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Ensino em Re-Vista

versão On-line ISSN 1983-1730

Ensino em Re-Vista vol.27 no.spe Uberlândia dez. 2020  Epub 29-Jun-2023

https://doi.org/10.14393/er-v27nea2020-10 

Artigos

A fanfic e o spirit fanfic: Algumas considerações sobre relações sociais, internet e potencialidade de uso das fanfics como recurso pedagógico

The influence of fanfic in the perspective of interactive learning

Fanfic y Spirit fanfic: algunas consideraciones sobre las relaciones sociales, internet y el potencial de uso de fanfics como recurso pedagógico

Andrey Lopes de Souza1 
http://orcid.org/0000-0003-3746-7643

Maria Clara da Silva2 
http://orcid.org/0000-0002-3716-0783

Rayane Beatriz Santos3 
http://orcid.org/0000-0003-2255-3012

1Doutor em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia. Professor do curso de Pedagogia da Faculdade Funorte de Janaúba, Janaúba, MG, Brasil. adyhistoria@yahoo.com.br.

2Graduada em Pedagogia pela Faculdade Funorte de Janaúba, MG. mariaclarads05@gmail.com.

3Graduada em Pedagogia pela Faculdade Funorte de Janaúba, MG. rayane-bea@hotmail.com.


RESUMO

A internet cada vez mais está presente nas relações sociais e no ambiente escolar. De vilã, perseguida e vista como esquema inquisitorial em muitos educandários, por outro lado, passa a ser defendida por propostas metodológicas recentes que questionam paradigmas tradicionais de ensino. Nesse sentido, o presente artigo tem o propósito de traçar as percepções dos usuários da rede social Spirit Fanfic quanto suas experiências e estudar a possibilidade de utilizar o gênero fanfic como um recurso metodológico. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de recorte transversal e amostragem por conveniência, desenvolvida através da análise de depoimentos de autores/leitores do fandom d’Os Vingadores. Tal análise traz a comprovação da viabilidade e dos bons resultados da possível prática de transportar as fanfics e o ciberespaço para o contexto escolar, comprovados pelos próprios usuários do site.

PALAVRAS-CHAVE: Fanfics; Leitura e escrita; Comunidade virtual de aprendizagem

ABSTRACT

Internet is increasingly present in social relations and the school environment. From villain, persecuted and seen as an inquisitorial scheme in many students, on the other hand is defended by recent methodological proposals that question traditional teaching paradigms. In this sense, this article aims to trace the perceptions of Spirit Fanfic users regarding their experiences and to study the possibility of using the fanfic genre as a methodological resource. This is a qualitative, cross-sectional research and convenience sampling, developed through the analysis of testimonials of authors / readers of the fandom Avengers. This analysis proves the viability and good results of the possible practice of transporting fanfics and cyberspace into the school context, as evidenced by the site users themselves.

KEYWORDS: Fanfics; Reading and Writing; Virtual Learning Community

RESUMEN

Internet está cada vez más presente en las relaciones sociales y el medio ambiente colegio. De villano, perseguido y visto como un esquema inquisitorial em muchos escolares, en cambio, llega a ser defendido por propuestas preguntas metodológicas recientes que cuestionan los paradigmas tradicionales de enseñando. En este sentido, el presente artículo tiene como finalidad rastrear las percepciones de los usuarios de la red social Spirit Fanfic sobre su experiencias y estudiar la posibilidad de utilizar el género fanfic como un recurso metodológico. Es una investigación cualitativa, muestreo transversal y de conveniencia, desarrollado a través de análisis de testimonios de autores / lectores del fandom de d’Os Vingadores. Dicho análisis aporta pruebas de la viabilidad y buenos resultados de la posible práctica de transportar fanfics y el ciberespacio en contexto probado por los usuarios del sitio.

PALABRAS CLAVE: Leyendo y escribiendo; Comunidad virtual aprendizaje

Introdução

A média de leitura no Brasil, embora tenha apresentado certo aumento, continua aquém do que seria ideal. De acordo o Instituto Pró-livro (2015), pouco menos de um terço da população é considerado leitor. Evidenciou-se também que, entre esses leitores, houve o aumento do consumo de livros por meio digital. Na contemporaneidade, as leituras digitais, seja por preço, seja por praticidade, têm suplantado os livros físicos a partir de suportes eletrônicos e bibliotecas digitais que têm se tornado cada vez mais comum no mundo globalizado (DARNTON, 2010).

Além disso, o processo ensino-aprendizagem não mais se restringe à estrutura física de uma escola, mas o conhecimento estende-se ao ambiente virtual, isto é, ao Ciberespaço, onde, conforme Levy (1999), habitam as comunidades virtuais de aprendizagem. O tradicional conceito de espaço físico da geografia é levado a reboque por novas formas de sociabilidades construídas na rede e, com isso, as noções e concepções de ensinar e aprender estão transformando e sendo transformadas pela tecnologia.

Nesse panorama, marcado pela “sociedade em rede”4, em que a tecnologia informacional está conectada em rede no globo, percebe-se alterações nas sociabilidades engendradas pelos sujeitos sociais. Cada vez mais crianças e adolescentes estão íntimos dessas tecnologias, o que destaca essa geração net (TAPSCOT, 1996), Homo Zapiens (VEEN & VRAKKING, 2006), nativos digitais (PRENSKY, 2001) e geração polegar (RHEINGOLD, 2002).

Sob tal raciocínio, faz-se fundamental a adequação das instituições de ensino quanto as suas metodologias e posicionamentos referentes não apenas à quantidade, mas, principalmente, à qualidade da leitura e da escrita de seus estudantes, em razão de haver, agora, a necessidade de desenvolver competências que tornem os sujeitos aptos a utilizar e vivenciar eficazmente as ferramentas digitais. Nesse linha de raciocício, o presente trabalho a partir de um estudo de caso qualitativo com amostra por conveniência de usuários da comunidade virtual do fandom Os Vingadores do Spirit Fanfic traça as percepções e experiências dos mesmos nessa rede social em vistas a levantar as possibilidades e potencialidades do uso do gênero fanfic como recurso pedagógico. Nessa interpretação, o presente trabalho justifica sua relevância ao apresentar o gênero fanfic como uma metodologia polivalente e interdisciplinar prevista na BNCC e ao analisar o Spirit Fanfiction5 como uma comunidade virtual que pode ser utilizada como uma comunidade virtual de aprendizagem, pois se trata de um recurso capaz de desenvolver as habilidades que farão, de fato, diferença na realidade que os discentes já estão vivenciando.

Para este trabalho, foi utilizada a metodologia de recorte tranversal, qualitativa com mostra por conveniência, em que foi analisada a interação e a interatividade do fandom d'Os Vingadores/Avengers do Spirit Fanfiction, abordando a aprendizagem coletiva e colaborativa. Através de análise da rede social do Spirit Fanfiction a fim de verificar as percepções e construções/(re)elaborações que seus usuários constroem no processo de leitura e escrita. Como instrumentos de pesquisa, além do próprio site, foram colhidos depoimentos dos usuários.

A Internet e as relações sociais

Como exposto por Castells (1999), a tensão gerada pela Guerra Fria (1945-1989) entre a União Soviética e os EUA trouxe à mente do diretor da ARPA, Joseph Licklider, o seguinte pensamento: seria possível desenvolver uma tecnologia capaz de transmitir dados seguros que não fossem interceptados e que não pudessem ser perdidos mesmo que seus remetentes sofressem um bombardeio ou algum outro trágico fim? Seguindo essa linha de raciocínio, colocou-se em prática o desenvolvimento da pesquisa. E assim foi elaborada a Arpanet, um sistema de computadores que mantinha a comunicação entre os militares e os pesquisadores. Com expansão a outros países, em 1982, ela passou a ser uma rede internacional, chamada então de internet - International Network.

A internet se expandiu de tal maneira que a estrutura organizacional de todos os setores que compõem a sociedade dessa Era modelou-se sustentada por essa ferramenta, como evidenciado por Kearley (2012), em escala local e global. Seja na economia, seja na política, na educação e na cultura, o fluxo contínuo e vertiginosamente veloz da produção e da transmissão do conhecimento assumiu a palavra de ordem. Nos dias atuais, sendo a internet e a globalização aliadas no contínuo processo de evolução estrutural da sociedade, as possibilidades de aquisição de conhecimentos constituem poder adaptativo. Desse modo, indivíduos que, além de possuir, sabem utilizar os recursos, têm a possibilidade de fazer parte, ativa e integralmente da sociedade.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, faz-se necessário que o setor educacional se adeque às novas tecnologias, bem como à velocidade do seu surgimento provindas da globalização, para que, assim, se possa construir as competências que o novo arranjo social exige dos indivíduos (KEARLEY, 2012). Numa tentativa de viabilizar o desenvolvimento dessas competências, profissionais da área da educação procuram fazer uso de novos recursos em sala de aula, dentre eles, as metodologias ativas.

Metodologias Ativas

Na concepção de Amaral (2017), a defasagem no ensino-aprendizagem é consequência da relação não dialógica entre o que é ensinado e as necessidades reais do aluno, fato decorrente dos métodos tradicionais. A descontextualização e a falta de aplicabilidade da aprendizagem oferecida trazem aos discentes a concepção de que os saberes da escola não lhes serão úteis. Por isso, as metodologias ativas surgem como recurso e atitude pedagógica para favorecer o processo de autonomia do estudante, instigando-o a curiosidade e estimulando-o na resolução de problemáticas cotidianas, trabalho em grupo e tomadas de decisões.

Entende-se como metodologia ativa “um processo amplo e que possui como principal característica a inserção do aluno/estudante como agente principal responsável pela sua aprendizagem, comprometendo-se com seu aprendizado” (OLIVEIRA; PONTES apud HAUSCHILD; VIVIAN, 2018, p. 3).

Nessa mesma visão, Ferreira e Ferreira (2012) apontam para a necessidade de viabilizar conhecimentos úteis e similares à realidade experienciada pelos alunos, aprimorando dessa forma sua criatividade, criticidade e aptidão perante as adversidades.

Kearley (2012) define a sala de aula, no modelo tradicional de educação, como um espaço ilhado que raramente estabelece ligações com o mundo exterior. O isolamento provocado pelo tradicionalismo didático das escolas gera o afastamento entre os conteúdos curriculares e a realidade social dos discentes. Em contrapartida, o autor defende que estender a educação a espaços na web viabiliza a conexão entre os alunos de todas as partes, conhecimentos de todos os níveis e, por que não, entre outros especialistas na área de estudo em que se deseja aprofundar.

Nessa perspectiva, as fanfictions constituem um recurso pedagógico dentro do conceito de metodologia ativa que promovem o desenvolvimento da alfabetização digital, da interação social, da criatividade e da produção textual.

Fanfic como proposta de metodologia ativa

Com o avanço das tecnologias, os livros, enquanto objetos físicos, perdem espaço para os e-books, celulares smartphones, tablets e outros. Como destaca Robert Darnton, estudioso da história do livro e da leitura, “O futuro, seja ele qual for, será digital” (DARNTON, 2010, p.15).

Paralelamente ao livro e aos periódicos digitais, a rede emerge como uma possibilidade de acesso à informação em tempo rápido e dinâmico, com os acontecimentos ainda em processo de constituição. Nesse sentido, a rede apresenta-se como espaço dinâmico, que questiona a noção tradicional de espaço físico da geografia e apresenta o ciberespaço, um espaço em que pessoas que estão em lugares físicos distintos constituem troca de informações, ideias e experiências. Como concebe Lévy (1999, p 17): “O ciberespaço (que chamaremos de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores”.

Na junção dessa redução da procura pelos livros físicos, acrescido o surgimento dessa rede de conexão, a fanfic ganha lugar como uma metodologia importante no processo de ensino-aprendizagem e, assim, os professores devem estar sempre se atualizando à medida que os avanços vão ganhando massa. Vale lembrar que a inclusão digital não é realidade completa e unânime. Muitas escolas, cidades e regiões estão à margem do acesso a computadores e, principalmente, da internet. Além disso, muitos professores ainda não se adequaram a esse paradigma tecnológico.

A utilização da fanfic desperta no discente o gosto pela leitura e escrita, uma vez que tais atividades permitem a narrativa de fatos e acontecimentos com seus personagens favoritos, o que já é um ponto positivo e atrativo no que concerne à leitura e escrita, pois, na definição de Vargas (2011, p. 21) a “fanfiction é, assim, uma história escrita por um fã, envolvendo os cenários, personagens e tramas previamente desenvolvidos no original, sem que exista nenhum intuito de quebra de direitos autorais e de lucro envolvidos nessa prática”. Segundo Vargas, em razão de haver laços afetivos com o original, os fás procuram interagir, produzir enredos, interferir no ficcional e deixar sua autoria, não bastando-lhe apenas consumir a história.

Partindo desse pressuposto, tem-se em mãos uma metodologia ativa interessante para os professores que procuram introduzir de forma pedagógica essa ferramenta em sala de aula como possíveis produções de texto, tendo como base obras favoritas de seus alunos.

Para demonstrar seu potencial como instrumento e facilitador de construção tanto no quesito social quanto no educacional, vale ressaltar o surgimento da Fanfic, ou melhor dizendo, sua evolução através dos anos: As fanzines (fanatic magazine), como exposto por Cavalcante (2012), popularizaram-se na década de 1970 e se tratavam de revistas amadoras elaboradas por fãs, cuja função era a de continuar ou recriar determinada obra. No entanto, com a difusão da Internet, percebeu-se nela um veículo mais prático, acessível e abrangedor e, a partir desse fato, surgiram as fanfics, fanzines que subiram de nível.

Para o fácil acesso e publicação das fanfics, sites e blogs específicos para tais funções foram sendo criados, dentre os quais estão o Exodus Fan Fiction, Shipper X e Aliança 3 Vassouras (LUIZ, 2008 apud CAVALCANTI, 2010). Atualmente, entre os mais utilizados, encontram-se o Nyah! Fanfiction e Spirit Fanfiction, recebendo este último um destaque maior no presente trabalho.

Spirit Fanfiction como comunidade virtual de aprendizagem

Segundo o próprio site, o Spirit Fanfiction “é uma plataforma de autopublicação de livros, sejam eles no formato de Fanfics ou de Histórias Originais”, com 2.795.198 usuários cadastrados. Criado em 2006, o site recebia o nome de Anime Spirit, no entanto, em virtude de não mais abrigar somente fics de animes, em 2013, seu nome foi alterado para Spirit Fanfiction.

Vale salientar que, para publicar fanfics ou imagens, é imprescindível que as normas do site sejam atendidas, entre as quais destacam-se a não aceitação de trabalhos que apresentem incentivo à violência, ao abuso, à exposição de menores e a qualquer tipo de preconceitos, ou que contenham plágio. O descumprimento das regras é passível de exclusão das obras que as infringirem e, em casos de maior gravidade, o usuário é banido, tendo sua conta cancelada.

A existência de plataformas como o Spirit Fanfics só é possível graças à rede, esta que, em evolução, ocasionou o Ciberespaço, termo que, conforme Levy (1999), foi concebido por William Gibson para nomear o universo de redes digitais no qual se desenrola o enredo do seu livro, Neuromante. A alcunha logo se popularizou e, tendo seu significado adaptado, o Ciberespaço é agora definido como “espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LEVY, 1999, p. 92). Além de comportar maneiras variadas de comunicação, Levy (1999, p. 157) acrescenta que o o ciberespaço comporta uma gama de tecnologias que ampliam, externam e alteram inúmeras funções cognitivas humanas, a saber: “memória (bancos de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulação), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos)”.

O ciberespaço viabiliza que as pessoas ajam ativamente sobre ele, por menor que seja o grau dessa participação, o que Levy (1999) trata como Interatividade. Além disso, permite a ação entre os indivíduos dentro dele, o que seria a Interação, de acordo o autor. Alinhadas Interatividade e Interação, somadas ao contingente variadíssimo de sujeitos que as exercem, consequentemente surgiu uma maneira própria de organização, desenvolvendo-se novos recursos, técnicas, vocábulos, hábitos, costumes e posicionamentos. Tais aquisições, o autor denomina de Cibercultura.

Uma constituição do ciberespaço foram as comunidades virtuais, sobre as quais Sartori e Roesler (2004, p. 3) descreve como agrupamentos humanos no ciberespaço, em que o seu funcionamento está umbilicalmente relacionado primeiro “às redes de conexões proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação” e, depois, “à possibilidade de, neste espaço, pessoas com objetivos comuns, se encontrarem, estabelecerem relações, e desenvolverem novas subjetividades”.

Essas comunidades baseiam-se fundamentalmente “em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais” (LÉVY, 1999, p. 127).

Sartori e Roesler (2004) apontam para comunidades virtuais de aprendizagem, onde o foco é a educação e o desenvolvimento do sujeito; aqui, os saberes são espontaneamente compartilhados e acessados, as pessoas escolhem o quando e quanto interagir. O agrupamento em torno de algo em comum fortalece as relações sociais e, por esse algo ser interessante a essas pessoas, a vontade e a paixão com a qual trataram esses conhecimentos trocados uns com os outros: o processo de ensino-aprendizagem será potencializado, pois, como pensa Rubem Alves, a aprendizagem se dá através do que é prático e necessário ao ser humano.

Diante das características do site Spirit Fanfic, esse site pode ser compreendido como uma comunidade virtual de aprendizagem em razão de: 1) os indivíduos poderem utilizar os recursos oferecidos por ele sobre ele (interatividade), sendo o principal deles a publicação de fanfics. Desenvolve-se a criatividade ao elaborar uma fic/história, adquire-se conhecimentos científicos ao fazer pesquisas para ambientação, enredo e plot da obra, aprende-se formatação no ato de digitar e estruturar a história; 2) os sujeitos se comunicarem entre si através dos recursos da plataforma (interação), como os espaços para comentários, nas mensagens privadas, no serviço de betagem etc.

Resultados e discussão

O presente trabalho buscou verificar, através de um estudo de caso, marcado por uma pesquisa qualitativa de recorte transversal, com características descritiva e analítica e amostragem por conveniência, as percepções que alguns usuários do Spirit Fanfiction - que aqui está sendo entendido como uma comunidade virtual de aprendizagem - têm quanto às fanfics. Optou-se por escolher um Fandom específico, Os Vingadores/Avengers, categoria iniciada no Spirit Fanfiction em 2012, possuindo, até o momento, 4.704 histórias.

Foram enviadas perguntas abertas sobre as percepções que os usuários têm acerca das fanfics e da plataforma virtual Spirit Fanfiction. A coleta de dados ocorreu em dois momentos: em um primeiro momento, exploratório, com 10 usuários aleatórios do Spirit Fanfiction que responderam e-mails com pergunta genérica indagando sobre a percepção dos usuários sobre as fanfics; e um segundo momento com perguntas elaboradas direcionando a traçar percepções quanto às fanfics e ao Spirit Fancic dos usuários de fandom específico d’Os Vingadores, bem como sua potencialidade enquanto comunidade de aprendizagem.

Em um primeiro momento, portanto, foram encaminhadas, no mês de abril, questões abertas a 10 pessoas de fandoms aleatórios. Posteriormente, no período de 01 a 31 de agosto, as questões foram dirigidas a uma amostra de 42 participantes que apresentavam mais de 3 interações no fandom d’Os Vingadores, obtendo-se 11 depoimentos. Ao todo, são 21 depoimentos, de usuários distintos. Os e-mails enviados tiveram como objetivo captar as percepções dos usuários quanto a contribuições das fanfics para a vida pessoal, profissional a acadêmica. A partir de questões não estruturadas solicitou-se aos usuários o relato da eperiência como ficwriter (escritor de fanfic), origem do interesse, relação com o fandom, dentre outros. Ainda foram questionados sobre as relações interpessoais e as fanfics, o tempo empreendido quanto ao site e ao gênero, correlação entre relações familiares e fraternas com o tempo dedicado as fanfics e as experiências negativas e positivas. Esses dados foram categorizados conforme cada questionamento realizado (Contato com as fanfics, relações interpessoais, relações familiares, experiências positivas e negativas) e interpretados de forma descritiva e analítica. No texto, os usuários foram identificados a partir das iniciais dos nomes cadastradas no Spirit Fanfic, sendo os depoimentos referenciados como citações, conforme o original. Ambas as coletas serão analisadas e discutidas abaixo.

Contato com as fanfics

Na primeira amostragem colhida, 10 usuários, que abrangia fandoms aleatórios, obtiveram-se diversas percepções sobre o primeiro contato com as Fanfics e o Spirit Fanfic. Grande parte dos sujeitos sociais teve contato por acaso e, aos poucos, foram se tornando partícipes ativos das comunidades:

As fanfics, só conheci quando ganhei meu primeiro celular. Vi algum comentário em um grupo do finado Orkut e pesquisei. Como já era viciada em desenhos, ficção e em ler, foi um paraíso na Terra. As fics me conquistaram ainda mais que os livros, porque permitiam que eu imaginasse meus personagens favoritos em outros cenários, com outras histórias e outros romances e até mesmo comigo mesmo. AM

A passagem acima é representativa e apresenta percepções recorrentes do contato com as Fanfics. O Spirit Fanfiction proporcionou equacionar imaginação-leitura-tecnologia-diversão de forma a permitir a aprendizagem. Os “outros cenários” e histórias que foram elaborados pela autora permitiram uma interação com as histórias, em um processo de autoria do leitor que permitiu reconstruir histórias que poderiam ser lidas por outras pessoas, aumentando o campo de possibilidades do processo de leitura que o livro proporcionava.

Na segunda amostragem, com a abordagem voltada para o fandom dos “Vingadores”, foram colhidas outras narrativas que apresentam formas diferentes de contato com o gênero fanfic:

Usuária 1: Eu comecei a escrever em 2009, quando aqui o spiritfanfiction era animespirit, sim, há muito tempo, e não iniciei no fandom d’Os Vingadores, e sim no do Dragon Ball. Meu interesse surgiu ao fazer amizade com algumas escritoras da categoria de animes que me incentivaram a escrever, ainda mais por estar passando por alguns momentos difíceis de adolescente. LR

Usuária 2: Eu comecei lendo uma fanfic no Nyah!Fanfiction no universo de Percy Jackson e os Olimpianos, ela foi indicada por uma amiga minha desse mesmo fandom. Foi a minha primeira interação com esse tipo de leitura e eu achei incrível que pudéssemos fazer esse tipo de coisa. MW

Usuária 3: Bem, primeiramente, acho que posso começar falando que meu interesse por escrever fanfics começou quando eu tinha 13 anos e era fã de animes, como Dragon Ball e Naruto, por exemplo. VQ

Todos os usuários apresentam-se como fãs de algum anime. Uma rede de interesse é constituída por pessoas com afinidades e gostos em comum, seja trocando quadrinhos, seja indicando séries, filmes, desenhos e outros. O gosto pelos animes remete à infância e à pré-adolescência, o que indica que o contato com a fanfic nessa fase tão importante de aprendizagem revela-se de extrema relevância.

Vargas (2015) aponta a inevitabilidade de ser afetado pela indústria de entretenimento, uma vez que, cotidianamente, as pessoas estão expostas a produtos midiáticos, tais como filmes, livros, músicas, entre outros. A essa influência, a autora atribui o surgimento das fanfics, ao afirmar que esse gênero “nasceu da interação dos fãs com produtos da indústria de entretenimento.” Constata-se a veracidade da afirmação de Vargas (2015) nas declarações das escritoras entrevistadas, visto que a maioria descobriu a fanfic a partir do seu interesse em animes.

Os relatos possibilitam ainda inferir que sua iniciação na escrita do gênero aconteceu, quase que majoritariamente, no início da adolescência, fase em que, de acordo com Iamarino (2017), o ser humano encontra-se mais suscetível a novos gostos, pois o cérebro, além de possuir poucas referências, ainda está em formação. Comprova-se, portanto, que é exequível para a comunidade escolar tornar prazeroso aos olhos dos jovens o hábito de leitura e escrita. Essa constitui um ferramenta que faz parte do cotidiano dos jovens que pode ser utilizada pelos professores para instigar os alunos a escrita, afinal essa geração está acostumada ao contato com a internet e as redes sociais, constituindo sociabilidades e cultura. A Base Nacional Comum Curricular-BNCC prevê a fanfic como uma linguagem contemporânea que pode ser empregada como forma de proporcionar uma prática pedagógica na educação básica.

Relações Interpessoais

Analisando as respostas obtidas, percebe-se que a maioria dos entrevistados concorda que as fanfics e a plataforma em si proporcionam um ambiente favorável para que se desenvolvam relações interpessoais, possibilitando a construção de amizades que vão além da convivência no site, comprovado pelos próprios membros da plataforma:

Usuário 4: Através de comentários, fiquei próxima de muitos leitores e escritores, interagindo bastante com eles pela timeline também, além de grupos no WhatsApp, Telegram, grupos no Facebook. Isso não foi algo que aconteceu só no Spirit. Uma das minhas melhores amigas conheci no Nyah e hoje conversamos sobre assuntos diversos, não só fanfics. HPR

Usuário 5: Pelo menos, para mim, após começar a escrever e ler, eu já fiz muitas amizades e conheci muitas pessoas por conta das fanfictions. Também acho que melhora a capacidade de comunicação, já que os atos de ler e, especialmente, escrever, exigem concentração e expande a mente para palavras novas e jeitos de se expressar, o que pode aproximar e melhorar a interação entre as pessoas. L

Usuário 6: É uma ferramenta social muito boa, conheci pessoas lindas que leram minhas histórias ou que escreveram minhas histórias favoritas, também acabou sendo um dos interesses em comum com uma de minhas amizades mais preciosas e nos ajudamos e incentivamos mutuamente a continuar a escrever todo dia, falando sobre ideias, revisando os textos um do outro, recomendando ou “desrecomendando” histórias. BC

Como expõe Cavalcanti (2010), os perfis criados nas plataformas de divulgação e publicação de fanfictions são, habitualmente, anônimos, o que não prejudica o fato de tais sites e blogs funcionarem como facilitadores para a criação de laços no ciberespaço e/ou fora dele, sendo justamente o contrário: o anonimato pode favorecer pessoas mais tímidas, conforme salientado abaixo:

Usuário 7: Acho que foi por essa insistência em escrever e por começar a ter uma frequência maior de leitura que acabei melhorando a forma como escrevia. Também consegui boas amizades nesse meio, virtual ou não, e, parando para analisar hoje, percebo que isso fez com que minha dificuldade em me expressar melhorasse consideravelmente, já que falar até com pessoas anônimas me deixava muito ansiosa. Foi através das fanfics que adquiri muitos conhecimentos, tanto úteis quanto inúteis, fiz ótimas amizades, tive ciência de várias realidades diferentes da minha e descobri que minhas primeiras histórias eram terríveis de tão mal escritas. Mas fazer o que, não é? É vivendo e aprendendo. M

Um dos muitos predicados das instituições de ensino é desenvolver o indivíduo socialmente e, geralmente, parte dessa função é cumprida através de trabalhos em grupo mediados pelo docente. No entanto, essa prática pode muito bem ser estendida para o mundo virtual - o ciberespaço - onde, confirmado pelos próprios utilizadores do Spirit, é de fato possível estabelecer vínculos com outras pessoas. Segundo Jerkins apud Vargas (2015), a internet pode ser utilizada como maneira de aperfeiçoar habilidades e/ou expô-las comercialmente, criando assim laços sociais na rede, ocasionando a emergência das comunidades virtuais. Desta forma, essa constitui uma oportunidade de romper com o modelo de ensino tradicional que não atribuía espaço para os conhecimentos provindos dos alunos, sendo a utilização da fanfic como metodologia metodologia ativa a partir do processo de autoria de suas próprias histórias pode favorecer a autonomia do educando incitando a curiosidade, a criatividade e a perda da timidez (AMARAL, 2017)

Fanfics e relações familiares

Existe a preocupação de que passar demasiado tempo nas redes sociais interfira nas relações familiares e na socialização dos indivíduos fora do ciberespaço. Nas respostas obtidas a pergunta sobre o tempo dedica a internet e as fanfics os mesmo relatam que administram seu tempo para escrita e interação no Spirit de maneira consciente e controlada. As respostas atribuídas não são suficientes para demonstrar uma generalidade de todos os usuários, mas são representativas para captar as percepções dos mesmos quanto ao tema.

Usuário 1: Eu não acho que as fanfics em particular dificultem a vida social de alguém, obviamente tudo em excesso não é saudável e você precisa ter a sua mente em outros lugares. Mas assim como eu mesma em algumas épocas, muitas pessoas recorrem a alguma coisa para que possam se distrair ou afastar de algum problema e isso pode incluir familiares ou amigos. MW

Usuário 2: Acho que tudo pode atrapalhar se a pessoa passar muito tempo naquela atividade, priorizando-a ao invés de administrar melhor o tempo e dar atenção a outras tarefas do dia, familiares e amigos. Fanfics podem atrapalhar, redes sociais podem atrapalhar, passar o dia inteiro lendo um livro ou maratonando uma série atrapalham do mesmo jeito. É preciso administrar o tempo e ter consciência de que a vida não se resume a uma única atividade. HPH

Usuário 3: No meu caso, em especial, não acho que as fanfics atrapalhem a convivência com família e amigos, até porque eles nunca se opuseram ao fato de eu escrever, e alguns até me apoiam. E o tempo que eu passo procrastinando sem escrever é o tempo que eu passo com eles, então n’é? kkk. VQ

Como aferido acima, os entrevistados alegaram que, se usado conscientemente, o site ou quaisquer outros meios tecnológicos não influenciam em suas relações familiares. Depende da forma como cada um utiliza essa ferramenta. Ao relacionar as análises de Virilió (1998), que propõe que “cada motor modifica o quadro de produção de nossa história e também modifica a percepção e a informação”. A internet, apropriada pelos sujeitos sociais, contribuiu para modificar o itinerário da vida e cotidianeidade da sociedade mundial. Segundo o autor, o problema são as apropriações realizadas pela internet, e os riscos totalitários da mesma quanto as relações pessoais. Os sujeitos apontam experiências diversas com a internet, sendo que alguns afirmam que houve fortalecimento de laços com amigos com interesse comum pela fanfic, e outros relataram que deve haver consciência quanto ao uso, assumindo que pode haver o prejuízo não apenas quanto a fanfic ou a internet, mas todo hábito em excesso.

Experiências concordantes

A Drª Rösing, em introdução ao “O fenômeno fanfiction”, de Vargas (2015), classifica o mundo das fanfics como um campo vasto de exemplos, no qual discentes comprometem-se de maneira afetiva e intelectual com determinado texto. Para Rösing (ano e página), esse envolvimento os deixam aptos a posicionamentos críticos, pois “[d]esenvolvem categorias de análise para expressar julgamentos e os refinam e compartilham em debate comunitário”. A autora adjetiva todas essas experiências como sendo “altamente educativas”, caracterizando-as como práticas pedagógicas. Essa questão pode ser observada nos comentários abaixo:

Usuário 7: No começo, eu não gostava de escrever, acho que era por causa da escola que me fazia escrever redações de temas que não prendiam minha atenção. Quando coloquei minha criatividade e escrita para algo mais divertido, aprendi. A escrita me ajudou na criatividade, como já disse, evoluir minha escrita e nos momentos que preciso relaxar. Como me formei em produção multimídia, tinha muita aula de roteiro e ser uma ficwritte ajudou na “bagagem” que tinha de criação de história e, também, as aulas de roteiro ajudaram a melhorar meu desenvolvimento nas histórias, o que me incentivou a pensar no que queria no futuro. LR

Usuário 8: Fanfic foi uma maneira muito legal de voltar ao hábito de escrever para mim, eu costumava fazer muito quando era mais nova e acabei deixando isso de lado, com a perspectiva de poder escrever coisas com os meus personagens preferidos me motivou bastante. Então escrever fanfic foi bastante benéfico para mim, em várias partes da minha vida. Para começar, eu comecei a escrever bastante e, evoluindo a minha escrita ao longo dos anos, aumentou bastante meu vocabulário e as pesquisas que eu fazia para conseguir escrever as histórias me deram muitas informações legais (as vezes, bastante inúteis num conceito geral, mas ainda assim conhecimento HAHAHA). Hoje em dia, eu estou começando um projeto original de livro e eu não acho que teria sido possível estar tão longe e realmente me encontrado na escrita se não fossem as fanfics. Não só em projetos literários em si, mas agora na faculdade eu vejo como é ÓTIMO você ter alguma facilidade em leitura e escrita, especialmente no meu curso. MW

Ao analisar as respostas quanto aos pontos positivos sobre o contato com as fanfics é possível perceber que todas as respostas apontam que os usuários aprimoraram habilidades de escrever. Muitos jovens perderam a timidez e começaram a escrever suas histórias, sendo encorajados a continuar escrevendo quando perceberam que diversas pessoas comentavam seus textos, como é possível perceber com o usuário 8 que está escrevendo um livro. A habilidade em escrever foi aprimorada, conforme relato dos usuários, o que ajudou alguns deles na faculdade a desenvolver trabalhos escritos. Como relatou o usuário 7 “no começo, eu não gostava de escrever, acho que era por causa da escola que me fazia escrever redações de temas que não prendiam minha atenção. Quando coloquei minha criatividade e escrita para algo mais divertido, aprendi.” Um modelo de escola tradicional baseada na “decoreba”, que pouco instiga a escrita criativa e autônoma dos alunos, em que o educando aprende a transcrever frases e ideias de livros e sites ocorre sem qualquer crítica. A iniciação científica, prevista na BNCC ainda não foi implantada nas escolas de educação básica de forma plena, o que dificulta o pensamento crítico dos alunos e, principalmente, revela o choque de conhecimentos e realidade quando o jovem chega a Universidade e é informado, sobremaneira, que escrever sem dar o crédito ao autor configura plágio, uma prática aprendida na escola e que agora precisa ser revista.

Por isso, a fanfic pode se tornar uma ferramenta para atender a sociedade contemporânea e chegar a juventude, sua linguagem, afinal o brasileiro pouco lê. A quarta edição da pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro (2015), demonstrou que apenas um terço dos brasileiros afirma gostar de ler e fazê-lo com a frequência mínima usada como critério pela pesquisa (um livro em três meses). Ademais, a pesquisa apontou o significativo aumento na leitura de livros digitais, sendo os celulares considerados o maior suporte. “Entre Leitores o percentual de quem já leu livro digital é 34%. E já entre quem gosta muito de ler, 38%” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2015, p. 106).

Concomitantemente, Vargas (2015) denota que as práticas tradicionais de leitura já não satisfazem os jovens brasileiros. A autora defende que criar fanfictions colabora para a superação da passividade que o sistema escolar atual relega aos alunos brasileiros, uma vez que existe a possibilidade de editar, opinar, sugerir, dentre outros.

Depreende-se, através dos resultados do Pró-livro, da afirmação de Vargas (ano) e dos depoimentos de ficwriters que as fanfics e as plataformas digitais que as comportam constituem, verdadeiramente, uma ferramenta pedagógica de motivação, iniciação e aprimoramento para a leitura e a escrita.

Experiências dissonantes

Como evidenciado por Cavalcanti (2010), as plataformas digitais, como o Spirit, por exemplo, permitem ao usuário manter-se anônimo, opção comumente aceita, uma vez que as contas no site consistem, majoritariamente, de perfis com nickname, destituídos de fotos ou dados pessoais. Para Bauman (2004) apud Ferreira (2016), o anonimato confere ao indivíduo a sensação de segurança. No entanto, a liberdade e segurança aparentes podem levar as pessoas a sentirem que não serão punidas por suas ações na web, tornando-se inclinadas a comportamentos nocivos que, presume-se, não assumiriam fora dela. No Spirit Fanfictions, apresentaram-se as seguintes situações:

Usuário 10: Sobre as experiências negativas, tem duas que são mais marcantes, nos dois períodos em que fiquei ativa aqui no Spirit. O primeiro foi quando eu ainda era novata no mundo da escrita, lá no auge dos meus 13-14 anos, e postava tranquilamente minhas fics de Dragon Ball. Tinha esse usuário que, todo capítulo que saía, o abençoado ia fazer textão criticando absolutamente tudo, desde o enredo da história até a forma que eu escrevia. Isso foi um dos fatores que me fez excluir minha conta e migrar para o Nyah, porque minha autoestima estava bem abalada. Pensei que, talvez se eu postasse em algum lugar onde ninguém me conhecesse, isso não iria acontecer de novo. E foi onde eu passei a escrever no fandom de livros adolescentes, até passar para os Vingadores. E a segunda coisa foi ali por meados de 2017, quando minha fic "O Soldado e a Sentinela" estava hitando muito, com cada vez mais gente favoritando. Eu comecei a reparar que muitas meninas estavam plagiando o meu enredo, quase por completo. E não era uma ou duas, eram várias. Acho que o pior era ver umas leitoras comentando esses plágios chamando de "história maravilhosa e diferente das outras", sendo que o negócio era praticamente uma cópia paraguation da minha fic. Eu fiquei tão triste com isso que sumi da plataforma por meses, voltando só no fim do ano, com a fic já terminada. Resolvi voltar a escrever por conta das leitoras que não mereciam ficar sem o desfecho da história que elas acompanharam desde o começo. VQ

Usuário 11: Quanto a experiências negativas dentro do mundo das fanfics, sempre tem. Algumas histórias ultrapassam limites e abordam ou romantizam temas muito delicados e de forma insensata. Não foram poucas as vezes que denunciei histórias por pedofilia ou romantização de estupro. Acredito que possamos usar as fanfics como forma de comunicar esses assuntos, mas de forma adequada, conscientizando as pessoas sobre temas importantes de forma mais lúdica.UA

Usuário 1: O Spirit, por ser algo feito de fãs para os fãs, não possui um "limite" do que pode ou não ser postado. As regras para a postagem de estórias estão claramente descritas no site, mas, infelizmente, algumas vezes, as mesmas não são seguidas. Então não é preciso muito esforço para encontrar fanfics com erros ortográficos garrafais, incoerência nas estórias e até mesmo plágio. Além disso, fanfics com temas sensíveis como: estupro, pedofilia, infantilismo e assassinato são muitas vezes romantizados por alguns autores, tratando isso como algo positivo e até mesmo normal. Claro que fanfics com esses aspectos são excluídas e o usuário é banido permanentemente do site, mas isso ocorre apenas via denúncias feitas por outros usuários e não porque o site em si fez uma revista no conteúdo antes de ser postado. Mas, se tratando de algo feito por fãs, e não possuir fins lucrativos, é fácil compreender que é praticamente impossível existir uma equipe para monitorar tudo o que é postado, já que centenas de fanfics são criadas e postadas diariamente. Os principais responsáveis são os próprios autores, que devem ter consciência do que estão escrevendo e analisar se isso de alguma forma afeta a moral e aos bons costumes presentes em nossa sociedade, visto que crianças e adolescentes também podem ter acesso ao conteúdo postado. M

Usuário 2: Já fui importunada por um usuário que fazia perfis fakes e escrevia comentários desagradáveis em uma fanfic minha. Também já tive uma história plagiada. Mas foram situações pontuais e que, infelizmente, acontecem em qualquer plataforma. Lidei da melhor maneira que pude e segui em frente. Fora isso, às vezes, vejo discussões sobre ships ou gêneros polêmicos, acontece mutirões de denúncias contra um mesmo usuário e troca de ofensas na timeline. Coisas que ultrapassam o limite, mostram imaturidade de alguns usuários e beiram à perseguição. HPR

Usuário 3: Já, porque eu acho que as pessoas são meio passionais nesse tipo de assunto, isso é engraçado de falar, mas eu acredito que muita gente coloca um pouco de expectativa da própria vida na história, na ficção, sabe? E isso torna elas só um pouco reativo, sabe? Qualquer coisa que você fale ou faça que contraria o que ela acredita pode acontecer dela se voltar contra você, então já aconteceu assim, de muita gente se juntar para me xingar por algum motivo, já aconteceu de me ameaçarem por causa de coisas que eu escrevi, sabe? Então é complicado porque a gente confunde o mundo real com o da ficção. A

Existem pontos positivos e negativos quanto ao uso da internet e das redes sociais como recurso pedagógico, o que leva a reflexão dos usos, abusos e da ética nessa relação. Por meio das respostas acima é possível perceber que histórias podem remeter ao estupro, preconceito, pedofilia, dentre outros, o que requer dos usuários realizarem a denúncia. Dessa forma, faz-se necessário, caso o professor se interesse a utilizar o gênero fanfic e a internet como metodologia levar para discussão os pontos positivos e negativos do seu uso.

Os problemas descritos configuram motivos para receio em fazer uso desse tipo de site. Entretanto, em um possível trabalho escolar que abarcasse a ideia de constituir uma comunidade virtual de aprendizagem através da fanfic, esses riscos seriam minimizados pela figura do professor, que atuaria como facilitador da transição de estudante para autor, como mediador na relação autor x autor, autor x leitor e autor x site (modo de funcionamento e regras). Isto é, teria-se a presença do docente e demais componentes do quadro pedagógico amparando todo o processo, garantindo e zelando pela segurança e integridade intelectual e psicológica dos envolvidos.

Considerações finais

Ao traçar as percepções dos usuários das fanfics quanto ao uso do Spirit Fanfic, objetivo central do trabalho, percebe-se que a internet e as redes sociais estão cada vez mais presente no cotidiano dos jovens, sendo uma possibilidade de uso da mesma como recurso pedagógico a partir de uma linguagem contemporânea. Os dados coletados demonstram que os usuários constituem sociabilidades na rede social, sendo as fanfics um estímulo a leitura e escrita.

O presente artigo viabiliza a discussão quanto à possibilidade de inserção das fanfics e de suas plataformas de divulgação no contexto escolar, uma vez que a análise dos depoimentos dos usuários do site Spirit Fanfiction aponta que, de fato, é possível, acessível e exequível transformar esse gênero literário em recurso pedagógico, caracterizando os sites de publicação como comunidade virtual de aprendizagem.

Constata-se que as fanfics, verdadeiramente, despertam a paixão pela leitura, uma vez que o interesse em escrever Fanfics surge através de algo pela qual o autor já nutria certa afeição. Por esse motivo, incentivam o hábito da escrita e o seu aperfeiçoamento. Foi possível perceber que a plataforma comporta os mais variados graus de interação, pois nela os sujeitos têm a possibilidade de agir ativamente, editando, sugerindo, comentando, dentre outras ações.

Embora haja riscos e desvantagens, tais como plágio, assédio moral e exposição a temas inapropriados, estes podem ser extintos com mediação ativa dos educadores que estariam constantemente supervisionando as atividades no site. Além disso, tem-se a favor os administradores da plataforma, aptos para banir transgressores que venham a infringir e/ou importunar os demais membros do site.

Portanto, o Spirit Fanfiction pode consistir um recurso pedagógico a ser utilizado em sala de aula, desde que seja monitorado por um educador e apresente uma finalidade educativa. Longe de encerrar o tema, o presente artigo cumpre o papel de problematizar as redes sociais como comunidade marcada por uma gama de sociabilidades, que evidencia inúmeras apropriações e, desta forma, apontar as potencialidades enquanto instrumento pedagógico capaz de despertar nos jovens o interesse pela leitura e escrita, o que se torna premente o investimento em trabalhos que avaliem práticas em curso conduzidas por docentes que já elegeram o gênero fanfic como recurso pedagógico nas salas de aula.

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5Fanfiction é uma história escrita por um fã, envolvendo cenários, personagens e tramas previamente desenvolvidos no original, sem intuito de quebra de direitos autorais e de interesse por lucro.

Recebido: 01 de Janeiro de 2020; Aceito: 01 de Junho de 2020

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