Introdução
A legislação brasileira, por meio da Constituição Federal (1988) e da lei nº 9.394/1996, atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, garante o acesso e a permanência dos alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE), preferencialmente na rede regular de ensino. No entanto, diversos acontecimentos contribuíram para a consolidação da educação inclusiva. A Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994) são dois documentos resultantes de conferências internacionais que discutiram políticas educacionais mais inclusivas.
De acordo com Cintra (2014), na Antiguidade, o abandono e a eliminação de crianças com alguma deficiência eram práticas comuns, pois pessoas com deficiência não eram consideradas seres humanos. A partir da Idade Média, com o advento do cristianismo na Europa, essas práticas foram condenadas; afinal, segundo a ideologia da época, todos deveriam ser considerados filhos de Deus. No entanto, o discurso religioso não efetivou a igualdade de direitos.
A partir de 1980, surgiram as primeiras manifestações exigindo a garantia das necessidades básicas das pessoas com deficiência. Essas movimentações começaram a consolidar o paradigma da inclusão (CINTRA, 2014).
Com a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil começou a demonstrar sintonia com as discussões internacionais sobre educação inclusiva, definindo, no artigo 205, que a “educação formal, escolar, é um direito constitucional de todo cidadão brasileiro”. No artigo 206, trouxe a “igualdade de condições de acesso e permanência” como um princípio. E garantiu o atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular, por meio do artigo 208.
Em 1990, na cidade de Jomtien (Tailândia), representantes de diversos países se reuniram para a realização de uma conferência, que originou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Nessa declaração, os países são convidados a desenvolver ações que melhorem a Educação Básica e também recomenda o atendimento educacional especializado como parte integrante do sistema educativo. Uma de suas maiores contribuições foi o fortalecimento do princípio da “Educação para Todos” (CINTRA, 2014).
Segundo Marcelly (2015), os países desenvolvidos começaram a matricular os alunos com deficiência nas escolas regulares a partir da década de 1990. No entanto, o modelo existente não possibilitava a permanência e nem o sucesso desses alunos. Nesse contexto, pesquisadores e professores de diversos países realizaram debates e expediram documentos oficiais no intuito de minimizar esses entraves.
Alguns anos após a Conferência na Tailândia, mais precisamente em junho de 1994, 25 organizações internacionais e representantes de 92 países se reuniram na Conferência Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade. Desse encontro, resultou a “Declaração de Salamanca”, um documento de representatividade internacional que tem como princípio fundamental garantir que todos os alunos matriculados aprendam juntos, sempre que isso for possível (MARCELLY, 2015).
A Declaração de Salamanca definiu políticas e práticas educacionais que culminaram com o reconhecimento e a valorização da diversidade. Destaca-se que toda criança tem interesses, traços e habilidades únicas e todas devem ter a oportunidade de uma educação formal. A educação especial deve se adaptar às necessidades da criança, e não o contrário (UNESCO, 1994).
O Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), que estabeleceu as metas a serem cumpridas pelo Brasil nessa área até 2024, menciona o compromisso com a universalização do acesso à educação básica para a população com deficiência, que tenha entre 4 e 17 anos.
O mais recente avanço na legislação brasileira sobre a deficiência foi a promulgação da Lei de nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que instituiu o “Estatuto da Pessoa com Deficiência” e definiu como obrigação do Estado, da família, da escola e de toda a sociedade a garantia de uma educação de qualidade à pessoa com deficiência, assegurando proteção contra qualquer forma de violência ou discriminação.
Educação Inclusiva e a Formação dos Professores
Segundo Gessinger (2001), o despreparo dos professores é um dos entraves quando se propõe a educação inclusiva. Pode parecer uma questão simples, que se resolve com cursos de capacitação, trabalho em equipe com especialistas ou com a criação de uma disciplina que aborde esse assunto durante a formação inicial.
A realização de experimentos de campo, bem estruturados e cuidadosamente coordenados pode enriquecer a formação inicial e possibilitar a atuação em ambientes de ensino complexos. Nesse sentido, os licenciados devem experimentar diferentes situações de aprendizagem, que o coloquem em contato com a diversidade. E sempre que possível, deve-se acrescentar a esses momentos metodologias que induzam o licenciando a realizar projetos investigativos. Trabalhos com essas características possibilitam uma compreensão integrada entre teoria e prática e contribuem para que o futuro professor se torne o responsável pela sua própria aprendizagem (CINTRA, 2014).
Oliveira e Araújo (2012) alertam que não basta inserir no currículo dos cursos de licenciatura disciplinas que abordem a educação inclusiva. Exige-se que o professor formador oriente os alunos para que se crie uma consciência crítica a respeito da diversidade.
Para alguns professores, a ausência dessas capacitações impossibilita sua atuação. No entanto, essas condutas contradizem os paradigmas da formação continuada, visto que não se dá apenas em cursos e seminários, mas também dentro da escola, por meio da prática e da troca de experiências.
Compreendemos que é necessário que busquemos novas alternativas, façamos pesquisas e experimentemos novas propostas. A seguir, apresentamos discussões a respeito da deficiência visual e Educação Matemática.
Deficiência Visual e Educação Matemática
O foco desta pesquisa é um estado da arte sobre deficiência visual e Matemática. Para que possamos compreender os artigos analisados neste trabalho, realizamos uma breve discussão sobre o conceito “deficiência visual”.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com deficiência, ocorrida em Nova York (2007), reconhece “que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação” (BRASIL, 2009, p. 2). Por este conceito, podemos inferir que a partir do momento em que “barreiras” são eliminadas, o conceito “deficiência” se modifica.
Nesse processo, à medida que os conceitos são modificados, surgem novas terminologias. Por exemplo, a Declaração de Salamanca (1994) inseriu o termo “alunos com Necessidades Educacionais Especiais”, em detrimento a “portadores de deficiência”. Na época, acreditava-se que o termo “portadores” induzia a uma situação momentânea e o termo “deficiência” remetia a uma desqualificação, possuindo um caráter pejorativo. No entanto, após diversos debates, a Convenção de Nova York (2007) optou pelo termo “pessoas com deficiência”, por acreditar que a omissão do termo “deficiência” enfraqueceria os avanços já conquistados e a expressão NEE ficaria limitado a questões que envolvessem apenas as adaptações nos recursos educacionais. No entanto, o termo “NEE” não é excluído, mas alterado, e passa a se referir, de fato, às especificidades educacionais (ANJOS, 2009).
Marcone (2015) complementa a discussão ao afirmar que a deficiência não está centrada na pessoa que a possui, mas sim no contexto em que está inserida. Em sua tese, o referido autor conta que um menino com Síndrome de Down estava brincando com outras crianças e um visitante pergunta a um dos membros qual era o “problema daquela criança”. O membro da aldeia responde que não havia problema nenhum, pois a criança fazia tudo que as demais crianças faziam.
Vale destacar, que em outros contextos, ter Síndrome de Down pode se caracterizar como deficiência. No entanto, no conceito aqui discutido, a deficiência não está na pessoa, mas sim no ambiente que a cerca. Num ambiente adequado, a deficiência deixa de ser um fator limitante de interação e, dessa forma, não se constitui como deficiência. A história ilustra um hábito presente em muitas relações sociais, o de rotularmos as pessoas de acordo com determinadas características. Diante desse “rótulo”, o indivíduo, enquanto ser formado por um conjunto de diversas características e particularidades, é “excluído” e passa a ser caracterizado por apenas uma de suas características.
Diante dessas discussões, quando nos referirmos neste trabalho a pessoas com deficiência, estaremos apresentando um ser em sua totalidade, que dentro de várias características possui uma, em especial, que será destacada, a fim de realizarmos as discussões propostas. Considerando que “deficiência” é um conceito polissêmico e que desse conceito derivam inúmeras implicações, tentaremos restringi-lo ao foco deste trabalho, que é a “deficiência visual”.
Metodologia
A metodologia adotada neste trabalho é a qualitativa, a qual, de acordo com Goldenberg (1999), não produz dados padronizados, ou seja, exige do pesquisador flexibilidade e criatividade para realizar a coleta e a análise. Os dados devem ser detalhados, permitindo a compreensão do fato e de seu contexto.
Dentro dessa abordagem, utilizamos a modalidade do tipo “estado da arte”, para investigar trabalhos que envolvem inclusão e deficiência visual nos artigos publicados nas 12 edições do ENEM. Buscamos identificar, evidenciar e compreender as principais tendências teóricas e metodológicas dos artigos publicados nesse evento.
O estado do conhecimento é um tipo de pesquisa que tem se tornado frequente no Brasil nas últimas décadas. Possui um caráter bibliográfico e opta por mapear e apresentar produções acadêmicas em diversas áreas do conhecimento, épocas, lugares e formas (congressos, teses, livros, entre outros). Também é conhecido por constituir um inventário descritivo, no qual se reúnem diversos estudos acerca do tema pesquisado, visando descrevê-lo em sua totalidade (FERREIRA, 2002).
Dessa forma, o estado do conhecimento visa reunir, organizar e relacionar as pesquisas sobre determinado tema, possibilitando um panorama e uma leitura crítica acerca de determinado assunto. Ao concentrar todas as informações em único lugar, aperfeiçoa-se a pesquisa, obtendo informações de forma rápida e com menor esforço, além de indicar claramente o que ainda não foi pesquisado. Portanto, além do que já foi apresentado, os estudos do tipo estado da arte têm um caráter norteador, indicando o que deve ser pesquisado e lançando tendências na área acadêmica (ROMANOWSKI e ENS, 2006).
Considerando o objetivo deste trabalho, o foco de pesquisa apoiou-se no levantamento dos artigos publicados nas 12 edições do ENEM, buscando identificar os trabalhos que abordavam a deficiência visual. A coleta de dados teve início em outubro de 2015, por meio do site da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/index.php/anais/enem), local onde estão disponibilizados os anais de todas as edições do ENEM.
Para selecionar os artigos, lançamos mão de alguns procedimentos, dependendo de como estavam disponíveis os anais de cada edição do ENEM.
Os anais do I, II, III, IV, V e VI do ENEM estavam salvos como imagens, portanto, não foi possível utilizar a ferramenta de busca automática. Nesses casos, analisamos os títulos, os índices e os resumos de todos os arquivos.
Os anais do VII ENEM estavam numa pasta compactada com todos os arquivos apresentados em pdf, assim, fizemos uma busca das palavras-chave em cada um dos arquivos.
Os anais do VIII, IX, X, XI e XII do ENEM estão disponíveis no site para download individual, portanto, realizamos buscas das palavras-chave nos títulos de cada uma das sessões. As palavras-chave utilizadas na busca foram: “deficiência visual”, “cegos”, “Inclusão” e “Necessidades Educacionais Especiais”.
Após o levantamento dos trabalhos, encontramos 38 artigos na perspectiva inclusiva, em especial, sobre deficiência visual. No capítulo a seguir, apresentaremos uma breve síntese de cada trabalho.
Apresentando os Dados
O ENEM é um evento trienal e sua primeira edição ocorreu em 1987, dada a preocupação de um grupo de estudantes, pesquisadores e professores com os assuntos que envolviam a Educação Matemática. O II ENEM ocorreu no ano seguinte, onde também foi fundada a Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM).
Até 1995, os encontros eram bienais, em seguida passaram a ser trienais. O encontro caracteriza-se por uma vasta programação, no qual se debatem grandes temas e são expostos inúmeros problemas de pesquisa, além da divulgação de experiências e estudos na área de Educação Matemática. Tanto a Sociedade Brasileira de Educação Matemática − SBEM, como o ENEM buscam promover mudanças na formação Matemática das pessoas, principalmente na formação dos que lecionam. Neste capítulo, apresentaremos uma tabela que indica a quantidade de artigos publicados em cada edição do ENEM, relacionados à deficiência visual.
Observa-se que, de 1987 a 2001, nas sete primeiras edições do ENEM, o assunto ensino de matemática para Deficiente Visual não foi discutido. Percebemos que apenas a partir de 2004 começaram a surgir trabalhos nessa perspectiva.
Buscaremos compreender o contexto em que os trabalhos foram produzidos, apresentaremos dados sobre os locais e os autores dos artigos selecionados, e, por fim, iremos categorizá-los.
Dos trabalhos encontrados, buscamos identificar em quais estados foram realizadas as pesquisas. Ao identificar as regiões brasileiras que mais produziram artigos sobre a temática deficiência visual percebemos que o Sudeste foi responsável por 15 trabalhos, o Norte por 7, o Nordeste por 6 e o Sul por 2. Em 8 trabalhos não encontramos o local de realização da pesquisa.
Os estados do Rio de Janeiro e São Paulo foram os que mais produziram as pesquisas aqui investigadas, mas vale destacar que a quantidade de pesquisas na região sudeste diminuiu e na região norte houve um aumento gradativo. Esses dados mostram uma descentralização das pesquisas, que antes se restringiam ao sudeste e sul. Os trabalhos selecionados foram escritos por 78 autores diferentes, vale destacar que 6 autores apareceram em mais de um trabalho. (Tabela 1)
VIII ENEM | IX ENEM | X ENEM | XI ENEM | XII ENEM | TOTAL | |
---|---|---|---|---|---|---|
Autores | 2 | 3 | 4 | 12 | 5 | 26 |
Autoras | 0 | 9 | 21 | 23 | 7 | 60 |
TOTAL | 2 | 12 | 25 | 35 | 12 | 86 |
Fonte: Autoria própria.
Consultamos a plataforma Lattes para listar a formação acadêmica na época em que o autor apresentou o seu trabalho. O Gráfico 1 traz a formação acadêmica dos autores por evento, em percentual. Percebemos que os artigos publicados possuem autores com formação acadêmica relevante, sendo 58% entre mestres e doutores.
Ao todo, 22 universidades estavam vinculadas aos trabalhos aqui destacados. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a Universidade Estadual de Santa Cruz - Bahia foram as que mais publicaram, com quatro trabalhos cada uma, seguidas pela Universidade Federal do Pará e a Universidade Federal Fluminense.
As categorias de análise dos dados emergiram a partir da identificação das similaridades e convergências entre as tendências teóricas e metodológicas dos artigos. Assim, encontramos três eixos centrais nos quais os trabalhos estão subdivididos: atividades didáticas; formação de professores e perspectivas. (Tabela 2)
VIII ENEM | IX ENEM | X ENEM | XI ENEM | XII ENEM | TOTAL | |
---|---|---|---|---|---|---|
Atividades Didáticas | 1 | 5 | 6 | 12 | 4 | 28 |
Formação de professores | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 3 |
Perspectivas | 0 | 0 | 2 | 4 | 1 | 7 |
Fonte: Autoria própria.
Apresentaremos nossa compreensão em busca de identificar, evidenciar e compreender as principais tendências teóricas e metodológicas que envolvem pessoas com Deficiência Visual (DV) nos artigos publicados em todas as edições do ENEM. Fazemos isso a partir da discussão dos seguintes eixos de análise: atividades didáticas; formação de professores e perspectivas.
O eixo “atividades didáticas” compreende os trabalhos relacionados ao desenvolvimento de metodologias e estratégias de ensino de Matemática para alunos com deficiência visual. Para uma melhor compreensão dos dados, optamos por subdividir os trabalhos em três subeixos: “Atividades executadas”; “Atividades planejadas” e “Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)”.
Acreditamos que o fato de o trabalho ter sido executado é uma característica de grande importância, e por isso será um dos critérios de agrupamento. Indicaremos no próximo eixo que poucos trabalhos abordaram a formação de professores. No entanto, convém destacar que muitas das atividades descritas no eixo “Atividades didáticas” foram elaboradas por licenciandos durante a formação inicial. Assim, destacaremos os trabalhos que contaram com a participação de licenciandos com um asterisco (*). (Quadro 1)
ENEM | Título | Autores | |
---|---|---|---|
Escola Regular | VIII | Diálogos sobre simetria com aprendizes sem acuidade visual - uma análise Vygotskyana | FERNANDES, S. H. A. A.; HEALY, L. |
IX | Soroban: potencializando a construção de nosso sistema de numeração e de vias para inclusão de alunos com necessidades visuais | SOUZA, R. N. S. | |
IX | A etnomatemática e a deficiência visual: um caminho para a inclusão cultural | CALORE, A. C. O. | |
X | *Estabelecendo parcerias em busca da inclusão de alunos com deficiência visual. | PALMEIRA, C. A.; LEITE, H. C. A.; PRANE, B. Z. | |
X | A confecção de um plano cartesiano de metal para ensinar função a um deficiente visual. | ULIANA, M. R. | |
XI | O uso de materiais adaptados no ensino da Matemática para o aluno cego e com baixa visão | MONTEIRO, A. D.et al. | |
XI | *Um caminhar à busca da inclusão: observações sobre aplicações de atividades adaptadas para o deficiente visual | KALEFF, A. M. M. R.; ROSA, F. M.; TELLES, P. V. F. | |
XI | Matemática no ensino médio: possibilidades de inclusão | PALMEIRA, C. A.; WAGNER, V. M. P. S. | |
XII | A leitura em Braille: apropriação de Matemática para aluno adulto com cegueira adquirida como elevador de autoestima. | MORAES, M. E. L.; VIEIRA, S. C. A.; SANTOS, F. M. | |
Outros locais | IX | As concepções de alunos cegos para os conceitos de área e perímetro. | FERNANDES, S. H. A. A.; HEALY, L. |
IX | O ensino de simetria para deficientes visuais | SEGADAS, S. et al. | |
X | A pesquisa com alunos cegos: o soroban mediando a aprendizagem do sistema de numeração decimal. | SILVA, J. A. F.; PEIXOTO, J. L. B. | |
XI | Perspectivas sobre o uso do Desgin Instrucional para uma EaD inclusiva: por onde estamos caminhando | SANTOS, C. E. R; FERNANDES JR, O. O. | |
XI | *Material concreto para o desenvolvimento do conceito do Teorema de Pitágoras para portadores de deficiência visual | STROTTMANN, C. I.; SCHUCK, F.; SCHEIN, Z. P. | |
XI | *Como os cegos enxergam | SILVA, I. R. |
Fonte: Autoria própria.
Também dividimos esses trabalhos conforme o local em que foram aplicados − nove deles foram realizados em escolas regulares. Determinados materiais, tais como o Soroban, o Multiplano e o Geoplano foram citados em diversos trabalhos como objetos facilitadores de aprendizagem extremamente viáveis.
A migração dos alunos das escolas especializadas para as escolas regulares incentivou a produção de pesquisas na área. Nove dos trabalhos deste subeixo descrevem propostas realizadas em salas regulares, demonstrando e reforçando os princípios da educação inclusiva.
As escolas especializadas são espaços privilegiados de formação e desempenham um papel fundamental na educação inclusiva. O trabalho de Segadas et al. (2007) descreve uma atividade feita nesse espaço. No entanto, não podemos privar os alunos com NEE de frequentarem as escolas regulares, pois além dos conhecimentos específicos de cada área, o convívio e a interação com os demais alunos são essenciais para o desenvolvimento, conforme aponta Mantoan (2003).
No trabalho de Fernandes e Healy (2007), embora tenha investigado alunos que frequentavam escolas regulares, o local de aplicação da atividade foi em uma sala separada. Dessa forma, achamos conveniente que todos os trabalhos aplicados em ambientes diferentes da escola regular fossem evidenciados.
Conforme já mencionamos, alguns dos trabalhos não foram aplicados, mas compõem-se de propostas. Também consideramos importante evidenciar os trabalhos ainda não aplicados, a fim de motivar a execução dessas propostas.
Antes de aplicar uma atividade, é necessário avaliá-la de acordo com seu contexto, considerando o seu público, o objetivo a ser alcançado e a viabilidade do material. Os dois trabalhos de Kallef (2010 e 2013) fazem uso de materiais específicos, tais como, peças de uma bicicleta velha e placas de piso para áreas úmidas. Além de exigirem um conjunto de ferramentas e profissionais para adaptá-los, por exemplo, em um dos objetos é necessário soldar placas de metal. Pode ser que tais fatores sejam limitantes para muitos professores. No entanto, essas propostas podem levar a adaptações e motivar a confecção de novos materiais. (Quadro 2)
Dentro dos conteúdos mais discutidos, destacam-se os que estão relacionados à geometria, tais como: Teorema de Pitágoras, simetria, Teorema de Tales, retas e parábolas.
ENEM | Título | Autores |
---|---|---|
IX | Flexibilizando a geometria na educação inclusiva dos deficientes visuais: uma proposta de atividades | VIEIRA, S. S.; SILVA, F. H. S. |
X | *Educação inclusiva - construindo condições de acessibilidade em sala de aula de Matemática | TAVARES, S. et al. |
X | *Uma aplicação de materiais didáticos no ensino de geometria para deficientes visuais | KALEFF, A. M. M. R.; ROSA, F. M. C., VOTTO, B. G.; |
XI | O envolvimento de alunos cegos na construção de uma maquete tátil para a aprendizagem de probabilidade | VITA, A. C.; KATAOKA, V. Y. |
XI | O ensino de funções matemáticas para alunos deficientes visuais utilizando o multiplano como ferramenta de ensino | ANDRADE, A. A.; SILVA, D. M. |
XII | *O enfoque da acessibilidade na produção de materiais didáticos para o ensino de Matemática | CAMARGO, E. D. F. et al. |
XII | A aprendizagem de conceitos básicos de probabilidade por uma dupla de estudantes cegos e videntes mediados pela maquete tátil | SANTOS, F. B. |
XII | O tabuleiro de decimais em uma classe inclusiva: uma possibilidade para alunos com deficiência visual | ARAÚJO, M. M.; SALES, E. R. |
XI | *Dois experimentos educacionais para o ensino de áreas para alunos com deficiência visual | KALEFF, A. M. M. R. et al. |
Fonte: Autoria própria.
A maior parte dos trabalhos listados neste eixo trata de atividades com materiais manipuláveis. No entanto, existem outras possibilidades, conforme já destacamos; Marcelly (2015) sugere o uso desses materiais vinculados a outras metodologias, por exemplo: a história da matemática, a realização de experimentos, a resolução de problemas e o uso das TICs. Verificamos que quatro trabalhos descreveram as TICs como possíveis instrumentos pedagógicos. Por constituírem um grupo específico, eles foram categorizados separadamente.
O terceiro subeixo contempla os trabalhos que abordam as TICs (Quadro 3). Dentro dos recursos disponíveis para o ensino de DV, o uso de tecnologias é menos comum do que o uso de materiais manipuláveis. Assim sendo, optamos por separá-los, objetivando destacar esses trabalhos. Embora sejam atividades relacionadas ao ensino, o fato de utilizarem computadores, dado o contexto globalizado que vivemos na atualidade, é um fator diferencial. Acreditamos que indicar cenários pouco investigados é um dos objetivos dos trabalhos do tipo “Estado da Arte”, conforme evidenciado por Romanowski e Ens (2006).
ENEM | Título | Autores |
---|---|---|
X | Sítio de Matemática com acessibilidade a deficientes visuais | BARBOSA, C. M.; TÁBOAS, P. Z. |
XI | Perspectivas sobre o uso do design instrucional para uma EAD inclusiva: por onde estamos caminhando | SANTOS, C. E. R.; JUNIOR, O. O. F. |
XI | Educação Matemática e educação inclusiva: trabalhando de forma colaborativa | MOURA, A. A.; LINS, A. F. |
XI | Softwares educativos no processo de ensino-aprendizagem da Matemática de crianças com necessidades especiais nas áreas mental e visual: inclusão e educação matemática | OLIVEIRA, E. S. |
Fonte: Autoria própria.
Diversos trabalhos deste eixo foram elaborados ou aplicados por licenciandos em Matemática. Esse dado evidencia a preocupação das universidades em aproximar os licenciandos das discussões que envolvem a educação inclusiva.
A “formação de professores” foi objeto de estudo em poucos trabalhos, mas verifica-se a preocupação em aproximar os licenciados em Matemática de aspectos referentes à inclusão, em particular, a deficiência visual.
Conforme indicado por Gessinger (2011), o despreparo dos professores é um grande entrave à educação inclusiva.
Os trabalhos que abordam o complexo contexto que envolve a formação de professores para a educação inclusiva serão discutidos no próximo eixo.
Este eixo abrange os trabalhos que abordam a formação de professores e as dificuldades encontradas ao lecionarem para alunos DV. Pertencem a esse grupo três trabalhos, todos com cunho qualitativo.
Cintra (2014) afirma que são poucos os estudos que abordam o tema “formação de professores e inclusão” e recomendou que mais pesquisas fossem feitas nessa perspectiva. (Quadro 4)
ENEM | Título | Autores |
---|---|---|
X | Dificuldades do ensino de Matemática para cegos segundo a opinião de docentes | COSTA, M. I. S. et al. |
XI | Das dificuldades às possibilidades: desafios enfrentados para a inclusão de uma aluna cega nas aulas de Matemática no ensino médio | BANDEIRA, S. M. C. et al. |
XII | Caminhos trilhados para uma formação em Matemática para inclusão de estudantes cegos no ensino médio | BANDEIRA, S. M. C. |
Fonte: Autoria própria.
Observa-se que, dos trabalhos encontrados, o primeiro trata da percepção dos docentes sobre os conteúdos de Matemática mais difíceis de serem trabalhados com alunos DV.
De forma secundária, esse mesmo trabalho também descreve o perfil dos professores de sua região e constata que embora mais de 90% dos entrevistados possuam curso superior de licenciatura em Matemática, cerca de 80% não se sentem preparados para atuarem com alunos DV.
Já os dois trabalhos de Bandeira et al. (2013) tratam-se da formação de licenciandos em Matemática, mais precisamente, durante a realização do estágio supervisionado. Mesmo com indicativos claros na legislação, que evidenciam a importância da formação para a educação inclusiva, poucos professores foram capacitados.
No entanto, reforçamos os argumentos de Mantoan (2003), em que a falta de capacitação não pode servir como argumento para a omissão e a inércia.
Os trabalhos confirmam as proposições de Cintra (2014), que evidencia que grande parte dos professores não recebeu formação para atuar em salas que possuem alunos com NEE.
Esse despreparo prejudica a prática docente. Não basta criar uma disciplina que aborde a educação inclusiva, é necessário que os professores formadores orientem os alunos para que se crie uma consciência crítica a respeito da diversidade.
O grupo “perspectivas” contempla os trabalhos que descrevem cenários e tendências. (Quadro 5)
Alguns trabalhos são resultantes de observações em salas e relato de professores que trabalharam com DV, outros trazem um panorama geral, que envolve vários fatores, dentre eles: a formação de professores, opiniões de diversos sujeitos (alunos, professores, especialistas, entre outros) e discussões de metodologias inseridas em determinados contextos específicos.
Os trabalhos de Oliveira (2010), Uliana (2013), Mello (2013) e Lourenço e Cardoso (2013) trazem relatos de observação realizada em salas de aulas regulares com alunos DV. Todos os contextos evidenciam a complexa realidade da sala de aula.
ENEM | Título | Autores | |
---|---|---|---|
Observação | X | Os desafios assumidos na educação inclusiva: um estudo de caso sobre o ensino e a aprendizagem na área de Matemática | OLIVEIRA, M. L. |
XI | A inclusão de alunos cegos nas aulas de Matemática das escolas públicas estaduais de Rondônia | ULIANA, M. R. | |
XI | A atuação do professor de Matemática frente a uma sala de aula inclusiva com alunos cegos | MELLO, E. M. | |
XI | O conceito de inclusão de deficientes visuais num contexto do ensino de Matemática de uma escola da região do ABC | LOURENÇO, L. R.; CARDOSO, V. C. | |
Outros | X | Programa teias: formação de conceitos matemáticos por alunos com necessidades educacionais especiais | PEIXOTO, J. L. B.; HORA, G. S.; CAZORLA, I. M. |
XI | Deficientes visuais e a construção do conhecimento matemático da ideia de função | CÉZAR, N. S. R. | |
XII | Código matemático unificado: da definição às diferenças semióticas na conversão da tinta ao Braille | ANJOS, D. Z. |
Fonte: Autoria própria.
Uliana (2013) complementa a abordagem de Oliveira (2010) ao destacar que muitos alunos estão “inseridos” na sala regular, mas sem que ocorram as adequações necessárias. Nessa situação, os princípios estabelecidos na Declaração de Salamanca ficam restritos às teorias e não se concretizam na prática. Ao utilizar a expressão “não se sentem confortáveis” a autora retrata a difícil situação de muitos professores. Consideramos que o despreparo, a falta de recursos e a insegurança contribuem para um descontentamento do professor.
O trabalho de Anjos (2016) difere-se dos demais ao discorrer sobre aspectos específicos da transcrição da Matemática para o Braille. Evidencia que dada arepresentação gráfica do sistema Braille, com furos em relevo e pela exploração do sistema háptico, contribuem para torná-lo num método de escrita mais complexo. O professor deve compreender que utilizar esse sistema exige muito mais esforço e muito mais tempo do aluno.
Conforme já enunciado, os trabalhos deste eixo tratam de aspectos particulares, o que dificultou sua categorização.
Conclusões
As pesquisas de estado da arte têm por objetivo consolidar e reunir as discussões sobre determinado assunto. Ao buscar os trabalhos apresentados em todas as 12 edições do Encontro Nacional de Educação Matemática que abordavam a deficiência visual, foi possível estabelecer um breve panorama das pesquisas nessa área. Neste levantamento, fica evidente que a inclusão dos alunos com NEE ganhou repercussão em eventos acadêmicos, a partir de 2004 e acreditamos que tal fato está associado às demandas dos avanços da legislação brasileira em direção a educação inclusiva.
Vale destacar que dos 38 trabalhos encontrados, 28 se referem a atividades didáticas, ou seja, mais de 70% das pesquisas realizadas estão preocupadas em desenvolver metodologias de ensino adequadas e eficientes para a instrução da Matemática para aluno com deficiência visual e o eixo com uma quantidade menor de trabalhos foi o intitulado “formação de professores”. Compreendemos que a produção de atividades didáticas por licenciandos, conforme citamos, demonstra uma crescente preocupação com a formação, no entanto, esses trabalhos têm como foco, o objeto didático e não o futuro professor.
O trabalho aqui apresentado oferece um panorama das pesquisas realizadas e divulgadas que envolvem deficiência visual em um dos mais reconhecidos eventos nacionais de Educação Matemática e nossa expectativa é que este texto auxilie em novas investigações da área.