de aulas, suas aulas, suas provas, tendo como direcionamento a seguinte questão: “Minhas ações contribuem para formar um aluno leitor competente?” Após um tempo reservado para pensamentos e cochichos, os professores manifestaram-se, de maneira unânime e contundente, de que ainda priorizavam, nas atividades de compreensão textual, questões de decodificação e localização de informações explícitas no texto e que estavam dispostos a buscar novos conhecimentos e novas práticas. Com isso, criou-se um ambiente favorável para o pesquisador trabalhar com eles a matriz.

O pesquisador fez cinco encontros presenciais, de duas horas cada, nas dependências do colégio, com o corpo docente para apresentação e discussão da competência estabelecida e da matriz com as habilidades de leitura. Em cada encontro, foram estudadas três ou quatro habilidades, com explicitação teórica oral e escrita, práticas com atividades de compreensão textual e diálogo coletivo para o compartilhamento do aprendizado.

Concomitantemente ao estudo da matriz, os professores em formação atenderam à solicitação do pesquisador e leram em casa a obra “Estratégias de leitura”, de Isabel Solé (1998), que aborda o processo de leitura a partir de viés cognitivo e sociointeracional, com destaque às estratégias cognitivas que o leitor mobiliza no ato de ler. Assim, a cada encontro presencial, também houve discussão de trechos da referida obra. Isso proporcionou domínio de aporte teórico pelos professores, facilitando e motivando a apropriação de conhecimentos conceituais e práticos sobre a matriz proposta.

Além dos encontros presenciais, também foram realizadas atividades por intermédio do ambiente virtual de aprendizagem Blackboard, disponibilizado pelo colégio. Por essa plataforma tecnológica computacional, ocorreram fóruns de discussão, interações por mensagens escritas instantâneas, postagens de materiais para leitura, entre outras iniciativas pedagógicas. Tudo isso possibilitou uma dinamicidade de diálogo entre o pesquisador e outros professores e construção de oportunidades favoráveis à aprendizagem.

Todo esse processo formativo resultou em um envolvimento intenso dos professores e assimilação produtiva das habilidades de leitura da matriz proposta. E todos manifestaram disposição para tentar incorporar, no trabalho de leitura com seus alunos, os conhecimentos teóricos e práticos discutidos na formação.

Prova diagnóstica de compreensão de leitura

A partir dos fundamentos teóricos e práticos sobre leitura explicitados nas seções anteriores, da matriz elaborada e de diálogo com os professores na formação a eles proporcionada, o pesquisador formulou provas diagnósticas de compreensão textual para levantamento das habilidades de leitura já dominadas pelos alunos do quinto, sexto, sétimo e oitavo ano do Ensino Fundamental e daquelas que necessitavam ser desenvolvidas. Embora o colégio onde se realizou a pesquisa apresentasse turmas de nono ano, a direção não autorizou a aplicação de prova diagnóstica nessas turmas, porque estavam participando, naquela ocasião, de outros projetos pedagógicos.

Foram elaboradas duas diferentes provas: um modelo para alunos de quinto e sexto ano; outro modelo para alunos tanto de sétimo quanto de oitavo ano. Na elaboração das provas, o pesquisador utilizou alguns traços norteadores, como o grau de maturidade dos alunos, o uso de diversos textos de circulação social (notícia jornalística, anúncio publicitário, história em quadrinhos, poema, gráfico, artigos de opinião, entre outros), questões de múltipla escolha e discursivas, cada atividade com foco prioritário em uma habilidade de leitura para facilitar o diagnóstico.

A prova dos quintos e sextos anos foi elaborada, levando em conta as seguintes habilidades da matriz (quadro 3):

Quadro 3 Habilidades contempladas na prova diagnóstica de 5º e 6º anos 

QUESTÕES HABILIDADES EM LEITURA
1. Estabelecer relações lógico-discursivas, por meio dos diversos recursos linguísticos.
2. Estabelecer relação de causa e consequência entre os elementos de um texto.
3. Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem uma narrativa.
4. Inferir informação implícita em um texto.
5. Identificar o efeito de sentido decorrente do uso de pontuação e de outras notações.
6. Identificar o tema e/ou a tese de um texto.
Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.
7. Inferir o sentido de uma palavra ou expressão.
8. Localizar informações explícitas em um texto.
9. Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros.
10. Localizar informações explícitas em um texto.
11. Estabelecer relação entre as partes de um texto a partir das estratégias coesivas empregadas em sua construção.
12. Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos de um mesmo tema.
13. Relacionar a variedade linguística de um texto ao seu contexto de produção.
14. Estabelecer relação entre os recursos verbais e não verbais em um texto construído com linguagem mista.
Inferir informação implícita em um texto.

Fonte: Elaboração com base em publicações diversas.

Por sua vez, a prova dos sétimos e oitavos anos efetivou as habilidades de leitura descritas a seguir (quadro 4):

Quadro 4 Habilidades contempladas na prova diagnóstica de 7º e 8º anos 

QUESTÕES HABILIDADES EM LEITURA
1. Inferir informação implícita em um texto.
2. Localizar informações explícitas em um texto.
3. Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos de um mesmo tema.
4. Inferir informação implícita em um texto.
5. Inferir o sentido de uma palavra ou expressão.
6. Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem uma narrativa.
7. Distinguir fato de opinião.
8. Identificar o efeito de sentido decorrente do uso de pontuação e de outras notações.
9. Identificar o tema e/ou a tese de um texto.
10. Inferir informação implícita em um texto.
11. Estabelecer relação entre os recursos verbais e não verbais em um texto construído com linguagem mista.
12. Relacionar a variedade linguística de um texto ao seu contexto de produção.
13. Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos de um mesmo tema.
Identificar o tema e/ou a tese de um texto.
14. Estabelecer relações lógico-discursivas, por meio dos diversos recursos linguísticos.
Estabelecer relação entre as partes de um texto a partir das estratégias coesivas empregadas em sua construção.

Fonte: Elaboração com base em publicações diversas

Após a aplicação das provas, os professores de cada ano se reuniram, sob a supervisão do pesquisador, para fazer um levantamento dos resultados. Por exigência da direção do colégio, o levantamento foi feito por ano e não por turma para evitar reclamações dos pais dos alunos, no caso de comparação de resultados de uma turma com outra. Na sequência, serão apresentadas as figuras com os resultados ano por ano. As figuras relacionam o número da questão da prova e a (s) habilidade (s) contemplada (s) - indicação na horizontal - com a quantidade de alunos que obtiveram êxito na questão - indicação na vertical.

Nos quintos anos, 120 alunos realizaram a prova e o resultado foi (figura 1):

Fonte: Os próprios autores.

Figura 1 Resultado da prova diagnóstica de leitura no 5º ano 

A figura revelou as habilidades de leitura com menor desempenho nos quintos anos. Menos da metade dos alunos, de um total de 120, não demonstrou domínio destas habilidades:

  • Estabelecer relação de causa e consequência entre os elementos de um texto (questão 2).

  • Inferir informação implícita em um texto (questão 4).

  • Inferir o sentido de uma palavra ou expressão (questão 7).

  • Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros (questão 9).

  • Estabelecer relação entre as partes de um texto a partir das estratégias coesivas empregadas em sua construção (questão 11).

  • Estabelecer relação entre os recursos verbais e não verbais em um texto construído com linguagem mista (questão 14).

  • Inferir informação implícita em um texto (questão 14).

Para a mesma prova, com 127 alunos dos sextos anos, houve o seguinte resultado:

Fonte: Os próprios autores.

Figura 2 Resultado da prova diagnóstica de leitura no 6º ano 

A figura 2 mostrou que os alunos dos sextos anos apresentaram resultados parecidos com os dos quintos anos, porém com algumas diferenças. Além de pelo menos a metade dos alunos dos sextos anos, de um total de 127, não dominar as mesmas habilidades de leitura não dominadas pelos alunos dos quintos anos, anteriormente citadas, também não obteve êxito em outras duas habilidades:

  • Estabelecer relações lógico-discursivas, por meio dos diversos recursos linguísticos (questão 1)

  • Identificar o efeito de sentido decorrente do uso de pontuação e de outras notações (questão 5)

Nas turmas de sétimo ano, 130 alunos fizeram a prova e constatou-se este resultado (figura 3):

Fonte: Os próprios autores.

Figura 3 Resultado da prova diagnóstica de leitura no 7º ano 

Os dados da figura expressam que, de um total de 130 alunos, aproximadamente a metade deles não conseguiu demonstrar domínios nas seguintes habilidades de leitura:

  • Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos de um mesmo tema (questões 3 e 13).

  • Inferir informação implícita de um texto (questões 4 e 10).

  • Distinguir fato de opinião (questão 7).

  • Identificar o tema e/ou a tese de um texto (questões 9 e 13)

  • Estabelecer relação entre recursos verbais e não verbais em um texto construído com linguagem mista (questão 11)

  • Relacionar a variedade linguística de um texto ao seu contexto de produção (questão 12).

Nos oitavos anos, 140 alunos fizeram a prova e obteve-se desempenho geral representado na figura 4 abaixo:

Fonte: Os próprios autores.

Figura 4 Resultado da prova diagnóstica de leitura no 8º ano 

Verificou-se que, dos 140 alunos dos oitavos anos, aproximadamente metade não demostrou domínio em três das habilidades de leitura não dominadas por uma considerável parte alunos do sétimo ano, contempladas nas questões 3,4 e 7, nem em outras duas habilidades requeridas nas questões 6 e 8, apontadas a seguir:

  • Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos de um mesmo tema (questão 3).

  • Inferir informação implícita em um texto (questão 4).

  • Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem uma narrativa (questão 6).

  • Distinguir fato de opinião (questão 7).

  • Identificar o efeito de sentido decorrente do uso de pontuações e de outras notações (questão 8).

Conforme declarado linhas atrás, a intenção primordial desses diagnósticos realizados em turmas do 5ª ao 8ª ano do Ensino Fundamental foi utilizar a matriz aqui proposta como suporte científico para os professores, a partir das informações concretas agora obtidas nas provas diagnósticas, planejarem e elaborarem com mais segurança e eficácia materiais didáticos que possibilitem o desenvolvimento de habilidades de leitura em seus alunos, sobretudo aquelas verificadas nas provas como ainda não dominadas pelos estudantes e consideradas relevantes para se constituem leitores competentes de textos.

Considerações Finais

Uma válida preocupação do professor de Língua Portuguesa consiste em mostrar aos seus alunos a funcionalidade de suas aulas e como os conhecimentos propostos para aprendizagem podem ser significativos em sua vida cotidiana. Quando se trata do ensino de leitura, torna-se imprescindível o professor buscar adquirir formação consistente, em torno de pressupostos científicos - teóricos e metodológicos - para promover situações bem planejadas e motivadoras de desenvolvimento de competências e habilidades leitoras aos alunos. Nesse sentido, pondera-se que este artigo consegue atender, além dos objetivos declarados na introdução do trabalho, o propósito mais elevado de contribuir para deslocamentos e ressignificações dos diversos elementos - sujeitos, instituições, instrumentos, entre outros - envolvidos no complexo e desafiador processo de ensino-aprendizagem de leitura na escola.

Referências

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Recebido: 01 de Maio de 2019; Aceito: 01 de Setembro de 2019

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