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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.27 no.spe Uberlândia dez. 2020  Epub 29-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v27nea2020-2 

Artigos

Percepção de pessoas idosas sobre o seu corpo1

Elderly people perception about their own body

Percepción de las personas mayores sobre su cuerpo

2Doutora em Educação. Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal. Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores da Universidade de Aveiro, Portugal. Núcleo de Investigação em Educação, Formação e Intervenção da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal. acfrias@esec.pt.

3Doutora em Educação. Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal. Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores da Universidade de Aveiro, Portugal. Núcleo de Investigação em Educação, Formação e Intervenção da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal. filomena@esec.pt.

4Doutora em Gerontologia. Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Bragança, Portugal. eerodrigues@ipb.pt.


RESUMO

Portugal é um dos países da União Europeia que possui maior percentagem de população com idade igual ou superior a 65 anos - 21,1% em 2017 (SAKELLARIDES, 2019), sendo o índice de envelhecimento de 159,4 pessoas idosas por cada 100 jovens (INE, 2019). Tal realidade comporta, necessariamente, implicações e desafios a que importa atender na edificação de uma sociedade democrática, justa e promotora do fortalecimento das pessoas de todas as idades (LIMA, 2016). O envelhecimento, enquanto processo inerente à vida do ser humano é experienciado de forma diferente pelos indivíduos, em função de múltiplas dimensões, com impacto no corpo e na aparência (BLESSMANN, 2004). Nesse sentido, considerando o paradigma do envelhecimento ativo - enquanto processo de otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, e de promoção da melhoria da qualidade de vida durante o envelhecimento (OMS, 2005) bem como o do envelhecimento saudável (OMS, 2015) - enquanto processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional que permite o bem-estar em idade avançada, marcando a trajetória de saúde de cada indivíduo, considerou-se premente investigar a perceção de pessoas idosas sobre o seu corpo. Relata-se aqui um estudo de natureza exploratória, ainda em curso (enquadrado num estudo comparativo entre Portugal e Polónia), onde se inquiriram 19 pessoas com 60+ anos de idade a frequentar 2 Universidades Seniores do Norte de Portugal, a fim de dar resposta à questão «Como é que pessoas idosas que frequentam a universidade sénior veem o seu corpo?». Os principais resultados evidenciam: i) uma perceção de corpo enquanto ‘realidade biológica’; ii) que os/as participantes cuidam do seu corpo; iii) que as pessoas idosas, atualmente, têm ‘preocupação com a sua aparência’; iv) sendo ‘o enfoque atual na corporalidade um desafio para todos/as e não apenas para as pessoas idosas’.

Palavras-Chave: Saúde; Corpo; Aparência; Sexualidade; Envelhecimento

ABSTRACT

As one of the most aged populations in Europe (65 years old or more), Portugal with its 21.1% (SAKELLARIDES, 2019) is a country where there are 159.4 elders for every 100 young-old (INE, 2019). Such reality implies challenges that must be attended in order to promote a democratic society, straightening people of all ages (LIMA, 2016). Being a process inherent to human life, aging is experienced by each one in different forms, as it becomes visible through body and appearance (BLESSMANN, 2004). Considering the active aging paradigm as a process of opportunity optimization for health, participation and safety, and as a process of life quality improvement during aging (WHO, 2005), as well of healthy aging (WHO, 2015), we found it was imperious to inquire elderly about their body, keeping in mind the well-being of each individual as well keeping in score each health trajectory. We present an exploratory study, still in development (framed in a comparative study between Portugal and Poland): 19 individuals with 60 or more years old, attending at Senior Universities in North Portugal, were inquired about «how elderly, attending at senior university classes, see their bodies?». Main results showed: i) body perception as a ‘biological evidence’; ii) attendants take care of their bodies; iii) nowadays, elderly have concerns about their appearance; iv) modern focus on physicality is not only a challenge for elderly, but a general concern.

Keywords: Health; Body; Appearance; Sexuality; Aging

RESUMEN

Portugal es uno de los países de la Unión Europea que tiene el porcentaje más alto de población de 65 años o más: 21,1% en 2017 (SAKELLARIDES, 2019), con una tasa de envejecimiento de 159,4 ancianos por cada 100 jóvenes. (INE, 2019). Tal realidad necesariamente conlleva implicaciones y desafíos que deben ser abordados en la construcción de una sociedad democrática, justa que promueva el empoderamiento de personas de todas las edades (LIMA, 2016). El envejecimiento, como proceso inherente a la vida humana, es vivido de manera diferente por los individuos, debido a múltiples dimensiones, con impacto en el cuerpo y la apariencia (BLESSMANN, 2004). En este sentido, considerar el paradigma del envejecimiento activo - como un proceso de optimización de oportunidades de salud, participación y seguridad, y promover la mejora de la calidad de vida durante el envejecimiento (OMS, 2005) así como la del envejecimiento saludable (OMS, 2015) - como un proceso de desarrollo y mantenimiento de la capacidad funcional que permite el bienestar en la vejez, marcando la trayectoria de salud de cada individuo, se consideró urgente investigar la percepción de las personas mayores sobre su cuerpo. Presentamos aquí un estudio exploratorio, aún en curso (enmarcado en un estudio comparativo entre Portugal y Polonia), en el que se encuestaron 19 personas mayores de 60 años que asistían a 2 Universidades Senior en el Norte de Portugal para responder a la pregunta "¿Cómo ven tu cuerpo las personas mayores que asisten a la universidad?". Los principales resultados muestran: i) una percepción del cuerpo como una 'realidad biológica'; ii) que los participantes cuiden su cuerpo; iii) que las personas mayores de hoy están "preocupadas por su apariencia"; iv) ser "el enfoque actual de la corporalidad un desafío para todos y no solo para las personas mayores".

Palabras clave: Salud; Cuerpo; Apariencia; Sexualidad; Envejecimiento

Introdução

Viver mais tempo representa hoje uma oportunidade para a saúde, participação e segurança, tendo as pessoas idosas, cada vez mais, um papel relevante na promoção da sua saúde, na medida em que deixam de ser meras recetoras passivas de cuidados e/ou apoios sociais, passando a integrar o próprio progresso e desenvolvimento, na resposta às suas próprias necessidades (Quintela, 2016 inRIBEIRO e PAÚL, 2016). Enquanto fenómeno que é, o envelhecimento assume-se de facto como algo positivo, quer para os indivíduos, quer para as sociedades, sendo testemunha dos progressos realizados pela humanidade em termos económicos, sociais e biomédicos, na base dos quais se desenvolveram as políticas públicas de acesso generalizado da população aos cuidados de saúde. Não obstante o envelhecimento também acentua alguns riscos, correlativos da idade e da vulnerabilidade do estado de saúde; do isolamento social e da solidão propriamente dita; da dependência física e mental, e em alguns casos económica; e ainda, finalmente, da estigmatização (CABRAL, FERREIRA, SILVA, JERÓNIMO e MARQUES, 2013).

A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Comissão Europeia (CE) são algumas das entidades que têm vindo a promover iniciativas no sentido de alertar as sociedades para a complexa teia de questões que o envelhecimento traz e definir medidas que permitam agir sobre elas.

A Organização Mundial de Saúde refere o envelhecimento ativo como um processo que permite a “otimização das possibilidades de saúde, de participação e de segurança, a fim de aumentar a qualidade de vida durante a velhice” (OMS, 2005, p.12). Nesta definição a qualidade de vida é a tónica dominante e, ainda que as condições de saúde sejam realçadas, estão longe de contemplar apenas os aspetos médicos. O envelhecimento ativo não se restringe ao âmbito dos comportamentos promotores da saúde, tendo, também, em consideração os fatores ambientais e pessoais que interagem com as condições de saúde. As envolventes que enquadram o envelhecimento, como a família, a comunidade e a sociedade em que o processo ocorre, exercem um impacto enorme na forma como se envelhece (CABRAL, FERREIRA, SILVA, JERÓNIMO e MARQUES, 2013). De um ponto de vista mais abrangente, a abordagem do envelhecimento ativo reconhece a importância dos direitos humanos das pessoas idosas e dos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização estabelecidos pela ONU (RIBEIRO e PAÚL, 2016). Esta abordagem, tal como referem o autor e a autora, enfatiza e apoia a responsabilidade das pessoas mais velhas no exercício da sua participação em vários domínios do seu quotidiano, requerendo ações ao nível do que se consideram ser os três pilares fundamentais: a saúde, a segurança e a participação social.

Em 2015, a Organização Mundial de Saúde passa a referir o envelhecimento saudável como um processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional que permite o bem-estar na idade avançada. À luz deste entendimento nem a capacidade intrínseca, nem a capacidade funcional permanecem constantes na pessoa, ainda que ambas tendam a diminuir com o aumento da idade. Contudo são, essencialmente, as escolhas de vida ou as intervenções em diferentes momentos durante o seu decurso que irão determinar a trajetória de cada indivíduo (OMS, 2015).

A esta discussão junta-se também a dimensão do corpo e práticas de culto ao corpo, por representar atualmente uma preocupação que atravessa várias instâncias, classes sociais e faixas etárias, apoiada num discurso que valoriza a estética mas também a saúde (COUTINHO, TOMAZETI e ACOSTA, 2013). O corpo é ainda produto de discursos construídos sobre um objeto em movimento, inserido num contexto histórico-cultural que envolve tempo, espaço, relações sociais e género, confrontando discursos que, simultaneamente, colocam em debate a associação do real com o ideal (idem).

É no contexto desta problemática que discute corpo, saúde e envelhecimento, numa inter-relação dinâmica e complexa, que se insere este artigo, com o intuito de divulgar os primeiros resultados de uma investigação sobre perceção do corpo na pessoa idosa, realizada em 2 Universidades Seniores do Norte de Portugal.

Enquadramento teórico

Investigar sobre a perceção do corpo em pessoas idosas pressupõe, como defende Blessmann (2004), enfrentar múltiplas adversidades, desde logo relacionadas com a necessidade de conceptualizar com clareza os conceitos de corpo e de envelhecimento. Para a autora, no geral, quando questionadas sobre isso, “as pessoas não sabem definir corpo, porque não têm o hábito de o fazer, nem de o pensar” (p.35) e também têm dificuldade em apresentar uma clara definição de velhice ou do processo de envelhecimento, em virtude da sua heterogeneidade e complexidade, pois, o significado de velhice e envelhecimento para um/a, pode ser diferente do significado que outro/a lhe atribua.

O envelhecimento pode ser compreendido como uma alteração da capacidade adaptativa do organismo face às agressões a que está sujeito ao longo da vida (OLIVEIRA e PINTO, 2014). Corresponde também ao conjunto de modificações anatómicas e fisiológicas que surgem, inevitavelmente, com o decorrer dos anos, afetando todas as pessoas, ainda que se reconheça a heterogeneidade da população geriátrica e também o facto de que os diversos sistemas e órgãos envelheçam, em cada corpo, a ritmos diferentes, de acordo com a influência que nele exercem fatores genéticos e ambientais (BERNARDES e PINHEIRO, 2014). Do ponto de vista anatómico este autor e esta autora evidenciam algumas modificações corporais que marcam o envelhecimento, designadamente: i) estatura - após os 40 anos de idade observa-se uma diminuição gradual da altura, estimada em cerca de 1cm por década, muito em virtude da redução do arco plantar e das alterações dos discos intervertebrais que levam ao aumento da curvatura da coluna vertebral; ainda também aumento das dimensões do nariz, pavilhão auricular, tórax e crânio; ii) composição corporal - ocorrendo diminuição da massa óssea e decréscimo da percentagem de água corporal total; iii) alterações da pele - atrofia e fragilização cutânea, com a pele mais seca e surgindo rugas; iv) alterações da face - os grandes responsáveis pela senescência cutânea são a gravidade, a maturação dos tecidos moles, a remodelação do esqueleto, a atividade dos músculos da face e a exposição solar crónica; v) alterações no sistema músculo-esquelético - pela atrofia muscular generalizada e substituição de alguma massa muscular por tecido adiposo, conduzindo à perda do tónus e da força muscular; e também com alterações ao nível das articulações que se inflamam e deformam; vi) alterações anatómicas do sistema nervoso e órgãos dos sentidos - comprometendo a coordenação motora com diminuição da propriocepção e do equilíbrio; ainda a acuidade auditiva; a atrofia dos bolbos olfativos, a diminuição do apetite e perda ponderal; para além de alterações que ocorrem ao nível da cavidade oral, que interferem com a alimentação; vii) alterações pulmonares - compromete-se a expansão da cavidade torácica e abdominal devido a um conjunto de modificações que ocorrem a nível da caixa torácica e da coluna vertebral; verifica-se também uma diminuição do reflexo da tosse e aumento da suscetibilidade à infeção; viii) alterações cardiovasculares - havendo atrofia do músculo cardíaco, perda de elasticidade das artérias (arteriosclerose) e depósitos no seu interior anormais (aterosclerose); ix) gastrointestinais - havendo diminuição da secreção de ácido clorídrico, de enzimas digestivas e da saliva, podendo existir também diminuição da absorção alimentar, levando a deficiência de vitaminas ou mesmo a malnutrição; x) do aparelho genital masculino (aumento das dimensões da próstata com consequências variáveis) e feminino (com a atrofia de ovários, útero e vagina - na qual ocorre encurtamento, estreitamento e diminuição da lubrificação); xi) e do aparelho urinário - verificando-se um conjunto de alterações que aumentam o risco de incontinência e prolapso de órgãos pélvicos (BERNARDES e PINHEIRO, 2014).

A par desta perspetiva anatómica e biológica, importa analisar o envelhecimento não apenas confinado à velhice, uma vez que se desenvolve ao longo de todo o ciclo de vida (LIMA, 2016). Partindo desta perspetiva de curso de vida, em que envelhecer não se inicia num ponto específico, como por exemplo a idade legal da reforma (dependente das diferentes conjunturas económicas dos países que a projetem), mas sim a um processo que contempla, ao longo da vida, a história individual, que “se constrói progressivamente e se materializa em resultados profundamente heterogéneos e idiossincráticos” (RIBEIRO e PAÚL, 2016, p.2), a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs, em 2002, o conceito de envelhecimento ativo que consagra múltiplos fatores determinantes. Analisando este entendimento da OMS acerca do envelhecimento, Ribeiro e Paúl (2016, p.2), enunciam: os fatores de ordem pessoal (biológicos, genéticos, psicológicos); comportamental (estilos de vida saudável e participação ativa no cuidado da própria saúde); económicos (rendimentos, proteção social, oportunidades de trabalho digno); do meio físico (acessibilidade a serviços de transporte, moradias e vizinhanças seguras e apropriadas, água limpa, ar puro e alimentos seguros); sociais (apoio social, educação e alfabetização, prevenção de violência e abuso), e ainda serviços sociais e de saúde (orientadas para a promoção da saúde, prevenção de doenças, acessíveis e de qualidade).

O processo de envelhecimento do corpo diz respeito à individualidade e a processos sociais vivenciados por cada ser (FERNANDES e GARCIA, 2011). Se por um lado, conseguimos apreender algo sobre o corpo físico, por outro, em simultâneo, também construímos uma visão imaginária desse corpo, fundamentando assim um processo de identificações ao longo das nossas vidas (idem).

O culto contemporâneo do corpo e as novas possibilidades de preservar a sua atração, moldam expectativas sociais em relação à corporeidade, independentemente da idade (KRAMKOWSKA, 2019). A sociedade veicula frequentemente, através dos seus discursos e dispositivos mediáticos de que dispõe, uma imagem de corpo centrada na aparência física, atribuindo um valor exacerbado à imagem de beleza e juventude, tendendo a ditar modelos estéticos e comportamentais, que convidam as pessoas a converter os seus corpos num propósito de perfeição, passível de manipulação (COUTINHO, TOMAZETI e ACOSTA, 2013). Orienta, portanto, a visão do corpo para um objeto autómato, desvalorizando a sua característica social e as suas particularidades (idem).

As representações do corpo idealizado, associado sobretudo à juventude, saúde e beleza, na verdade distanciam-se das realidades dos corpos envelhecidos (BLESSMANN, 2004).

A par disso, importa compreender o corpo como algo, também, socialmente construído, e que por isso carrega em si e expressa a história acumulada de uma sociedade que nele marca os seus valores, leis, crenças e sentimentos (COUTINHO, TOMAZETI e ACOSTA, 2013). Estes elementos estão na base da vida social, concorrendo para a construção de múltiplas visões e vivências, positivas ou negativas (idem).

Para Fin, Portella e Scortegagna (2017), a aparência pode exercer influência na qualidade de vida, na autoestima e no convívio social das mulheres idosas em geral, e também em qualquer fase da vida. Kramkowska (2019) alerta para o facto de serem as pessoas cuja aparência reflete os padrões socialmente promovidos, a conquistar uma melhor aceitação social, em contraste com aquelas cujos corpos estão mais distantes da aparência ideal, as quais, com frequência, são vítimas de discriminação com base na sua aparência.

Metodologia

Apresentamos aqui um estudo exploratório, de natureza predominantemente quantitativa, que utilizou um questionário, concebido e previamente administrado na Polónia, a uma população idosa, com 60+ anos de idade (KRAMKOWSKA, 2019)5. Antes de o usarmos, procedemos à sua tradução e adequação da linguagem à realidade portuguesa. A nossa preocupação com a igualdade de género, levou-nos a recorrer a linguagem inclusiva nos diversos itens do questionário. A fim de o podermos validar, administrámo-lo a 6 pessoas idosas, sem perturbações cognitivas, com idades entre 60 e 72 anos. Procurando responder à questão «Como é que pessoas idosas que frequentam a universidade sénior veem o seu corpo?», foram inquiridas/os 19 idosas e idosos, a frequentar 2 Universidades Seniores do Norte de Portugal. O grupo de participantes foi constituído com base nos critérios: idade igual ou superior a 60 anos; sem limitações cognitivas; aceitar participar no estudo, com respetivo preenchimento do consentimento informado. O processo de análise e interpretação dos dados que se apresenta em seguida atendeu à definição prévia de três objetivos de investigação: 1) Analisar como as pessoas idosas caracterizam a sua saúde; 2) Identificar conceções das pessoas idosas sobre o corpo; e 3) Identificar e analisar possíveis relações entre corporalidade das pessoas idosas, sexualidade e bem-estar.

Apresentação e discussão dos resultados

As pessoas inquiridas neste estudo, maioritariamente do sexo feminino (84% mulheres) e com uma média de idades de 70,74 anos, apresentam diferentes níveis de formação designadamente: liceal/secundária (42%), primária (21,1%), bacharelato (15,8%), licenciatura (10,5%) e mestrado (10,5%). Relativamente ao seu estatuto profissional, a totalidade é pensionista, ainda que 10,5% das pessoas salientem o facto de serem domésticas.

Conceções das pessoas idosas sobre a sua Saúde

Os primeiros resultados deste estudo, evidenciam que a maior parte dos/as inquiridos/as avalia a sua condição de saúde como «dentro da média» (68,4%), verificando-se ainda quem considere ter uma saúde «boa» (21%) e «muito boa» (5,3%), e, em sentido contrário, quem assuma ter uma «má condição de saúde» (5,3%). Assumem-se também como «conscientes da sua saúde» (89,5%), ainda que 5,3% refiram que «não são conscientes da sua saúde» ou que «é difícil dizer» (5,3%). Tais achados divergem do que a literatura tem vindo a evidenciar, pois como diz Sakellarides (2019) a propósito do Relatório sobre o Estado de Saúde na Europa (‘Health at a Glance: Europe 2018’), os/as portugueses/as apresentam, em geral e comparativamente com a grande maioria dos outros países da União Europeia, um nível inferior de satisfação com o seu estado de saúde devido, entre outros fatores, à maior prevalência de doença crónica e de incapacidades. Particularmente no que à população idosa diz respeito, também os dados do estudo internacional DO-HEALTH6 (2018) revelam que os/as idosos/as portugueses/as têm baixos níveis de saúde comparativamente com outros países europeus, o que constitui, segundo os seus autores um importante problema de saúde pública.

Ainda assim, como ambos os estudos destacam, o nível educacional assume um papel fundamental para a saúde de todas as pessoas ao longo da vida. Sakellarides (2019), revela que, em média, na União Europeia, uma pessoa com 30 anos de idade com um baixo nível educativo, tem probabilidade de viver menos oito anos do que a que tenha uma educação universitária. Neste sentido, o facto dos/as participantes do nosso estudo serem pessoas com diferentes níveis de formação e que a prosseguem agora na Universidade Sénior, permite-nos constatar a necessidade de discutir a sua relevância para uma melhor perceção da saúde pelos/as próprios/as. Reconhecendo a complexidade inerente a este conceito, partilhamos o entendimento da Direção Geral da Saúde (DGS, 20207) sobre a saúde, enquanto conceito positivo, mais como recurso da vida quotidiana e não apenas como objetivo a atingir. A educação assume nele, de facto, um lugar de destaque (à semelhança de outros como paz, abrigo, alimentação, rendimento, segurança social, relações e redes sociais, empowerment, ecossistema estável, uso sustentável de recursos, justiça social, respeito pelos direito humanos, e equidade), na medida em que condiciona comportamentos e estado de saúde, tendo grande influência no acesso dos indivíduos à informação, e na sua capacidade em beneficiar de novos conhecimentos (MS, 2018).

Conceções das pessoas idosas sobre o corpo

Os/as participantes deste estudo assumiram, na sua maioria, ser «pessoas que cuidam do seu corpo» (94,7%), atribuindo-lhe, no entanto, múltiplos significados. Ainda que a globalidade tenha manifestado o entendimento de corpo «enquanto realidade biológica que consiste em órgãos, tecidos, ossos, músculos, etc.» (100%), subsidiariamente a essa opção de resposta, outros significados foram evidenciados, tais como: uma «realidade biológica que me permite funcionar no mundo» (31,60%); «objeto do meu cuidado e trabalho» (26,3%); o «Meu cartão de visita”» (21%); «o meu corpo sou eu» (5,3%); e ainda, também, uma «espécie de habitat de doenças que afetam o funcionamento do ser humano» (21%), algo «nada de especial» (10,5%), «algo de que não gosto» (5,3%).

No imaginário social, o envelhecimento constitui um processo marcado por algumas perdas, entre as quais o desgaste, algumas limitações, perdas físicas e pela modificação de papéis sociais, na sua maioria sentidas como problemas de saúde, são expressas, em grande parte, na aparência corporal (MENEZES, LOPES e AZEVEDO, 2009). A idade, percebida como parte do passar do tempo, marca o corpo das pessoas (idem). De facto, com a velhice a aparência da pessoa transforma-se, o que nem sempre é aceite por todos/as do mesmo modo. Para Blessmann (2004), a imagem corporal da velhice, é representada pelo declínio físico e visível, e a dificuldade em aceitar este facto induz a existência de um eu visível, que envelhece, e de um eu invisível, que se mantém jovem. Por outro lado, ainda que envelhecimento e doença não sejam conceitos sinónimos, reconhece-se que algumas patologias e síndromes estão relacionadas com este processo e que, com o decorrer do tempo, elas também ocasionam mudanças corporais (MENEZES, LOPES e AZEVEDO, 2009) e acabam por influenciar a perceção do corpo.

O envelhecimento é, de facto um fenómeno biológico no qual se implicam diferentes entidades clínicas (ALMEIDA, 2015). Procurando explorar o entendimento de ‘corpo humano enquanto fenómeno biológico’, verificou-se nos resultados analisados, que para as pessoas idosas inquiridas o que melhor define o seu corpo é uma «multiplicidade de células e sistemas de órgãos que o compõem» (84,2%), seguindo-se o seu «funcionamento biológico que significa sentir as suas alterações, deficiências, incapacidades, dor ou outros estados desagradáveis» (15,8%).

Relativamente à ‘experiência biológica do corpo’, 100% dos/as participantes concordam com as afirmações «o meu corpo trabalha mais devagar do que antes, levando mais tempo para realizar as diferentes atividades» e «a fim de manter o bom funcionamento do meu corpo, eu ainda pratico atividade física», referindo outros/as ainda que «o meu corpo é mais vulnerável e propenso a lesões do que costumava ser» (94%). Por outro lado, em comparação com pessoas mais jovens, as pessoas idosas deste estudo consideram que «experienciam mais o seu corpo do ponto de vista biológico» (63,2%).

O processo de envelhecimento determina alterações significativas e de natureza vária, que se traduzem numa diminuição da capacidade física ou mental da pessoa (em grau diverso) e que comprometem também, de algum modo, a sua capacidade funcional, ou seja, a capacidade para executar um conjunto de atividades da vida diária, que permitem a qualquer pessoa viver no seu ambiente com autonomia e/ou independência (ERMIDA, 2014). Também neste sentido, o exercício e a atividade física constituem importantes coadjuvantes no processo de envelhecimento, não propriamente com o intuito de o evitar mas, essencialmente, pela potencialidade que oferecem a este processo natural, podendo, entre outros, ser um contributo para a valorização da pessoa idosa, nomeadamente ao nível da integração social (CARVALHO e MOTA, 2015). Através da prática de atividade física a pessoa pode realizar as suas tarefas do quotidiano com menos fadiga; pode melhorar as reservas energéticas que lhes permitam usufruir de outras atividades de lazer; obter um mais rápido e completo restabelecimento após um período de doença; minimizar os riscos de futuras doenças; e promover um sentido de bem-estar e de existência pessoal (idem).

Relativamente ao significado de corpo de uma pessoa idosa, 100% concordam ser «Algo natural, normal», assumindo ainda a maior parte ser «Um sinal do passar do tempo e um processo progressivo de envelhecimento» (84%). A perceção do corpo idoso como algo natural e normal, também foi observada nos resultados de Kramkowska (2019), com 96,7% de respostas assinaladas por mulheres e 95,4% por homens, e ainda um sinal do passar do tempo e um processo progressivo de envelhecimento, registando uma percentagem de resposta de 92,7% e de 92% em mulheres e homens, respetivamente. De acordo com Aboim (2014), para muitos homens e mulheres com mais de 65 anos, envelhecer constitui um processo natural, relativamente ao qual não há luta possível, quaisquer que sejam os artefactos utilizados para contrariá-lo.

Neste grupo de participantes há discordância (63%) relativa à possibilidade de o corpo ser algo «indiferente». Relativamente à preocupação das pessoas idosas com a sua aparência, 89,5% consideraram existir essa preocupação, atribuindo-lhe, como principais motivos, o facto de ser «uma via para ter um estilo de vida saudável» (89,5%); de lhes permitir «sentir-se bem e ter um melhor bem-estar físico e mental» (89,5%); e ainda de «quererem ser aceites pelo resto da sociedade, quererem ganhar a simpatia de quem as rodeia» (68%). Estes resultados são consentâneos com os de Kramkowska (2019) que verificou no seu estudo, na Polónia, que as pessoas idosas têm preocupação com a sua aparência, mencionando, concretamente em resposta à questão “porque é que as pessoas idosas de hoje se importam com a sua aparência?”, verificando-se (em 88,1% de homens e 82,8% das mulheres) que esse cuidado se deve ao facto de isso lhes permitir «sentir-se bem e ter um melhor bem-estar físico e mental»; de ser «uma via para ter um estilo de vida saudável» (74,2% das mulheres e 71,3% dos homens); e de «quererem ser aceites pelo resto da sociedade, quererem ganhar a simpatia de quem as rodeia» (73,5% das mulheres e 65,5% dos homens).

Por seu lado, quando questionados/as sobre os ‘motivos que poderão levar as pessoas idosas a não se importarem com a sua aparência’ a maioria discorda da ideia de que «Pensem que não têm que fazer isso, porque têm ou já tiveram um/a parceiro/a» (78,9%) e de que «Cuidar da aparência na velhice exige mais esforço e as pessoas idosas não se querem cansar» (73,7%). Assumem que essa ausência de preocupação, quando se verifica, possa advir do facto de «Não terem recursos financeiros suficientes para atividades relacionadas com o cuidado da aparência» (84%).

Relativamente às determinantes que permitem classificar o corpo da pessoa idosa como atraente, de entre as opções de resposta que se apresentaram ao grupo em estudo, verificou-se que a totalidade assumiu as afirmações «Bem cuidado na higiene pessoal (cabelos bem tratados, unhas, boa aparência)» (100%) e se tiver «roupas escolhidas e apropriadas a cada ocasião» (100%). Referiram ainda a maior parte dos/as participantes que o ‘corpo atraente’ constitui algo que «às vezes pertence às pessoas idosas» (78,9%). Confrontando estes resultados com os apresentados por Kramkowska (2019) na análise desta questão, a população idosa polaca inquirida no seu estudo também assumiu que, o que determina se o corpo de uma pessoa idosa é ou não atraente, é o facto de estar «Bem cuidado na higiene pessoal (cabelos bem tratados, unhas, boa aparência)» (com 96,7% de respostas assumidas por mulheres e 94,3% por homens), seguindo-se a opção se tiver «roupas escolhidas e apropriadas a cada ocasião» (96,7% homens e 92% mulheres).

Conforme vem sendo mencionado na literatura, o envelhecimento parece ser percebido como estando associado à perda gradual do requisito beleza, marcado por uma decadência da aparência resultante da perda de características juvenis (COUTINHO, TOMAZETI e ACOSTA, 2013). Mas, também, como referem Vega, Ramos, Barrios e Quintero (2015), é habitual a construção de imagens de um corpo tipo da pessoa idosa, frequentemente contrário ao que os/as próprios/as pensam sobre si mesmos/as, dos seus corpos e da sua relação com a sociedade, o que favorece a marginalização e discriminação deste grupo populacional.

Neste estudo, a par de uma visão centrada no corpo enquanto realidade biológica, também foi percetível, nas respostas dos/as inquiridos/as, a ideia de corpo enquanto fenómeno social, como «algo que pode ser definido, atualmente, como um fenómeno social em constante mudança, adaptado às regras sociais» (47,4%), ainda que com menor expressão, comparativamente com a visão de corpo enquanto fenómeno biológico. Como refere Blessmann (2004), o que define corpo é o seu significado, tendo ele tanto de natural como produto da cultura, e a sua construção difere de pessoa para pessoa, em cada sociedade, indo, portanto, além das semelhanças biológicas.

Assumem ainda as pessoas idosas por nós inquiridas em Portugal que o corpo envelhecido «não é um fator determinante da posição da pessoa idosa na sociedade» (68,4%), e, quando questionados sobre ‘quais as características do corpo da pessoa idosa que podem indicar uma alta posição social’ (sendo-lhes permitida a seleção de até duas respostas), os/as participantes indicaram: «não o corpo, mas a sabedoria de vida» (78,9%); a «postura correta» (47,4%); e «a aparência geral do corpo, ocultando a sua idade» (26%). Por seu lado, quando questionados sobre ‘quais as caraterísticas do corpo de uma pessoa idosa que podem indiciar uma baixa posição social?’ (sendo permitida a seleção de até duas respostas), as opções mais selecionadas foram «não é o corpo, mas a maneira de ser / estar de uma pessoa idosa que pode indiciar a sua baixa posição social» (89,5%), e «vestuário pouco cuidado» (52,6%).

Corporalidade das pessoas idosas, sexualidade e bem-estar

Relativamente à ‘perceção da corporalidade das pessoas idosa, atualmente’ os/as participantes defendem que «o enfoque atual na corporalidade é um desafio para todos/as e não apenas para as pessoas idosas» (94,7%), que «o envelhecimento do corpo das pessoas idosas não é um problema, porque a sua experiência de vida e sabedoria significam muito mais do que uma boa aparência» (94,7%) e que «o mercado de serviços de hoje pode satisfazer as diversas necessidades das pessoas idosas em termos de sua corporalidade, se elas estiverem interessadas nisso» (84%). Como refere Kramkowska (2019), as expectativas sociais em relação à corporeidade humana advêm do culto contemporâneo do corpo e das novas possibilidades de preservar a sua atratividade.

Algumas mudanças biológicas e fisiológicas que acompanham o processo de envelhecimento, podem ter impacto na imagem corporal, tornando-a menos atrativa (considerando a hegemonia da visão de culto da juventude), e também, de certo modo, causar mais fragilidade e vulnerabilidade (RIBEIRO e PAÚL, 2016). Este processo é acompanhado de várias alterações corporais, nem todas de igual modo visíveis, mas que de alguma forma podem interferir com a perceção do corpo ou até resultar em condicionamentos da vida sexual das pessoas idosas.

Sobre o ‘bem-estar de pessoas idosas relativamente à sua corporalidade’, mais de metade dos/as participantes (57,9%) considera que: «Na sociedade atual, uma mulher idosa pode sentir-se mal e discriminada por causa do seu corpo envelhecido»; que «Na sociedade atual um homem idoso pode sentir-se mal e discriminado por causa de seu corpo envelhecido»; e que «hoje, tanto as mulheres como os homens idosas/os sentem pressão social para esconder a sua idade». Kramkowska (2019), referindo-se à população polaca inquirida, assume como um dos maiores achados do seu estudo, que a discriminação das pessoas idosas com base na sua aparência é uma realidade, tendo os/as respondentes afirmado que percecionam um pior tratamento apenas porque o seu corpo difere do modelo socialmente promovido. Refere a autora, que as pessoas idosas cuja aparência é reflexo dos padrões socialmente promovidos ganham aceitação social, em contraste com aquelas cujo corpo “está longe do corpo ideal” (idem, p.105). Estas últimas, podem mesmo sofrer de discriminação com base na sua aparência.

No que diz respeito às ‘atividades das pessoas idosas de hoje relativas à sua sexualidade’, os/as participantes concordam que, relativamente ao universo masculino, «os homens idosos de hoje, se vestem de maneira mais juvenil, com mais bom gosto e cor do que os de há 25 anos atrás» (100%), e ainda que, relativamente ao universo feminino, «as mulheres idosas de hoje se vestem de maneira mais juvenil, com mais ousadia e cor do que as de há 25 anos atrás» (94,7%), e que «entre as mulheres idosas de hoje, há muitas que querem sentir-se mais jovens, por exemplo, escolhendo roupa ou maquilhagem que não combina com a sua idade» (94,7%), apoiando de igual modo a maioria «o rejuvenescimento moderado das pessoas idosas, por exemplo, cuidando mais da sua aparência, usando roupas mais coloridas, etc» (94,7%).

Como refere Blessmann (2004) o corpo é uma condição carnal que nos dá acesso ao mundo. Se por um lado existe o corpo natural, que é resultado do processo evolutivo e que corresponde a um ciclo biológico, mediante o qual nascemos, desenvolvemos, adoecemos, envelhecemos e morremos; por outro, também existe o fenómeno do corpo simbólico, que resulta das construções sociais, cuja imagem ideal é a da saúde e beleza associada à juventude (idem). Relativamente à sexualidade, ainda que constitua uma necessidade humana básica de relacionamento com os outros, de comunicação, de receber e dar apoio emocional afetivo, de amar e ser amado/a, de viver momentos de intimidade com o outro/a, assume-se, ainda hoje, como um conceito pouco valorizado e/ou sem sentido durante a velhice (RIBEIRO e PAÚL, 2016). Também Gomes (2014), refere que os vários estudos que têm vindo a ser realizados acerca da sexualidade das pessoas idosas, convergem na ideia de que, com o passar do tempo, a quantidade de pessoas sexualmente ativas vai progressivamente diminuindo. Ainda assim, acrescenta o autor, sabe-se que a idade, por si só, não é responsável pela cessação da atividade sexual das pessoas, havendo necessidade de considerar outros fatores, como biológicos, psicológicos e sociais. Quanto maior a presença de atitudes negativas face ao envelhecimento, mais frequentes são as atitudes negativas face à sexualidade na terceira idade e vice-versa (PEREIRA, PONTE e COSTA, 2018).

Considerações finais

O envelhecimento, enquanto processo inerente à vida do ser humano, é vivido e expresso de forma diferente e diferenciada pelas pessoas. Uma vez que tem impacto no corpo torna-se, por vezes, segundo Blessmann (2004), difícil estabelecer se o centro da questão é a velhice ou o corpo.

No estudo apresentado, que teve como intuito analisar conceções de pessoas idosas sobre o seu corpo, verificou-se que este constitui uma dimensão relevante na vida das pessoas e que a forma como o experienciam tem repercussão no seu bem-estar. A interpretação e discussão destes primeiros resultados teve por base contributos do paradigma do Envelhecimento Saudável - não definido por um nível ou limiar específico do funcionamento ou da saúde, mas antes como um processo que permanece relevante para cada pessoa, uma vez que a sua experiência de Envelhecimento Saudável pode sempre resultar em mais ou menos positiva (OMS, 2015) - e também da perspetiva expressa no paradigma do Envelhecimento Ativo - enquanto processo de cidadania plena, em que se otimizam múltiplas oportunidades para a saúde, participação e segurança, com enfoque no potenciar a qualidade de vida ao longo deste processo (VILAR, SOUSA, FIRMINO e SIMÕES, 2016).

Tal como Aboim (2014), considera-se que uma perspetiva de curso de vida que permita outorgar às pessoas com 60+ anos uma posição enquanto agentes sociais, deve integrar, como tem sido argumentado por vários/as autores/as, uma sociologia do envelhecimento que dê voz a cada pessoa, em cuja história se procurem pontos comuns mas também modos, mais ou menos singulares, de viver e experienciar o envelhecimento e nele o seu corpo bem como a perceção relativa ao olhar dos/as outros/as, considerando, ainda, a forma como constroem e/ou vivenciam a sua saúde e bem-estar.

Urge assim, estimular a reflexão e ampliar a discussão da corporalidade no processo de envelhecimento, mais especificamente nas pessoas com 60+ anos, escutando-as, dando sentido e valorizando o que dizem e sentem, de modo a ampliar o conhecimento sobre o corpo e sexualidade no envelhecer, atribuindo-lhes o justo e devido protagonismo na investigação atual sobre a temática.

Referências

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1Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. no âmbito do projeto UIDB/00194/2020.

5O referido estudo foi concretizado em 2018, tendo inquirido um total de 238 pessoas com 60 + anos de idade (118 residentes em casas de repouso e 120 a frequentar uma Universidade da Terceira Idade).

6Um estudo europeu de grande escala, sobre envelhecimento, que procura alcançar estratégias promotoras de uma melhor saúde nas pessoas idosas com mais de 70 anos, e no qual estão envolvidos mais de meia centena de investigadores/as de sete centros universitários da Alemanha, Áustria, França, Portugal e Suíça. Informação disponível na página web da Universidade de Coimbra, consultada em 11/06/2020, em https://www.uc.pt/fmuc/article?key=a-b1abd7453c

7Cf Organization Mondiale de la Santé (1999). Glossaire de la promotion de la santé. Genève.

Recebido: 01 de Junho de 2020; Aceito: 01 de Agosto de 2020

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