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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.27 no.1 Uberlândia jan./abr. 2020  Epub 27-Mar-2020

https://doi.org/10.14393/er-v27n1a2020-14 

DOSSIÊ: O caminho se faz caminhando: formação docente no fazer e refazer da práxis pedagógica

Jovens doutores em início da carreira docente

Young Doctors Starting Teaching Career

Doctores Jovenes Comenzando la Carrera Docente

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Campus Joaçaba, Santa Catarina, Brasil. nadianef@gmail.com.


RESUMO

O objetivo deste estudo foi compreender a condição jovem dos professores em fase de iniciação à docência universitária. Consideramos iniciante os professores com até 3 anos de experiência e jovem aqueles com até 32 anos, que realizaram, sequencialmente, graduação, mestrado e doutorado e, em seguida, ingressaram na docência. Na pesquisa, de abordagem qualitativa, coletamos os dados por meio de entrevistas com 6 jovens professores iniciantes vinculados à Universidade Federal de Pelotas e por observações de aulas de graduação desses docentes. Os dados, trabalhados através da análise de conteúdo, foram interpretados a partir de teorias sobre a formação docente e a iniciação à docência. Para os professores, a condição jovem não é um fator de padronização ou de causalidade nas formas de ser, de atuar ou de se relacionar com os alunos. Porém, essa condição produz no professor vivências tanto motivadoras quanto limitações que são vividas em paralelos, enquanto constroem suas identidades docentes.

PALAVRAS-CHAVE: Formação Docente; Professor Iniciante; Jovem Professor

ABSTRACT

The aim of this study was to understand the young condition of teachers in the beginning phase of university teaching. We consider beginners to be teachers with up to 3 years of experience and young to those up to 32 years old, who sequentially completed undergraduate, masters and doctoral degrees and then joined teaching. In the qualitative research, we collected the data through interviews with 6 young beginning teachers linked to the Federal University of Pelotas and observations of undergraduate classes of these teachers. The data, worked through content analysis, were interpreted from theories about teacher education and initiation to teaching. For teachers, youthfulness is not a factor of standardization or causality in the ways of being, acting or relating to students. However, this condition produces in the teacher both motivating experiences and limitations that are lived in parallel, while building their teaching identities.

KEYWORDS: Teacher training Teaching Initiation; Young Teacher

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue comprender la condición joven de los docentes al comienzo de la enseñanza universitaria. Consideramos que los principiantes son maestros con hasta 3 años de experiencia y jóvenes son aquellos con hasta 32 años, que completaron secuencialmente licenciaturas, maestrías y doctorados y luego ascendieron a la profesión docente. En la investigación cualitativa, recopilamos los datos a través de entrevistas con 6 maestros principiantes jóvenes vinculados a la Universidad Federal de Pelotas y de observaciones de las clases de grado de estos maestros. Los datos, trabajados a través del análisis de contenido, fueron interpretados a partir de teorías sobre la formación docente y la iniciación a la enseñanza. Para los maestros, la juventud no es un factor de estandarización o causalidad en las formas de ser, actuar o relacionarse con los estudiantes. Sin embargo, esta condición produce en el maestro experiencias motivadoras y limitaciones que se viven en paralelo, mientras construye sus identidades de enseñanza.

PALABRAS CLAVE: Iniciación Docente; Profesor Principiante Profesor Joven

Introdução

Quando se tornam professores universitários, a partir de uma aprovação em um concurso público, muitos doutores, pela primeira vez, iniciam seus processos de construção da identidade docente. Até então muitos deles frequentavam a universidade, porém com outros papéis: o de discente, o de pesquisador. Ao iniciarem a docência, esses profissionais ingressam simultaneamente em um mundo conhecido e desconhecido (MARCELO GARCÍA, 1999): conhecido porque já o frequentaram como alunos e desconhecido porque agora o inauguram na condição de docentes.

Nesse contexto de ingresso na carreira docente, de transição da condição de estudante para a condição de professor, interessa-nos estudar aqueles professores iniciante que são jovens, que possuem “pouca” idade. Pautamo-nos em Bourdieu (1983) para utilizar a palavra jovem. Esse autor, em um título de um de seus textos, já menciona que juventude é apenas uma palavra. No decorrer do trabalho ele argumenta que “as divisões entre as idades são arbitrárias” (BOURDIEU, 1983, p. 112) e que “a juventude e a velhice não são dados, mas construídos socialmente na luta entre os jovens e os velhos. As relações entre a idade social e a idade biológica são muito complexas” (p. 113). A partir dessa compreensão, utilizamos o termo jovem como sendo “apenas uma palavra” carregada dos significados que nós lhe atribuímos: sujeito que fez sequencialmente seus estudos graduação, mestrado e doutorado; recém-doutor iniciando a carreira docente; indivíduo com até 32 anos de idade. Consideramos professor iniciante o profissional com até 3 anos de experiência docente.

No trabalho desenvolvido buscamos compreender a condição jovem dos professores em fase de iniciação à docência universitária2. A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi desenvolvida na Universidade Federal de Pelotas. A coleta de dados foi feita através de entrevistas com seis jovens professores iniciantes, sendo 3 homens e 3 mulheres, com formação e atuação em distintas áreas do conhecimento: ciências agrárias, ciências da saúde, engenharias. Foi critério de exclusão na escolha dos professores aqueles que tinham cursado licenciatura e/ou tivessem feito algum tipo de formação pedagógica antes do ingresso na docência. Nesse trabalho os professores são identificados com nomes fictícios, respeitando o gênero, a saber: Fabiana (30 anos), Guilherme (30 anos), Laura (32 anos), André (28 anos), Rafaela (28 anos) e Caio (31 anos).

Os dados coletados, trabalhados através da análise de conteúdo, foram interpretados e discutidos a partir de teorias sobre a formação docente, a entrada na carreira, o professor iniciante, a iniciação à docência e o ciclo de vida profissional dos professores. Nesse texto, optamos por apresentar o referencial teórico articulado com a apresentação e discussão dos dados e, por fim, apresentamos alguns apontamentos conclusivos.

Iniciação à docência de jovens doutores: teorias e empiria

Os professores entrevistados tinham entre 28 e 32 anos. Pelo fato de terem realizado sequencialmente seus cursos de graduação, mestrado e doutorado e de terem ingressado na docência universitária com “pouco idade”, como próximo passo dessa sequência, denominamo-los de jovens professores.

Constatamos que a condição jovem é vista e vivenciada pelos professores pesquisados de distintas maneiras. Em alguns aspectos as vivências desses professores se aproximam e podem ser identificadas, tanto pelo lado positivo e motivador quanto pelo lado das dificuldades e limitações.

Semelhante a essa constatação, Isaia; Maciel e Bolzan (2010), quando abordaram em seus estudos a entrada na docência universitária, também identificaram tanto a empolgação quanto os desafios vinculados a essa fase dos docentes. Ainda, Huberman (1992), ao estudar o ciclo de vida profissional dos professores, quando fala da entrada na carreira, argumenta que esta é marcada pelo aspecto da “descoberta” e pelo aspecto da “sobrevivência”. A descoberta é referente ao entusiasmo, à experimentação e exaltação inicial. A sobrevivência refere-se ao “choque do real”, as dificuldades e confrontações iniciais. Huberman (1992) acrescenta que esses aspectos podem ser vivenciados pelo professor paralelamente (sendo que o primeiro permite aguentar o segundo), com a dominação de um dos aspectos sobre o outro ou com a mescla desses aspectos a outras características como a indiferença, a serenidade, a frustração. Com base nesses autores e com os dados coletados, percebemos que a iniciação à docência é marcada por diferentes vivências e sentimentos dos professores iniciantes.

Indagamos os professores sobre a sua condição de jovens frente aos alunos de graduação, na tentativa de compreender o que caracteriza e representa essa aproximação de idade entre eles. Em suas respostas a maioria mencionou que estabelece com seus alunos uma relação tranquila, amistosa e que, independente de suas idades, sentem que os alunos os respeitam e os veem como professores. Eles contaram:

“Mesmo sendo a faixa etária igual, ou até a faixa etária do aluno ser mais velha do que a do professor, existe a ideia do respeito pelo professor novo [...] Tenho alunos de 17 até 60 anos, literalmente” (Guilherme).

“A condição da idade talvez até interfira positivamente, acho que elas se identificam mais. Eu não tive nenhum problema na graduação, não senti nenhum preconceito de eu ser muito nova, de eu não ter conhecimento suficiente pra passar” (Rafaela).

“Em sala da aula eu não percebo uma barreira da idade, por ser jovem. As alunas respeitam [...] Os alunos da pós-graduação são mais próximos em idade, talvez a maioria tenha mais idade que eu. Mas igual, as experiências que eu tive foram tranquilas” (André).

Pelas falas notamos que os professores percebem-se como novos, pois incorporam esses adjetivos para caracterizarem-se. Dois professores destacaram que encontram em sala de aula alunos com uma idade maior que as suas, mas que essa situação não lhes traz maiores desafios. A partir do que relataram, verificamos que o professor comumente é visto como uma autoridade profissional e, portanto, via de regra, é respeitado em qualquer situação.

Com relação ao lado positivo e motivador de ser um jovem professor, alguns deles mencionaram o fato de terem certa aproximação com seus alunos, advinda da proximidade de idades. Uma professora destacou:

“muitos gostos das alunas são parecidos com os meus, até pela idade. Elas escutam músicas que muitas vezes eu escuto [...] Eu nunca perguntei pros meus professores [...] ‘ah professor, você foi ao show do fulano? [...] Essa aproximação eu nunca tive com os meus professores, porque a maioria dos meus professores eram muito mais velhos que a gente [...] Eles tinham idade pra ser nossos pais, tanto que hoje a gente tem amizade com filho de professor nosso, porque a gente tem mais ou menos a mesma faixa etária” (Fabiana).

Serra (2012), quando discorre sobre os professores iniciantes, argumenta que esses podem criar uma “aproximação geracional” com seus alunos, pois utilizam uma mesma linguagem, apresentam uma vestimenta semelhante, gostam de tatoos, das mesmas bandas, entre outros aspectos. Nesse contexto, o autor sinaliza que os jovens professores podem ter mais naturalidade para entenderem os seus alunos. Podemos aproximar o que diz o autor com a fala de Fabiana: ela aponta possuir gostos semelhantes, identificações culturais e, consequentemente, certa proximidade com seus alunos. Notamos que o que a professora destaca é que dessa maneira o diálogo entre eles torna-se mais favorável. Interessante perceber que quando Fabiana pensa na sua relação com os alunos ela automaticamente e facilmente se remete à sua condição de aluna e se pensa como tal. Fabiana relata que não tinha esse tipo de aproximação com os seus professores e que eles não apresentavam interesses iguais aos seus. Com isso ela sinaliza que há poucos anos, quando ela era aluna, a relação professor-alunos não era tão informal como é hoje, talvez porque os professores não fossem tão jovens - o que indica que o perfil dos professores universitários vem mudando.

Três dos professores contaram que são convidados pelos alunos para participarem de festas de turma. Por parte dos alunos vemos que eles se identificam com o professor a ponto de convidá-los para um evento particular. Por parte dos professores encontramos diferentes posturas: uma professora disse não participar desses eventos (Rafaela), outra disse que já participou, mas que não participa mais (Laura) e outro disse que participa (Caio). Na aceitação do convite ou não por parte dos professores, identificamos o tipo de relação que eles buscam estabelecer com os alunos: uns demarcam mais seus lugares e posições de professores, outro assume a sua condição de igual, de jovem.

Dentre os seis professores, o professor Caio mostrou ser o jovem professor que mais estabelece aproximações com seus alunos e identifica-se com eles. Ele falou:

“sendo jovem tu tens uma identificação de idade, entendes um pouco mais do que eles vivem, do mundo que eles estão inseridos atualmente. Isso te ajuda a ter uma aproximação em termos de linguagem, situações que tu podes citar em sala de aula, se tu quiseres dar uma descontraída, falar alguma coisa mais divertida pra eles acordarem” (Caio).

Esse relato parece ser a vivência da “aproximação geracional” (SERRA, 2012). Caio, por ser jovem, apresenta muitas características semelhantes às dos seus alunos: linguagem, vivências, humor, ânimo. Ele considera que compreende mais o mundo ou o contexto dos seus alunos e isso o ajuda como professor. Por ter essas características que o aproximam de seus alunos, vemos que Caio os entende e não cria barreiras em suas relações, estabelecendo com os alunos uma interação mais natural. Dentre os seis professores, Caio é o que mais se apresenta como o tipo identificado por Cunha (1988, p. 79), quando diz que há “os [professores] mais jovens que localizam neste fator a sua facilidade em construir ‘um mundo comum’ com seus alunos, referindo-se ao fato de falarem a mesma linguagem, viverem os mesmos desafios etc.”.

Pelo que observamos nas aulas e pelo relatado pelos professores, notei que alguns alunos se aproximavam dos professores devido à sua condição comum de jovens e/ou pelo fato de que até pouco tempo atrás seus professores eram estudantes. Por exemplo, percebemos que alguns alunos acercaram-se de seus professores para pedir orientações referentes a estudos de pós-graduação. Talvez isso ocorra porque esses professores recentemente concluíram seus estudos de pós-graduação e, assim, podem auxiliá-los em suas dúvidas e angústias. Os professores relataram:

“alunos vierem conversar comigo assim: ‘ah professora, eu estou em crise porque eu não sei o que eu quero fazer da minha vida. Eu não sei que área que eu sigo por que eu faço estágio aqui, eu faço estágio lá e não gosto’. Já perguntaram pra mim o que eu fiz pra chegar aonde eu cheguei” (Fabiana).

“Várias alunas me perguntaram onde eu tinha me formado, [...] algumas queriam seguir especialização, mestrado. Outras me perguntavam bem a parte clínica, o que precisavam pra elas começar a atuar na clínica” (Rafaela).

Constatamos, ao assistir as aulas, que algumas alunas do professor André também se aproximaram dele para solicitar informações referentes ao curso de mestrado da faculdade à qual estavam vinculados. Nesses casos, de certa forma, os alunos utilizam a condição jovem dos professores para aproximarem-se deles e colher informações. Compreendemos que esses alunos sentiram confiança nos professores, reconheceram-nos como pessoas abertas e acessíveis para conversar acerca de suas incertezas e projetos profissionais. Esses alunos possivelmente identificaram-nos como jovens profissionais e neles encontram acolhimento, orientações e exemplos de vivências no que se refere aos seus futuros universos profissionais.

Dois professores atrelaram à condição de jovens a disposição e as energias que possuem em relação ao trabalho que desenvolvem. Eles mencionaram:

“o professor novo é um cara que acabou graduação, mestrado, doutorado e então ele está no pique” (Guilherme).

“Ser jovem também te ajuda a ter uma disposição maior pra estar lá na frente no quadro falando [...] Para isso ser jovem ajuda” (Caio).

Para esses professores ser jovem facilita o trabalho porque eles chegam à universidade com um ritmo de estudos, pesquisas e trabalhos acelerado e isso pode contribuir para com o processo de inserção na docência, para estar frente aos alunos desenvolvendo aulas. Encontramos respaldo para esses indicativos tanto em Mayor Ruiz (2009), que argumenta que os professores universitários iniciantes são dispostos a atualizar-se, apresentam ideias frescas e disposição de empreender projetos inovadores, quanto em Feixas (2000), que indica que normalmente esses professores demonstram grande entusiasmo e dinamismo em relação à nova tarefa que assumem. Tanto nas aulas desses professores quanto nos vínculos que estabelecemos com eles comprovamos a disposição e o dinamismo deles. Essas qualidades não se limitam aos jovens professores, porém elas podem ser mais intensas neles.

Guilherme fez outros destaques em relação a sua condição de ser um professor universitário com “pouca idade”. Ele contou:

“Alguns alunos dizem: ‘Uau professor, como é que tu estás com essa idade? Mas tu fizeste doutorado quando?’ [...] Quando eu entrei aqui, no primeiro dia, eu fui almoçar com um grupinho e encontrei uma aluna do mestrado e ela: ‘você é bixo?’ Porque tem alguns bixos da minha idade. E eu: ‘Não, eu estou como professor’. Então é engraçado. E pro ego é bom: ‘bah, o professor novo e é novo!’ [...] Até há brincadeira dos colegas: ‘nossa, um guri já é professor?’, ‘Nossa, o teu nascimento é o mesmo da minha aluna de mestrado ou da minha filha e você é meu colega’. Tem esse tipo de coisa. Mas não de modo depreciativo, preconceituoso, é mais ressaltar a situação. Tipo, ‘olha que interessante'. [...] é legal você saber: já cheguei, entre aspas, no top da carreira docente com essa pouca idade. [...] É legal de realização pessoal. [...]” (Guilherme)

O professor Guilherme é visto pelos seus alunos e por seus colegas professores de uma maneira curiosa ou distinta: ele é um professor novo (iniciante) que é novo (jovem). Através de sua fala notamos que esses olhares lançados sobre ele lhe geram bem estar e satisfação. Compreendemos que ser um jovem professor para Guilherme é uma realização pessoal e profissional porque ele passou muitos anos estudando, dedicando-se à sua formação profissional e, portanto, a conquista de um posto de trabalho “top”, como ele diz, é realizadora. O fato também é uma satisfação para Guilherme porque ele percebe-se mudando de lado, mudando de posição dentro da sala de aula: já não é mais um estudante, é o professor. Esses aspectos destacados pelo professor e, de certa forma, visualizados em suas práticas, fazem-nos vê-lo vivenciando o que Huberman (1992) denomina fase de descoberta da entrada na carreira, caracterizada pelo entusiasmo e exaltação por estar, finalmente, em situação de responsabilidade. Da mesma forma, Isaia; Maciel e Bolzan (2010) chamam esse movimento de empolgação pela docência, caracterizada pela realização e pelo encantamento.

A professora Fabiana contou que faz uso da sua “pouca idade” de uma maneira particular. Ela expressou:

“A gente tem uma idade muito próxima [...] tenho aluno com 27 anos, tenho aluno com 33 anos, mais velhos do que eu [...] Eu acho que eu uso da minha idade pra aproximá-los de mim e dessa forma aproximá-los da disciplina. [...] Em uma aula prática, eu fiz um discurso enorme de como eu cheguei ali naquela área, pra ver se sensibilizava alguém. Talvez a idade, ou até uma linguagem mais próxima, pode facilitar. [...] Talvez se eu fosse uma professora com mais idade eu tivesse mais preocupada em terminar a aula e buscar meu filho na escola. Não quero dizer que outros professores façam isso, de forma alguma, estou falando o que eu penso de mim” (Fabiana).

A proximidade de idade com os alunos é usada como uma estratégia pela professora para promover a aproximação entre ela e os alunos e entre os alunos e a disciplina. Entendemos que a professora procura “jogar” com sua idade, com o que existe de comum entre ela e seus alunos (a idade, a linguagem, o tempo disponível...), na tentativa de sensibilizá-los para os conhecimentos trabalhados na disciplina. Por exemplo, ela relatou aos seus alunos a sua trajetória estudantil até o seu ingresso na docência tentando estimulá-los para os estudos e despertar-lhes um maior interesse pela disciplina. Nesse relato ela também contou que já passou pela situação que eles passam, colocou-se em uma posição de igual ou próxima a eles. Notamos que Fabiana tenta incentivar seus alunos a estudarem e, a partir do seu caso, diz que é possível ser um jovem “bem sucedido” profissionalmente.

Entretanto, os professores também relataram aspectos referentes às dificuldades e limitações de ser um jovem professor em início de carreira. Para Mayor Ruiz e Sánchez Moreno (2000), o período de indução à docência é uma etapa de inseguranças e de temores, mas nem por isso uma etapa de submissão. De uma forma ou outra, como bem sinalizam essas autoras, os jovens professores demonstraram vivenciar essas inseguranças e temores, alguns com mais, outros com menos intensidade, alguns em umas, outros em outras circunstâncias.

Quando Feixas (2002) discorre sobre as três etapas do início da docência universitária, aponta que na primeira, dentre outros aspectos, os professores preocupam-se em mostrar autoridade e conquistar o respeito de seus alunos. Nas entrevistas realizadas também constamos que, inicialmente, alguns professores sentiram-se temerosos da aceitação que teriam por parte dos alunos. Eles contaram:

“Bem no começo, quando eu comecei as aulas aqui [...] eu pensava: ‘eu sou nova, meu primeiro emprego, eles sabem. Será que eles vão me respeitar como uma pessoa de mais idade?’ Essa era minha maior preocupação. [...] Era uma preocupação muito grande. [...] Às vezes eu chegava em casa e falava: ‘acho que eles não entendem que eu sou professora deles’. Mas isso era uma coisa minha, insegurança minha talvez.” (Fabiana).

“Eu imaginava que poderia ter problema: ‘ah vou pegar um aluno da minha idade, o cara não vai ter respeito’. Mas não tive” (Guilherme).

O professor André também se preocupou por ser novo e talvez não se fazer entender ante suas alunas. Notamos que o foco das preocupações desses professores está na “pouca idade” atrelada, é claro, à inexperiência docente. Parece que essa preocupação não se efetivou em um desafio para as suas práticas em sala de aula. Vemos que a “aceitação” deles como professores teve que ser feita com mais ênfase por eles próprios. Eles nunca tinham estado professores, portanto eram inexperientes, inseguros e pouco confiantes em si mesmo.

Constatamos que os entrevistados, por serem jovens, fazem uma cobrança sobre si e percebem provocações de seus pares no que se refere ao seu reconhecimento como profissionais. Alguns deles mencionaram:

“Por ser jovem a gente tem uma crítica dizendo, ah eu sou novo, então tenho que aprender. Porque a gente acabou que sair do [...] doutorado. Então você ainda tá aprendendo muita coisa, você ainda tá querendo aprender muita coisa. No final das contas a gente tem essa crítica, dizendo ah, eu sou novo então eu tenho que melhorar” (Guilherme).

“Eu ouvi coisas do tipo: professor jovem não pode estar na banca de um concurso porque ele não é capaz de avaliar um colega pra entrar pra trabalhar aqui” (Laura).

“Quando eu vou dar uma palestra fora, já senti aquela coisa: aquele ali é mais jovem que eu e está dando uma palestra” (André).

Por terem pouca idade, tanto por parte deles mesmos como dos colegas (professores ou profissionais) há cobranças e pressões. A pressão é, portanto, tanto interna quanto externa. Quanto à pressão externa, percebemos similaridade nos estudos de Cunha e Zanchet (2010) que argumentam que alguns professores novos encontram um grande desafio de serem reconhecidos e legitimados por seus pares, por estarem inseridos de certa forma em um ambiente de competição. Observamos que esses professores buscam enfrentar tal desafio através da dedicação aos estudos e adquirindo novas aprendizagens. Estudando e aprendendo eles entendem que terão melhores condições de serem reconhecidos, de mostrarem-se capazes e de afirmarem-se como professores - o que se configura como uma pressão interna. O relato dos professores confirma que a iniciação à docência pode caracterizar-se como um momento de tensões de forças internas (maturacionais, experienciais) e externas (culturais, profissionais).

Ainda com referência aos desafios, Caio fez um destaque significativo sobre a sua “pouca idade”. Ele contou:

“Quando eu entrei aqui eu tinha menos de 30 anos de idade. Eu nunca tive minha idade cronológica combinando com a minha idade, sempre me achei mais jovem do que sou. Então eu senti uma aproximação de idade com os alunos. [...] Eu consegui desenvolver com alguns alunos uma amizade profissional, acadêmica. A gente gosta de discutir assuntos de engenharia, falar bastante de coisas daqui da universidade de uma maneira bem legal, bem amigável, como se fossemos amigos de tempos. [...] Com os colegas professores a distância foi maior porque eles têm 50, 40 e tantos anos, são um pouco mais velhos que eu. São pessoas casadas que não tem a mesma visão de vida [...] Recentemente alguns dos meus colegas [...] entraram aqui como professores, e isso amenizou também essa parte dos professores” (Caio).

Assim como argumenta Bourdieu (1983), parece que Caio sinaliza que são complexas as relações entre a idade social e biológica. Caio atribui à sua “pouca” idade sua aproximação e identificação com os alunos e seu distanciamento dos colegas professores. Caio não pertence à mesma geração dos seus colegas professores: ele é um jovem que está iniciando a carreira e pode estar trabalhando em meio a professores experientes que estão quase em fim de careira. Caio sente-se jovem, sente-se melhor em meio aos alunos e identifica-se com eles. Ele tem facilidade em fazer amizades, conversar e interagir com seus alunos e demonstra gostar dessa relação. Esses indicativos lembram-nos, mais uma vez, do destaque de Cunha (1988) de que alguns professores jovens encontram facilidade em construir ‘um mundo comum’ com seus alunos. O professor Caio e seus alunos possuem gostos parecidos, possuem “visões de vida” similares e isso contribui para sua interação - o que não é uma atitude corriqueira entre os professores universitários.

Talvez, ainda, por estar em uma situação de transição do papel de estudante para o papel de professor, por sentir-se jovem, por ser ingressante na universidade e por estar desenvolvendo a sua identidade docente, o professor Caio sinta um maior pertencimento ao grupo de estudantes comparado ao grupo de professores. Caio está na condição de professor, mas seus valores, atitude e preferências parecem adequar-se mais com a condição de ser estudante. Ele ainda não tem sua identidade docente definida. Essas sensações de identificar-se ou não com o grupo de professores têm uma relação intrínseca com a idade de Caio e com o fato de ele ser um professor iniciante. Do nosso ponto de vista, essa ideia se reforça quando Caio relata que, recentemente, aproximou-se de alguns jovens professores que iniciaram a carreira na sua faculdade.

Laura também vê e vivencia a sua condição jovem de uma maneira distinta. Ao pensar sobre sua idade relacionada ao exercício da docência, ponderou:

“é mais uma questão de como você se coloca no papel de professor do que a idade que você tem. Não vejo ninguém confundir as coisas. [...] Eu percebo que a postura que a gente tem fora daqui também é muito importante [...] Se o aluno te vê lá fora fazendo um monte de coisas que ele também faz, tipo indo pra festa, bebendo todas, paquerando todo mundo, ele não vai voltar pra aula e conseguir te respeitar aqui dentro [...] Eu procuro me policiar [...] Sempre tomando cuidado pra não ficar exposta demais. ‘Ah, a professora bêbada lá no barzinho tal’. Não dá, né? Eu acho que é mais uma questão de postura mesmo do que de idade” (Laura).

Ante sua pouca idade, parece que Laura criou uma estratégia para produzir uma determinada imagem de professora diante de seus alunos. Ela coloca-se no papel de professora, assume uma postura de professora, distingue o que faz um professor e o que faz um aluno. Para tanto, ela se “policia”, “não se expõe”, controla suas ações, seus fazeres, para que os alunos a respeitem e para que não tenham a chance de “confundir” os papéis. Nessa sua fala percebemos a demarcação de papéis de professora e de alunos e a diferenciação e o consequente distanciamento entre esses sujeitos. Vemos que ao mesmo tempo em que o seu posicionamento firme e forte de professora faz com que ela não se preocupe com a sua idade, faz também com que sinta a sua segurança profissional.

Paralelismos do jovem professor universitário

Neste estudo, embora tenhamos encontrado aproximações e distanciamentos entre as condições jovens desses seis professores, não consideramos que a idade seja um fator de padronização entre eles ou de causalidade no que diz respeito a suas práticas e suas relações com os alunos. Porém reafirmamos que essa condição produz no professor vivências tanto positivas e motivadoras (disposição, identificação com os alunos...) quanto dificuldades e limitações (preocupação com a aceitação por parte dos alunos, reconhecimento pelos pares, pouca experiência...).

Notamos que os pontos positivos e as dificuldades impostos pela condição jovem são vividos em paralelos. E nesse paralelo os professores vão construindo suas formas de lidar com a pouca idade, com as possibilidades de relacionamentos com seus alunos e com a construção de suas identidades docentes.

Também, no que se refere à condição jovem dos professores que entram na carreira, é possível dizer que esses profissionais vivenciam tanto a “sobrevivência” quanto a “descoberta” e que, conforme já sinalizava Huberman (1992), um aspecto permite aguentar o outro.

De modo geral, é possível dizer que a condição jovem dos professores é encarada por eles tanto como um desafio como uma possibilidade de novas ou diferentes formas de desenvolver as aulas, de se relacionar com os alunos e de construir-se professor.

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2Esse estudo é um recorte da tese de doutorado em educação desenvolvida pela autora. FELDKERCHER, Nadiane.A iniciação à docência de jovens professores na universidade. 2015. 265f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2015.

Recebido: 01 de Agosto de 2019; Aceito: 01 de Novembro de 2019

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