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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.27 no.2 Uberlândia maio/ago. 2020  Epub 17-Ago-2020

https://doi.org/10.14393/er-v27n2a2020-1 

DOSSIÊ: Currículos em Educação Matemática I

Ensino de álgebra no ensino fundamental: uma revisão histórica dos PCN à BNCC

The Teaching of Algebra in basic education: a historical review from PCN to BNCC

Enseñanza de Álgebra en la Enseñanza Fundamental: una revisión histórica de los PCN a la BNCC

1Doutorado. Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil. greicescremin@gmail.com.

2Especialização. Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil. frighi@msn.com.


RESUMO

Este trabalho apresenta e discute os resultados de um estudo documental realizado em uma pesquisa desenvolvida no contexto do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Franciscana. O objetivo foi realizar uma análise histórica das orientações para o ensino de álgebra nos anos finais do Ensino Fundamental. Tratou-se de um estudo documental nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), referentes à área de Matemática, no componente curricular de Matemática. A análise de conteúdo buscou identificar as alterações ocorridas de um documento para outro, no que tange aos conteúdos de álgebra. Percebeu-se que a Álgebra esteve fortemente enraizada na Aritmética e no caráter tecnicista das operações, mas, na BNCC, o eixo ganhou destaque, assumindo o compromisso com a construção do pensamento e da linguagem algébrica e contribuindo com o desenvolvimento do pensamento computacional e com a argumentação matemática.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de matemática; Currículo; Estudo documental

ABSTRACT

This paper presents and discuss the results of a research performed on the context of PPGECIMAT (Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática) of Universidade Franciscana. The objective of this work was to make a historical analysis of the guidance about the teaching of algebra on the final years of basic education. This was a qualitative research, based on the review of documents like PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) and BNCC (Base Nacional Comum Curricular), under the areas covering Math and Algebra to the final years of basic education. The analysis focused on the identification the changes made on the documents related to the teaching of algebra. It's been noted that Algebra was attached to Arithmetic subject, and in the technical aspect of the operations. However, on BNCC, the subject won importance, taking the commitment to build algebric thought and helping the development of computational thinking with math argumentation.

KEYWORDS: Mathematics teaching; Resume; Documentary study

RESUMEN

Presenta y discute resultados de un estudio documental en una investigación desarrollada en el contexto del Programa de Posgrado en Enseñanza de Ciencias y Matemáticas de la Universidade Franciscana. El objetivo fue realizar un análisis histórico de las orientaciones para la enseñanza de Álgebra en los años finales de la Enseñanza Fundamental. Se trató de una investigación cualitativa, realizada a partir de un estudio documental de los Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) y de la Base Nacional Comum Curricular (BNCC), en los contenidos de Álgebra para los años finales. Álgebra estuvo enraizada en la Aritmética y en el carácter tecnicista de las operaciones, pero, en la BNCC, el eje ha ganado destaque, asumiendo el compromiso con la construcción del pensamiento y del lenguaje algebraico y contribuyendo con el desarrollo del pensamiento computacional y argumentación matemática. La directriz es que el Álgebra pase a ser explorada desde los años iniciales.

PALABRAS CLAVE: Enseñanza de matemáticas; Currículo; Estudio documental

Introdução

O ensino da matemática no contexto escolar assume como sua finalidade fundamental dotar os estudantes de competências matemáticas adequadas que lhes permitam enfrentar as demandas de seus ambientes social e cultural. Segundo Castro (2003), o ensino da álgebra permeia por toda a vida escolar desde o Ensino Fundamental. Contudo, conforme Lins e Gimenez (2001) a álgebra continua sendo o pavor dos estudantes e o fracasso na escola, pois seu ensino restringe-se ao de mecanismos do cálculo algébrico, porém, sem dar significado para tal.

Apesar dos esforços em formação inicial e continuada, Aguiar (2014) afirma que

[...] algumas deficiências do ensino de álgebra são resultados de um processo histórico desse ensino e que, atualmente, existem outras concepções de ensino na literatura que apontam para o desenvolvimento de um pensar algébrico como marca dessa concepção (AGUIAR, 2014, p.36).

Em perspectiva semelhante, Miguel, Fiorentini e Miorim (1992) referem que, desde que a álgebra passou a fazer parte do currículo no Brasil até 1960, o seu ensino foi marcado pelo caráter reprodutivo, muito enraizado no objetivo de resolver problemas, conforme encontra-se em Trajano (1947, p.7), o qual a define: “Álgebra é a parte das matemáticas que resolve os problemas e demonstra os teoremas quando as quantidades são representadas por letras”.

Ainda na década de 1960, com o surgimento do Movimento da Matemática Moderna, a álgebra deixou o caráter pragmático e passou a ser destaque, recebendo um maior rigor e assumindo a responsabilidade com os aspectos lógico-estruturais dos conteúdos matemáticos e a precisão da linguagem (ARAUJO, 2008).

Posteriormente, em 1997, com os Parâmetros Curriculares Nacionais, o ensino da álgebra novamente foi reorientado, dividido em ciclos, pertencia ao bloco temático de Números e Operações, e se constituía num espaço em que o aluno pudesse exercitar a abstração e a generalização, de modo que o capacitasse à resolução de problemas (BRASIL, 1997).

Recentemente, em dezembro de 2017, com a publicação da Base Nacional Comum Curricular, a Álgebra ganhou um bloco exclusivo para tratar de seus conteúdos, e seu objetivo agora é o desenvolvimento do pensamento algébrico, por meio de ideias fundamentais como equivalência, variação, interdependência e proporcionalidade (BRASIL, 2017).

Percebe-se, portanto, que o ensino da Álgebra passou por diferentes enfoques ao longo do tempo, e muitos debates acerca de seu papel e finalidade nos currículos e na prática pedagógica vem sendo propostos. Neste artigo, o objetivo é realizar uma revisão histórica das orientações para o ensino de álgebra nos anos finais do Ensino Fundamental nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a fim de verificar as alterações ocorridas de um texto para outro.

Metodologia

Tendo em vista o alcance do objetivo proposto neste trabalho, classifica-se a pesquisa como sendo uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório, a qual segundo Prodanov e Freitas (2013, p.51) “tem como finalidade proporcionar mais informações sobre o assunto que vamos investigar”. Os aspectos qualitativos deste estudo têm afinidade com o que Godoy (1995, p.58) refere: “a pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados. Parte de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve”.

Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, trata-se de uma pesquisa documental, baseada em materiais que não receberam tratamento analítico, e, portanto, distinta de uma pesquisa bibliográfica. Gil (2008) destaca que a principal diferença entre esses tipos de pesquisa é a natureza das fontes, pois a pesquisa bibliográfica se utiliza das contribuições de vários autores acerca de determinado assunto, e a pesquisa documental não.

Dentro da pesquisa documental, existem dois tipos principais de documentos: fontes de primeira mão e fontes de segunda mão. Gil (2008) distingue os documentos de primeira mão como sendo aqueles que não receberam nenhum tipo de tratamento analítico, e os documentos de segunda mão, aqueles que já foram analisados ou revisados. No caso particular deste estudo, trata-se de uma pesquisa documental de primeira mão, tendo em vista que o objeto de estudo foram documentos oficiais. A Figura 1 ilustra o esquema geral da metodologia deste trabalho:

Fonte: elaborado pelo autor.

FIGURA 1: Metodologia da pesquisa 

Os documentos analisados nesta pesquisa foram os PCN e a BNCC. Dado o objetivo proposto, trabalhou-se no enfoque da área de Matemática, no componente curricular de Matemática, nos conteúdos de Álgebra para os anos finais do Ensino Fundamental.

Para análise dos resultados, esta pesquisa pautou-se na Análise de Conteúdo de Bardin (2011), definida como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN, 2011, p.47).

A análise de conteúdo foi realizada a partir das etapas propostas por Bardin (2011): a pré-análise, a exploração do material ou codificação e o tratamento dos resultados, que consiste na inferência e interpretação. Essas etapas foram seguidas a fim de evidenciar as orientações para o ensino de Álgebra presente nos dois documentos analisados. Nesse caso, as comunicações são expressões escritas nesses documentos que sugerem interpretação.

Ensino de álgebra: Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram diretrizes elaboradas pelo Governo Federal com a finalidade de orientar os educadores a respeito dos elementos considerados relevantes para cada um dos componentes curriculares integrantes da Educação Básica (BRASIL, 1997). Elaborados em 1997, há mais de vinte anos, esses parâmetros ainda representam relevantes orientações à prática docente.

Os PCN afirmavam que a Matemática deveria desempenhar, de forma equilibrada e indissociável, “seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio dedutivo do aluno, na sua aplicação a problemas, situações da vida cotidiana” (BRASIL, 1997, p. 28).

Na ocasião da redação desse documento, com a organização escolar seriada, o Ensino Fundamental fora dividido em quatro ciclos, compreendendo as séries bianuais (1º Ciclo: 1ª e 2ª séries, 2º Ciclo: 3ª e 4ª séries, 3º Ciclo: 5ª e 6ª séries , 4º Ciclo: 7ª e 8ª séries). O documento esclarecia que a opção por esse agrupamento teve a finalidade de evitar uma excessiva fragmentação de objetivos e conteúdos, viabilizando uma abordagem menos parcelada dos conhecimentos (BRASIL, 1997).

Além disso, com relação aos conteúdos matemáticos, os PCN (BRASIL, 1997) indicavam que os currículos para o Ensino Fundamental deviam contemplar: o estudo dos números e da operações (no campo da Aritmética e da Álgebra), o estudo do espaço e das formas (no campo da Geometria) e o estudo das grandezas e das medidas (que permite interligações entre os campos da Aritmética, da Álgebra, e da Geometria e de outros campos do conhecimento) (BRASIL, 1997).

Além desses conteúdos, era necessário acrescentar aqueles que permitiam ao cidadão tratar as informações do dia-a-dia, o que constituía um quarto bloco denominado Tratamento da Informação.

Como a finalidade é de analisar as orientações relativas ao ensino de Álgebra, é preciso se aprofundar no bloco Números e Operações, o qual permeia pelos conteúdos algébricos. Com relação a Álgebra, os PCN destacavam que seu estudo constituía “um espaço bastante significativo para que o aluno desenvolva e exercite sua capacidade de abstração e generalização, além de lhe possibilitar a aquisição de uma poderosa ferramenta para resolver problemas” (BRASIL, 1997, p.115).

Segundo o documento, existe um razoável consenso de que o desenvolvimento do pensamento algébrico se dá pelo engajamento de atividades que inter-relacionam as diferentes concepções da Álgebra e as diferentes funções das letras. O quadro a seguir, extraído do próprio documento, sintetiza essa ideia:

Fonte: PCN (BRASIL, 1997, p.116)

FIGURA 2: Dimensões da Álgebra conforme os PCN 

A partir dessas dimensões, os PCN destacam que para os Anos Finais do Ensino Fundamental (3º e 4º Ciclo), especificamente para o primeiro ano do 3º Ciclo (equivalente ao atual 6º ano), existia uma forte tendência da prática docente de realizar revisões de conteúdos estudados nos anos anteriores, devido ao baixo domínio de conhecimentos por parte dos alunos. O próprio documento afirmava que essa retomada de conteúdos ocorria de forma esquemática e infindável, o que provocava desinteresse nos alunos, e tornava o primeiro ano deste ciclo um ano desperdiçado (BRASIL, 1997).

Para o ano seguinte (7º ano), os novos conteúdos a serem explorados pelos alunos criavam uma expectativa de que estes estivessem mais interessados. Os PCN afirmavam que nessa fase de desenvolvimento dos alunos, ampliam-se as capacidades de estabelecer inferências e conexões lógicas para tomada de decisões e abstração de significados de maior complexidade. Portanto, era fundamental alinhar as metodologias de ensino com essas habilidades e competências a fim de facilitar a aprendizagem sem comprometer o gosto pela Matemática (BRASIL, 1997).

Além disso, era imprescindível dar continuidade no processo de consolidação dos conhecimentos que esses alunos traziam consigo. Os PCN sugeriam um diagnóstico cujo objetivo era identificar o domínio de cada aluno sobre diferentes conteúdos, verificando possibilidades e dificuldades diante da aprendizagem dos mesmos. Era necessário que o professor soubesse conduzir o espírito questionador que estimula os alunos na construção de seu próprio conhecimento, utilizando-se de situações-problemas conectados a realidade e a investigação científica. Assim, os alunos poderiam identificar os conhecimentos matemáticos como ferramentas necessárias na compreensão do mundo (BRASIL, 1997).

De acordo com os PCN, o trabalho matemático neste ciclo precisava estar ancorado nas relações de confiança entre o professor e os alunos e entre os próprios alunos, a fim de que estes desenvolvessem sua própria capacidade de construir conhecimentos matemáticos, interagindo cooperativa e respeitosamente com seus pares na busca de soluções (BRASIL, 1997).

Para o quarto e último ciclo do Ensino Fundamental, os PCN recomendavam que a aprendizagem da Matemática estivesse “ancorada em contextos sociais que mostrem claramente as relações existentes entre conhecimento matemático e trabalho”, considerando a preocupação dos alunos deste ciclo com a continuidade de seus estudos e sua inserção no mercado de trabalho (BRASIL, 1997, p.79).

Nesse ponto, o ensino da Matemática precisava ir além do caráter técnico, assumindo o caráter especulativo que reside no campo das indagações do intelecto humano, pois isso promovia interesse e motivação nos alunos. Seja através da Investigação Matemática ou da História da Matemática, o objetivo era permitir reflexões e construção do conhecimento (BRASIL, 1997).

Segundo os PCN, os alunos do 4º Ciclo vivem uma fase de ampliação de percepções, independência e autonomia. Essas novas características permitem aos alunos evidenciar a importância e significado dos conhecimentos matemáticos, promovendo neles um sentimento de competência. Nesse momento, era preciso “mostrar aos alunos que a Matemática é parte do saber científico e que tem papel central na cultura moderna” (BRASIL, 1997, p.80).

Contudo, os PCN afirmavam que tradicionalmente no 4º Ciclo a ênfase do trabalho docente recaía sobre o estudo de conteúdos algébricos de forma mecânica, distante da realidade, levando os alunos a esquecer quase tudo que aprenderam antes, sem relacionar os conteúdos já estudados aos que lhe estão sendo propostos. Com essa situação, desperdiçam-se as qualidades que estes alunos estavam desenvolvendo: a observação rica em detalhes, o pensamento abstrato e o poder de argumentação (BRASIL, 1997). O quadro 1 apresenta os objetivos para o ensino de Álgebra:

QUADRO 1: Os objetivos propostos no ensino de Álgebra 

3º Ciclo 4º Ciclo
● Reconhecer que representações algébricas permitem expressar generalizações sobre propriedades das operações aritméticas, traduzir situações-problema e favorecer as possíveis soluções; ● Produzir e interpretar diferentes escritas algébricas, expressões, igualdades e desigualdades, identificando as equações, inequações e sistemas;
● Traduzir informações contidas em tabelas e gráficos em linguagem algébrica e vice-versa, generalizando regularidades e identificar os significados das letras; ● Resolver situações-problema por meio de equações e inequações do primeiro grau, compreendendo os procedimentos envolvidos;
● Utilizar os conhecimentos sobre as operações numéricas e suas propriedades para construir estratégias de cálculo algébrico. ● Observar regularidades e estabelecer leis matemáticas que expressem a relação de dependência entre variáveis.

Fonte: Brasil (1997, p. 64; p. 81).

Os PCN indicavam como conteúdos propostos para o 3º Ciclo “o uso de símbolos e da linguagem matemática para representar números” podendo ser estudados do ponto de vista histórico e prático. A proposta era que se propiciasse condições de perceber as múltiplas representações dos números e suas relações. Além disso, ao se trabalhar com números era fundamental explicar as relações funcionais existentes nas sequências numéricas, levando os alunos a generalizações e a compreensão da natureza das representações algébricas. Essas generalizações permitiriam as primeiras noções de álgebra (BRASIL, 1997).

De acordo com os PCN, devido à complexidade dos conceitos e procedimentos algébricos, não havia exigência para este ciclo que os conhecimentos fossem aprofundados às expressões algébricas e equações. Contudo, o objetivo era que os alunos compreendessem a noção de variável e reconhecessem a “expressão algébrica como uma forma de traduzir a relação existente entre a variação de duas grandezas” (BRASIL, 1997, p.68).

Para isso, os PCN orientavam a exploração de situações-problemas que envolvessem essa relação, confrontando os alunos com equações e os permitindo interpretar o conceito de incógnita por meio da construção de procedimentos diversos e não apenas através das técnicas convencionais, as quais serão construídas no ciclo posterior (BRASIL, 1997).

Apesar da consolidação dos números e de suas operações, os PCN salientavam que no 4º Ciclo não se poderia haver um abandono da Aritmética, como tradicionalmente ocorria, priorizando a aplicação de conteúdos algébricos. Dessa forma, era orientado no documento que os professores propusessem aos alunos atividades de análise, interpretação, formulação e resolução de situações-problemas, contemplando os números naturais, inteiros e racionais, valorizando tanto as resoluções aritméticas como as algébricas. Além disso, era fundamental ampliar e aprofundar a noção de número, colocando os alunos diante de situações em que percebessem a insuficiência dos números racionais, tornando necessária a consideração dos números irracionais (BRASIL, 1997).

A Álgebra para o 4º Ciclo tinha como ponto de partida a “pré-álgebra” que fora desenvolvida no ciclo anterior, e os PCN recomendavam que as noções algébricas deveriam ser “exploradas por meio de jogos, generalizações e representações matemáticas [...], e não por procedimentos puramente mecânicos, para lidar com as expressões e equações” (BRASIL, 1997, p.84).

O ensino de Álgebra deveria permitir ao aluno dar significado à linguagem e às ideias matemáticas. Diante disso, era fundamental a compreensão de conceitos, como o de variável e o de função; a representação de fenômenos algébrica e graficamente; a formulação e resolução de problemas por equações e o conhecimento da sintaxe de uma equação. Para isso, os PCN sugeriam o uso de recursos tecnológicos (BRASIL, 1997).

Além disso, o trabalho com a Álgebra deveria ser expandido de modo que envolvesse as noções e conceitos com os demais blocos, permitindo que os alunos percebessem essas conexões. Os PCN citam o exemplo da Proporcionalidade, a qual aparece na resolução de problemas multiplicativos, na porcentagem, na semelhança de figuras, na matemática financeira, na análise de tabelas, gráficos e funções (BRASIL, 1997).

Os PCN ficaram vigentes como diretrizes educacionais até a formulação da Base Nacional Comum Curricular, a qual tem sua origem relacionada a Lei n.13.005 de 25 de junho de 2014, a qual regulamenta o Plano Nacional de Educação (PNE), que será discutido a seguir.

Base Nacional Comum Curricular - BNCC

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), “é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”. (BRASIL, 2017, p.5). O objetivo desse documento é direcionar a educação brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (BRASIL, 2017).

A origem desse documento normativo está relacionada primeiramente a Lei 9.394 de 1996 que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual em seu Artigo 26 regulamenta uma base nacional comum curricular à Educação Básica no Brasil (BRASIL, 1996). Na Lei 13.005 de 25 de junho de 2014, que trata do Plano Nacional de Educação (PNE) com vigência de 10 anos, foi reiterada essa necessidade, e dentre as vinte metas que visavam a melhoria da qualidade da Educação Básica, quatro delas discutiam sobre a importância de uma base nacional comum de currículos (BRASIL, 2014).

Após revisões e três redações, em abril de 2017, o Ministério da Educação entregou a versão final da BNCC para apreciação do Conselho Nacional de Educação (CNE), e a mesma foi homologada em 20 de dezembro de 2017, pelo então ministro da Educação, Mendonça Filho (BRASIL, 2017).

A partir daí, muitos educadores e pesquisadores da área vem estudando e analisando o documento, com o objetivo de compreender sua implementação e seus impactos na educação básica brasileira, no que tange ao Ensino Fundamental, visto que a BNCC do Ensino Médio foi homologada em documento posterior, em 14 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2017).

De acordo com o próprio documento, os fundamentos pedagógicos que nortearam sua construção objetivavam o desenvolvimento de competências, atendendo a demanda social das últimas décadas.

Segundo a BNCC, ao longo da Educação Básica - Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio - os alunos devem desenvolver competências que assegurem uma formação humana integral para a construção de uma sociedade justa democrática e inclusiva (BRSIL, 2017). Com isso, o Ensino Fundamental está organizado em cinco áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Religioso. Dentro de cada área de conhecimento, tem-se os componentes curriculares, que no caso da área de Matemática, o componente é a própria disciplina de matemática. Esse componente curricular, visando o desenvolvimento de competências específicas, apresenta um conjunto de habilidades que deverão ser exploradas.

Portanto, a BNCC apresenta os diversos campos que compõem a disciplina de Matemática, reunidos sob um conjunto de aspectos fundamentais articulados entre si: equivalência, ordem, proporcionalidade, interdependência, representação, variação e aproximação. A partir disso, o documento estabelece cinco unidades temáticas, dentro da disciplina, para o Ensino Fundamental: Números, Álgebra, Geometria, Grandezas e Medidas, e Probabilidade e Estatística (BRASIL, 2017).

A BNCC enfatiza que a Matemática no Ensino Fundamental tem por objetivo o compromisso com o desenvolvimento do letramento matemático, definido como “as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente” (BRASIL, 2017, p. 266). Portanto, no Ensino Fundamental, por meio da articulação de seus diversos campos, a Matemática precisa garantir que os estudantes relacionem observações empíricas com representações, fazendo induções e conjecturas (BRASIL, 2017).

A BNCC destaca que essas habilidades podem ser trabalhadas através da resolução de problemas, da investigação matemática, do desenvolvimento de projetos e da modelagem matemática, constituindo objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo do Ensino Fundamental. Esses objetos contribuem na formação do letramento matemático e do pensamento computacional (BRASIL, 2017).

De acordo com o documento, o currículo de Matemática deve garantir o desenvolvimento de competências específicas para o Ensino Fundamental, conforme exposto abaixo:

QUADRO 2: Competências específicas de matemática para o Ensino Fundamental 

● Reconhecer que a Matemática é uma ciência humana, fruto das necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, e é uma ciência viva, que contribui para solucionar problemas científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas e construções, inclusive com impactos no mundo do trabalho.
● Desenvolver o raciocínio lógico, o espírito de investigação e a capacidade de produzir argumentos convincentes, recorrendo aos conhecimentos matemáticos para compreender e atuar no mundo.
● Compreender as relações entre conceitos e procedimentos dos diferentes campos da Matemática (Aritmética, Álgebra, Geometria, Estatística e Probabilidade) e de outras áreas do conhecimento, sentindo segurança quanto à própria capacidade de construir e aplicar conhecimentos matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseverança na busca de soluções.
● Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos presentes nas práticas sociais e culturais, de modo a investigar, organizar, representar e comunicar informações relevantes, para interpretá-las e avaliá-las crítica e eticamente, produzindo argumentos convincentes.
● Utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias digitais disponíveis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras áreas de conhecimento, validando estratégias e resultados.
● Enfrentar situações-problema em múltiplos contextos, incluindo-se situações imaginadas, não diretamente relacionadas com o aspecto prático-utilitário, expressar suas respostas e sintetizar conclusões, utilizando diferentes registros e linguagens (gráficos, tabelas, esquemas, além de texto escrito na língua materna e outras linguagens para descrever algoritmos, como fluxogramas, e dados).
● Desenvolver e/ou discutir projetos que abordem, sobretudo, questões de urgência social, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários, valorizando a diversidade de opiniões de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza.
● Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente no planejamento e desenvolvimento de pesquisas para responder a questionamentos e na busca de soluções para problemas, de modo a identificar aspectos consensuais ou não na discussão de uma determinada questão, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles.

Fonte: Brasil (2017, p.267).

Assim, a unidade de Álgebra tem objetivo de desenvolver o pensamento algébrico e suas ideias fundamentais: equivalência, variação, interdependência e proporcionalidade. Em síntese, deve-se enfatizar o desenvolvimento da linguagem algébrica, o estabelecimento de generalizações, análise da interdependência entre grandezas distintas, bem como a resolução de problemas com equações ou inequações (BRASIL, 2017).

A BNCC salienta que algumas dimensões da Álgebra podem ser trabalhadas desde os anos iniciais do Ensino Fundamental, como ideias de regularidades, generalizações de padrões e as propriedades da igualdade, sem fazer uso de letras para essas identificações. Conforme o quadro 3 abaixo, essas ideias iniciais serão reforçadas no sexto ano do Ensino Fundamental, abordadas de maneira mais formal. Isso demonstra a estreita relação entre a unidade de Álgebra com a de Números (BRASIL, 2017).

QUADRO 3: Álgebra para o 6º ano do Ensino Fundamental. 

Objetos de Conhecimento Habilidades
Propriedades da igualdade (EF06MA14) Reconhecer que a relação de igualdade matemática não se altera ao adicionar, subtrair, multiplicar ou dividir os seus dois membros por um mesmo número e utilizar essa noção para determinar valores desconhecidos na resolução de problemas.
Problemas que tratam da partição de um todo em duas partes desiguais, envolvendo razões entre as partes e entre uma das partes e o todo (EF06MA15) Resolver e elaborar problemas que envolvam a partilha de uma quantidade em duas partes desiguais, envolvendo relações aditivas e multiplicativas, bem como a razão entre as partes e entre uma das partes e o todo.

Fonte: BNCC (BRASIL, 2017, p. 303).

Portanto, é previsto na BNCC que para os alunos do sexto ano sejam trabalhadas as propriedades da igualdade e os problemas de partição, vistos como os conteúdos que formalizam o processo de desenvolvimento do pensamento algébrico, cujas primeiras noções podem ser trabalhadas desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Para o sétimo ano do Ensino Fundamental, a expectativa é que esse pensamento se expanda, e o uso de letras em expressões algébricas compreenda a ideia de variável. Para isso, a BNCC destaca a importância da linguagem algébrica, a qual permite traduzir uma determinada situação em equações, tabelas e gráficos (BRASIL, 2017). No quadro 4 abaixo, tem-se os objetos de conhecimento que devem ser trabalhados no sétimo ano do Ensino Fundamental, os quais partem da linguagem algébrica, permeiam pela equivalência de expressões algébricas, problemas envolvendo grandezas diretamente e inversamente proporcionais, até as equações polinomiais do 1º grau.

QUADRO 4: Álgebra para o 7º ano do Ensino Fundamental. 

Objetos de Conhecimento Habilidades
Linguagem algébrica: variável e incógnita (EF07MA13) Compreender a ideia de variável, representada por letra ou símbolo, para expressar relação entre duas grandezas, diferenciando-a da ideia de incógnita.
(EF07MA14) Classificar sequências em recursivas e não recursivas, reconhecendo que o conceito de recursão está presente não apenas na matemática, mas também nas artes e na literatura.
(EF07MA15) Utilizar a simbologia algébrica para expressar regularidades encontradas em sequências numéricas.
Equivalência de expressões algébricas: identificação da regularidade de uma sequência numérica (EF07MA16) Reconhecer se, duas expressões algébricas obtidas para descrever a regularidade de uma mesma sequência numérica são ou não equivalentes.
Problemas envolvendo grandezas diretamente proporcionais e grandezas inversamente proporcionais (EF07MA17) Resolver e elaborar problemas que envolvam variação de proporcionalidade direta e de proporcionalidade inversa entre duas grandezas, utilizando sentença algébrica para expressar a relação entre elas.
Equações polinomiais do 1º grau (EF07MA18) Resolver e elaborar problemas que possam ser representados por equações polinomiais de 1º grau, redutíveis à forma ax + b = c, fazendo uso das propriedades da igualdade.

Fonte: BNCC (BRASIL, 2017, p. 307).

A expectativa é que os alunos consigam identificar regularidades e padrões em sequências numéricas e não numéricas, além de estabelecer leis matemáticas que expressem a relação entre diferentes grandezas, bem como criar, interpretar e transitar por meio das diversas representações gráficas e simbólicas, com a finalidade de resolver problemas (BRASIL, 2017).

As habilidades previstas para os anos finais do Ensino Fundamental devem considerar as experiências e os conhecimentos matemáticos já produzidos pelos alunos, buscando utilizar situações que os levem a observações sistemáticas dos aspectos quantitativos e qualitativos da realidade, tecendo relações entre eles e desenvolvendo ideias mais complexas (BRASIL, 2017).

Outro aspecto salientado na BNCC é a contribuição da aprendizagem da Álgebra no desenvolvimento do pensamento computacional. A linguagem algébrica permite traduzir uma situação dada em outras linguagens, em fórmulas, tabelas e gráficos e vice-versa. Essa competência associada ao pensamento computacional, possibilita a aprendizagem dos algoritmos e seus fluxogramas, constituindo-se em objetos de estudo nas aulas de Matemática (BRASIL, 2017).

O quadro 5 apresenta os objetos e habilidades a serem desenvolvidos no oitavo ano do Ensino Fundamental. Percebe-se a linearidade em que os conteúdos estão propostos, o que evidencia a importância dada ao desenvolvimento do pensamento algébrico. A linguagem algébrica também continua sendo objeto de ensino.

QUADRO 5: Álgebra para o 8º ano do Ensino Fundamental. 

Objetos de Conhecimento Habilidades
Valor numérico de expressões algébricas (EF08MA06) Resolver e elaborar problemas que envolvam cálculo do valor numérico de expressões algébricas, utilizando as propriedades das operações.
Associação de uma equação linear de 1º grau a uma reta no plano cartesiano (EF08MA07) Associar uma equação linear de 1º grau com duas incógnitas a uma reta no plano cartesiano.
Sistema de equações polinomiais de 1º grau: resolução algébrica e representação no plano cartesiano (EF08MA08) Resolver e elaborar problemas relacionados ao seu contexto próximo, que possam ser representados por sistemas de equações de 1º grau com duas incógnitas e interpretá-los, utilizando, inclusive, o plano cartesiano como recurso.
Equação polinomial de 2º grau do tipo ax2 = b (EF08MA09) Resolver e elaborar, com e sem uso de tecnologias, problemas que possam ser representados por equações polinomiais de 2º grau do tipo ax2 = b.
Sequências recursivas e não recursivas (EF08MA10) Identificar a regularidade de uma sequência numérica ou figural não recursiva e construir um algoritmo por meio de um fluxograma que permita indicar os números ou as figuras seguintes.
(EF08MA11) Identificar a regularidade de uma sequência numérica recursiva e construir um algoritmo por meio de um fluxograma que permita indicar os números seguintes.
Variação de grandezas: diretamente proporcionais, inversamente proporcionais ou não proporcionais (EF08MA12) Identificar a natureza da variação de duas grandezas, diretamente, inversamente proporcionais ou não proporcionais, expressando a relação existente por meio de sentença algébrica e representá-la no plano cartesiano.
(EF08MA13) Resolver e elaborar problemas que envolvam grandezas diretamente ou inversamente proporcionais, por meio de estratégias variadas.

Fonte: BNCC (BRASIL, 2017, p. 313).

Portanto, deve-se destacar “a importância da comunicação em linguagem matemática com o uso da linguagem simbólica, da representação e da argumentação” (BRASIL, 2017, p.298). Para isso, recomenda-se o uso de diferentes recursos didáticos e materiais, além de planilhas eletrônicas e softwares. A História da Matemática também é indicada pois pode despertar interesse e contextualizar significativamente o aprendizado (BRASIL, 2017).

Para o último ano do Ensino Fundamental, o ensino de Álgebra deve retomar, aprofundar e ampliar o que fora estudado nos anos anteriores. Objetiva-se, nessa fase, que os alunos possam

[...] compreender os diferentes significados das variáveis numéricas em uma expressão, estabelecer uma generalização de uma propriedade, investigar a regularidade de uma sequência numérica, indicar um valor desconhecido em uma sentença algébrica e estabelecer a variação entre duas grandezas. É necessário, portanto, que os alunos estabeleçam conexões entre variável e função e entre incógnita e equação (BRASIL, 2017, p.271).

Para isso, os conteúdos a serem trabalhados no nono ano são funções, razão entre grandezas de espécies diferentes (diretamente e inversamente proporcionais), fatoração de expressões algébricas e resolução de problemas de equações polinomiais do 2º grau. No quadro 6 abaixo tem-se as habilidades que devem ser exploradas nos alunos ao longo do ano.

QUADRO 6: Álgebra para o 9º ano do Ensino Fundamental. 

Objetos de Conhecimento Habilidades
Funções: representações numérica, algébrica e gráfica (EF09MA06) Compreender as funções como relações de dependência unívoca entre duas variáveis e suas representações numérica, algébrica e gráfica e utilizar esse conceito para analisar situações que envolvam relações funcionais entre duas variáveis.
Razão entre grandezas de espécies diferentes (EF09MA07) Resolver problemas que envolvam a razão entre duas grandezas de espécies diferentes, como velocidade e densidade demográfica.
Grandezas diretamente proporcionais e grandezas inversamente proporcionais (EF09MA08) Resolver e elaborar problemas que envolvam relações de proporcionalidade direta e inversa entre duas ou mais grandezas, inclusive escalas, divisão em partes proporcionais e taxa de variação, em contextos socioculturais, ambientais e de outras áreas.
Expressões algébricas: fatoração e produtos notáveis Resolução de equações polinomiais do 2º grau por meio de fatorações (EF09MA09) Compreender os processos de fatoração de expressões algébricas, com base em suas relações com os produtos notáveis, para resolver e elaborar problemas que possam ser representados por equações polinomiais do 2º grau.

Fonte: BNCC (BRASIL, 2017, p. 317).

Nessa fase final do Ensino Fundamental, “é importante iniciar os alunos, gradativamente, na compreensão, análise e avaliação da argumentação matemática”, pois isso desenvolve o senso crítico em relação a essa argumentação, e pode ser trabalhada por meio de leitura de textos matemáticos (BRASIL, 2017, p.299).

Contudo, a BNCC adverte que é preciso conciliar esse contexto significativo de aprendizagem com momentos de desenvolvimento da capacidade de abstrair, apreender relações e significados, para aplicá-los a outros contextos. Para contribuir nesse processo de abstração, pode-se valer das diversas habilidades relativas à resolução de problemas, nesse caso, a elaboração de problemas por parte dos alunos (BRASIL, 2017).

De modo geral, a BNCC visa superar a fragmentação disciplinar do conhecimento, estimulando sua aplicação na vida real, atribuindo sentido ao que se aprende, bem como o protagonismos dos estudantes em suas aprendizagens (BRASIL, 2017). Desta forma, a BNCC enfatiza a importância da interdisciplinaridade, a contextualização do saber, o ensino para formação integral do cidadão, e a autonomia do aluno quanto à sua aprendizagem.

Resultados e discussões

A partir das análises realizadas e de acordo com o objetivo proposto neste artigo, o quadro abaixo apresenta os resultados obtidos na comparação dos dois documentos, sob alguns aspectos.

QUADRO 7: Comparativo dos PCN e BNCC 

PCN BNCC
Quanto ao bloco temático Números e Operações Álgebra
Quanto à finalidade Desenvolver e exercitar a capacidade de abstração e generalização para resolução de problemas Desenvolver o pensamento algébrico
Quanto às noções fundamentais Generalização; Linguagem algébrica; Relação entre duas grandezas. Equivalência; variação; interdependência; proporcionalidade.
Quanto ao início dos estudos A partir do 7º ano do Ensino Fundamental Desde os anos iniciais

Fonte: elaborado pelo autor.

O primeiro aspecto analisado refere-se à evidência dada aos conteúdos algébricos nos documentos. Percebe-se, portanto, uma significativa alteração dos PCN à BNCC, tendo em vista que, no primeiro, os conteúdos algébrico pertenciam ao bloco Números e Operações, ainda muito envolvido com a Aritmética, e no segundo, formam um bloco exclusivo, intitulado de Álgebra. Essa primeira mudança retrata a importância da Álgebra conjuntamente com os demais blocos que compõe a Matemática.

Outro item analisado foi quanto à finalidade do ensino de Álgebra para os anos finais do Ensino Fundamental. Nesse aspecto, a priori, percebe-se uma mudança de objetivos, a qual visava o desenvolvimento da capacidade de abstração e generalização para resolução de problemas nos PCN, passando a priorizar o desenvolvimento do pensamento algébrico na BNCC.

Apesar dos PCN mencionarem o desenvolvimento do pensamento algébrico, este não representava o objetivo principal da Álgebra, fortalecendo a tendência de orientar a Álgebra como sendo unicamente uma Aritmética Generalizada, que segundo Usiskin (2003), dentro dessa concepção, o foco da aprendizagem está em atividades de traduzir e generalizar.

Contudo, o ponto que se destaca é que, ao aprofundar-se no conteúdo da BNCC, identifica-se que o ensino de Álgebra visa o desenvolvimento da linguagem algébrica, o estabelecimento de generalizações, análise da interdependência entre grandezas distintas, bem como a resolução de problemas com equações ou inequações. Ou seja, a alteração quanto à finalidade ocorreu no campo superficial do documento, pois, na raiz do objetivo, a essência é a mesma.

Quanto às noções fundamentais a serem desenvolvidas, os documentos apresentam estreita relação, apesar de expressarem em seus textos de maneira diferente. Os PCN orientavam para a generalização das operações aritméticas, tradução de problemas, tabelas e gráficos para a linguagem algébrica dando significado às letras e o exercício do cálculo algébrico, enquanto, a BNCC propõe a formalização das noções de regularidade, generalização de padrões e propriedades da igualdade, compreensão da ideia de variável, estabelecimento de leis matemáticas por meio da linguagem algébrica, transitando entre as diferentes linguagens.

Ainda sobre as noções fundamentais a serem desenvolvidas, é pertinente destacar, que a BNCC ressalta a importância de associar a linguagem algébrica com o desenvolvimento do pensamento computacional, possibilitando a aprendizagem de algoritmos. Isso faz sentido ao considerarmos a sociedade tecnológica como sujeitos do processo educacional, a qual ainda era tímida na publicação dos PCN.

Com relação ao início dos estudos algébricos, os PCN e a BNCC divergem quanto à maturidade dos alunos em que as primeiras noções devem ser trabalhadas. Segundo os PCN, estas deveriam ser inseridas a partir do 7º ano do Ensino Fundamental, considerando a capacidade de conexões lógicas e de abstração que os alunos passariam a ter nessa fase. Percebe-se, portanto, uma estreita relação às ideias piagetianas quanto as fases de desenvolvimento cognitivo da criança (PIAGET, 1971). Pois, há uma tendência a priorizar a introdução dos estudos de álgebra apenas no período das operações formais que se caracteriza pela transformação dos esquemas cognitivos, operados concretamente em esquemas baseados na realidade imaginada. Bock et al (1993) referem que neste período o sujeito passa a dominar, progressivamente, a capacidade de abstrair e generalizar. Essa base teórica aparece de modo claro na perspectiva adotada nos PCN.

Já para a BNCC, as orientações sugerem que as primeiras noções algébricas podem ser trabalhadas desde os anos iniciais do Ensino Fundamental, por meio da observação de regularidades, generalizações de padrões e algumas propriedades da igualdade. Essas orientações coincidem com as ideias de Zabala (1998), quando considera outras formas de vincular os diferentes conteúdos de aprendizagem, pois refere que, ao longo da história, os conhecimentos foram alocados em disciplinas, em uma lógica da organização curricular linear e em níveis de complexidade progressivos. Nesse sentido, a BNCC apresenta uma abordagem mais flexível quanto ao desenvolvimento do pensamento algébrico com crianças desde os anos iniciais.

Conclusão

Conforme já mencionado, o ensino de Álgebra sofreu ao longo do tempo diversas modificações acerca de seu papel e finalidade nos currículos da Educação Básica no Brasil. Essas transformações são pertinentes quando analisadas a partir do sujeito final que irá receber todo esse ensino, no caso, os alunos. É visto que, os estudantes do século XXI não são os mesmos de quando da publicação dos PCN, e, portanto, são válidas as reflexões e modificações, quando necessárias, nos documentos que regem a Educação Básica com vistas a garantir e viabilizar o ensino como um todo.

Com a publicação da Base Nacional Comum Curricular que substituindo as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o objetivo deste trabalho foi realizar uma análise histórica das orientações para o ensino de Álgebra nos anos finais do Ensino Fundamental nos dois documentos.

Primeiramente, percebeu-se que a Álgebra conforme era proposta nos PCN estava muito enraizada na Aritmética, e, portanto, trabalhada na perspectiva da aritmética generalizada, não transpassando para suas outras dimensões: funcional, equações e estrutural. Sua finalidade se concentrava na resolução de problemas por meio de uma sequência de cálculos algébricos, destacando o caráter tecnicista das operações.

Além disso, o ensino de Álgebra era proposto somente nos anos finais do Ensino Fundamental. O documento salienta que no primeiro ano do terceiro ciclo, equivalente ao atual sexto ano, era tido como um ano desperdiçado, de um lado porque era preciso revisar conteúdos dos anos anteriores e por outro porque os alunos ainda não tinham a maturidade necessária para o trabalho com novos conteúdos. Evidencia-se, portanto, que o documento estava estruturado conforme os estágios de desenvolvimento cognitivo de Piaget. Observa-se, portanto, que a prática docente nesses moldes não trazia significado para a aprendizagem do aluno e, que ao contrário, promovia nos estudantes uma repulsa quanto ao estudo da Matemática.

Já a BNCC, considerando a sociedade tecnológica como sujeitos do ensino e orientada para o desenvolvimento de competências e habilidades, propiciou a Álgebra o destaque devido, ampliando seu compromisso com o desenvolvimento do pensamento e da linguagem algébrica, contribuindo com o desenvolvimento do pensamento computacional e argumentação matemática.

Seu enfoque no desenvolvimento de competências já têm sido a orientação para a maioria dos Estados e Municípios brasileiros e diversos países, bem como para as avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com a indicação de que os alunos devem “saber” e “saber fazer”, a BNCC busca superar as fragmentações do conhecimento, e estimular à sua aplicação na vida real, por meio da contextualização e do ambiente cultural para o qual o currículo se aplica. Nessa perspectiva, o caráter tecnicista das operações algébricas não fazem sentido, e por isso, a necessidade da reflexão e discussão na formação de professores.

Além disso, a diretriz é que a Álgebra passe a ser explorada desde os anos iniciais do Ensino Fundamental, conciliando esse contexto significativo de aprendizagem com o exercício da abstração. Ao longo do documento, desde o primeiro ano do Ensino Fundamental, tem-se objetos de conhecimento e habilidades acerca da Álgebra que devem ser trabalhadas. Isso reforça a importância de a formação de professores reconhecer essa nova diretriz, que está pautada na nova sociedade, e buscar novas metodologias e abordagens que venham a contribuir com o processo de ensino.

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Recebido: 01 de Novembro de 2019; Aceito: 01 de Fevereiro de 2020

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